Por Rafael Rodrigues
O que torna a obra de Woody Allen tão interessante em relação ao filme padrão americano, é o fato de percebermos que antes de se tratar de um trabalho bem acabado, competente, um ótimo entretenimento, estamos diante de um artista - alguém que sabe fazer cinema com criatividade, originalidade, inquietação pessoal, uma recusa de fórmulas (mas não de técnica), o que coloca Allen no mesmo rol de gênios como Bergman ou Fellini, e o eleva à condição de único verdadeiro “auteur” do cinema americano.
Woody Allen é conhecido pela grande variedade da sua obra, que se estende desde a comédia escrachada até o filme introspectivo e existencial. Os dois últimos títulos que serão lançados no Brasil, e que já podem ser vistos no Festival do Rio BR 2000, são uma ótima amostra dessa variedade, dentro da qual podem ser definidas algumas linhas principais.
"Celebridades" (Celebrity), de 1998, por exemplo, é mais uma das comédias existenciais de Allen, entre as quais também podemos incluir o seu filme anterior, "Desconstruindo Harry", de 1997, e "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", de 1977. Embora a proposta do filme, em princípio, seja satirizar os valores americanos, em particular o culto à fama, temos a impressão de que trata-se apenas de uma desculpa para que o autor volte a destilar os temas constantes de sua obra: a angústia existencial, a dificuldade de sucesso nos relacionamentos, a frustração do intelectual solitário e incompreendido - amor, solidão e morte. Embora os admiradores mais conservadores possam lamentar a opção do diretor americano por uma narrativa menos amarrada que em outros filmes seus, no fundo Allen continua com o humor e a sensibilidade de sempre (e, seguindo uma tendência de seus últimos trabalhos, um erotismo crescente e delicioso), marcas registradas do seu trabalho.
Já em
"Poucas e Boas" (Sweet and Lowdown), de 1999, é o universo da música
e da década de trinta que voltam a ser focalizados, sob forma da
biografia de um personagem fictício - coisas que já haviam
sido feitas pelo cineasta americano, por exemplo, em "A Era do Rádio",
de 1987, e "Broadway Danny Rose", de 1984. Neste filme, o que salta aos
olhos é a incrível habilidade de Allen em construir personagens
- que é o que realmente sustenta a narrativa, do início ao
fim. Entre um gênio do violão rústico e egocêntrico,
cujos principais passatempos são matar ratos num lixão e
observar a passagem dos trens, e uma "snob" que se sente atraída
por gângsters e assassinos, ficamos fascinados diante da complexidade
e da sofisticação psicológica dessas pessoas, tão
excêntricas e divertidas, e ao mesmo tempo tão humanas, tão
verdadeiras. Woody Allen, em plena forma, mostra mais uma vez por quê
é considerado o único "auteur" autêntico do cinema
americano, gênio cuja obra suscita sempre prazer e admiração.