Biografia

Eu nasci há 41 anos, aqui em São Paulo, num bairro chamado Brás - que era tipicamente italiano e hoje é reduto de imigrantes nordestinos. Quando era pequena, vivia supersozinha e desenvolvi o hábito de cantar. Tenho relação com o meu canto desde que eu me conheço por gente. Eu não brincava com crianças, porque minha mãe tinha um cuidado especial com minha educação, encucações dela. Eu passava o tempo todo sozinha, cantando. Esse era o meu grande barato. Cresci e continuei cantando.

Aí eu comecei a tocar piano, entrei numa escola de piano com quase 5 anos. Era uma grande diversão. Era a única diversão que eu podia ter. E eu me dediquei legal. Eu sempre tive uma musicalidade muito acentuada, muito clara, presente. Lógico que eu fui indo superbem no piano, fui crescendo nisso, até que, de repente, saquei que ia ser muito bom pra mim continuar com música, embora eu quisesse também trabalhar interpretação. Quando eu tocava piano, gostava de interpretar algumas escolas. A barroca, por exemplo. Eu me apaixonei por Bach. Então eu ficava estudando o jeitão de cada escola.

Então fui pra faculdade na Bahia, porque a faculdade de música de lá é tida até hoje como uma das melhores da América Latina. Eu pequei ótimos professores lá. Jamari de Oliveira, Era época do Esmetaqui, de tanta gente legal, do Lindenberg Cardoso, do Wigmer. Eu tive esse privilégio de estudar num momento muito legal da escola. Eu fiz um curso de composição e regência, mas só fiz dois anos e pouco e tranquei matrícula porque, aos 20 anos, ficar oito horas por dia numa escola não estava combinando muito com minha natureza.

Aí eu comecei a trabalhar com teatro. Meu irmão era diretor de teatro da escola da Universidade Federal da Bahia e estava montando um musical chamado "Marylin Miranda", que era uma mistura da vida de Marylin Monroe com a da Carmen Miranda, contada através de uma novela de rádio. Então a gente fazia isso no palco. Era muito engraçado. E desde de que eu apareci cantando no palco aconteceu uma coisa... todo mundo gostou à beça da minha voz, eu também gostei à beça da minha voz e a gente descobriu que era um grande caminho.

Então fui convidada pelo Alcivando Luz para gravar jingles. Eu gravei alguns jingles lá em Salvador. Foi a primeira vez que eu ouvi minha voz no rádio. Foi emocionante, eu tinha 18 ou 19 anos. Aí eu saí de Salvador porque, como toda cidade grande que conserva aquela coisa de província - hoje em dia ela já é outra história -, ela tinha uma coisa de que tudo virava folclore, rapidamente ela me esgotaria enquanto matéria-prima. Eu saí de lá e fui pro Rio de Janeiro, assim, sem saber exatamente o que é que eu ia fazer. Só Fui pro Rio de Janeiro.

Não conhecia a cidade, não conhecia quase ninguém no Rio. Só conhecia alguns baianos amigos. E aí eu comecei a minha vida. Em princípio, eu fiz um figurino para uma peça infantil. E fui fazendo versões do italiano para o português pra uma amiga minha, que trabalhava fazendo esse tipo de coisa na editora Bloch. Eu fazia em casa pra ela e ela levava lá pra revista. Era engraçado.

E um dia eu recebi um cartão dizendo que o Menescal queria falar comigo. Eu achei engraçado, falei "nossa, vai ver que tá tendo algum show de música aqui, de bossa-nova, e esse cara tá querendo me chamar pra fazer um backing, alguma coisa né". E não era. Era porque o Menescal tinha estado na Bahia e tinha assistido a um programa que eu fiz para uma equipe de jornalismo lá. Essa equipe quis inaugurar um programa local em Salvador e eu fiz um especial pra eles. E esse especial foi exibido e essa equipe de jornalismo conseguiu fazer um programa completamente local, que ganhou um horário, aos sábados, depois do almoço. O horário do Vídeo Show foi inaugurado lá com este programa.

E o Menescal assistiu esse programa e ficou encantado com a possibilidade de me contratar para a PolyGram. Ficamos alguns meses assim, um procurando o outro. Quando ele mandava recado, eu não estava; quando eu ligava, ele estava viajando. Até que, finalmente, a gente se encontrou, ficamos grandes amigos... ele é uma gracinha de pessoa. E ele, como diretor artístico da Polygram na época, me contratou. Foi assim que começou a minha carreira.

