P - A nível de grande público, o 'Rock in Rio "provou mais uma vez que você é a estrela máxima do rock brasileiro. Mas, sabe-se que depois do Babilônia você tem feito pouco rock e muito mais baladas cheias de clichês e tal Inclusive, os rockeiros acusam você de tê-los traído. Na verdade, o que aconteceu, o que você acha disso?
Rita Lee - Eu sempre fui chegada às coisas que dão certo. Daí a usar clichês é um pulinho, ah, ah, ah! Não sofro influências eu gozo influências... Sou mutante e não dá pra ser radical, daí minha opção pelo rock, meu caleidoscópio musical. Agora vamos ao tricô: a separação do Tutti-Frutti foi estranha e cheia de fofoca tipo "traição ao rock", "mulher só na cozinha" etc., essas coisas que sempre rolaram desde que eu fiquei a fim de fazer rock no Brasil. Mas o lance é entre eles mesmo. Rolou muita briga e mágoa quando o Carlini registrou escondido de todos o nome Tutti-Frutti, e, junto com o Simbas (ex-Casa das Máquinas), foi comunicar ao Lee Marcucci (Rádio Taxi) que ele tinha sido "limado" do lance. O Lee ficou uma arara e continuou com a gente ainda por um bom tempo. Depois eu acredito que tenha pintado um puta ressentimento quando a gente começou a fazer sucesso justamente na hora em que o TuttiFrutti "saltou". Já pensou? Pô, eu conheço bem os gatos pingados da Pompéia, ôrra meu! Não deve ter sido fácil não ter dado certo quando o rock dava! Quem manda patrulhar roquenrou? Ainda mais aqui no Brasil que a gente já passou um tempão da vida sob os olhares malditos da Censura. Eu, hem, Rosa! Bye, bye, ditadura mora!
P - Para você, o que é ser rockeira?
Rita Lee - Ser rockeira é a mesma coisa que cozinheira, costureira, enfermeira. Só um trabalho como outro qualquer, ou não?
P - Você é uma das únicas rockeiras brasileiras. Por que poucas mulheres vêm batalhando pelo rock no Brasil?
Rita Lee - E o que é batalhar rock no Brasil? Hoje não precisa batalhar tanto assim não! Dê só uma espiada nessas gravadoras orgulhosas e seus grupos voadores. Quem diria, meu Deus! No tempo da titia Rita Lee, falar em rock no Brasil soava tão absurdo quanto a democracia. "Bota ela grávida no xadrez pra servir de exemplo pra juventude" - diziam os homens. O papo agora é outro. Rock dá grana e as portas estão abertas (Alô, alô, oportunistas, façam já seu pé de meia antes que a moda passe!). Se não há mais mulheres no Brasil fazendo rock, não deve ser por falta de talento não. Eu acho melhor você pegar a primeira ativista feminista que ela explica tudo melhor do que eu. Mas uma coisa é certa, dondoca é uma espécie em extinção. E isso é ótimo pra qualquer rockeira que gostaria de ver resolvido seu direito' ao aborto, por exemplo. Rockeiras brasileiras, uni-vos na Constituinte! Vamos reclamar um pouco, agora que pode!
P - Que tipo de barra você encontrou por ser cantora, e principalmente por ser rockeira? Existem preconceitos contra 'rockeiras"?
Rita Lee - A primeira barra, é claro, foi a família, né? De repente a caçula da casa entrou numas de música! O que fazer? Nada. A ovelha negra assumiu e sumiu. A estrada pela frente e a mala cheia de ilusões. O futuro é duvidoso, eu vejo grana, eu vejo dor, e daí? A segunda barra me acompanha até hoje: a vida! O que fazer? Rock! Preconceitos existem, mas rockeira que é rockeira tira partido disso.
P - Como você vê a participação de vocalistas mulheres nas bandas de rock que têm pintado ultimamente, como Blitz, Kid Abelha, Metrá, Grafite etc.?
Rita Lee - Hoje os boys são mais seguros e espertos. Eles incentivam as garotas a segurarem um front stage sem problemas. Acho que visivelmente o rockeiro brasileiro não tem mais cara de bandido. Tá tudo em família!
