Facista Não Tem Nada A Ver

Com Rock'N'Roll

 

 

 

Comece falando da sua última volta a Brasilia, como foi, como você sente a cidade

etc.

 

RR - Foi superlegal tocar em Brasília. Dessa última vez a gente até ficou surpreso

com o pessoal porque a receptividade foi muito, muito boa. O pessoal queria subir

no palco, eles invadiram o palco umas duas vezes para tentar agarrar a gente, no

show tinha umas meninas berrando. E para sair foi tipo Beatles, ou então tipo

Menudo. Carro com a porta aberta, motor ligado e aquela confusão. Todo mundo

querendo autógrafo e tudo. Sob esse aspecto eu achei ótimo, quer dizer, a gente está

com um público legal em Brasília. Também é a cidade onde a gente começou, não é?

Acho que é mais ou menos natural. A única coisa que eu não gostei em Brasília foi a

própria cidade, fiquei um pouco decepcionado com a atmosfera da cidade. Sé bem

que eu acho que era por causa da época da seca, porque durante a seca fica todo

mundo meio borocochô. Mas eu senti assim muito fascismo por parte das pessoas. É

uma coisa que, claro, agente já sabia que isso existia, tanto é que metade das nossas

músicas são feitas em cima disso, falando desse tipo de comportamento que o

pessoal, principalmente a juventude, tem em Brasília. Mas dessa vez foi uma coisa

meio chocante porque as pessoas em Brasília não têm respeito por nada. Não

respeitam, não existe liberdade de opinião, foi o que eu senti. Tirando, claro, as

pessoas, que são pessoas bonitas. Mas isso em qualquer lugar tem. Agora, em

geral, eu achei o pessoal de lá muito fascista, muito babaca, principalmente a

juventude, muito cheia de ti-ti-ti, muito ligada a Rio e São Paulo e é uma coisa que a

gente não via porque quando a gente estava em Brasília a gente estava agitando,

então fica mais fácil imaginar que a cidade é diferente. Também naquela época tinha

quem? Tinha o Plebe, tinha o Capital, tinha a gente, tinha Escola, tinha o Finis,

milhares de outras bandas. A gente estava num astral legal lá. Foi só sair que eu

senti justamente isso. Parece que os filhos desses corruptos são mais corruptos que

os pais. Então houve estórias horríveis do pessoal agora estar usando revólver,

dando uma de machão etc. Eu pessoalmente acho isso homossexualismo latente:

"Aí, recadinho para você que usa revólver para aterrorizar menina na cidade: vai ler

Jung, vai ler Reich, vai ler Freud para ver se você se encaixa perfeitamente." Não,

porque lá tem muito disso, né? Aqueles dez carinhas assim tudo fortinho, ficam

coçando o saco e dando uma de machão. Pó, vai arrumar uma namorada, vai se

divertir!

 

Como é que está sendo para você essa rápida e vertiginosa ascensão da música

brasileira, a colocação de vocês como crítica, bom, essa importância da banda, do

trabalho de vocês? Como é que foi a nível interno seu de processo, de vida e como é

para a própria banda? Quais são as questões que você lança?

 

RR - Bem, primeiro que a gente ainda está assim, essa ascendência vertiginosa

ainda não aconteceu. A gente ainda não é muito conhecido, a gente é quase tão

conhecido quanto o Ultraje e Paralamas, mas a gente ainda não chegou lá. Espero

que talvez até o final do ano... Sim, porque eu acho que o tipo de música que a gente

faz não é um tipo de coisa assim extremamente popular. Então a gente estourou com

"Geração Coca-Cola" e só agora está fazendo o maior sucesso e tudo. Mas eu acho

que a gente nunca vai chegar ao ponto de ser a banda mais popular do Brasil,

principalmente pelo que a gente fala. Certas pessoas não estão dispostas ou então

não têm capacidade de ouvir o que a gente fala. Quer dizer, ou então não gosta

mesmo, preferem ouvir coisas mais leves, mais suaves do que ouvir uma coisa um

pouco mais realista, e o nosso trabalho é assim, mais ligado a coisas realistas e não

em blau-blaus e "Vaquinha Mary Lou" etc. Então isso tem esse aspecto. Agora,

não foi uma subida vertiginosa, a gente está nessa desde 78. Poxa, são 7 anos nisso.