Quero dizer, cada disco que eu fazia, cada música que eu gravava, era só mais uma condição de cantar. Mas eu não tinha dentro de mim essa certeza do que eu queria, como eu queria, percebe?! Não tinha tido essa vivência. A minha vivência era de fazer música no teatro. Fazer música no piano. E eu estava fazendo música em disco. Não tinha ainda a consciência da cantora e a consciência do que é estar mexendo com um universo tão poderoso como o do disco, da mídia. Isso foi acontecendo ao longo do meu amadurecimento, enquanto ser humano. Então, no primeiro disco não tinha isso, no segundo talvez estivesse começado a vislumbrar um pouco essa coisa. O primeiro foi "Flor do Mal", o segundo foi "Pedaço de Mim". Do terceiro em diante já comecei a entender o universo discográfico de uma outra maneira.

Aí eu vivi no Rio até 1990, quando aconteceu um grande momento interno em mim, que gerou uma modificação externa muito grande, em vários aspectos da minha vida. O mais visível, obviamente, é o profissional, onde fica claro que eu resolvi buscar a coerência e que as minhas escolhas dali por diante seriam baseadas num suporte interno, tanto estético quanto de informações, de formação, e de tudo. E foi assim que, aqui em São Paulo, eu fiz um show pra ser apresentado em Curitiba. E eu já estava sem gravadora, já tinha pedido pra PolyGram me dispensar, porque a gente tava sem uma ideologia em comum. O que eu tinha pra oferecer, eles não queriam; e o que eles queriam, eu não tinha pra oferecer.

Então eu montei este show, chamado "Sobre Todas As Coisas", de piano, voz e percussão. E fiz em Curitiba. Foi um sucesso incrível, a gente começou a viajar pelo nordeste e foi parar no Rio. O Suzano, que tocava comigo, me sugeriu a presença do Lui, que é um multinstrumentista, que toca violão, cello... A possibilidade de ter um violoncello no meu grupo me deixou muito excitada. Isso foi em 1990. Ainda não se usava violoncello em música popular. E assim aconteceu. O Lui foi incorporado, eu fiz um trio e o "Sobre todas as Coisas" acabou virando um disco.

Virou disco porque um fã gravou o show e veio pedir autógrafo na fita. Aí me toquei que isso era pirataria. Não por culpa dele, mas por responsabilidade minha, afinal de contas o cara era fã há doze anos. Sempre que assistia um show meu, saía na rua e comprava um disco. Dessa vez, que o show era bonito pra caramba, ele não tinha disco pra comprar. É injusto. Então eu procurei uma gravadora, de tamanho pequeno, que é a Eldorado, que é bárbara. Foi maravilhosa comigo. E falei "gente, desde que vocês não me façam a proposta indecente de trocar o violoncello por contrabaixo e a percussão por bateria, eu gostaria de gravar esse disco aí". Eles adoraram, não queriam mudar nada e nós gravamos o disco, e foi assim que aconteceu o "Sobre Todas As Coisas". Durou anos.

Em 1993, eu gravei um outro disco dessa fase, inaugurando minha liberdade de escolha, minha liberdade estética. E aí eu fiz o "Valsa Brasileira", já por uma outra gravadora, porque a Eldorado tinha se retraído um pouco no mercado. Então eu fiz pela Velas. Que foi um supersucesso, graças a Deus. Esses discos ganharam prêmio de melhores discos e eu, de melhor cantora. E aí eu fui chamada por algumas gravadoras grandes, acabei ficando com a PolyGram, que é outra Polygram, diferente daquela que eu abandonei. E fiz o "Mais Simples" e agora esse projeto italiano chamado "Per Amore".

O último disco que eu fiz lá da outra fase se chama "Estrebucha Baby", e eu gosto muito. Eles fizeram 20 mil cópias e nunca mais fizeram mais nada. Só pra você imaginar, hoje no mercado negro custa R$ 150 um disco desses. E ele é muito legal, é o único lugar onde está gravado "Meu Erro", que é uma música do Herbert Vianna, superbonita. Um rock legal, mas eu faço só de piano e voz. Superinterpretada. Só tá gravada lá. E é muito bonito mesmo. Eu gosto muito do resultado desse trabalho.

 

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