O Anjo Regenerado
Revista da Folha- Outubro de 1994
Rock star mais idolatrado
do Brasil, o cantor e compositor Renato Russo deixa o inferno, atinge o
purgatório e busca o paraíso. Rompeu com o vício e
com as brigas de amor. De namorado novo e disco solo, avisa a legião
de fãs: "Chega de glorificar a relação entre
drogas e rock"
Hoje à noite, Renato Russo
sobe ao palco do Metropolitan, no Rio, para o último show da Legião
Urbana por um longo tempo. A partir de amanhã, ele troca o furor
do público pela frieza do estúdio - onde se entrega às
composições que os fãs do grupo só vão
conhecer em 95. Nesse meio tempo, será possível ouvir sua
voz entre uma tramóia e outra de Vera Fischer, a malvada do folhetim
de Gilberto Braga. Foi o prório Gilberto quem escolheu "Send
In The Clows" - do primeiro disco solo do vocalista, "The Stonewall
Celebration Concert"- para a trilha de"Pátria Minha".
Reconhecimento tardio (mas bem-vindo) de um trabalho até então
ignorado por rádio e TV.
94 foi um grande ano para Renato
Russo. Sentado numa lanchonete a algumas quadras da sua casa, em Ipanema,
ele é todo sorrisos. Voz doce, revela detalhes de sua carreira ou
vida íntima, lembra dos flertes com a morte. O maior motivo da alegria:
neste ano, o mais amado rock star brasileiro emergiu de um inferno regado`a
álcool e drogas.
"Eu era uma pessoa intratável",
diz, com o resto de tristeza. "Até meses atrás, não
era possível falar comigo." Agora é: durante três
horas, ele discorre animadamente sobre o disco solo, o filho, paixão,
homossexualismo, Aids, messianismo, drogas e rock'n'roll.
Dá para dividir a história
de Renato entre antes e depois do disco solo (lançado em junho).
Foi um marco. Sinalizou o fim da paixão pelo americano Scott, com
quem viveu entre 89 e 90. Escancarou sua homessexualidade ( assumida em
público em 88), com canções de amor endereçadas
a homens. E abriu outra perspectiva em sua carreira - a de Renato Russo
"crooner".
"Escolhi canções
que falassem da minha experiência pessoal", conta Renato. Ele
não teve escrúpulos em reunir no mesmo disco clássicos
da canção norte-americana (de Leonard Bernstein & Stephen
Sondhein, Hoagy Carmichael e Irving Berlin, entre outros) e hits de compositores
brega-pop, como Billy Joel e Don Henley. Os detratores de plantão
se surpreenderam: em lugar da esperada caricatura, encontraram um trabalho
despretencioso e delicado - que alterna momentos de dor (como "The
Heart Of Matter") com tiradas alegres ("Cherish", antigo
hit de Madonna). Até agora, o disco vendeu 40 mil cópias,
com um detalhe: 50% dos direitos são doados à campanha do
sociólogo Betinho.
Para Renato, porém, esse
disco tem um significado bem particular. É o seu manifesto de sobrevivência,
o passo final num processo de recuperação iniciado um ano
antes. "No começo de 93, eu tinha chegado ao fundo do poço.
"Eu estava igualzinho ao Kurt Cobain", diz, referindo-se ao vocalista
do Nirvana, dependente de heroína, que se matou com um tiro na cabeça
em abril.
"Dizem que ele foi covarde.
As pessoas não têm idéia do que é o sofrimento
de um dependente químico. É um vazio espiritual! Eu sei o
que é acordar e ver tudo cinza, não ver alegria nas pessoas
que te amam, tamanha é sua solidão."
Renato estava nessa desde os 17.
"A coisa vai num crescendo. Depois que você faz sucesso, todos
te oferecem, aparecem os traficantes de plantão. Experimentei tudo,
mas sempre terminava em álcool e tranquilizantes. No bar e na farmácia."
Em 90, no auge da popularidade da
Legião (870 mil cópias vendidas de "Quatro Estações",
shows com 50 mil pessoas), Renato foi ao inferno pela primeira vez. "Na
época de "Quatro Estações", eu ia para os
shows com um médico ao lado. Peguei pesado com o Scott, porque ele
era viciado em anfetaminas. Depois, caí na heroína. Usei
durante um mês e meio. No final de 90, estava um bagaço, magérrimo,
cadavérico. Tive uma hepatite séria e quase morri."
A doença e a briga com o
namorado - traumática - o levaram a procurar uma terapia de apoio.
Ficou bem o suficiente para escrever as letras do disco "V" (várias
delas sobre drogas). Na turnê seguinte, em 91, outra recaída.
