Reportagens / Entrevistas

  1. Folha - 11/10/96 - Venda de discos de Renato Russo dobra em SP
  2. Folha - 12/10/96 - Mãe diz que Renato Russo desistiu de viver
  3. Folha - 12/10/96 - Gravadora diz que Russo deixa material inédito
  4. Folha - 12/10/96 - Corpo de Renato Russo é cremado no Rio
  5. Estado - 11/10/96 - Texto escrito por Renato Russo em abril
  6. Estado - 11/10/96 - Renato captou espírito da geração
  7. Estado - 11/10/96 - Renato segundo seus amigos
  8. Estado - 11/10/96 - Corpo do músico será cremado
  9. Estado - 11/10/96 - História do cantor era de morte anunciada
  10. Estado - 11/10/96 - Doente, artista evitava aparecer em público
  11. Estado - 10/10/96 - Corpo será cremado
  12. Estado - 15/12/95 - Renato Russo dá voz para sua geração
  13. Estado - 06/05/96 - Legião Urbana prepara novo disco
  14. Estado - 25/09/96 - Legião Urbana fala ao "Zap!" sobre sua volta
  15. Estado - 24/09/96 - Legião Urbana faz canções para jovens em crise
  16. Estado - 16/12/95 - Renato Russo encara o desafio de cantar com sinceridade e muita qualidade
  17. Estado - 15/12/95 - Rock é uma atitude, não é moda
  18. Estado - 15/12/95 - Nos shows, emoção é o que importa
  19. Estado - 16/12/95 - Frase
  20. Revista da Folha - Outubro de 1994 - O Anjo Regenerado

Venda de discos de Renato Russo dobra em SP
19h03 - 11/10/1996

SÃO PAULO, SP (Agência Folha) - A morte de Renato Russo duplicou a venda de discos do músico e da banda Legião Urbana hoje, em São Paulo. Francisco Nolberto Lucas, gerente da Planet Music Mega Store, maior loja de discos da cidade, disse que a procura aumentou da mesma forma que depois da morte dos integrantes do grupo Mamonas Assassinas. Funcionários das lojas Musical Box, Aqualang e Hi-Fi Laser disseram que a vendagem dos discos de Renato Russo e do Legião Urbana foi 50% maior. Os trabalhos mais procurados, segundo os lojistas, são os discos ''Equilíbrio Distante'' (trabalho solo com músicas italianas), ''Dois'' e ''A Tempestade'' (disco mais recente do Legião Urbana). O cantor e compositor Renato Russo, ou Renato Manfredini Jr., nasceu no Rio em 27 de março de 1960, abandonou o jornalismo e a profissão de professor de inglês para se tornar vocalista da banda Aborto Elétrico, em 1978. A banda teve vida curta. Com os amigos Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, criou então o Legião Urbana. O primeiro disco foi lançado em 1984, e teve sucesso relativo. O grupo estourou com o segundo álbum, ''Dois'', em 1986. É desse disco a música ''Eduardo e Mônica''. O último disco, ''A Tempestade ou O Livro dos Dias'', foi lançado no mês passado, sem divulgação para a imprensa. Segundo o grupo, ''o disco fala por si''. Em 12 anos de carreira, o grupo contabilizou mais de 4,5 milhões de discos vendidos.

Mãe diz que Renato Russo desistiu de viver
12h44 - 12/10/1996

RIO DE JANEIRO, RJ (Agência Folha) - A mãe de Renato Russo, Maria do Carmo Manfredini, disse hoje de manhã, depois da missa de corpo presente de seu filho, que ele ''quis chegar ao fim''. ''Não se suicidou, mas simplesmente não lutou'', afirmou. Apesar de o médico do músico, o clínico-geral Saul Bteshe, ter afirmado ontem que Russo morreu em consequência de Aids, Maria do Carmo disse que foi anorexia nervosa (doença que causa perda do apetite) a causa da morte. Bteshe, que assinou o atestado de óbito de Russo, informou que o cantor e compositor tinha o vírus HIV havia seis anos. Segundo Maria do Carmo Manfredini, nos últimos dias, Russo vivia um ''período muito grande de depressão. Realmente não queria mais viver. Sabe, ele foi se entregando. Ele achava que não tinha mais nada''. Ela afirmou que o compositor estava em crise desde o início do ano. ''O nome 'A Tempestade ou O Livro dos Dias' (último disco da banda, lançado em setembro) foi escolhido justamente por causa disso, porque havia uma tempestade dentro dele. O dever profissional dele era muito forte. Ele me disse que queria deixar esse disco porque não sabia se faria outro'', afirmou.

Gravadora diz que Russo deixa material inédito
12h56 - 12/10/1996

RIO DE JANEIRO, RJ (Agência Folha) - O presidente da gravadora EMI, Aloísio Reis, disse que o grupo Legião Urbana tem muito material inédito gravado com a participação de Renato Russo. Segundo ele, uma reunião com os demais participantes do grupo, provavelmente daqui a duas semanas, definirá o que será feito com esse material ''Todo grupo de rock sempre tem material gravado. No caso do Legião Urbana, esse material é relativamente grande'', disse Reis. ''Até agora não tivemos tempo de pensar, só de chorar'', afirmou. O Legião Urbana é contratado da EMI desde 1984 e lançou todos os seus discos pela gravadora. Segundo Reis, o último disco do grupo, ''A Tempestade ou O Livro dos Dias'' foi lançado com uma prensagem de 340 mil cópias, a maior tiragem inicial de um disco do grupo. Com a morte de Renato Russo, a EMI perdeu seu segundo integrante do time de líderes de vendagem em menos de um ano. O primeiro foi o grupo Mamonas Assassinas, cujos integrantes morreram no dia 2 de março deste ano, em acidente de avião.

Corpo de Renato Russo é cremado no Rio
12h35 - 12/10/1996

RIO DE JANEIRO, RJ (Agência Folha) - Em uma cerimônia simples, como era o desejo do cantor e compositor Renato Manfredini Júnior, o Renato Russo, 36, o corpo do artista foi cremado na manhã de hoje no cemitério São Francisco Xavier, no Caju (zona portuária do Rio). Poucos familiares e amigos compareceram ao cerimonial de cremação do corpo de Russo, dentre eles os pais, Renato e Maria do Carmo Manfredini, e os artistas Marina Lima e Marco Nanini. O guitarrista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá, que formavam com Russo o núcleo central do grupo Legião Urbana, não compareceram ao cerimonial. ''Estou muito triste, foi uma perda profunda'', disse Marina. Maria do Carmo Manfredini disse que as cinzas do corpo de Russo serão jogadas em um jardim florido. A cremação do corpo começou às 9h. Às 9h45, a administração do crematório liberou a entrada dos fãs, após a saída dos familiares.

Texto escrito por Renato Russo em abril
de 1983 para o primeiro grande show
Estado - 11/10/1996

Os componentes dos quatro conjuntos fazem parte do que era conhecido como "a turma da colina da UnB", isso por volta de 1977, época da abertura e da redemocratização (embora a UnB ainda apresentasse alguns problemas). Um maço do Hollywood estava por volta de Cr$ 15,00 e, na cidade, não existia nada para se fazer. Mas aparece então o que iria acabar de vez com a pouca identidade que a capital tinha com a música discoteca. Brasília deixa de ser Brasília e passa a ser Rio de Janeiro, como o País inteiro. Para quem gostava de rock, esse foi o fim. Basta ser chamado de colonizado o tempo todo; com a moda disco a situação piora sensivelmente. Ainda mais porque na mesma época aparece um movimento original e anárquico que pretende acabar com os falsos modismos. É a moda levada ao extremo: antimoda, antiestética, antitudo. Mas aqui é bem mais fácil controlar a juventude oferecendo a válvula de escape ideal e não uma música que faça todos pensarem e questionarem as hipocrisias construtivas de uma sociedade falsa, à beira da autodestruição atômica. Ha-ha. Música discoteca não fala desse feito. E a música popular brasileira parece estar mais preocupada com cama e mesa e a sensação das cordilheiras. E o pessoal que faz letras espertas não gosta de tocar rock no Brasil. O que fazer? Será que estão todos satisfeitos? Rock é uma atitude, não é moda. É música da África. Não é música americana. Tem no mundo inteiro. Texto escrito por Renato Russo em abril de 1983 para o primeiro grande show reunindo as quatro principais bandas de Brasília: Legião Urbana, Plebe Rude, Capital Inicial e XXX.

