Fonte: Revista BIZZ
Ano5 Número11 Novembro de1989
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A HISTÓRIA OFICIAL
Por Lorena Calabria
Como
foram os primeiros contatos de cada um com a música?
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Marcelo Lembro que, quando eu era criança,
ouvia muito Tropicália e Beatles. Com uns 15 anos
fui ter aula de violão com Luiz Tatit (do grupo Rumo). Sabia
tocar quase todas do João Gilberto. Eu tocava violão! Hoje
em dia, não sei mais (risos). Cheguei a aprender clarinete,
mas parei quando foi preciso ler partitura. Eu não consigo nem ler
jornal.
Toni Eu ouvia Roberto Carlos e gostava muito
de Yellow Submarine. Aos 11 anos, decidi que seria um guitarrista
de rock. Vi uma matéria numa revista sobre a morte de Jimi Hendrix
e fiquei muito impressionado. Comecei a aprender violão e só
aos 14 fui ter uma guitarra.
Nando A minha primeira lembrança é
de um disco de sucessos que tinha (cantando) "Eu vou voltar aos
velhos tempos de mim..." Era "Casaco Marrom" e eu adorava. Enter meus irmãos
mais velhos, haviam duas correntes: a do rock e da MPB. Lembro de ter assistido
a shows antológicos de Gil e Gal. Ouvia também Beatles e
Led Zeppelin. Tempos depois fui aprender violão e até tive
aulas de bateria com uma velhinha. Só comecei a tocar baixo nos
ensaios dos Titãs. O mais curioso é que, até então,
achava o baixo um instrumento muito chato.
Branco Comecei
a ouvir música através do meu pai. Além da bossa nova,
ele era apaixonado por cinema e me levava para ver aqueles musicais da
Metro. Eu adorava esse tipo de filme. Lembro que eu gostava muito do Roberto
Carlos. Mais tarde, comecei a tocar violão, mas era um cara desafinado.
Tinha que inventar e não aprender. . Eu e o Marcelo fazíamos
músicas absurdas. Chegamos a mandar uma música totalmente
doente para um festival da Brahma. Nos Titãs eu só canto,
mas já compus no baixo, violão e guitarra. tenho uma certa
musicalidade meio esquisita. Eu não consigo, por exemplo, cantar
músicas dos outros.
Paulo Quando garoto, gostava de cantar "Help",
dos Beatles, e "Pata Pata", da Míriam Makeba. No meu prédio,
tinha uma banda que era puro ruído. eu tocava escaleta de boca.
Nessa época, ouvia Led Zeppelin e Deep Purple. Por volta dos 12
anos, fiz aulas de violão. Depois comecei a tocar piano por causa
de uma música do Alice Cooper. Tive aula com uma professora piradíssima,
que sapateava ao lado do piano. Mais tarde, estudei notação,
com uma flauta transversal e passei para o sax sozinho.
Charles Desde pequeno, sempre tive algum contato
com instrumentos de percussão. Ironicamente, o primeiro brinquedo
que ganhei foi um tambor de metal. Anos mais tarde, toquei bumbo na fanfarra
do colégio e até agogô numa escola de samba do bairro.
Decidi que iria tocar bateria aos 14 anos, seduzido por Led Zeppelin e
Deep Purple. quando meus pais saíam à noite, juntava os móveis
da sala, botava os discos no último volume e tocava junto. Demorou
uns dois anos para meu pai perceber que, se não me desse uma bateria,
eu iria destruir a casa toda. Antes disso, eu me virava com a bateria dos
outros.
Sérgio Comecei a gostar de música
muito mais tarde que deveria. Até os 13 anos, esse não era
meu lance. Queria ser pintor. O interesse por música veio por causa
da minha irmã. o primeiro disco que gostei foi "Help", dos Beatles.
Com 15 anos, tive aulas de piano e, depois, passei para o violão.
Não tocava com ninguém, ficava compondo em casa, sozinho.
Arnaldo Durante a infância, me lembro
de ouvir música clássica. Meu pai era concertista de piano.
Depois, passei a ouvir desde um disquinho do Moacyr Franco até Beatles.
Ainda criança, era fascinado pela Jovem Guarda. Comecei a comprar
discos sem conhecer nada. Ia para a cabine da loja e, se gostasse, comprava.
Fiz aula de violão mas nunca tive paciência. Não me
achava capaz de fazer música. Preferia inventar uma harmonia para
poder cantar. Até hoje não sei cantar direito. Comecei a
compor com o Paulo; ele musicava minhas letras. Já nos Titãs,
letra e melodia são feitas em conjunto, apesar de eu ter maior domínio
da linguagem verbal.
