Rita Lee Jones
Ela continua a "chefa" da gang, provoca mil encrencas, inventa mil histórias. Só ela sabe quem é esse tal de "roque enrou". Foi a miss Brasil dois mil. Tinha mania de doce vampiro. Mas não vacilem, porque ela é cor-de-rosa-choque. Ela é RITA LEE JONES.
Quando era mais novinha, não tinha pudor em gritar para as platéias - "Eu quero que você se:
ToP ToP TOP UUUHHH!!!" A frase, cantada em companhia dos loucos companheiros que então formavam o revolucionário conjunto "Os Mutantes", vinha acompanhada do significativo gesto que até hoje quer dizer o mesmo que queria dizer naquela época.
Depois, cantando sozinha, continuou a dizer e gritar coisas e sentimentos que sempre eram o que todas as outras pessoas gostariam de dizer. Debochou como ninguém da chamada música popular brasileira. Foi o símbolo da nova geração que participava - e ainda participa - da liberação sexual no país, confessando: "Nada melhor do que não fazer nada, só pra deitar e rolar com você..." Pedia apaixonada: "Venha me beijar, meu doce vampiro..." e os novos jovens brasileiros dançavam a canção agarradinhos, como se estivessem ouvindo Glen Miller.
Debochada, irônica; mordaz, romantica, carinhosa, briguenta.Sardenta. Magrela. Símbolo sexual, ídolo e modelo de crianças, jovens É velhos. O nome dela é Rita Lee Jones. Uma mulher polêmica, uma roqueira infatigável, uma moleca honesta que não teve pudor em confessar:
"Meu pai me disse, filha, você é a ovelha negra da familia". Mas, Ritinha, você foi mesmo a ovelha negra da sua família?
A resposta vem precedida de uma risada, misto de deboche e alegre recordação.
-Não sei, o que eu sei mesmo é que era uma menina muito briguenta, teimosa e levada. Minha irmã do meio (ela é a caçula), Virgínia, me chamava de "moleque baiano". Eu ficava tio brava com ela que, por qualquer briguinha, ia lá nos brinquedos dela e quebrava o que ela mais gostava.
Com a irmã mais velha, Mary, Rita não brigava. A diferença de idade era grande e Mary tinha um quarto só para ela. E muitos namorados.
As brigas COm as irmãs passavam logo, e Rita afirma que agora se dá bem com toda a familia. Mas às vezes era duro.
"Acreditem se quiser" desabafa. "Mas existe uma certa dúvida, uma certa divergência minha com Virgínia até hoje. Nós duas queríamos ser as namoradas do gracinha do Peter Pan. Pode?"
Pode, por que não? - "Mas sabe, acho que a Virgínia é que ia ganhar o Peter, porque quando a gente saia na rua com minha mãe as pessoas diziam para ela Ai, que gracinha e diziam para mim Ai, que orelhudinha. Além disso, ela dizia que eu tinha modos masculinos. Você acha?"
Eu, particularmente não acho. E outros milhões debrasileiros são apaixonados pelos modos da Rita Lee. Mas que era levada da breca, isso ela não pode negar. Enquanto não era ainda a moleca-cantora mas apenas a moleca, Rita fraturou os dois joelhos, os dois dedões do pé, o dedo indicador da mão direita, arrancou a rótula esquerda num tombo de bicicleta, quebrou dentes, o braço esquerdo, destroncou os quadris, fechou um sem número de janelas em cima das unhas e - pasmem - quebrou os dois pés ao mesmo tempo!
- Ai foi fogo. Eram dois meses no mínimo de molho. No começo fiquei um pouco desesperada. Mas, depois, entrava em transe. Imaginava que tinha voltado de uma guerra, com os dois pés inutilizados, perdidos para sempre, aleijada, aí meu Deus, que sofrimento'
-Mas eu era uma criança meio chata, eu acho- prossegue Rita - Daquele tipo que pega uma
tesoura, abre o guarda-roupa da mãe e corta todos os vestidos, essas coisas... Ou então fazia xixi dentro da bota de cano longo do meu pai.
Rita só parava de aprontar macaquices quando sua irmã Virgínia punha um disco na vitrolinha. Ela estava proibida de mexer no aparelho da irmã, mas ficava ouvindo de longe. Ou então, quando ouvia sua mãe, dona Romilda, tocar piano. A "Dança do Fogo" era sua preferida, e ela ficava horas escutando a mãe sem se cansar.
Mas o grande sonho de formar um conjuntcr musical só nasceu no colégio. Rita estudava no tradicional Liceu Pasteur, de orientação francesa. Foi lá, estirnulada por um concurso da Rádio Record, que ela e mais duas amigas criaram a "Teenage Singers". "Meu primeiro e tremendo sucesso!", bate no peito a sardentinha.