As pessoas é que pensam que começaram a ouvir agora. (... ) Eu acho que as

pessoas se ligam no que a gente faz justamente por causa disso, a gente tem uma

coisa que não é muito comum em grupos brasileiros. Aqui no Brasil tem muito dessa

coisa de humor, da sátira, da ironia e a gente usa a ironia de uma forma diferente.

Então é uma coisa, não diria sofisticada porque seria a gente se achar metido a

besta e eu acho que a gente é uma banda comum como as outras, mas a gente tem

uma coisa diferente. Não é para falar mal de nada, mas, por exemplo, você tem uma

música como "Vaquinha Mary Lou e a Galinha Sara Lee" que faz o maior sucesso,

todo mundo dança e se diverte e é uma coisa irônica. Agora, a ironia da gente é

fazer uma música chamada "Baader-Meinhof Blues", é um outro nível, envolve um

outro tipo de informação. Acho que a gente tem uma certa carga de formação.

Desde o começo a gente sempre se ligou muito no que acontecia lá fora e também

no que acontecia aqui dentro. Eu ainda fico surpreso como uma pessoa como o Luiz

Melodia não tem acesso ao público, como o ltamar Assunção continua maldito.

Então fico um pouco surpreso com isso, porque na minha cabeça Legião continua a

fazer a mesma coisa que fazia antes. A única diferença é que ao invés de tocar para

um público de 500 pessoas em Brasília a gente está tocando para esses ginásios

com 10, 15 mil pessoas. O que eu sinto também é que as pessoas não vêem

exatamente o que está acontecendo e então elas picham o rock brasileiro e tudo,

mas, de certa forma, o rock brasileiro está dando uma força para as gravadoras,

está fazendo circular o capital, que é uma coisa muito importante, porque se ficar

dependendo do pessoal da MPB não vai para a frente porque, no momento, não é o

que o público quer. Veja você que um artista como o Milton, como a Simone, ou

como o Caetano ou como o Gil, eles continuam fazendo belíssimos trabalhos mas

realmente não está circulando o capital e no Brasil principalmente é justamente o

sucesso de artistas dentro de uma determinada gravadora que abre o caminho para

outros artistas que têm propostas que não são tão comerciais. Então é uma coisa

assim que eu sei é que a gente está aqui na Odeon e que a gente conseguiu esse

espaço por causa do Paralamas.

 

Que críticas e que crises você sente mais claras hoje nessa questão da indústria, da

qualidade do rock no Brasil? Quais são as perspectivas que você sente andando por

aí e ouvindo tudo?

 

RR - O que acontece é que o rock por ser um produto de massa envolve justamente

a gravadora. Todo artista de rock, além de tocar ao vivo, lógico, quer gravar um

disco. Em qualquer outro lugar do mundo, principalmente no hemisfério norte, um

disco tem um compacto e já sobe nas paradas e já vende milhões de cópias. Aqui

não, para você vender 100 mil cópias num país que tem 150 milhões de habitantes é

considerado um milagre. Então essa é a primeira dificuldade do rock no Brasil

porque você vai ter que enfrentar um esquema de gravadora que é mais ligada ao

pop do que ao rock. O pop sendo, no caso, música de consumo de massa. Então o

rock no Brasil não é visto como uma forma de expressão artística do jovem, de

expressão dos anseios, o que ele vê, as alegrias, os problemas, como ele vê o

mundo, a política, o sexo, as drogas, a religião etc. O rock, no caso aqui, está muito

mais ligado ao aspecto do consumo, a uma cultura de consumo, ao mercado de

massa. Agora, isso é dificultado também pelo esquema da rádio. Se bem que aqui no