Vocês
já passaram por várias bandas antes dos Titãs_ Marcelo,
Toni e Branco no Trio Mamão, o Nando com os Camarões e depois
o Sossega Leão, o Paulo e o Arnaldo na banda Performática...
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Toni Foi freqüentando os shows do colégio
Equipe que conheci o Jorge Mautner e acabei abrindo os shows dele. Eu não
estudava no Equipe, mas através do Barmack conheci o Branco e o
Marcelo e formamos o trio Mamão. Era meio MPB maluco total.
Branco Uma vez tentamos mostrar uma música
"Alcinos" para o Chacrinha e fomos barrados. Tinha também a música
"Rainha Pretinha da Voz Africana", que o Bellotto em em homenagem à
Clementina de Jesus. Um dia ela estava em SP e fomos até o hotel.
Era um domingo, Dia das Mães. Chegamos com dois violões e
uma super 8. Quando ela ouviu a música, começou a chorar
e nos deu uma bênção.
Marcelo Fomos peitudos na época. Conseguimos
patrocínio com a Levi's e tínhamos até outdoor em
SP. Fizemos um show no teatro Bixiga com araras no cenário, meio
tropical. Lembro que eu usava macacão vermelho com lantejoulas.
Era uma festa. Depois do Trio Mamão, nos juntamos ao Salem (hoje
no Clínica), Beto Freire, Macalé e Ricardo Villas-Boas
(ex-Zero) e formamos a banda Maldade.
Nando Vocês tocavam músicas do
Tim Maia, não é? Era um lance meio funk. Já tínhamos
essa coisa de compor, de fazer acreditar. Em 1979, fiz "Pomar" e apresentei
no Festival Secundarista do Colégio Santa Cruz. Formamos uma banda_
Os Camarões_ com instrumentos emprestados. Acabei ganhando o festival.
Mais adiante, teve o 2o Festival da Vila Madalena e fomos classificados
com "Cheiro de Beterraba", uma música da Vange (ex vocalista
da Nau), minha prima. O Paulo e o Arnaldo também escreveram
uma música e a Continental acabou lançando um disco desse
festival.
Paulo Minha primeira apresentação
como profissional também foi em 1979. Com um sax emprestado, fiz
um arranjo para a música do Chico Evangelista, no festival da Tupi.
Também participei com o Arnaldo da Banda Performática: era
divertidíssimo. Eu musicava textos enormes do Aguilar.
Arnaldo Era muito caótico. Eu fazia
uma performace com uma mala cheia de objetos. Inventava atividades inúteis,
como pentear um disco, bater panelas, ou jogar uns discos para o alto.
Paulo Para transformar isso em disco foi esquisito
porque o lado musical era apenas um dos aspectos. Paralelamente, fiz shows
com Fernando salem em outra banda, chamada Bom Quixote.
Charles Eu cheguei a tocar em várias
bandas, algumas ao mesmo tempo. Comecei com a Zero Hora, fui para Zona
Franca , passei pela Santa Gang e acabei entrando para o Ira!, em 1982.
Toquei ainda nos Jetson com o Ciro Pessoa e o Branco, e no Cabine C.
Nando Eu fiquei crooner no Sossega Leão
depois que o Paulo saiu. Tinha show com as duas bandas em locais diferentes.
Durante uma semana saí dos Titãs, logo depois de gravar o
primeiro LP. É que eu ganhava mais dinheiro com o Sossega.
Arnaldo Na verdade, essas atividades não
têm nada a ver com os Titãs. São coisas que cada um
fez no passado. Tem a ver em nível de experiência pessoal
e pelo fato de estar fazendo um trabalho do qual o outro toma conhecimento.
Acho que os Titãs não vêm do trio Mamão ou da
Banda Performática. Não! Os Titãs vêm dos Titãs
porque começamos a cavar um som juntos. Outra coisa que deve ser
esclarecida: o Colégio Equipe não era um lugar de criação.
Simplesmente coincidiu de conjugar pessoas com vontade de criar.
Paulo Foi meio circunstancial. Durante a época
do colégio, não tivemos porque erámos_ exceto eu e
o Arnaldo_ de classes diferentes. A primeira vez que nos reunimos foi para
a "Fita das Musas". Eu e o Arnaldo chamamos as pessoas. Foi meio catalizador.
Marcelo Cada um escolhia sua musa e gravava
uma música. O Bellotto fez uma para Yoko Ono. Foi a primeira vez
que eu, Branco e Bellotto nos reunimos com o Arnaldo e Miklos. O Britto
também estava.