Renato captou espírito da geração
criada debaixo do militarismo
Estado - 11/10/1996

O rock brasileiro perdeu seu maior poeta. Renato Russo, vocalista e compositor da Legião Urbana, captou o espírito de toda a blank generation criada sob as botas do militarismo pós-64. "Somos burgueses sem religião, somos o futuro da nação: geração Coca-Cola," vociferava no primeiro disco da banda, em 1984, quando o Brasil retomava os caminhos da democracia. Aos 36 anos, Russo andava deprimido havia muito tempo. Polêmico e controverso, Russo foi punk, definiu seu grupo de rock como filhos da revolução e nos últimos anos adotou uma posição aberta em relação a sua condição de homossexual sem fazer disso uma bandeira. Ao lado de Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá, Russo foi o responsável pela inserção de Brasília no panorama do rock nacional. Aberta a porta pela Legião, outros grupos como Detrito Federal, Plebe Rude e Capital Inicial atingiram os ouvidos das novas gerações brasileiras na metade dos anos 80. Todos eram muito zangados. Brasília foi amada e odiada por Renato Russo. Foi na capital do Brasil que ele desenvolveu seu rock e forjou a fúria e o sarcasmo de seus versos bem construídos. Foi em Brasília, em 1988, que ele foi execrado pela cidade que criou o rock da Legião Urbana. Um show da banda no estádio Pelezão, em junho de 1988, marcou para sempre a trajetória da banda. Um fã invadiu o palco e começou a agredir Russo. Foi o estopim de uma noite infernal. No final, 385 feridos e um discurso inflamado de Russo prometendo nunca mais tocar em Brasília. O episódio foi classificado como uma espécie de Altamont brasileiro, referência a um concerto dos Rolling Stones em dezembro de 1969 que quase acabou em tragédia. Clone vocal de um ídolo da Jovem Guarda, Jerry Adriani, Russo deu a volta por cima nessa armadilha do destino. E fez o caminho pelo avesso: se Jerry começou cantando em italiano, Russo acabou a carreira com um disco solo na língua de Dante. Deprimido crônico, dependente confesso de álcool e cocaína, Russo sempre atraiu a atenção dos repórteres, fosse pelo hábito de quase não falar à imprensa ou pela torrente de declarações bombásticas que fluía quando ele resolvia abrir a boca.

Renato segundo seus amigos
Estado - 11/10/1996

"Era um idealista", diz Roger Moreira, do Ultraje

Amigos, colegas e vizinhos se manifestaram sobre a morte de Renato Russo. A seguir, alguns dos depoimentos sobre o cantor.
Nota oficial da gravadora da Legião Urbana, EMI-Odeon "Lamentamos profundamente a morte ocorrida nesta madrugada do nosso querido Renato Russo, cuja memória permanecerá viva na lembrança do povo perpetuada que está em seu inesgotável talento e na beleza de suas obras e interpretações, que tivemos o privilégio de fixar para a eternidade. Mais do que um extraordinário artista, perdemos um grande companheiro e amigo. Que Renato Russo descanse em paz."

Roger Moreira, vocalista do Ultraje a Rigor "Estou chocado. O Renato era um cara de um carisma impressionante, um idealista. Admirava também o seu caráter - nunca precisou se vender ao sistema para fazer sucesso. Ele viveu pra dizer o que pensava."
Edgar Scandurra, guitarrista do IRA! "O Ira e o Legião começaram a carreira juntos, em 1977. A gente com o nome de Subúrbio e eles como Aborto Elétrico. A gente tocava nos mesmo lugares aqui em São Paulo - Rose Bom Bom, Radar Tam Tam, Napalm. Era todo mundo adolescente na época, lembro dele me presenteando com um disco do Small Faces, com uma dedicatória super-carinhosa. Me dava muito bem com o Renato."
Marina Lima, cantora "Nós fizemos um grupo de estudos de filosofia juntos. Mas não posso dizer que era íntima dele, seria uma blasfêmia. O Renato era uma pessoa muito cerimoniosa. Acho uma perda enorme para a música brasileira, ele tinha um talento ímpar. Para minha geração em particular é uma perda terrível, igual à do Cazuza. Fica um vazio enorme, um sentimento amargo de incompreensão desse tempo em que vivo."
Carlos Trilha, tecladista (tocou em todas as faixas do último disco do Legião, A Tempestade) "Renato sempre foi muito triste e sozinho, mas nos últimos três meses, se isolou completamente."
Francisca Maria da Silva, 50 anos (vizinha de Renato Russo) "Gostava muito de ouvir ele tocar teclado. Ele costumava tocar Brasileirinho, Asa Branca e Pais e Filhos, uma música que me marcou muito. Há três semanas, parei de ouvir o teclado e achei que ele tivesse viajado. O relacionamento dele com os vizinhos era por meio das músicas que saíam de seu apartamento."
Lulu Santos, cantor e guitarrista "Estou muito chocado para falar a respeito"
Toni Garrido, vocalista do Cidade Negra "O Cidade Negra sempre fez reggae, mas mesmo assim a gente foi muito influenciado pelas letras dele. O Renato era um ídolo para todo mundo da nossa geração. Eu ficava tremendo toda vez que era apresentado a ele."
Roberto Dranoff, da Red Hot Organization "Passei anos tocando Legião na Jovem Pan. Chegamos a pensar em convidá-lo para entrar no projeto do Red Hot and Rio. Para mim, ele e o Arnaldo Antunes são os melhores do Brasil."
Carlos Maltz, baterista da banda gaúcha Engenheiros do Hawaii "Renato Russo foi o maior cantor de minha geração, e eu comecei a tocar imitando o Legião Urbana. Espero que agora ele encontre o seu caminho."
Fernanda Takai, vocalista da banda mineira Pato Fu "É um episódio muito triste, não há como medir a perda de um artista assim. A pesar de atitudes de não querer dar entrevistas ou mesmo fazer shows, Renato Russo era adorado pelos fãs: para ele, suas palavras valiam ouro. Com o tempo, a gente vai sentir o peso de sua morte para a história do rock brasileiro."
Cascão, vocalista da banda Detrito Federal "É completa a influência que ele teve sobre mim. Brasília tinha uma cara administrativa e ele foi o estopim que mostrou a cara jovem dela. A influência dele no som da minha banda, Detrito Federal, também foi gigantesco. Quando ouvi o Aborto Elétrico (primeira banda de Renato) pensei: É isso que eu quero fazer. E o lema da época era o do it yourself, então fui atrás de uma banda. Pode-se dizer que o Renato Russo é o nosso JK, o que o Juscelino Kubitschek foi para Brasília o Renato foi para a juventude dela."