Brasil a gente já tem algumas rádios alternativas. Mas a maioria das rádios está no

esquema do boss Rádio, B-O-S-S, que é uma coisa que aconteceu no final dos anos

60 nos Estados Unidos, que é seguir uma forma. Você tem a lista das 30 ou 40

músicas que são sucesso então é repetir essas músicas ad nauseam mais e mais e

mais até encher o saco e vender o produto. O disc-jockey não tem personalidade,

quase não fala nada e é aquela coisa: "pois é, gente, então agora vamos ouvir o

sucesso da rádio KJYZ, não sei o quê. Aqui, vocês sabem, é só sucessos." Então o

que uma rádio toca todas as rádios vão e tocam atrás. Sabe, eu ouço o que eu gosto

de ouvir, eu não tenho que ouvir o que as outras pessoas estão ouvindo. Cadê a

minha individualidade? Pó, eu sou um animal racional, sou único, não estou preso a

ninguém, não sou um bicho de três cabeças. Aí, né, o pessoal ficava puto!

Justamente esse mesmo pessoal que agora fica dançando Dead Kennedys e B-52's

nas festas e pichando Caetano, Chico e Milton! Mas espere aí, cadê o teu poder de

raciocinar? Por que Chico é ruim agora e antes não era? Por isso é que acho

importante o pessoal que deu força para a gente em Brasília, os jornalistas, os

intelectuais, o pessoal do Liga Tripa estava ligado em tudo e ligado na gente e hoje

você vai lá conversar com eles e eles continuam ouvindo o Clube da Esquina,

continuam ouvindo o Vandré e Ravi Shankar e Jazz Rock e estão ligados a muitas

outras coisas. Eu acho que você não pode ser um fascista cultural. Esse negócio de

patrulha ideológica eu acho que é a coisa mais furada do mundo. As pessoas mais

bonitas que eu conheço são justamente as pessoas mais abertas. Então eu acho que

seria tão legal se as pessoas começassem realmente a se curtir, é uma coisa que eu

nunca desisto. As pessoas dizem que eu sou ingênuo mas não consigo desistir.

Descobri que eu sou um artista e então não tem assim... O artista tem milhares de

preocupações, é uma pessoa superangustiada e tudo, sabe, você vê a vida de uma

outra maneira, você é muito mais sensível aos problemas. Tem dias que eu nem leio

o jornal. Só pego assim e só leio as manchetes principais porque se eu ler o jornal

vou ficar superdeprimido e não vou querer sair de casa. Então eu acho importante

que as pessoas tenham contado com outros tipos de realidade em vez de ficar só

naquele mundinho, porque isso ajuda, mostra que o ser humano não é só um tipo de

pessoa. (...)

 

Primeiro uma questão que você falou da relação da MPB e rock. Como esse rock se

relaciona com a música brasileira, por exemplo?

 

RR - Eu não sei. Acho que rock não pode ser delineado assim música brasileira,

porque rock é música universal. Por ser uma música de massa da sociedade

tecnológica do pós-guerra, é uma música feita por e para jovens, e é um pessoal que

sempre esteve ligado em televisão, sempre esteve ligado em videogame, fliperama -

hoje em dia é videogame -, mas sempre foi uma coisa muito elétrica, muito urbana, é

a música da metrópole, é música da cidade. Você vê beleza numa certa situação que

se você não se adaptar a essa situação você vai enlouquecer. Então é você

realmente ver música onde as pessoas mais antigas não vêem porque não estão

acostumadas com isso. Então é você ver música na fumaça, é você ver música no

ritmo das pessoas, nos arranha-céus, na própria vida rápida da cidade. E eu acho

que o rock estaria muito mais ligado também na questão etária. Rock é um tipo de

música que atende à necessidade de um determinado grupo de uma determinada

faixa de idade. Então você não pode simplesmente chegar e dizer que o rock é como

