Minha Infância
Penso que é muito difícil determinar até onde vai a infância na vida de uma pessoa. Em relação a mim, costumo dizer que a passagem da infância para a adolescência foi quando comecei a parar de pensar em brinquedos e televisão, para pensar em esporte e garotas. Antes de me tornar um esportista convencido, já dava meus primeiros passos ganhando campeonatos de botão. Acho que do meu time titular não vou esquecer nunca: Elefantão e Idiota (os beques), Transamazônica, Crioulo, Negresco, Joaquim, Malandro, Piquet, Mattaus e Impotência. Também não dá para esquecer do vídeogame. Desde os bonequinhos quadrados do Atari, passando pelo Master System e terminando com o sofisticado Mega Drive, sempre fui um pouco viciado. O curioso é que minha diversão consistia em bater recordes. Mesmo pequeno eu já era bitoladamente competitivo. Tirava boas notas, mas não ligava muito para escola. Estudava à tarde, e só acordava às 11, ainda assim só para ver Spectraman. Spectraman, para quem não lembra, foi o pioneiro nos desenhos japoneses de luta: o herói apanhava até uma luzinha ficar piscando. Quando isso acontecia, ele aplicava uns dois golpes e matava o monstro cascudo. E nós adorávamos, achávamos o máximo, eu com uns 9 anos e João um pirralhinho de 6. Minha grande aventura era tentar virar a noite: esperava meus pais dormirem com um walkman escondido no travesseiro. Mais tarde, quando tinha certeza que todos estavam sonhando, ligava a televisão baixinho, só pelo prazer de tentar virar a noite. Nem me lembro o que passava. Mulher pelada não era, pois no meu tempo não tinham essas indecências na televisão (como se eu fosse velho). Depois eu ficava cansado, desligava a televisão e ia dormir. Isso tudo antes de meia-noite. Um dia me contaram que Papai Noel não existia, era meu pai que entregava os presentes. Devia ter uns oito anos, e fiquei revoltado. Então todos tinham me enganado durante um bom tempo. A primeira coisa que fiz foi contar ao João, na ingenuidade de seus cinco anos. Assim ele não iria ser enganado como eu havia sido. Eu fui um compositor. Pelo menos era isso que os outros diziam. De sete a dez anos fiz umas músicas, com caráter humorístico. Eram uma porcaria, mas meus colegas do colégio gostavam. Dois anos depois fui fazer filmagens. Fazia sátiras aos comerciais, escrevendo, dirigindo e atuando, tendo meu tio Paulo como Cameraman e meus primos como atores. Apesar dos pesares, gostei muito da minha infância. Foi digna de um bom escritor. Garanto que, se eu treinar mais uns cinqüenta anos, me transformo num escritor digno da minha infância. . |