Corpo do músico será cremado
Estado - 11/10/1996

RIO - O cantor e compositor Renato Russo, de 36 anos, vocalista da banda Legião Urbana, morreu à 1h15 de sexta-feira, em sua casa, em Ipanema, Zona Sul. Seu corpo será cremado neste sábado, às 9 horas, no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju, Zona Norte. De acordo com o atestado de óbito, assinado pelos médicos Saul Pteshe e Humberto Mauro R. L. Vasconcelos, sua morte foi causada por septicemia, broncopneumonia e infecção urinária. Ele tinha Aids havia seus anos. Parentes e amigos de Renato Russo (o nome artístico de Renato Manfredini Jr.) não confirmaram. "Está todo mundo falando isso, mas é uma coisa que ele não falava", disse Fernanda Villa-Lobos, mulher do guitarrista da Legião, Dado Villa-Lobos. "Não cabe a mim comentar." Ela afastou a hipótese de Renato Russo ter-se suicidado. "Ele não teria coragem." O cantor estava deprimido havia vários dias, recusando-se a comer e a sair de seu quarto, segundo parentes. "Ele estava muito triste e falava em morte até nas suas músicas", disse Asmar Manfredini, tio de Renato. Segundo Fernanda, o cantor estava anoréxico e anêmico. A prima de Russo, Leisa do Espírito Santo Manfredini, também negou a hipótese de suicídio: "Ele estava com pneumonia." Suicídio - O boato de que o cantor havia se matado circulou no Rio há três dias e chegou a ser noticiado em algumas rádios. Informado sobre isso, o diretor-artístico da EMI, João Augusto, ligou imediatamente para a casa do cantor e obteve notícias de que ele estava bem. Fernanda contou que, na ocasião, Dado Villa-Lobos foi à casa do parceiro para saber o que havia ocorrido. O guitarrista conversou com o pai do cantor, o funcionário público Renato Manfredini, e ficou preocupado com a situação do amigo. Ele contou a Dado que seu filho não comia havia vários dias e se recusava a sair do quarto. "Dado, então, conversou com Renato, que chorou muito, demonstrando estar realmente deprimido", contou Fernanda. "Não sabíamos que a situação era tão grave." A depressão profunda de Renato Russo é confirmada por seus vizinhos, amigos e parentes. "Ele andava muito triste", disse a prima Leisa. "Há 15 dias ele estava cabisbaixo, triste e deprimido", contou o vizinho e amigo do cantor, Chico Guarani. O amigo lembrou ainda que quando estava bem, Renato ouvia som em um volume muito alto. "Há dois meses não se escuta música por aqui." Doença - Uma equipe de enfermagem acompanhava o estado de saúde de Renato Russo em casa, desde que ele começou a ter crises de pneumonia. "Ele nunca quis se hospitalizar", contou o tio do cantor, Asmar Manfredini. De acordo com vizinhos, Renato Russo se submetia a um tratamento de desintoxicação de drogas. O cantor já havia declarado em entrevistas que era dependente de cocaína e de álcool desde os 16 anos de idade. Na hora da morte, Renato Russo estava no quarto de seu apartamento conjugado, acompanhado de um enfermeiro e de seu pai, que veio de Brasília há um mês para cuidar dele. A mãe do cantor, Carmem Manfredini, chegou neste sábado de manhã à cidade. Renato Russo deixa um filho, Giuliano Manfredini, de 7 anos, que também está no Rio, na casa dos bisavós. Diversos amigos do cantor estiveram sexta-feira em seu apartamento, entre eles, a vocalista do conjunto Sex Beatles, Chris Broun, o fotógrafo Flávio Colker, que fez diversas capas do disco da banda, e o ator Maurício Branco. Nenhum deles quis comentar a morte do cantor. Diversos fãs de Renato Russo fizeram vigília durante todo o dia de sexta-feira em frente da casa do cantor. Eles chegaram a agredir verbalmente os jornalistas, dizendo que Renato jamais aprovaria tal assédio da imprensa.

História do cantor era de morte anunciada
Estado - 11/10/1996

ALEX ANTUNES
Antes do fim de 83, um trio brasiliense começou a aparecer em São Paulo, para tocar no Napalm e em outras casas underground. Era a Legião Urbana, apenas mais uma banda pós-punk - elétrica, direta, rápida, compacta, barulhenta. E, no entanto, uma certa... intensidade? sinceridade? credibilidade? já emanava dos caras, em especial do feioso vocalista e baixista, um certo Renato Russo (pseudônimo), com pendor para letras mais, eh, literárias (sorry) do que a média. O povo das bandas paulistas o seguia, espécie de fãs num ambiente onde não os havia. Eu era um desses. Nos dez anos seguintes, encontrei a Legião inúmeras vezes - o grupo de popstars, eu como jornalista. Escrevi mil vezes sobre eles; hoje, vendo a cara do Renato Russo na televisão, só posso admitir que eu mesmo nunca entendi nada. Russo congelado para sempre como uma espécie de enigma - sempre próximo (como no começo), sempre distante (como no final), ridiculamente transparente, rigorosamente inexpugnável. A história de Renato Russo é a de uma morte anunciada - nós o pegamos para Cristo (e como ele gostou disso!). Outro dia, conversando com Skowa, ele falava no "poder" do artista em cima de um palco. Propus-lhe um ponto de vista diferente, o do vudu: entre o galã e a fanzoca, quem é que recorta, fura e prega a imagem de quem, no caderno ou na parede? Quem é que se expõe nas luzes, quem é que esconde o rosto nas sombras? Quem é que engole quem, quem é escravo de quem? Renato Russo era escravo dessa idéia, dessa história. Uma sensibilidade especial para o drama pequeno e mortal, o foco menor e o mais intenso. Espelho - Alguém anônimo o pára no corredor do Shopping da Gávea e, agressivamente, pergunta: "Quem te deu o direito de ficar espalhando o que acontece na minha vida na tua música (Ainda É Cedo)?" Essa era a vida do Russo, no espelho do espelho. Ele tentou quebrar o encanto, assumindo o lado messias: em um único show, foi capaz de discursar seguidamente contra a fraude nos vestibulares, o serviço militar obrigatório, os cambistas de ingressos e as eleições indiretas. Ou então tentou assumir o entertainer: fez queimar fogos de artifício ao som de Rhapsody In Blue, em outro ano, em outra apresentação. Para o público, era a mesma coisa: era ele!, Renato Russo. Só ele não sabia quem era, só ele não aceitava o jogo (como Kurt Cobain). E ainda esperava um gesto, um sinal do público anônimo, amorfo e ensandecido (Russo quase causou uma catástrofe por insistir em tocar em estádio sem impor o fosso entre o palco e a platéia). Talvez tivesse escrúpulos demais ("Não vou fazer o equivalente sonoro das fotos de Robert Mapplethorpe"), o outro nome para a covardia. Talvez procurasse um sentido que simplesmente não existe (organizava seus 2 mil discos por ordem... de preferência!). Morreu enquanto dormíamos. Continuaremos dormindo.

Doente, artista evitava aparecer em público
Estado - 11/10/1996

Desde que seu clipe de Strani Amori estreou na MTV que Renato Russo vinha evitando aparições públicas. Nada de fotos, releases ou declarações públicas. No entanto, furou o silêncio em julho, em uma entrevista publicada há poucas semanas no Zap!, por conta do lançamento do mais recente disco da Legião Urbana, A Tempestade ou O Livro dos Dias. "Gravamos 25 canções, mas daí nos tocamos da inviabilidade de, num último disco de um contrato, lançar um álbum duplo." Dessa forma, a banda cortou dez canções já prontas, o que pode fazer com que os fãs esperem para os próximos anos um novo álbum do trio. Apesar de quase nunca se encontrarem fora dos estúdios, os três integrantes do grupo tinham suas "formulinhas" e compunham com aparente facilidade. Ainda há muitos tapes inéditos das sessões dos outros discos também. Violência - Não era segredo que Renato odiava se apresentar em shows ao vivo, principalmente depois dos problemas de violência na platéia durante a turnê de As Quatro Estações, em 1989/1990. "A gente percebeu que era impossível insistir naquela coisa de `tocar de igual para igual' com o público, aquela coisa de o público ser igual a gente." No entanto, Renato achava que a questão da violência na platéia já estivesse contornada, mas ainda havia coisas a ser acertadas. "A gente pretende voltar a tocar, em palcos altos e lugares grandes, assim que passar todos esses meus problemas". Quais? Não quis revelar. "Mas estou me tratando com meus remédios e fazendo análise." Renato era um poço de obscurantismo, monossilábico, que se protegia atrás de um falso ar blasé. Tossia muito e interrompia a entrevista várias vezes para que seu renitente soluço passasse. Aliás, não tem uma pessoa que tenha encontrado Russo nos últimos tempos que não o visse doente, gripado, soluçante ou profundamente deprimido, o que intensificou os boatos a respeito de seu estado de saúde. Russo era a figura mais errática de sua geração, a do rock brasileiro dos anos 80 e sua morte, ainda que lamentável, não chega a ser surpresa para quem acompanha os passos do cantor desde o começo. Renato parecia acreditar (mesmo que sua lucidez o forçasse a negar veementemente) na tradicional lenga-lenga sobre "mártires" do rock. Heróis que partem em uma infecção pulmonar, como ele, em uma overdose, como Keith Moon, ou num suicídio, como Kurt Cobain, sempre sabem que estão trocando suas vidas por um lugar na história. Uma barganha não muito lucrativa, diga-se. Cobain, por sinal, era um dos casos recentes que mais perturbavam Renato. "O Nirvana está naquela linhagem indispensável da história do rock, como Elvis, os Beatles e o Sex Pistols", disse ele. "E eu ficava muito aborrecido com aquele menino, porque eu me via no lugar dele, vivendo a minha história", contou, antes de concluir: "Eu tinha tudo para morrer como ele."