Paulo Além do Trio Mamão, tinha
Ciro Pessoa e Fausto Fawcett, que o Arnaldo conhecia do Rio.
Arnaldo Tivemos o descaramento de lançá-la
publicamente. A fita fazia parte de um kit com livreto sobre a gravação,
incenso e pôster com todas as musas.
Nando Eu não participei, mas fui ao
lançamento da fita no bar Terceiro Mundo, e até toquei. A
partir daí, começaram a pintar uns encontros. Teve o projeto
A
idade da pedra jovem, um evento com várias partes.
Paulo Numa dessas partes, a banda de apoio
saia e ficavam os Titãs do Iê-Iê. Já havia o
revezamento nos vocais. O Nando tocava bateria e eu, baixo.
Arnaldo O resto do show era tocado por músicos
mesmo, o Tuba, o Skoa. Nos não tínhamos nenhum conhecimento.
Essa precariedade de não saber tocar, e a viajem das canções
em si acabou sendo a coisa mais original. Éramos capazes de nos
dedicar de corpo e alma a um projeto grandioso, com uma puta produção
para tocar ao meio-dia, com mais gente no palco do que na platéia.
Os nomes das músicas eram muito engraçados: "Riacho de Ingratidão",
"Menina Moderna".
Marcelo A idéia era fazer uma brincadeira
com os galãs, mas não como chacota.
Nando Era muito legítima. Queríamos
tratar essa estética romântica como nobre.
Sérgio Era uma forma de homenagem,
de culto ao gênero. Esse é um dado marcante até o primeiro
disco. Depois fomos perdendo ou diluindo isso no meio do nosso trabalho.
Paulo Lembro-me que na época foi meio
assim: "Quem vai tocar o quê?". Mesmo com dificuldades de tocar um
instrumento, acabamos nos encontrando, até que chegou um momento
em que realmente adquirimos técnica. O som começou a ficar
pesado porque as pessoas descobriram e foram buscar aquela sonoridade.
Arnaldo Acho que muito da originalidade do
nosso som é fruto dessa equação: não saber
tocar, mas buscar uma maneira particular de executar uma música.
Nessa primeira fase dos Titãs tinha uma consciência da potência
artística dessas canções de AM, dos galãs.
Sempre acreditamos numa cultura de ponta: ou para o lado do lixo ou para
o da esquisitice, do conceitual. Mas essa ponte era uma coisa meio utópica.
Branco Lembro que tocamos músicas do
Tim Maia, Roberto Carlos e Odair José... e era sério.
Nando Imediatamente marcamos um show no Sesc
Pompéia , em outubro de 1982. O repertório era gigante e
não tínhamos baterista. Aí chamamos o André
Jung, aliás, o Paulo é que o conhecia. Na verdade éramos
uns pretensiosos que desprezavam acuidade técnica.
Marcelo Eu não sabia que podia usar
palheta. Meus dedos sangravam toda noite.
Sérgio Nessa época despertamos
um ódio quase inexplicável nas pessoas. A nossa postura no
palco era uma forma de nos impormos. Com um número grande de pessoas
rola uma coisa meio tribal. É verdade. Quando você toca acontece
uma coisa de celebração. Não sei se, sozinho, seria
do mesmo jeito que sou com os Titãs e acho que o mesmo acontece
com todos nós.
Marcelo Quando começamos, tínhamos
uma filosofia de trabalho. Queríamos tocar, gravar. Resolvemos,
então, tocar em qualquer buraco até que alguém nos
visse.
Paulo Tinha uma coisa de deslocamento. No
Napalm, por exemplo, que era uma casa onde as bandas punk se apresentavam,
tocamos Noel Rosa com um arranjo completamente esquisito.
Toni Em todos os lugares, éramos os
patinhos feios do rock. Teve até uma briga em Santos. Depois do
show, saímos na rua de madrugada maquiados e com roupas coloridas
e topamos com uma turma...
Arnaldo Se vestir, se maquiar, se movimentar
no palco eram gestos tão naturais quanto tocar. Era um espetáculo.
As pessoas vão te ver. A gente dava tudo mesmo. Sempre tivemos uma
postura agressiva. isso não veio a partir do Cabeça.
Enquanto postura, sempre fomos muito violentos.
Toni Tem uma passagem que vale a pena citar.
Antes de gravar, fizemos uma investida no Rio, no Circo Voador, em 1983.
Paulo Foi um absurdo. Tocamos depois de uma
banda heavy metal. Era uma situação tão adversa que
eu estava na beira do palco, um cara me puxou, levou o microfone e começou
a gritar um monte de palavrões. Então, eu fiz um carinho
nele (demonstrando afeição). O cara ficou completamente fora
de si e aí eu peguei o microfone de volta.