P - Você mesmo já teve (ou tem) mulheres tocando na sua banda. E legal trabalhar com elas? Elas têm pique?
Rita Lee - Eu tive um grupo de mulheres, as Teen Age Singers, na época de escola. Foi tão inesquecível que até hoje tenho umas recaídas, mas acho que o legal mesmo é misturar sexos dentro de uma banda. Se não der frutos, dá filhos. Na época do "Magra" (83), tivemos durante pouco tempo a Cláudia Niemeyer tocando baixo. Ela é uma superinstrumentista mas não era tão profissional. Pelo fato talvez de ser mulher e tocar feito homem, ou seja, sem delicadezas, a Cláudia volta e meia confundia uma opinião unânime do grupo com uma perseguição pessoal; eu entendia pra chuchu esse grilo porque cheguei a presenciar várias vezes certas gozações chauvinistas em cima da genialidade dela e realmente foi impossível fazer gol com aquele time, mas valeu. A Cláudia um dia pinta legal. Melhor pra mim!
P - No Brasil, no início de 80, o rock pintou com tudo, com mil bandas novas, gente legal mesmo. A partir dai os críticos, que antes metiam o pau na cultura rock tiveram que reconhecer o seu valor e até mesmo babar o trabalho de alguns. Qual foi o grande lance da virada?
Rita Lee - Não foi de uma hora para outra que o rock no Brasil passou da fase "macaquice" pra fase "criação". Pra mim, sempre esteve na cara que a partir do tropicalismo o rock brasileiro iria dar o maior pé. Nosso país faz piada da tragédia, mistura raças, passa fome, dribla a Censura e, a exemplo do futebol, o rock transmutou aquele negócio de ser "coisa de gringo". Agora é especialidade brasileira. O Pelé mesmo já disse que a voz do povo... Não há critico que desafine.
P - O "Rock in Rio" mostrou o que há de melhor no rock mundial? Deu pra sacar algum lance especial nesse festival?
Rita Lee - Não acho que o Rock in Rio tenha mostrado o best of de ninguém lá de fora (tirando Nina Hagen) nem daqui do Brasil, e acho que nem era essa a intenção. Mas valeu como o primeiro festival de rock brasileiro que deu certo. Remember Guarapari e Saquarema, argh! Agora é partir pra melhorar a coisa toda e atenuar cada vez mais o choque cultural, né? São coisinhas pra gente ficar pensando antes de dormir, tipo lição de casa.
P- As poucas rockeiras internacionais estão literalmente explodindo lá fora, conquistando espaços cada vez maiores no mundo do rock. O trabalho delas é bom mesmo?
Rita Lee - O trabalho delas é ótimo e dá um realce pra gente também tocar o barco. E genial a participação de Annie Lennox dentro do Eurythmics, ou de Chrissie Hynde no Pretenders, o jeito que cada uma constrói as melodias e a utilização sutil e objetiva da parafernália instrumental. Essas meninas têm estilo! Aqui no Brasil a gente também tem pessoas como a Marina, por exemplo, que faz um trabalho nesse nível de composição e de interpretação.
P- E a Nina Hagen, hem?
Rita Lee - A Nina é demais!!! Dá vontade de sentar no colo dela e não sair mais! Fiquei de intérprete entre a Baby Consuelo e La Hagen e pude presenciar coisas hilárias entre as duas (um dia eu conto). A Nina foi supersimpática e disposta a escutar sobre o lado místico brasileiro. As vezes ela começava a falar com aquela voz de computador exorcista e a gente quase desmaiava de emoção! Ela é a papisa do rock terráqueo!
P- O trabalho delas tem alguma influência sobre o seu? Em que aspecto?
Rita Lee - Tudo tem influência sobre o meu trabalho e é claro que escutar uma outra mulher mexendo com a mesma coisa que você, no mínimo dá vontade de acompanhar a vida dela como se fosse um livro.
P-Depois do "Rock in Rio" como vai ser o seu trabalho? Quais são os seus planos de rockeira?