Corpo será cremado
Estado - 10/10/1996

O cantor e compositor Renato Russo, de 36 anos, vocalista da banda Legião Urbana, morreu à 1h15 da madrugada desta sexta-feira em sua casa, em Ipanema, na Zona Sul da cidade. Seu corpo será cremado neste sábado, às 9h30m, no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju, na Zona Norte. De acordo com nota oficial divulgada por integrantes do grupo, o cantor "morreu em decorrência de problemas infecciosos pulmonares". Parentes e amigos do cantor disseram que Renato Russo estava deprimido havia vários dias, recusando-se a comer e a sair de seu quarto. "Ele estava muito triste e falava em morte até nas suas músicas", disse Asmar Manfredini, tio do cantor. Parentes e amigos de Renato Russo não confirmaram que o cantor estivesse com Aids. "Está todo mundo falando isso, mas é uma coisa que ele não falava", disse Fernanda Villa-Lobos, mulher do guitarrista do Legião, Dado Villa-Lobos. "Não cabe a mim comentar". Ela afastou a hipótese de Renato Russo ter-se suicidado. "Ele não teria coragem", afirmou. Segundo Fernanda, o cantor estava anoréxico e anêmico. A prima do cantor, Leisa do Espírito Santo Manfredini, também negou que ele tenha se suicidado. "Ele estava com pneumonia", disse. Suicídio - O boato de que o cantor havia se matado circulou no Rio há três dias e chegou a ser noticiado em algumas rádios. Informado sobre o boato, o diretor artístico da EMI, João Augusto, ligou imediatamente para a casa do cantor e teve notícias de que ele estava bem. Fernanda contou que, na ocasião, Dado Villa-Lobos foi à casa do parceiro para saber o que havia acontecido. O guitarrista conversou com o pai do cantor, o funcionário público Renato Manfredini, e ficou preocupado com a situação do amigo. Ele contou a Dado que seu filho não comia havia varios dias e se recusava a sair do quarto. "Dado, então, conversou com Renato, que chorou muito, demonstrando estar realmente deprimido", contou Fernanda. "Não sabíamos que a situação era tão grave". A depressão profunda de Renato Russo é confirmada por seus vizinhos, amigos e parentes. "Ele andava muito triste", disse a prima Leisa. "Há 15 dias ele andava cabisbaixo, triste e deprimido", contou o vizinho e amigo do cantor, Chico Guarani. O amigo lembrou ainda que quando estava bem, Renato ouvia som em um volume muito alto. "Há dois meses não se escuta música por aqui." Doença - Uma equipe de enfermagem acompanhava o estado de saúde de Renato Russo em casa, desde que ele começou a ter crises de pneumonia. "Ele nunca quis se hospitalizar", contou o tio do cantor, Asmar Manfredini. De acordo com alguns vizinhos, Renato Russo estava sendo submetido a um tratamento de desintoxicação de drogas. O cantor já havia declarado em entrevistas que era dependente de cocaína e alcoólatra desde os 16 anos de idade. Na hora da morte, Renato Russo estava no quarto de seu apartamento conjugado, acompanhado de um enfermeiro e de seu pai, que veio de Brasília há um mês para cuidar dele. A mãe do cantor, Carmem Manfredini, chegou hoje de manhã à cidade. Renato Russo deixa um filho, Giuliano Manfredini, de 7 anos, que também está no Rio, na casa dos bisavós, na Ilha do Governador. Diversos amigos do cantor estiveram em seu apartamento, entre eles, a vocalista do conjunto Sex Beatles, Chris Broun, o fotógrafo Flávio Colker, que fez diversas capas do disco da banda, e o ator Maurício Branco. Nenhum deles quis comentar a morte do cantor. Diversos fãs de Renato Russo fizeram vigília durante todo o dia em frente à casa do cantor. Eles chegaram a agredir verbalmente os jornalistas, dizendo que Renato jamais aprovaria tal assédio da imprensa.

Renato Russo dá voz para sua geração
Estado - 15/12/1995

O trabalho do vocalista, letrista e compositor da Legião Urbana supera a nostalgia dos anos 80
GABRIEL BASTOS JUNIOR
Adécada de 80 foi marcada pelo auge do rock brasileiro, que entrou definitivamente para o universo da música popular produzida no País. Muita coisa ficou para trás e já é, em tão pouco tempo, motivo para nostalgia (vide a volta com sucesso da Blitz). Do que ficou, um nome se destaca como o letrista que melhor cantou essa geração: Renato Russo, de 35 anos. Neste fim de ano, ele se expõe de maneira dupla - em Equilíbrio Distante, seu segundo disco solo, e na caixa com os seis discos de estúdio da Legião Urbana remasterizados (nas lojas na semana que vem), ambos pela EMI. O vocalista, letrista e compositor da Legião, a banda de maior sucesso na história do rock brasileiro, vive entre a conclamação de público e classe artística e as alfinetadas da imprensa, que o acusa de ultrapassado e até de "rock mauricinho", o que explica o tempo que ele passa em cada entrevista falando das sandices escritas a seu respeito. Mas já é tempo de se admitir - como fazem Lobão, Cássia Eller, Boca Livre, Marina e tantos outros - que, como Cazuza, Russo é um nome importante, com o mesmo peso para a sua geração que têm Caetano e Gil para a anterior. Comparações musicais são injustas, porque a proposta da Legião nunca foi ter uma produção complexa, sofisticada ou experimental nesse sentido. "Nossas música são duas notas", ironiza o próprio Russo. Mas sua capacidade lírica é incontestável quando se lê com atenção Acrilic on Canvas, por exemplo, do elogiado disco Dois. "Minha geração sempre foi tachada de vazia e idiota", comenta. A chance de provar que isso não era verdade sempre foi um incentivo para escrever as coisas com cuidado. "Eu não podia fazer uma besteira." Agora Renato Russo enfrenta o desafio de mostrar que, embora seja um cantor intuitivo (sem técnica), pode se sair bem como intérprete e produtor, cuidando minuciosamente de todas as fases - até da produção gráfica - de Equilíbrio Distante. Com esse disco romântico, assumidamente brega e todo cantado em italiano - com faixas que vão de Laura Pausini (leia entrevista com a cantora na página 2) à versão de Como uma Onda -, ele pretende experimentar o máximo da absorção na cultura pop, sem misturar com o seu trabalho na Legião, que está preparando novo disco. Até lá vai se ouvir falar muito dele.

Legião Urbana prepara novo disco
Estado - 06/05/1996

Em estúdio desde janeiro, Renato Russo explica como será o álbum da banda
MARINA DELLA VALLE
Especial para o Estado
Em time que está ganhando não se mexe. Essa máxima popular pode ser aplicada ao grupo Legião Urbana. Em estúdio desde janeiro, o vocalista Renato Russo, o guitarrista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá trabalham em seu novo disco, que deve ser batizado de A Tempestade. De acordo com Russo, o álbum não apresenta muitas inovações em relação aos outros trabalhos da banda. A gravadora EMI-Odeon ainda não tem data marcada para o lançamento, previsto para este ano. "É um disco igualzinho aos outros, o mesmo Legião de sempre", explica Russo. Ele define o novo trabalho como uma mistura dos álbuns Dois (1986) com As Quatro Estações (1989) e partes do que ele classifica como "discos sérios", V (1991) e O Descobrimento do Brasil (1994). Russo anuncia uma obra melancólica. "Este foi um ano ruim", lamenta-se. "Perdi meu namorado, tinha de ser assim." O grupo segue a linha da crítica social e espiritualidade que vem fazendo desde As Quatro Estações (1989), que alcançou a marca de 870 mil cópias vendidas. A Tempestade deve trazer canções sobre esperança. "A gente tenta ser do bem e olhar para frente", diz Russo. A banda não esquece a crítica social que deu o tom aos primeiros álbuns. "Não posso dizer que todo mundo está feliz na praia, dançando a dança da garrafa, quando está tudo ruim."

Legião Urbana fala ao "Zap!" sobre sua volta
Estado - 25/09/96

Os integrantes da banda Legião Urbana, afastados dos palcos e do público nos últimos três anos, estão de volta ao contato com seus fãs. Eles falam com exclusividade ao caderno Zap! e acabam de lançar o CD A Tempestade. Brasília, a cidade desse grupo jovem, continua presente nas letras das músicas. "O novo CD está mais pop", explica Renato Russo, líder da banda, que também insiste em sua visão pessimista da atualidade. Russo aponta vários dramas ocorridos este ano, entre os quais o acidente que matou os Mamonas Assassinas. Zap!