Foi ai que a música passou de diversão para opção de vida para Rita Lee. Quando se formou, em vez do baile de formatura, pediu ao pai que lhe comprasse uma bateria Caramuru. Seu Charles concordou.
Achava que era um capricho passageiro. Ledo engano. A noite, ela pulava a janela do quarto e ia tocar nos bailes dos colégios.
- Mas um dia eu dancei. A gente tava tocando no Colégio Arquidiocesano, e me lembro até hoje. De repente começa me doer tudo. Era apendicite aguda - já viu que azar? Chamaram os velhos, foi aquela confusão e eu levei uma puta bronca. Ai, eles me liberaram, sacaram que a música era uma paixão forte pra mim.
As Teenage Singers se separaram. Rita formou novo grupo, agora com um rapaz, que tinha o nome de TuIio's Trio. Durou pouco. logo depois, ela estava tocando guitarra pela primeira vez em um outro conjunto. Também durou pouco. Novos amigos, novo grupo. O nome desse agora era "Os Caras de Pau". A novidade é que além de Rita, havia também um rapaz chamado Arnaldo Batista. Mas as mudanças não paravam. Muitos integrantes foram trocados até sobrar um conjunto chamado "O'Seis". O nome era bem triste, mas o conjunto tinha novidade -além de Rita e Arnaldo, tinha também um outro rapaz chamado Sérgio. Estava nascendo os Mutantes.
Em 67, o trio já fazia algum sucesso, cantava em programas do Simonal, da Hebe Camargo, até revolucionar, a MPB. Quando Gilberto Gil cantou seu "Domingo no Parque", no terceiro Festival da Record, muita gente não perdoou o acompanhamento com guitarra elétrica feito pelos Mutantes. Pela primeira vez este instrumento era usado na MPB. A música ficou em segundo lugar e os Mutantes ganharam fama.
Em 1970, Rita Lee já tinha uma certa popularidade, por causa de alguns filmes para publicidadade que ela fazia nos intervalos do conjunto e porque já tinha lançado dois discos sozinha. Os Mutantes, em compensação, eram muito populares. Mas a separação já "pintava". Arnaldo e Sérgio estavam deslumbrados com o rock pesado desenvolvido principalmente pelos conuntos indieses Emerson, Laker E Palmer e pelo Yes. Rita, ao contrário, continuava fiel ao rock-deboche dos Mutantes.
-O que aconteceu, na verdade, - diz Rita, agora séria - é que nosso conjunto tinha perdido a identidade, compreende? A nossa base sempre havla sido o humor , e deboche daí coisas, e a alegria também, nas nossas músicas e nas nossas letras. O Arnaldo e o Sérgio achavam que uma apresentação técnica irrepreensível pode ria conter a mesma força que as nossas músicas, que eram feitas espontaneamente. Eu não concordei e caí fora.
Ainda bem que ela fez isso. Ficou nove meses compondo sozinha. Aí nasceu um dos clássicos do rock brasileiro: "Esse tal de Roque Enrou".
Em 73, Rita Lee tem um novo conjunto: O Tutti-Frutti. Seu sucesso já era um fato. Em 76 conjunto ganha um novo integrante e Rita o grande amor de sua vida, além de parceiro e companheiro inseparável - Roberto de Carvalho.
Mas a moleca levada e travessa da infância continuava bem viva dentro dela. Em agosto do mesmo ano, em vez de quebrar perna, braço ou joelho, Rita quebrou foi a cara mesmo. Ela e seu grupo faziam um show no Teatro Aquarius, em São Paulo. Durante uma batida policial, foram encontrados em seu quarto vários tocos de cigarros de maconha, além de uma, quantidade indefinida da erva. Autuada em flagrante, foi levada para à Divisão de entorpecentes e de lá para o Presídio do Hipódromo, onde ficou dez dias esperando julgamento. Rita estava esperando o primeiro filho dela e de Roberto de Carvalho. Foi julgada e condenada a um ano de prisão, mas cumpriu a pena em regime domiciliar
O nascimento de seu filho a emocionou mais do que todos os shows que tinha feito até então.
Voltou ao palco e aos discos e se tornou definitivamente a rainha do rock brasileiro. Teve outro filho e continuou apaixonada pelas crias e pelo homem. Homem que agora formava com ela sozinha, já que o Thtti-Frutti já tinha se dissolvido.
Hoje é estrela brilhante, original, criativa, no cenário da música brasileira. Quem olha pra ela tem certeza de que, quando ela aprontava com a irmã ou fugia de casa, tinha a mesma linda cara que ela tem hoje - sapeca, sardenta, malandra. Honesta, mas capeta.
Quando vou embora, ela me segura: "Qual éo teu time?" - pergunta
- Eu sou Corintians, porque?
- Entao toca aqui, porque eu também sou do Timão!
Dá pra ficar sem se apaixonar?
Cristina Bailero
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