Sérgio Teve ainda aquela vaia homérica...
Arnaldo Foi quando cantei "Demais", uma balada
brega genial. Aquela vaia alimentava agente. Me lembro de cantar olhando
a cara das pessoas. A gente se nutria de qualquer reação
e usava-a a favor.
Sérgio Além de "Demais", várias
músicas do primeiro disco faziam parte do repertório dessa
época, tipo "Sonífera Ilha", "Pule", "Go Back", "Marvin",
Bichos Escrotos" foi uma das nossas primeiras canções. Aos
poucos, fomos nos tornando conhecidos, como outras bandas. Nessa época,
como todo mundo queria aparecer, o clima era mais hostil que amigável.
Arnaldo Não acho. Eu ia ao show do
Ira! e chapava. Só tinha esse sentimento em relação
ao que tocava no rádio. Pensava: "Pô, o que agente faz é
muito mais legal do que o que estava fazendo sucesso".
Marcelo Nós começamos a produzir
umas fitas demo e mandamos para vários lugares. As respostas eram
mais ou menos assim: não tem gancho, não tem apelo. Daí,
o Peninha foi para São Paulo como olheiro da WEA...
Sérgio Ele é uma pessoa importante
nisso tudo. Foi a primeira pessoa a detectar grupos novos. Os três
exemplos mais obvios são o Ira!, Ultraje à Rigor e nós.
Marcelo O processo naquela época era
gravar um compacto e esperar. Depois, eventualmente se fazia um LP. Recusamos
o compacto porque pra gente não funcionava estéticamente.
Paulo Uma música não pode representar
todo o nosso trabalho. Já tínhamos um repertório com
músicas próprias, todas arranjadas. No fim, lançamos
um LP, só que acabou saindo um compacto logo depois com a única
música que foi trabalhada. "Sonífera Ilha". A mentalidade
deles não mudou e acabou atropelando o disco. Outro dado importante,
é que, geograficamente estávamos fora do circuito, vivendo
em SP. Esse disco é uma demonstração das limitações
que tínhamos. Gravamos numa produção de Jingles em
São Paulo com uma produção superpobre. Mas é
também um retrato fiel, porque fizemos exatamente o que queríamos.
Colocamos todas nossas idéias, os absurdos...
Toni De certa forma, o resultado final ficou
muito distante do que os Titãs faziam ao vivo. Ficamos deprimidos
quando ouvimos.
Marcelo O que veio de bom foi o estouro de
"Sonífera Ilha"...
Arnaldo Foi legal porque assim passamos a
ser ouvidos e fizemos shows no Brasil inteiro. Quem conhecia só
essa música, teve uma surpresa, pois cotávamos com canções
muito diferentes no repertório, com toda aquela agressividade toda.
Daí, vem esse mito de que éramos melhores no palco do que
em disco.. mas éramos os mesmos Titãs, tocando no disco e
no palco, só que o disco foi mal gravado. Éramos imaturos...
Branco Ficou essa coisa de brega porque era
brega aparecer no programa do Bolinha. Víamos uma modernidade em
fazer um trabalho novo, diferente e, ao mesmo tempo nos lançamos
na TV. Na época, foi meio estranho. Tinha o momento do rock e ficamos
à margem. O lance era não se prostituir à TV. Fomos
tachados de Brega, de se expor. mas depois, quase todos que tinham essa
postura, começaram a fazer TV também. Então, acho
que demos uma adiantada no tempo. Era genial estar ao lado do Jerry Adriani,
sem preconceito.
Marcelo Musicalmente, essa atribuição
de brega é mentira. Regravamos "Marvin"e "Go Back", do primeiro
disco. Tudo bem, têm outros arranjos mas eram atuais. Foi um pouco
de ingênuidade nossa. Fizemos dezoito programas Barros de Alencar,
cantando "Sonífera Ilha" com coreografia e roupas coloridas, achando
que seria uma ruptura, mostraria que dava pra fazer algo lá dentro.
Só que a TV te engole...
Nando O problema é que tínhamos
a idéia de usar o playback de uma maneira mais completa.
não vamos fingir que estamos tocando, vamos criar alguma coisa.
Não contávamos com esse tipo de distorção.
Acho que essa coisa de brega, como com Dusek e o Premeditando, em SP, vira
uma relaçào de paródia de quem está de fora
e se acha melhor, capaz de apresentar o "brega" de um jeito engraçado.
Isso não tem nada a ver com a gente. Com os Titãs era uma
propensão legítima; já tinha feito a nossa indentidade.