Legião Urbana faz canções para jovens em crise
Estado - 24/09/96

Novo disco da banda, `A Tempestade', é manual de educação sentimental repleto de clichês
JOTABÊ MEDEIROS
Convenhamos: os versos do Legião Urbana não são o que costumamos chamar de "achados poéticos". Observem: Não confunda ética com éter/Não façamos do amor algo desonesto/Não se pode olhar pra trás sem aprender alguma coisa pro futuro/Tem gente que não tem nada e outros têm mais do que precisam. Todos esses MaCclichês estão em Tempestade (EMI), o novo disco do Legião, que é uma espécie de manual de educação sentimental para teenagers com crises existenciais e mesadas esporádicas. Renato Russo fala de como acha que o teen deve proceder em assuntos de amor, trabalho, amizade, lealdade, etc. Renato Russo, no entanto, não é uma "má influência", no sentido kierkegaardiano do termo. Nem é burro: fez o disco com uma intenção clara e incluiu até um manifesto dessa disposição, a canção Aloha, em que diz: A juventude está sozinha/Não há ninguém para ajudar a explicar/Por que o mundo/É esse desastre que aí está." Daí, Russo se dispõe a explicar o mundo. Ele tinha abandonado essa intenção desde que o acusaram de messianismo, nos já distantes anos 80. Sua determinação de dizer como o "órfão" adolescente deveria se comportar tinha esmaecido quando houve um quebra-costela monumental num show em Brasília, os "órfãos" se comendo de pau. Mas Russo voltou à carga em A Tempestade. O problema é que ele é um professor que subestima os alunos. Seu CD é, também em sonoridade, um disco que remete à Legião dos anos 80, os "anos teen" do rock nacional. Há equivalentes sonoros bastante evidentes, como a canção Dezesseis, que é um óbvio remake de Faroeste Caboclo, desta vez tendo como personagem um James Dean tupiniquim. O disco é muito ruim, para não ficarmos em eufemismos. Os tecladinhos batidos de sempre conferem aquele som pré-Smiths a canções-ladainhas (como o carro-chefe A Via Láctea), didáticas ou catequizantes. Quando é rock, é antediluviano, lembrando aquelas coisas a que fomos submetidos nos anos dourados: Zero, Capital Inicial, RPM. No mundo das hipóteses, sinceramente, é até preferível que tenha sobrado Renato Russo ditando regra do que o inferno que seria agüentar Paulo Ricardo ou Guilherme Isnard ou Dinho Ouro Preto, se esses tivessem sobrevivido. Renato Russo é um dos mais interessantes artistas do rock nacional e é também um dos mais obstinados. Quando faz discos-solo, como o excepcional Stonewall Celebration, se supera e mostra que tem referências. Com o Legião, alterna bons e maus momentos, como esse Tempestade, mas não se pode dizer nunca que seja incoerente.

Renato Russo encara o desafio de cantar com sinceridade e muita qualidade
Estado - 16/12/95

Tanto no trabalho com o Legião Urbana quanto nos álbuns solos, o músico, que gosta de cantar, procura falar de relacionamentos, do universo humano, das sensações e do que cada um tem dentro de si

GABRIEL BASTOS JUNIOR

Renato Russo tem fama de não gostar de dar entrevista. É possível, já que ele sempre teve problemas com a imprensa. Mas, quando começa a falar, não falta nada: carreira solo, Legião, dependência química, geração do rock de Brasília. Só não fala do filho, Giuliano Manfredini, de 6 anos, autor dos desenhos da capa de Equilíbrio Distante.