o jazz, é como a música clássica, ou mesmo como MPB na qual os artistas que fazem

esse tipo de música procuram uma expressão universal no sentido de que o artista

da MPB está falando para todas as pessoas. Claro, isso não seria delimitar o rock a

um determinado público, mas, na verdade, estou falando de certos problemas que

por eu ter essa idade ou certas experiências que uma pessoa de 40 anos não vai ter

mais esse tipo de problema: problemas de identidade sexual, problemas de chegar

em casa e querer ter o carro para sair e você não pode porque você não tem

dinheiro para pagar o gás, você não tem dinheiro para comprar um carro, você

depende de seus pais para isso e isso é uma coisa especificamente da idade. Então

eu acho que essa discussão MPB versus rock é uma coisa duplamente ridícula,

porque isso implica na ignorância do que é realmente o rock'n'roll. Rock'n'roll é

uma música de jovens para jovens. Ao passo que a gente não pode chegar e dizer

que a MPB é uma música de velhos para velhos porque isso é uma coisa ridícula

também porque o artista popular brasileiro no caso que vai desde Tom Jobim até

talvez Sidney Magal ou Roberto Carlos, não sei, procura a expressão no termo mais

aberto possível. Então, por exemplo, o Milton Nascimento cantando "Travessia" é

uma música que... É um tema estritamente rocknroll. Ele fez aquilo em cima da

idade dele. A letra de "Travessia", se você pegar, é uma fase que ele estava

passando, mas é feita de certo jeito que até uma pessoa de 70 anos pode assimilar e

tudo... Então seria a vantagem da MPB. Agora, se ele pegasse aquilo e fizesse um

contexto rock, como a Rjta Lee já pegou o mesmo tema e já fez certas coisas,

inclusive neste último LP, então fica mais restrito. Por isso é que não se pode

comparar MPB com rock porque é uma coisa que não tem a ver. O rock é feito de

uma forma específica para atingir um lance específico. Então não dá para você

comparar. Agora, essa comparação é feita justamente porque os meios de massa

pelos quais o rock é divulgado e é produzido e é massificado no Brasil são

justamente meios que não fazem essa separação. Então lá fora você vai ter clubes

alternativos de rock, você vai ter imprensa alternativa - mesmo que seja a grande

imprensa é imprensa alternativa - vai ter as lojas alternativas de rock, você vai ter

produtoras, gravadoras e produtores independentes, essas coisas todas. Ao passo

que aqui no Brasil eles colocam tudo dentro do mesmo saco. Quer dizer, se o

Egberto Gismonti quer atingir um público um pouco maior ele não vai estar

competindo na mesma faixa que o público do Hermeto, por exemplo. Ele vai ter

justamente que ser colocado dentro do mesmo saco que o Sidney Magal, que o

Amado Batista, que o Kid Abelha etc. Agora tem uma outra coisa aí que muita gente

se esquece, é que o pessoal da MPB não segurou a peteca. Todos eles se

acomodaram. Então eles falam muito mal do rock, principalmente o Fagner, que fala

mal. Eu gostaria até não é comprar briga, mas eu gostaria de deixar uma coisa bem

clara: o Fagner fala que o pessoal da geração dele tem mais cultura. Agora eu

coloco justamente esta questão que o Jornal do Brasil falou: não é o Renato Russo

que está falando, eu estou simplesmente repetindo uma coisa que eu achei um

achado genial. O Fagner disse que o pessoal da geração dele tem mais cultura, mas

pelo menos da nossa geração ninguém roubou poesia da Cecília Meireles para

colocar em música sem pagar direito autoral. Então a gente tem a nossa cultura,

mas a gente não faz esse tipo de coisas. E, sabe, a gente não precisa ir para os

Estados Unidos para gravar um disco que vai custar 800 mil dólares, como fez o

Djavan - não tenho nada contra - mas é a tal estória: não seguraram e não

seguraram. Por que Caetano está tocando "Shy Moon" na rádio? Por que o

Gilberto Gil está aí ainda? É porque eles acompanham, eles são artistas de verdade

