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Antiquarius



sobre o autor

Anibal sempre dizia que trabalhava pra comer bem. Não ligava pra carro, roupa, essas coisas. Pelo menos não tanto quanto pra comida.

Foi no estômago que ele mais sentiu a dor do desemprego. Tinha umas economias, tinha família pra ajudar se precisasse. Não se pode dizer que passou dificuldade. Um pouco de aperto talvez. Na verdade, a única coisa que teve que abrir mão foram os jantares fora. De resto, sempre vivera, e continuou vivendo, com o necessário. Um apartamento de quarto e sala na Tijuca, roupas, as mesmas de sempre e ônibus por condução. Ah, uma vez por semana ia ao cinema: quartas-feiras, por causa do desconto.

Viveu assim durante meio ano, quando o bolso começou a apertar e o desespero e o sentimento de derrota começaram a surgir. Por influência de umas velhas convicções da juventude, até então não abrira mão de lutar por uma vaga no serviço público. A trabalhar pra encher os bolsos de capitalista preferia a pobreza. Isso até a fome vir bater à sua porta.

Pressionado pelos fatos concretos da vida enterrou o orgulho e, sem abandonar o Jornal dos Concursos, passou a procurar emprego nos classificados dos grandes jornais. O primeiro que encontrasse tomaria, fosse quem fosse o patrão.

Encontrou-o numa grande indústria. Multinacional. Emprego de status. Salário razoável. Não era o que queria, mas lhe restituía, mais ou menos, o padrão de vida de outrora.

O primeiro dia, depois de meses de ócio e humilhação, lhe tirou da cama cedo e disposto. Tomou banho, fez a barba, pôs o terno - novo, ganhou do cunhado especialmente pra ocasião - e foi pro escritório: de táxi. Sentia-se um novo homem. Um quase executivo. O preconceito contra a iniciativa privada tinha esquecido, deliberadamente. Não era bom começar num emprego já tendo cisma com o patrão.

Acostumou-se rápido na brincadeira. Em uma semana já fazia planos pra gastar as economias que nem tinha certeza se conseguiria juntar. Mais uns dois ternos, um carrinho, mobília nova. Ou, quem sabe, em vez disso tudo, uma viagem. Férias na Europa. Vá lá, Argentina já tava bom. Certo mesmo era que no dia do primeiro pagamento iria jantar num restaurante bacana. Sozinho, pra comer camarão sem se individar. Era isso, afinal, que lhe devolveria a dignidade. Um bom jantar. Sonhou o mês inteiro com isso. Conseguia quase sentir o gosto dos crustáceos à sauce bernaise, alguns legumes cozidos, um pouco de arroz - só um tantinho, o suficiente pra humedecer no molho e limpar o prato. E um bom vinho acompanhando, claro. Como era bom ter dinheiro. Faria isso todo primeiro do mês, pra comemorar a chegada do salário.

Chegou o dia e o sonho teve que ser adiado. Por um erro da contabilidade seu nome ainda não tava na folha de pagamento. Seu gerente, constrangido, se ofereceu pra emprestar algum, do próprio bolso, se tivesse precisando. Educadamente Anibal recusou, já que prometeram corrigir o erro em uma semana.

(continua semana que vem)




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