Caderno 2 - Com Equilíbrio Distante você está encarando definitivamente o desafio de ser intérprete?
Renato Russo - O Legião tem uma concepção fechada de trabalho. As canções e as letras têm certas características que estão dentro desta concepção do que a gente representa dentro do universo do rock-and-roll e da música pop. E eu gosto muito de cantar. Várias vezes, pela própria maneira que a gente compõe, a letra é mais importante do que o canto.
Caderno 2 - Isso começou com o The Stonewall Celebration.
Russo - O Stonewall foi uma primeira tentativa de fazer algumas coisas minhas já que a Legião já estava sedimentada. Depois de 10 anos, sem desmerecer o trabalho principal, os membros de um grupo vão tendo outros interesses e esse foi o meu. O Bonfá está trabalhando com computação gráfica. O Dado tem o selo Rock It! O que eu gosto mesmo é de música. É de cantar. Eu tinha algumas outras opções, como escrever, trabalhar com cinema, mas o que eu queria mesmo era continuar trabalhando com música.
Caderno 2 - O disco tinha 50% da renda revertida para a campanha do Betinho.
Russo - Ele nasceu da idéia de colaborar com a campanha. E aproveitei para usar o disco como uma espécie de exorcismo de um relacionamento que eu tinha tido e não deu certo. E também para dar a minha marca nos 25 anos da celebração de Stonewall, um marco na questão dos direitos humanos em relação à sexualidade.
Caderno 2 - Mas há outros interesses além do canto...
Russo - Para mim entra no aspecto da produção. Nesse novo disco eu pude trabalhar com outros músicos, com outras convenções musicais. A grande brincadeira dos discos solo é entrar mais pelo lado da mídia para ver como a coisa funciona. Quero fazer várias entrevistas, fazer Xuxa Hits. Acho que o trabalho permite isso porque é um outro conteúdo. Não é a minha vida que está ali na linha. Legião é uma coisa que o público percebe como sendo além de música. Nos discos solos estou fazendo só música.
Caderno 2 - E por que em italiano?
Russo - Gravar em outras línguas é simplesmente para não confundir com o Legião Urbana. Eu até poderia ter gravado em português, mas as pessoas iam achar que era o novo disco do Legião ou que a Legião acabou. Nos dois discos fica bem claro que é um trabalho separado. Mesmo se eu cantasse standards de MPB, as pessoas iam confundir.
Caderno 2 - Seu disco solo acabou adiando o novo da Legião...
Russo - A Legião está lançando os seis primeiros discos remasterizados em Londres, com uma produção gráfica atualizada. Consertamos tudo. É do interesse da gravadora porque grande parte das nossas vendas foi feita em vinil e essa é uma maneira de relançar tudo em CD. Fizemos dez anos em 1994. A gente não acha muito tempo, mas todo mundo ficou cobrando uma comemoração que resolvemos não fazer. Espero que isso chame a atenção das pessoas para o que foi feito nesse período.
Caderno 2 - A remasterização não tira a espontaneidade, principalmente do primeiro disco?
Russo - Você vai ouvir todos os erros. É a mesma mixagem, os mesmos arranjos. Mas o som vem menos velado. Embora a gente não tenha mexido na mixagem, os discos vêm com essa sonoridade mais atual, mais dentro dos padrões da indústria nos anos 90.
Caderno 2 - Mas não significa deixar de lado o novo disco.
Russo - A gente ainda não sabe qual vai ser o perfil do disco. Mas já tenho algumas letras escritas e temos muito material.
Caderno 2 - Mas o formato do Legião ainda te agrada?
Russo - Se me agradasse completamente eu não estava fazendo disco solo. Mas acho que o desafio é você fazer uma coisa sincera e de qualidade dentro do formato. É um formato fechado, mas é muito profundo. Eu não vou fazer uma música como O Vira, dos Mamonas Assassinas. Mas dentro da nossa concepção existem n possibilidades, porque a gente fala de relacionamento, do universo humano, das sensações, do que cada um tem dentro de si. Isso para mim é uma coisa quase infinita. Tem coisas que são da mesma linha. Bader Meinhoff Blues no primeiro; no segundo tem Fábrica, ou mesmo Índios; no terceiro tem Que País É Este e Mais do Mesmo; no quarto tem Há Tempos; no quinto tem Teatro dos Vampiros, que é mais suavezinha, mas é a mesma coisa; e, agora, em Decobrimento do Brasil, você tem Perfeição. Eu gostaria de acreditar que são músicas completmente diferentes, mas se você parar para pensar, a gente está falando da mesma coisa.
Caderno 2 - Como mudou sua relação com as drogas. Você continua dependente?
Russo - Tenho dependência química, que é como ser canhoto ou daltônico. Eu sou o que se chama "dependente químico em recuperação". Eu estou na programação desde 1992 e não uso mais nada porque eu não posso. Comecei a beber com 17 anos. O negócio só ficou pesado mesmo aos 28.
Caderno 2 - Mas não era apenas álcool...
Russo - Infelizmente a droga é um meio de confraternização social. No meio artístico, quando você faz sucesso, todo mundo oferece droga. E você vai pegando porque o negócio é bom. De madrugada, no estúdio, quando alguém faz uma presença, você vai ficar no cafezinho? E comigo ainda tinha essa história de romantizar. E o pior é que a coisa chega a um ponto que é vergonhoso. Eu vi que a situação estava feia quando começaram a dizer que eu armei cena em festa que eu nem fui, só porque já era lugar-comum. É completamente degradante e eu gosto de falar sobre isso porque me dá força. Faz parte da programação lembrar como era ruim. E o negócio é que não tem meio-termo.
Caderno 2 - O consumo ou não de drogas afeta a criatividade?
Russo - Essa idéia de você estar calibrado ou usar substâncias químicas de qualquer tipo aumenta a inspiração não é verdade. Mas quando a pessoa bebe, usa drogas e tudo o mais, ela naturalmente vai viver certas experiências que a pessoa careta não vai. Eu me metia nuns buracos, conhecia umas pessoas estranhas. Se eu fico na Galeria Alaska até as 6 horas, vou ter uma visão diferente de quem acorda cedo e pega sol. Algumas pessoas acreditam que isso afete o trabalho, mas eu acredito que não. A inspiração é uma coisa que não dá para você forçar. Para mim geralmente vem quando eu estou tentando dormir. Justo o contrário, quando eu usava droga para tentar trabalhar, o resultado ficava mais lento e disperso. Já teve vez que tomei ácido e escrevi para caramba. Na hora você acha uma obra-prima, mas no dia seguinte vê que não tem nada ali. Em geral atrapalha tudo. Você usar alguma coisa durante a mixagem, por exemplo, é um caos.
Caderno 2 - Mas você encaretou?
Russo - Já tenho uma boa bagagem de experiência, não preciso sair por aí para conhecer o mundo. Já fiz muita loucura. E certas coisas que eu romantizava, hoje não acho mais maravilhosas. Tenho alguns amigos que ainda glamourizam essas coisas. Gente que adora os filmes do Jim Jarmusch. Até acho alguns interessantes, mas eu não queria conhecer aquelas pessoas.
Caderno 2 - Que pessoas você quer conhecer hoje?
Russo - Acho interessante conhecer pessoas de verdade. Quando eu trabalhava no Ministério da Agricultura, por volta de 1982, sempre fazia trabalho de campo. Eu era da Coordenadoria de Orientação e Defesa ao Consumidor, que foi um dos primeiros órgãos do gênero. Eu saía por aí vendo se os supermercados estavam ligando os freezers, se os produtos estavam na validade. Eu tinha de fazer "povo fala" - parar as pessoas na rua e conversar, por exemplo, sobre o preço do feijão. Era uma coisa fabulosa. Essas pessoas me interessam. Agora, quem fica jogado na noite, drogado, sem fazer nada de produtivo, não me interessa. O que eu tinha em comum com essas pessoas era estar doidão. Hoje não tenho mais nada.
Caderno 2 - Quando foi esse emprego? Antes da Legião?
Russo - Nessa época eu era o Trovador Solitário. Tinha brigado com o pessoal do Aborto Elétrico, porque achava que eles não me davam valor. Então ficava tocando umas músicas só com violão para abrir os shows do pessoal. Foi nessa época que compus Eduardo e Mônica, Faroeste Caboclo. Aí eu cansei e resolvi fazer a Legião com o Bonfá.
Caderno 2 - O Dinho Ouro Preto, do Capital, era do Aborto?
Russo - Não. Dinho era fã de Led Zeppelin. A gente gostava de Siouxie and the Banshees, então era proibido gostar de Led Zeppelin e ter cabelo comprido. Até que um dia ele virou punk. Mas todo mundo fazia tudo junto e o primeiro disco do Capital tinha várias músicas que eles pegaram do Aborto Elétrico, porque o Flávio (baixista) e o Fê (baterista) eram do Aborto. Eu peguei uma parte e eles pegaram as músicas que o Flávio fez a melodia, como Veraneio Vascaína.
Caderno 2 - E onde entrou a Legião nessa história?
Russo - O Bonfá tocava em todas as bandas. Tocou no XXX, no Dado e o Reino Animal, na Blitzz de Brasília, nos Metralhas, no SLU. Eu fiquei só no Aborto Elétrico, depois fui tocar violão e não sabia o que ia fazer. O Dado na época estava tocando com o Dado e o Reino Animal, mas ele não sabia tocar guitarra direito.
Caderno 2 - Como assim?
Russo - Não sabia mesmo. Ele teve de aprender a tocar guitarra para tocar com a Legião. Em duas semanas ele aprendeu a tocar nove músicas. No primeiro show a gente tocou Ainda É Cedo e ele praticamente nunca tinha visto uma guitarra. A gente ficava: "Faz barulhinho." Daí é que saiu o solo. Até se tornar uma coisa completamente zen e espetacular como pode ser ouvido em Música para Acampamentos. O solo dele naquela gravação ao vivo é fabuloso.
Caderno 2 - Mas a idéia da Legião...
Russo - A idéia, já que tinha tanta gente tocando, era fazer um núcleo de baixo e bateria - eu e o Bonfá - e chamar as pessoas para fazerem uma música. Por isso a gente era a Legião Urbana. Só que é claro que isso não deu certo porque não dava para organizar.
Caderno 2 - Dado não foi o primeiro.
Russo - Chamamos um carinha chamado Eduardo Paraná. Ele era meio jazz-fusion, mas era bonitinho. Tinha umas histórias engraçadas, porque ele solava o tempo todo e dizia: "Eu não vou fazer barulhinho porque as pessoas vão achar que eu não sei tocar." E tinha um tecladista, o Paulo Paulista, que só entrou na banda porque tinha um tecladinho. A gente não aproveitou nenhuma das músicas que fez nessa época. Era muito pop. Eu escolhia todos os meninos bonitinhos e via se tinham um mínimo de talento musical. Tinha um menino chamado Beto Pastel. Era um homem lindo, mas não sabia tocar nada.
Caderno 2 - Vocês chegaram a se apresentar com essa formação?
Russo - Uma das primeiras apresentações da gente foi em Patos de Minas. A gente sempre mimeografava as letras e um general pegou a letra de Música Urbana, que falava "os PMs armados e as tropas de choque vomitam música urbana". Só que a gente era supercomportado no palco. Então eles acharam que quem tinha feito o panfleto havia sido a Plebe Rude.
Caderno 2 - Quando foi a entrada de Dado?
Russo - Um dia o Paraná cansou de brigar com o Bonfá e decidiu estudar regência e "levar música a sério", como ele dizia. O Paulista tinha 16 anos, mas parecia 30 e resolveu sair também. Nessa época estava marcada a primeira grande apresentação das bandas de Brasília, no auditório da Associação Brasileira de Odontologia (ABO). Iam tocar as quatro principais bandas combinadas em duplas: Plebe Rude, Legião, XXX e Capital Inicial. Faltava um pouco mais de um mês e a gente completamente sem guitarrista. Chamamos o Ico Ouro Preto, irmão do Dinho, que tinha sido do Aborto. No segundo ensaio ele desistiu. Aí já não tinha ninguém bonitinho e a gente chamou o Dado. Ele foi aprendendo e acho que hoje é um dos grandes guitarristas porque tem estilo próprio.
Caderno 2 - O contrato com a EMI veio do show na ABO?
Russo - Os nossos padrinhos eram os Paralamas porque o Bi era amigo de todo mundo. Eles gravaram Química e sempre tocavam nos shows. Foram eles que apresentaram uma fita acústica minha, que eu fiz para o Ico levar para a França, para o George Davidson, da Odeon, que quis saber quem eu era. Só que nessa época eu já estava com a Legião e eles não sabiam. Quando nos viram, tomaram um susto porque era mais um trio de Brasília com vocalista de óculos. Com o tempo acabou se decidindo que era melhor eu só cantar e o Bonfá chamou o Renato Rocha. Na época, eu já estava pensando no disco. Ia se chamar Revoluções por Minuto e ia ter London London.
Caderno 2 - Vocês foram a primeira banda a sair direto em LP e fizeram sucesso de cara...
Russo - Na gravadora ninguém dava nada. Só que o disco vendeu, na época, 50 mil cópias. Mas a grande virada foi no Dois. Todo mundo esperava punk rock de Brasília e a gente chega com uma balada de 5 minutos com violão, voz e pandeiro, falando de um casal (Eduardo e Mônica). Quiseram derrubar, mas como já tinham errado na primeira vez, a gente insistiu em fazer do nosso jeito. E o disco vendeu quase 1 milhão de cópias. Nosso primeiro contrato era para dois compactos. Depois que a gente fez sucesso, passou a ser dois LPs. Contrato de gravadora é que nem Fausto assinando com Mefistófeles: uma vírgula pode mudar tudo. Agora que o nosso contrato está acabando eles estão tratando a gente a pão-de-ló. Este ano nós vendemos 150 mil discos só com material de catálogo.