Rita Lee - No "Rock in Rio" nós não fizemos nenhum show. Aquilo foi mais uma canja porque com cinco dias de ensaio e dois anos fora do palco não dava pra muita coisa, né? E, depois, sabe como e, a grana remove montanhas também! A gente interrompeu um monte de trampo, entre eles o disco novo que ia sair em maio (agora eu não sei quando sairá). Estamos empenhados num programa de rádio que já está quase pronto. Chama-se "Rádio Amador" e conta com a presença de Antônio Bivar, Marcelo Paiva, Okky de Souza, Mônica Figueiredo, Bárbara Gancia e uma pá de gente boa. Planos e idéias não faltam e o legal é juntar pessoas pra fazer coisas que a gente nunca fez, musicar um filme, vídeos, livros etc. Estamos também montando uma superbanda.
P- Hoje, o que o Roberto de Carvalho representa para o seu trabalho?
Rita Lee - Não existe só o meu trabalho. Existe o do Roberto e o nosso juntos, que eu acho que é sobre esse que você se refere, não é? Bem, realmente a dupla realizou coisas interessantes em termos de disco/show, e principalmente composições. Compor com a pessoa que se está casada é a mesma
coisa que fazer filhos, puro tesão. Por outro lado a dupla expõe um pouco o casamento, e para não sufocar esse relacionamento há a necessidade de cada um fazer o seu próprio trabalho pra equilibrar. Roberto é um fazedor de músicas inveterado. Pega a guitarra, senta nos teclados, liga a drumulator e manda bala sozinho. O que mais me impressiona nele é o bom gosto da salada musical. Tecnotango, heavy com pitadas de new brega, até o spacy rock com rodelas de latinidade. E uma delícia trabalhar com uma pessoa que oferece tudo isso na bandeja. Acho que eu fiquei meio mal acostumada com isso.
P - Que lance é esse de você ensaiar feito louca para ir cantar no Chile?
Rita Lee - Não estou ensaiando feito louca, estou é louca pra tocar mesmo! Esse lance do Chile pinta todo ano, é o festival de Vifla Del Mar, e parece que desta vez a gente vai mesmo. Vamos aproveitar para ensaiar a banda nova que está ficando um barato - e nada melhor pra isso do que ir pra estrada. No baixo está o Otávio Fialho (ex-Arrigo Barnabé/Caetano Veloso), na bateria, Marinho (exTutti-Frutti), nos teclados, Marinho Testoni, que já trabalhava com a gente, no sax, o Lino (Metalurgia) e nos vocais Tuca e Sueli, que também já estão há um tempo conosco.
P- Definitivamente, pode-se encerrar aquela fase de tititis, que a voz de Rita isso, que os cabelos estão caindo, que não deu pra gravar disco novo e tal?
Rita Lee - Fiquei criando galinha durante dois anos e foi muito legal pra cabeça. Botei a família e a casa em ordem. Mas como a gente está viva acaba reciclando tudo, partindo pra nova luta, né?
Durante esse tempo todo de exílio espontâneo aconteceu o que sempre acontece quando as pessoas razoavelmente conhecidas se ausentam sem maiores explicações, como no meu caso. Surgem boatos de doenças, boatos de separação litigiosa, enfim, tudo o que sonha nossa vã filosofia. Isso é normal, mas quando a gente volta à toda, o público pega carona e deixa tudo pra trás. Depois é sempre mais "leve" dizerem que a gente tá morrendo do que voodoozarem com o seu sucesso!
P- Você sempre debochou da política e dos políticos. Hoje, como anda esse assunto na sua cabeça? E o Tancredo?
Rita Lee - Debochar de políticos não é uma gracinha só minha. Acho que o Brasil inteiro fez isso nesses últimos 20 anos mais precisamente. Hoje o sono acabou e eu estou começando a me habituar com essa idéia. Me sinto como o Brasil, desenferrujando aos poucos de uma estagnação forçada. Fico querendo às vezes recuperar o tempo de alguma maneira e acho que essa pressa é até saudável. Mas, por outro lado, o da experiência, hoje já conheço minha dose. O Tancredo não é nenhum general, sabe falar sem dar coices, e deve saber governar sem massacrar. E ninguém está mais tão por fora de política pra acreditar em milagres. O milagre brasileiro é o próprio Brasil ainda existir e resistir.