Arnaldo Essa utopia levou a gente a fazer
muita cagada. Por exemplo, nos apresentamos toda semana no programa Barros
de Alencar achando que aquilo era legal. Em nível de construção
de imagem, foi muito ingênuo, mas em nível de trajetória,
isso teve um imenso valor. Queríamos ser tratados como lixo.
Nando Cabe dizer que só fizemos o que
queríamos. Até shows de playback...
Branco Era o jeito de participar do programa
do Chacrinha. Em vez de a gravadora dar a grana pra gente comprar o espaço,
a gente tinha que pagar com apresentações promovidas pelo
filho dele nos clubes da periferia do Rio.
Charles Nunca mais vou esquecer desses lugares.
Uma vez, visitamos um lugar em Nova Iguaçu que não tinha
luz. Parecia Iraque. Quantas horas amargamos em camarins esperando a nossa
vez de entrar. Saíamos suados, direto para outro clube. Chegamos
a fazer cinco numa mesma noite. Mas também éramos pagos pelos
playbacks.
No começo, era de graça, mas depois nosso sucesso foi aumentando.
A situação era tão absurda, que se fizéssemos
quatro ou cinco playbacks, tinha a impresão de que receberíamos
tanto quanto um show. Eram um jeito de garantir um sustento e foram necessários
para nos relacionarmos politicamente com o pessoal da TV. Tinha gente,
como o Legião, que se recusava a fazer. Nós optamos conscientemente
e não me arrependo disso.
Branco Em suma éramos os bregas. Não
vendíamos porra nenhuma. O público que assistia TV achava
a gente meio doido, esquisitão. E o público mais rock'n'roll
achava a gente brega.
Marcelo Era uma confusão nossa também,
era muito difícil engrenar em oito. Acho até normal esse
começo ter sido confuso.
Nando Achavamos que a nossa sobrevivência
dependeria de acentuar e ampliar justamente esses vetores díspares.
Constatamos o erro depois que fizemos o Televisão.
Marcelo O disco tinha um conceito fechado.
As músicas tinham características muito diferentes, como
os canais de TV.
Paulo A preparação desse disco
foi até meio rápida porque já tinhamos repertório
suficiente. Quando estamos juntos, exercitamos o tempo inteiro. Então,
o que queríamos era fazer o som do disco, porque esse ano de shows
evoluimos muito, adquirimos uma técnica. Daí, procuramos
o Lulu Santos. Ele conhecia o nosso trabalho de palco e já tinha
produzido o Premê antes. Acho que ele só fez somar.
Marcelo Politicamente, foi um erro estratégico.
O Lulu estava brigando com a gravadora. E é obvio que é dificil
trabalhar com oito porque temos uma linguagem própria. Entendo que
seria difícil para um cara sozinho se meter com a gente.
Nando Depois ficou a impresão de que
ele se utilizou dessa produção em benefício próprio...
Toni O problema é que ele era meio
desacreditado pele imprensa em SP. Talvez, produzindo uma banda paulista...
Charles A gravadora encurtou nosso prazo e
tivemos que correr. O Lulu tinha uma viajem marcada e acabou fazendo a
mixagem sozinho.
Branco Não sei até que ponto
o cara foi incopetente...
Sérgio O disco foi feito da forma mais
adequado possível. O problema do resultado final era outro. A idéia
que norteia o Televisão _ isso de apontar de um lado para o outro
_ é muito dificil de ser colocada na prática. Somos completamente
responsáveis e o Lulu não impôs nada.
Marcelo Fora isso, o Ultraje esmagou a gente.
Foi o primeiro estouro depois da Blitz. Acho que a nossa gravadora esmoreceu,
podiam ter feito mais coisas com aquele disco... Tudo bem, não é
um puta disco, mas tem tanta bosta por aí.
Nando Mais uma vez atravesamos uma indefinição
estética.
Charles Em termos de acabamento, acho o primeiro
disco bem mais coerente, mais elegante do que o Televisão.
Nós estávamos exatamente desenvolvendo o lado musical. Tem
gente que demora dois, três discos para atingir a maturidade. Escritos
são assim, nosso caso também. Foram dois discos para dominar
a linguagem musical em estúdio, porque nossos shows já eram
pesados.
Paulo Acho que o grande mérito nosso
é termos conseguido somar cada vez mais. Apartir daí, veio
uma certa unidade, ainda que subjetiva. Com esse lado caótico, chegamos
a esta conclusão: a importancia desse disco é que ele foi
uma lição. A gente precisava ainda encontrar uma direção...
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continua...
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