Rock é uma atitude, não é moda
Estado - 15/12/1995

O músico escreveu texto em 1983 para panfleto de show de bandas em Brasília Os componentes dos quatro conjuntos fazem parte do que era conhecido como "a turma da colina da UnB", isso por volta de 1977, época da abertura e da redemocratização (embora a UnB ainda apresentasse alguns problemas). Um maço do Hollywood estava por volta de Cr$ 15,00 e na cidade não existia nada para se fazer. Mas aparece então o que iria acabar de vez com a pouca identidade que a capital tinha com a música discoteca. Brasília deixa de ser Brasília e passa a ser Rio de Janeiro, como o País inteiro. Para quem gostava de rock, essa foi o fim. Basta ser chamado de colonizado o tempo todo; com a moda disco a situação piora sensivelmente. Ainda mais porque na mesma época aparece um movimento original e anárquico que pretende acabar com os falsos modismos. É a moda levada ao extremo: anti-moda, anti-estética, anti- tudo. Mas aqui é bem mais fácil controlar a juventude oferecendo a válvula de escape ideal e não uma música que faça todos pensarem e questionarem as hipocrisias construtivas de uma sociedade falsa, à beira da autodestruição atômica. Ha-ha. Música discoteca não fala desse feito. E a MPB parece estar mais preocupada com cama e mesa e a sensação das cordilheiras. E o pessoal que faz letras espertas não gosta de tocar rock no Brasil. O que fazer? Será que estão todos satisfeitos? Rock é uma atitude, não é moda. É música da África. Não é música americana. Tem no mundo inteiro. Texto escrito por Renato Russo em abril de 1983 para o primeiro grande show reunindo as quatro principais bandas de Brasília: Legião Urbana, Plebe Rude, Capital Inicial e XXX.

Nos shows, emoção é o que importa
Estado - 15/12/1995

Renato Russo valoriza a mensagem, o que está sendo dito, mas também a maneira como tudo está sendo dito, a emoção, que pode ser usada com inteligência e sensibilidade

GABRIEL BASTOS JUNIOR

Com o tempo, veio o sucesso retumbante. Faroeste Caboclo ficou vários meses em primeiro lugar nas principais FMs. O disco Quatro Estações foi demolidor e o ao vivo, Música para Acampamentos, registrou a força dos shows. A imagem estava construída. O cuidado agora tinha de ser para mantê-la.
Desde um comentadíssimo tumulto em um show da banda em Brasília, em 1988, Renato Russo e a Legião Urbana evitam ao máximo a superexposição e, sempre que podem, ficam o maior tempo possível sem trabalhar - nada de shows, nada de entrevistas e alguma dor de cabeça para o empresário do grupo, Rafael Borges. "Ele é o máximo porque administra o nosso não-trabalhar", comenta Renato Russo.


Caderno 2 - Você hoje admite que não gosta de fazer show.
Renato Russo - Já gostei muito. Agora tenho meu pé atrás porque sei quais são as dificuldades que eu vou enfrentar e o que pode ocorrer. Acho que a marca foi aquele show em Brasília. A gente começou a perceber que existem muitas coisas envolvidas que podem não dar certo. Então a responsabilidade é muito maior e a pressão também. Mesmo quando o show dá certo, tem aquele engarrafamento monstro. Antigamente a gente não pensava nisso.
Caderno 2 - O que mudou?
Russo - Comecei a pensar nisso quando tive filho. A gente fica medroso quando tem filho. Não é medo de acontecer alguma coisa comigo, mas de acontecer alguma coisa comigo que afete meu filho.
Caderno 2 - Mas quando começa o show você se transforma...
Russo - Não tem uma transformação. Eu subo no palco para cantar as músicas. Sei que é uma bobagem dizer isso, mas para mim o palco é sagrado. O que dificulta é a expectativa do público e a nossa responsabilidade. E ter de cantar as mesmas músicas sempre. Não tem um show em que a gente não cantou Será. Você tem de passar por cima de um tédio existencial que tem com o material e cantar Será como se fosse a primeira vez. Isso desgasta.
Caderno 2 - Você também não se sente desgastado por se expor muito às suas músicas? E tem também a questão do canto, da voz mesmo...
Russo - São músicas difíceis de cantar para passar a mensagem. Há Tempos começa tranqüila, no final eu estou me esgoelando. Mas, quando você vê aquele bando de gente cantando "há tempos são os jovens que adoecem", não tem como não se emocionar.
Caderno 2 - E tem o som...
Russo - É muito desgastante se preparar para fazer um show legal e na hora encontrar um som ruim. E o som em todo lugar é ruim porque a gente não pode tocar em lugar pequeno. A gente tenta equacionar essas coisas para que tudo dê certo porque não há nada melhor do que um bom show. Lava a alma mesmo.
Caderno 2 - Essa impossibilidade de controlar tudo é que afasta vocês também dos festivais?
Russo - A gente é o tipo de banda que reclama se tiver um outdoor da Coca-Cola no show. A turnê do As Quatro Estações foi patrocinada pela Lacta porque a gente achou que chocolate era tudo bem. Mas, mesmo assim, tinha um monte de regrinhas. Isso dificulta as coisas para a gente, mas se fosse de outra forma talvez perdêssemos essa coisa especial que a banda tem. Eu estou lá falando de ética, sofrendo, é o cantor trágico-romântico suicida e dependente químico. O público não vai respeitar.
Caderno 2 - A relação da Legião com o público é maior que a música...
Russo - Eles têm um perfil que eu acho muito bonito. São pessoas que não são racistas, não são fascistas, que buscam uma determinada ética frente ao mundo complicado que têm. Fico feliz de tentar trabalhar com o que acredito e o que acredito passar na música. Não existe confusão.
Caderno 2 - A mensagem é o principal no trabalho da Legião?
Russo - O importante para mim não é o que está sendo dito, mas como está sendo dito. O importante é que as pessoas conseguem se emocionar com a Legião. A coisa que eu mais invejo é você fazer You Are Not Alone, do Michael Jackson. É muito difícil. Você pegar frases de cinco palavras, aquelas rimas pobres e vocabulário batido e fazer algo que emocione as pessoas é complicado. É muito fácil ser Nick Cave. Se não passar emoção, não tem texto que segure. Eu vejo isso pelo trabalho do Caetano. Você pega uma coisa como Língua. Sinto muito, mas sou mais Leãozinho. Existe uma maneira de você usar a emoção com inteligência e sensibilidade.
Caderno 2 - É nesse espaço que você trabalha?
Russo - Eu gosto de brincar com o limite disso. É o tal do brega, que eu falo. No Descobrimento do Brasil, a gente brincou com muitas coisas, só que ninguém percebeu. Tem músicas como Só por Hoje. Aquilo é show da Xuxa com a diferença que eu falo de dependência química. Você se emocionar com Dumbo é diferente de achar Mirnau ou Fassbinder o máximo.
Caderno 2 - Mas o público de vocês se aproxima mais da MPB...
Russo - Sempre tive essa teoria - e é um crime eu falar isso. O povo que conhece MPB, gosta de MPB e só ouve MPB, que tem uma relação religiosa com a MPB, geralmente são pessoas chatinhas. Tem umas músicas emblemáticas de rodas de violão que eu acho muito chatas.

Frase
Estado - 16/12/1995

"Contrato de gravadora é que nem Fausto assinando com Mefistófeles: uma vírgula pode mudar tudo."
(Renato Russo, cantor e compositor, em 16/12)

O Anjo Regenerado
Revista da Folha- Outubro de 1994

Rock star mais idolatrado do Brasil, o cantor e compositor Renato Russo deixa o inferno, atinge o purgatório e busca o paraíso. Rompeu com o vício e com as brigas de amor. De namorado novo e disco solo, avisa a legião de fãs: "Chega de glorificar a relação entre drogas e rock"

Hoje à noite, Renato Russo sobe ao palco do Metropolitan, no Rio, para o último show da Legião Urbana por um longo tempo. A partir de amanhã, ele troca o furor do público pela frieza do estúdio - onde se entrega às composições que os fãs do grupo só vão conhecer em 95. Nesse meio tempo, será possível ouvir sua voz entre uma tramóia e outra de Vera Fischer, a malvada do folhetim de Gilberto Braga. Foi o prório Gilberto quem escolheu "Send In The Clows" - do primeiro disco solo do vocalista, "The Stonewall Celebration Concert"- para a trilha de"Pátria Minha". Reconhecimento tardio (mas bem-vindo) de um trabalho até então ignorado por rádio e TV.

