O
Nascimento |
Não, meus leitores, não é o que vocês estão pensando. Apesar do título, eu não vou descrever meu nascimento, muito menos a época em que era bebê. É que eu costumo dizer que no dia 17 de dezembro de 89 morreu o Eureka e nasceu o Eurico. Eureka era o meu apelido na época em que eu era... lesado (no sentido carinhoso da palavra). Na quinta série do colégio, quando no caderno de ciências Arquimedes gritou heureca, meus colegas associaram a Eurico. Eureka "morreu" em uma discoteca; recordo-me bem, a garota que eu era a fim estava na festa e tinha me chamado para dançar. Disse que me ensinaria, mas eu tinha recusado por timidez. Fiquei dizendo para mim mesmo: "pô, vacilei! Sou um lesado. Mas também, se tiver outra oportunidade, vou lá e falo com ela direito" - texto que qualquer lesado fala para si mesmo. Mas se tem uma coisa que lesado tem é palavra. Aconteceu uma coisa que me obrigou a fazer o que eu tinha me prometido: chegou na festa uma prima do meu primo Guilherme, Débora. Muito bonitinha por sinal, chegou acompanhada da minha tia Bete, que, fazendo jus ao posto de rainha da discrição, gritou sem a menor cerimônia no meio da festa: - Eurico, vem dançar com a Débora! Pressionado pela promessa que eu havia me feito, e pela necessidade de desviar a atenção concentrada em minha pessoa, tomei uma decisão e chamei-a para dançar. Que fria que eu arrumei. Provavelmente foi o maior "mico" da minha vida. E consegui tudo isso dançando uma música lenta. Dançando? Eu disse dançando? Dançando nada. Em pé, robótico, se mexendo apenas com as pernas. Braços modestamente colocados na cintura de Débora, e o corpo a um metro de distância do dela. Muito mico? Nada! A situação só tenderia a piorar. Débora, num ato de crueldade, continuou a dançar comigo quando tocou "Flashdance", música que eu julgava ser lenta, mas que em trinta segundos fica rápida. Imaginem só a minha desenvoltura nesse momento: não existem palavras para descrever tanta infelicidade. Voltou a tocar lenta. Como desgraça pouca é bobagem, um cara seis anos mais velho que eu se aproximou e me deu um copo de plástico, prática que era de costume para a dama trocar de par. Atônito, fiquei olhando para o copo durante alguns segundos. Quando me compenetrei no que estava acontecendo, os dois já estavam dançando, e me restou ir para uma arquibancadazinha que tinha em frente à pista de dança. Sob o meu olhar apenas observador, o cavalheiro que estava dançando com a minha dama começou a fazer gestos não muito "cavalheirescos", como esfregar-lhe as costas, pedindo-lhe o telefone e, possivelmente, outras coisas mais obscenas. A cena durou um tempo considerável, cerca de um minuto, e ninguém foi defendê-la, por vários motivos: tia Bete e os demais familiares estavam do outro lado da festa, e eu e Débora ainda éramos muito inexperientes; ela não sabia como dispensar um tipo desse e eu imaginava que ela estivesse gostando. Garotão ainda aguardando, ela veio falar comigo: - Posso dizer para ele que você é meu namorado? Dizer que eu era o namorado dela? Eurico Rodrigues agora, além de lesado, era corno manso. Não podia deixar que ela abalasse a minha moral. - Pode dizer para ele que eu sou seu namorado. - eu ainda não sabia recusar um pedido de uma garota. E além do mais, pensei, o cara ia ficar tão abobado com aquilo que era capaz de sumir rapidamente dali, após tomar conhecimento da "situação". Não deu outra. Ouvindo a explicação da donzela e sem nunca ter visto um corno tão conformado na sua vida, o cara olhou de relance para mim e não falou uma palavra antes de sair, com a cara mais assustada que eu já vi em toda a minha vida. Depois dessa situação no mínimo lamentável, iniciamos uma conversa bem agradável. Após toda essa aventura eu já tinha perdido grande parte da minha timidez em relação a garotas; e dançar, aprendi aos poucos (ou ainda estou aprendendo, depende da exigência do julgamento). Morria o Eureka e estava nascendo o Eurico. |