e que estão acompanhando o momento presente. É muito fácil você chegar e

reclamar que você não está tendo acesso ao rádio se você fica numa forma musical

e não tenta aprimorar o seu trabalho, como, por exemplo, eu não acho que o Chico

tenha feito muitas novidades e eu não acho que o Milton tenha feito muitas

novidades, mas você tem que cair na real. No Brasil, é um sistema que engole o que

acontece se você ficar estagnado... Não é como lá fora que você pode fazer um

trabalho, por maior qualidade que o seu trabalho tenha, ficar na mesma linha - eu

não sou nem contra, acho que você está nessa linha você tem -, infelizmente aqui no

Brasil o público gosta muito de novidade. Se você não tem novidade, você cai para

escanteio. Então que pintou no Brasil é que tipo assim artistas que eram talentosos

e que na época, tinham alguma coisa nova para dizer uma coisa nova a ser dita de

uma maneira supercriativa e superbela não conseguiram justamente segurar isso e

ficaram na mesma linha e acabaram sendo jogados de lado. E aí acontece o quê?

Acontece o rock novidade e pegou espaço. Agora não pensem que a gente não está

preocupado. Eu converso com o Herbert e a gente está se cagando nas calças

porque a gente não sabe o que vai acontecer. Eu estou sentindo uma pressão muito

grande por parte de todo mundo principalmente em cima da Legião Urbana, porque

está todo mundo esperando justamente que a gente faça uma coisa nova. Só que

agora, para o nosso segundo disco, a gente não vai ter o período de incubação que

foi de cinco anos para fazer esse LP Então a gente vai fazer o que a gente quiser

agora nesses seis meses vai chegar ao público muito mais rapidamente. Então o que

estou pensando é justamente tipo assim: assim como o pessoal está assimilando

"Geração Coca-Cola" agora, 5, 6, 7, anos depois será que eles vão assimilar tão

imediatamente uma coisa que vai refletir o meu momento atual ou o momento atual

do Herbert no próximo disco dele? Então é isso que a gente está pensando. Não

pensem que a gente está no bem-bom porque quem faz rock também está tendo as

mesmas dificuldades de criação, e tudo porque é muita pressão principalmente no

caso dos críticos, que quando a gente apareceu todo mundo ficou surpreso porque

eles achavam que quem faz rock não é inteligente. Então aparecendo a gente, o

RPM, os Voluntários da Pátria, o Ira, Paralamas, então o pessoal: "Poxa, mas

realmente. Olha que bacana, o pessoal que faz rock tem cabeça. Não é aquela coisa

antiquada de ficar só fazendo versões e só cantando blaublau!" O que acontece é

que eles são muito exigentes. Então o que eu estou sentindo é que eles vão exigir

uma coisa muito forte da gente quando, de repente, eu não estou mais a fim de fazer

umas coisas tão sérias assim, eu quero fazer uma música que as pessoas se sintam

bem, claro, com uma letra assim que tenha um certo conteúdo mas sem precisar

falar de angústia, solidão, suicídio, morte e peste. Os anos 80 são esse liqüidificador

justamente para mostrar que você pode usar o entretenimento e, dentro do aspecto

de massa, você fazer uma coisa que vai ser considerada arte. Então, por exemplo, os

Beatles nunca foram lá de fazer coisas muito profundas, existenciais. Claro, eles

tinham um certo lado, mas era uma coisa de diversão. Então eu acho que você pode

fazer uma coisa divertida, para cima e ser uma coisa que vai ter o seu valor porque o

que eu acho que pinta muito no aspecto da crítica no Brasil é justamente que eles se

apegam muito a essa coisa do triste, do Sartre, dessas coisas existencialistas, do

pessimismo da coisa dark. Claro, se você está angustiado, se você está sozinho

numa superparanóia e esquizofrenia e se você tiver um pouco de talento vai sair

uma coisa belíssima. Mas pô, pera aí você também pode usar o teu lado positivo

para fazer uma coisa legal. Então eu acho que o nosso impasse é justamente esse.