94 foi um grande ano para Renato Russo. Sentado numa lanchonete a algumas quadras da sua casa, em Ipanema, ele é todo sorrisos. Voz doce, revela detalhes de sua carreira ou vida íntima, lembra dos flertes com a morte. O maior motivo da alegria: neste ano, o mais amado rock star brasileiro emergiu de um inferno regado`a álcool e drogas.

"Eu era uma pessoa intratável", diz, com o resto de tristeza. "Até meses atrás, não era possível falar comigo." Agora é: durante três horas, ele discorre animadamente sobre o disco solo, o filho, paixão, homossexualismo, Aids, messianismo, drogas e rock'n'roll.

Dá para dividir a história de Renato entre antes e depois do disco solo (lançado em junho). Foi um marco. Sinalizou o fim da paixão pelo americano Scott, com quem viveu entre 89 e 90. Escancarou sua homessexualidade ( assumida em público em 88), com canções de amor endereçadas a homens. E abriu outra perspectiva em sua carreira - a de Renato Russo "crooner".

"Escolhi canções que falassem da minha experiência pessoal", conta Renato. Ele não teve escrúpulos em reunir no mesmo disco clássicos da canção norte-americana (de Leonard Bernstein & Stephen Sondhein, Hoagy Carmichael e Irving Berlin, entre outros) e hits de compositores brega-pop, como Billy Joel e Don Henley. Os detratores de plantão se surpreenderam: em lugar da esperada caricatura, encontraram um trabalho despretencioso e delicado - que alterna momentos de dor (como "The Heart Of Matter") com tiradas alegres ("Cherish", antigo hit de Madonna). Até agora, o disco vendeu 40 mil cópias, com um detalhe: 50% dos direitos são doados à campanha do sociólogo Betinho.

Para Renato, porém, esse disco tem um significado bem particular. É o seu manifesto de sobrevivência, o passo final num processo de recuperação iniciado um ano antes. "No começo de 93, eu tinha chegado ao fundo do poço. "Eu estava igualzinho ao Kurt Cobain", diz, referindo-se ao vocalista do Nirvana, dependente de heroína, que se matou com um tiro na cabeça em abril.

"Dizem que ele foi covarde. As pessoas não têm idéia do que é o sofrimento de um dependente químico. É um vazio espiritual! Eu sei o que é acordar e ver tudo cinza, não ver alegria nas pessoas que te amam, tamanha é sua solidão."

Renato estava nessa desde os 17. "A coisa vai num crescendo. Depois que você faz sucesso, todos te oferecem, aparecem os traficantes de plantão. Experimentei tudo, mas sempre terminava em álcool e tranquilizantes. No bar e na farmácia."

Em 90, no auge da popularidade da Legião (870 mil cópias vendidas de "Quatro Estações", shows com 50 mil pessoas), Renato foi ao inferno pela primeira vez. "Na época de "Quatro Estações", eu ia para os shows com um médico ao lado. Peguei pesado com o Scott, porque ele era viciado em anfetaminas. Depois, caí na heroína. Usei durante um mês e meio. No final de 90, estava um bagaço, magérrimo, cadavérico. Tive uma hepatite séria e quase morri."

A doença e a briga com o namorado - traumática - o levaram a procurar uma terapia de apoio. Ficou bem o suficiente para escrever as letras do disco "V" (várias delas sobre drogas). Na turnê seguinte, em 91, outra recaída. "Cancelamos os shows no Nordeste porque eu estava bebendo de cair, com tendências suicidas. "No começo de 93, suas bebedeiras foram parar nos jornais. "No meu aniversário, 23 de março, pensando no meu filho, em mim, vi que não podia continuar assim."

Em abril daquele ano, Renato ingressou em um grupo de auto-ajuda e passou a seguir a "programação dos 12 passos", espécie de manual do viciado. Reza que a pessoa deve reconhecer a impotência diante da dependência química e se comprometer a lutar dia-a dia. "Hoje, essa é a minha filosofia de vida".

Ficar careta tem suas vantagens. O rapaz está de amor novo. "Eu nunca conseguia namorado. Agora, está chovendo na minha horta", diz. Empolgado, dá um sorriso maroto e imita uma velhinha: "Sabia que ele é viado? Mas é bonzinho! É inteligente até, limpinho...".

Renato solta uma gargalhada. Esse tipo de coisa não incomoda mais. "Resolvi minhas últimas dúvidas quando fui aos EUA em 89. No Brasil, ou você é enrustido e pega michê ou travesti, ou é bicha-discoteca. Não sou nada disso". Em Nova York, descobriu que não precisava "desmunhecar". "Gay lá pode ser macho. Eles são setorizados: musculosos, sadomasoquistas, loucos...".

No Brasil, a revelação de que ele era gay, ainda em 88, não arranhou sua popularidade. Fidelíssimo, o público da Legião cantou sem titubear o refrão "eu gosto de meninos e meninas".

Era, na verdade, o ingrediente que faltava para completar a improvável receita do grupo de Brasília - o mais bem - sucedido no "boom"do rock nacional. Em retrospecto, é difícil entender como aquela banda de letras quilométricas e desprovida de um símbolo sexual como Paulo Ricardo chegou ao topo. Ou como manteve-se no alto: o disco mais recente, "Descobrimento do Brasil" está na marca de 250 mil cópias vendidas.

Pais e filhos


Nome: Renato Manfredini Junior
Apelido: Junior
Data e local do nascimento: 23/03/60, Rio de Janeiro
Mãe e Pai: Maria do Carmo e Renato
Irmãos: uma, Carmem Teresa Manfredini
Filho: Giuliano Manfredini, 5 anos
Signo: Áries
Formação: Jornalismo, em DF
Altura e Peso: 1,74m, 65 Kg

Perfeição


Algo no corpo o incomoda? "Minha saúde. Foram 15 anos de droga- adicção".
Parte do corpo de que mais gosta: "Cérebro. E também adoro as minhas mãos".
Cuidados com o corpo: "No momento, manter-me longe do alcoolismo já é um milagre".
A que horas dorme e acorda: "Vou dormir às sete da manhã e acordo meio-dia. De dia, não faço nada, porque o mundo está acontecendo".
Propriedades: "Só o meu apartamento".

Meninos e Meninas


Símbolo sexual: "O Leonardo, da seleção. Eu acho ele um gatinho".
Primeiro beijo: "Aos 9 anos, com a minha namorada nos EUA. Achei a coisa mais nojenta".
Primeira transa: "Foi num carro, aos 17"
Lugar mais esquesito onde fez amor: "Embaixo do telhado, no vão da caixa d'água"
Melhor lugar para fazer amor: "Um lugar onde a gente se sinta mais seguro".
Fantasia não- realizada: "Ganhar o Oscar".
Homens são: "Bobos, que nem cachorro".
Mulheres são: "Misteriosas que nem gato".
O que te seduz?: "Espírito, bondade, desejo".
O que te broxa?: "Estupidez, pretensão".
Melhor cantada: "Do Scott, em Nova York, num bar gay. Vi aquele menino loirinho, cara de estivador, vindo na minha direção! Pedi um cigarro, ele disse: Não!. Saiu. Voltou com um maço novinho pra mim. Ficamos juntos dois anos".
Pior cantada: "Gosta de mulher mas também gosto de viado! Vá a merda!".
Última pessoa que levaria para cama: "Paulo Francis"

Quase sem querer


Maior maldade que já fez: "Não admitir que as pessoas se preocupavam comigo".
Maior mentira que já contou: "Só mentiras bobas. Aqui, eu não falei toda a verdade".
Arrependimento: "Não conhecer a programação dos doze passos na época do Scott".

Todas as canções


Palavra preferida: "Essência".
Palavra que mais usa: "Eu".
Canção: "I Get Along Without You Very Well"
Compositor preferido: "Bob Dylan".
Livro: "Sonetos, Shakespeare".
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