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Carta ao Rei



sobre o autor

Festejadíssimo Momo,

         Cometo o outrora imperdoável erro protocolar de vos escrever nesta quinta-feira de cinzas, véspera de sexta-feira de cinzas e ante-véspera de sábado de cinzas, para comunicar que já sei de tudo.
         Sei que Vossa Magnificência não passa de uma farsa. Um papai-noel festeiro, por assim dizer.
         Como fui burro. Passei minha vida inteira achando que carnaval era um fato da vida. Uma coisa assim, inevitável. Que nem cocô: uns gostam, outros não. Mas todo mundo tem que fazer. Eu sabia - ou achava que sabia - que por mais que me escondesse a folia sempre me encontraria. Ia para serra e via o desfile pela TV. Na praia eram os blocos. Para o mato também não adiantava ir: acabava aparecendo um eremita com uma garrafa de cachaça e um pandeiro. Até na casa da minha avó, que parecia um lugar neutro, tinha a velha se oferecendo para me costurar uma fantasia. O jeito era relaxar e cair na folia. Depois esperar a ressaca e o pacote econômico que sempre vinham na rabada.
         Mas aí aconteceu o que Vossa Grandiloqüência não esperava. Passei um carnaval fora do país. Sabe o que aconteceu? Nenhum folião me encontrou. Não ouvi parada de bateria, nem solo de tamborim, ronco de cuica, timbala, nada. Aliás, só me dei conta da terça-feira gorda quando já estava acabando. Era como se não fosse carnaval: era fevereiro, mas não era carnaval.
         Foi aí, Vossa Eminência Colorida, que descobri ser o carnaval uma manifestação histórica. Datada. Diria até cultural. Nada regido pelos astros, ou inerente ao ser humano. Nada que não se possa viver sem. Sai-se do país a festa acaba - acabam também a ressaca e as falcatruas do governo. Vossa pompa é disfarçe, Rei Momo. Tira a fantasia e Vossa Mercê não engana mais ninguém.
         É por isso que venho propor um desafio. No ano que vem, quando receber aquela chave das mãos do prefeito, você a vende pro primeiro gringo que aparecer - privatiza a cidade. Com o dinheiro, compra passagens pra quem quiser aproveitar os feriados no exterior. Pra cada um que voltar na hora da ressaca você ganha um ponto. Quem não voltar mais é ponto meu. Se eu fizer mais pontos, no ano seguinte abole-se o carnaval. Se você ganhar, continua tudo como está, porque esse povo merece mesmo sofrer. Topa?
         Ou então, a gente pode fazer o seguinte: cê manda uma grana pra cerveja, eu tomo um porre e esqueço tudo. Preserva-se sua reputação e a estabilidade do país.

Cordialmente,

O Bobo da Corte




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