Como tenho que fazer uma coisa honesta e sincera e que seja para cima, pra dar

uma força pra que as pessoas descartem isso. Porque também tem essa, se você faz

uma coisa que é para cima as pessoas imediatamente não vão levar você a sério

porque acham que você não está falando uma coisa séria porque nesse caso elas

exigem que você parta ou para a sátira, ou para a ironia ou para o humor.

 

Como é que você compreende o fenômeno Brasilia? Como seria a relação da cidade

Brasília com os outros centros na questão da indústria, do espetáculo acontecer lá

também, do show acontecer lá, dos shows que se realizam lá, da coisa profissional,

do campo, do mercado?

 

RR - Isso eu acho superpositivo porque moro em Brasília desde 73. Antigamente

não acontecia nada e agora que estou mais no meio artístico dá para notar que é

uma parada obrigatória no circuito, acho que é uma coisa importante. (... ) O que

sinto é que as pessoas não curtem Brasília, não vivem Brasília ainda. Foi uma coisa

que sempre foi positivo para o pessoal da tribo, da gente do rock é que a gente

catava e ia atrás, então tinha festival no Instituto Goethe, por exemplo, a gente ia

atrás. E o que acontece é que muitas pessoas em Brasília vivem como se estivessem

no Rio e São Paulo no sentido de não procurar as alternativas e acho que Brasília

tem muito para oferecer.

 

Você acha que inclusive a cidade gerou isso de uma maneira própria no Brasil?

 

RR - Talvez.

 

Você acha que é uma coisa específica das bandas de Brasília?

 

RR - Talvez, porque a gente fazia rock por necessidade lá. Além de ser uma

necessidade de você ir contra o tédio da cidade, muita gente que tem o hobby, muita

gente faz alguma coisa, muita gente transa esportes que eu acho assim fabuloso.

Tirando isso é uma necessidade física mesmo de você se expressar e tudo. Ao passo

que se eu estivesse aqui no Rio, ia para praia, ia comer um sanduíche natural e não

teria tanta necessidade assim. E acho que Brasília é importante por causa disso,

você tem essa motivação. É uma cidade que te inspira, é uma coisa muito dela, é

uma cidade muito bonita. Tem um certo astral, não parece uma cidade brasileira.

Agora, acho que as pessoas em Brasília poderiam tipo assim se organizar porque

ainda é relativamente pequena, tem uma espécie de organização comunitária talvez

até a nível político, para ajudar as satélites, acho que o Plano Piloto vive numa ilha,

isso é uma coisa muito negativa que devia estar sendo feita, uma coisa nesse

sentido para dar força para o pessoal das satélites, ainda mais que tem muita gente

que trabalha no Plano Piloto e mora no Cruzeiro, mora em Taguatinga e dá uma

força nesse sentido, exigir do pessoal que representa a cidade politicamente, que se

faça alguma coisa para que tudo fique numa boa. Não é tão difícil você prever que

possam surgir problemas num futuro próximo por causa desse disparate social que

existe. Da última vez que fui, senti isso, um ressentimento brabo das pessoas que

circulam pela Rodoviária, no sentido de estarem insatisfeitas de verdade e acho que

isso é uma coisa que não precisa. Não estou dizendo que todo mundo na Ceilândia

tem que ter piscina, mas respeitar um pouco os outros, não ser esse exagero de

mordomias que é Brasília, esse exagero de ostentação, acho que podemos trabalhar

para isso, transportes públicos, escolas, dar uma força para o pessoal de Brasília.

 

 

Trechos da entrevista a Celso Araújo, Correio Braziliense, 17 de novembro de 1985.

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