Sem os Pais
De tardinha, era normal encontrar Caio na minha casa. Nunca morremos de amores por estudo, por isso nos reuníamos após a aula e bolávamos alguma coisa para fazer. Papo furado vem, papo furado vai, Caio comentou, sem maiores pretensões: -Meus pais vão viajar fim de semana. Ele topou. Adorou a minha idéia. E eu também. Bem verdade que se fosse na minha casa eu não iria ter coragem, mas como não era, empolguei-me com aquilo tudo: um festão dentro de casa, sem os pais de ninguém; como nos filmes de jovens americanos. Começamos logo a organizar o negócio. Caio se pôs a fazer a lista dos convidados, cheio de marmanjos. Não resisti: -Ô, rapaz, você só vai chamar homem pra essa porcaria?! Tudo foi meticulosamente resolvido. Os dias subseqüentes serviram para aperfeiçoarmos os detalhes do plano. Ansiosos, esperávamos o tempo passar. Ainda me lembro bem do dia da festa. Fui cedo para casa do Caio ajudar nos preparativos. Estávamos eufóricos. Euforia essa que diminuía cada vez que chegava mais um homem. Mulher que é bom, nada! As desculpas eram muitas: -A Fulana falou que só vinha se a Sicrana fosse. A Beltrana tinha prova na segunda-feira. E no final das contas não apareceram as garotas. Absolutamente nenhuma. A esperança ficou por conta das meninas do prédio. Enquanto esperávamos, aproveitamos para repassar o regulamento mais uma vez: o primeiro que conseguisse uma garota ia para o quarto do Caio, numa espécie de prêmio. O quarto dos pais dele era intocável. No final das contas, a decepção: só vieram quatro garotas, todas do prédio. Na realidade, três, porque o Caio já estava arranjado. Eram uns onze garotos para três garotas. A maioria dos homens começou a dar em cima tão descaradamente que ficou um negócio engraçado: pareciam ex-combatentes, depois de vários anos sem ter visto mulher. Os que restaram, inclusive eu, esperaram, na esperança que chegasse mais alguém. Lá para às onze horas, nossos estômagos começaram a roncar. Juntamos dinheiro e ligamos para o Mister Pizza (ao contrário das novelas atuais, não ganho nada para citar certas marcas). Eles queriam ligar de volta, ato de costume para confirmar o pedido, mas Caio estava com medo. Seus pais conheciam o filho que tinham, e poderiam ligar para conferir, já que ele deveria estar na casa da avó. A solução encontrada foi bem original: -Faz o seguinte: liga pra cá e deixa tocar duas vezes. Desliga, e liga outra vez em seguida. A mulher achou muito estranho, mas fez certinho. Confirmado o pedido, pouco depois estávamos com a pizza em nossas mãos. Passado algum tempo, vem um indivíduo do banheiro e anuncia: a pia caiu. Fomos todos para o banheiro e constatamos o óbvio: a pia havia mesmo desabado. Tudo bem, o cara estava bêbado, mas mesmo assim, precisava ser muito estabanado para conseguir tal façanha. Nesse momento a festa ficou com toda atenção desviada para o banheiro, a fim de salvar a pele do Caio. "Cola com Super Bonder.", gritou alguém. Outras idéias vieram, de pessoas mais favorecidas intelectualmente e mais sóbrias, até que finalmente a solução foi encontrada: acharam uma massinha que conseguiu segurar a pia e todos vibraram muito (até os que não estavam entendendo nada). Novamente com fome (havia sido pouca pizza para muita gente), os garotos que não estavam paquerando fomos à cozinha assaltar a geladeira e o freezer. A única coisa que encontramos foi um doce de leite congelado e estragado. O dito estado de decomposição só foi comprovado após eu ter perdido na adedanha e provado, já que o cheiro do doce congelado não sugeria nada. Como vocês estão podendo notar, a festa foi um verdadeiro fracasso. Acabou cedo, antes das três. Alguém dedou para a mãe do Caio, e ele ficou sem a chave de casa durante um bom tempo. Os garotos, após ficarem chupando o dedo, organizaram sensacionais e emocionantes campeonatos de buraco, às duas da manhã. Mas no final das contas, foi engraçado, valeu a experiência. |