"Cancelamos os shows no Nordeste porque eu estava bebendo de cair,
com tendências suicidas. "No começo de 93, suas bebedeiras
foram parar nos jornais. "No meu aniversário, 23 de março,
pensando no meu filho, em mim, vi que não podia continuar assim."
Em abril daquele ano, Renato ingressou
em um grupo de auto-ajuda e passou a seguir a "programação
dos 12 passos", espécie de manual do viciado. Reza que a pessoa
deve reconhecer a impotência diante da dependência química
e se comprometer a lutar dia-a dia. "Hoje, essa é a minha filosofia
de vida".
Ficar careta tem suas vantagens.
O rapaz está de amor novo. "Eu nunca conseguia namorado. Agora,
está chovendo na minha horta", diz. Empolgado, dá um
sorriso maroto e imita uma velhinha: "Sabia que ele é viado?
Mas é bonzinho! É inteligente até, limpinho...".
Renato solta uma gargalhada. Esse
tipo de coisa não incomoda mais. "Resolvi minhas últimas
dúvidas quando fui aos EUA em 89. No Brasil, ou você é
enrustido e pega michê ou travesti, ou é bicha-discoteca.
Não sou nada disso". Em Nova York, descobriu que não
precisava "desmunhecar". "Gay lá pode ser macho.
Eles são setorizados: musculosos, sadomasoquistas, loucos...".
No Brasil, a revelação
de que ele era gay, ainda em 88, não arranhou sua popularidade.
Fidelíssimo, o público da Legião cantou sem titubear
o refrão "eu gosto de meninos e meninas".
Era, na verdade, o ingrediente que
faltava para completar a improvável receita do grupo de Brasília
- o mais bem - sucedido no "boom"do rock nacional. Em retrospecto,
é difícil entender como aquela banda de letras quilométricas
e desprovida de um símbolo sexual como Paulo Ricardo chegou ao topo.
Ou como manteve-se no alto: o disco mais recente, "Descobrimento do
Brasil" está na marca de 250 mil cópias vendidas.
Pais e filhos
Nome: Renato Manfredini Junior
Apelido: Junior
Data e local do nascimento: 23/03/60, Rio de Janeiro
Mãe e Pai: Maria do Carmo e Renato
Irmãos: uma, Carmem Teresa Manfredini
Filho: Giuliano Manfredini, 5 anos
Signo: Áries
Formação: Jornalismo, em DF
Altura e Peso: 1,74m, 65 Kg
Perfeição
Algo no corpo o incomoda? "Minha saúde. Foram 15 anos de droga- adicção".
Parte do corpo de que mais gosta: "Cérebro. E também adoro as minhas mãos".
Cuidados com o corpo: "No momento, manter-me longe do alcoolismo já é um milagre".
A que horas dorme e acorda: "Vou dormir às sete da manhã e acordo meio-dia. De dia, não faço nada, porque o mundo está acontecendo".
Propriedades: "Só o meu apartamento".
Meninos e Meninas
Símbolo sexual: "O Leonardo, da seleção. Eu acho ele um gatinho".
Primeiro beijo: "Aos 9 anos, com a minha namorada nos EUA. Achei a coisa mais nojenta".
Primeira transa: "Foi num carro, aos 17"
Lugar mais esquesito onde fez amor: "Embaixo do telhado, no vão da caixa d'água"
Melhor lugar para fazer amor: "Um lugar onde a gente se sinta mais seguro".
Fantasia não- realizada: "Ganhar o Oscar".
Homens são: "Bobos, que nem cachorro".
Mulheres são: "Misteriosas que nem gato".
O que te seduz?: "Espírito, bondade, desejo".
O que te broxa?: "Estupidez, pretensão".
Melhor cantada: "Do Scott, em Nova York, num bar gay. Vi aquele menino loirinho, cara de estivador, vindo na minha direção! Pedi um cigarro, ele disse: Não!. Saiu. Voltou com um maço novinho pra mim. Ficamos juntos dois anos".
Pior cantada: "Gosta de mulher mas também gosto de viado! Vá a merda!".
Última pessoa que levaria para cama: "Paulo Francis"
Quase sem querer
Maior maldade que já fez: "Não admitir que as pessoas se preocupavam comigo".
Maior mentira que já contou: "Só mentiras bobas. Aqui, eu não falei toda a verdade".
Arrependimento: "Não conhecer a programação dos doze passos na época do Scott".
Todas as canções
Palavra preferida: "Essência".
Palavra que mais usa: "Eu".
Canção: "I Get Along Without You Very Well"
Compositor preferido: "Bob Dylan".
Livro: "Sonetos, Shakespeare".
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