Dois (1986) - veja a capa do disco: Foi o álbum de maior sucesso da banda, ultrapassando a marca das 800 mil cópias vendidas. A banda tinha inicialmente a intenção de realizar um disco duplo, por isso o nome "Dois", mas a EMI-Odeon não confiou no grupo. Nesse álbum é que define-se o ritmo musical do grupo, mais ao estilo "banquinho e violão". Os maiores hits foram Eduardo e Mônica, Tempo Perdido e Índios.
"DOIS" (DISCO 02)
DANIEL NA COVA DOS LEÕES
Letra: Renato Russo
Música: Renato Russo/Renato Rocha
Aquele gosto amargo do teu corpo
Ficou na minha boca por mais tempo:
De amargo e então salgado ficou doce,
Assim que o teu cheiro forte e lento
Fez casa nos meus braços e ainda leve
E forte e cego e tenso fez saber
Que ainda era muito e muito pouco.
Faço nosso o meu segredo mais sincero
E desafio o instinto dissonante.
A insegurança não me ataca quando erro
E o teu momento passa a ser o meu instante.
E o teu medo de ter medo de ter medo
Não faz da minha força confusão:
Teu corpo é meu espelho e em ti navego
E sei que tua correnteza não tem direção.
[solo]
Mas, tão certo quanto o erro de ser barco
A motor e insistir em usar os remos,
É o mal que a água faz quando se afoga
E o salva-vidas não esta lá porque não vemos.
QUASE SEM QUERER
Letra: Renato Russo
Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Renato Rocha
Tenho
andado distraído, Impaciente e indeciso E ainda estou confuso. Isso que agora é diferente: Estou tão tranqüilo E tão contente. Quantas chances desperdicei Quando o que eu mais queria Era provar pra todo o mundo Que eu não precisava Provar nada pra ninguém. Me fiz em mil pedaços Pra você juntar E queria sempre achar Explicação pro que eu sentia. Como um anjo caído Fiz questão de esquecer Que mentir pra si mesmo É sempre a pior mentira. Mas não sou mais Tão criança a ponto de saber Tudo. Já não me preocupo Se eu não sei porquê As vezes o que eu vejo Quase ninguém vê |
E eu sei
que você sabe Quase sem querer Que eu vejo o mesmo que você. Tão correto e tão bonito: O infinito é realmente Um dos deuses mais lindos. Sei que às vezes uso Palavras repetidas Mas quais são as palavras Que nunca são ditas? Me disseram que você estava chorando E foi então que percebi Como lhe quero tanto. Já não me preocupo Se eu não sei porquê Às vezes o que eu vejo Quase ninguém vê E eu sei que você sabe Quase sem querer Que eu quero o mesmo que você. |
ACRYLIC ON CANVAS
Letra: Renato Russo
Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Renato Rocha/ Marcelo Bonfá
É
saudade, então E mais uma vez De você fiz o desenho Mais perfeito que se fez Os traços copiei Do que não aconteceu As cores que escolhi Dentre as tintas que inventei Misturei com a promessa Que nós dois nunca fizemos De um dia sermos três Trabalhei você Em luz e sombra E era sempre: "-Não foi por mal. -Eu juro que nunca quis deixar você tão triste" Sempre as mesmas "desculpas" E desculpas nem sempre são sinceras Quase nunca são. Preparei a minha tela Com pedaços de lençóis Que não chegamos a sujar A armação fiz com madeira Da janela do seu quarto Do portão da sua casa Fiz paleta e cavalete E com as lágrimas que não brincaram com você Destilei óleo de linhaça E da sua cama arranquei pedaços Que talhei em estiletes de tamanhos diferentes E fiz então, pincéis com seus cabelos |
Fiz
carvão do batom que roubei de você E com ele marquei dois pontos de fuga E rabisquei meu horizonte. E era sempre: "-Não foi por mal. -Eu juro que não foi por mal, eu não queria machucar você. Prometo que isso não vai acontecer mais uma vez" E era sempre, sempre o mesmo novamente A mesma traição Às vezes é difícil esquecer: "-Sinto muito, ela não mora mais aqui". Mas então porque eu finjo Que acredito no que invento Nada disso aconteceu assim Não foi desse jeito. Ninguém sofreu E é só você Que provoca essa saudade vazia Tentando pintar essas flores com o nome De Amor-Perfeito e Não-Te-Esqueças-De-Mim. |
EDUARDO E MÔNICA
Letra: Renato Russo
Música: Renato Russo
Quem um
dia ira dizer Que existe razão Nas coisas feitas pelo coração? E quem ira dizer Que não existe razão? Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar: Ficou deitado e viu que horas eram Enquanto Mônica tomava um conhaque, Noutro canto da cidade, Como eles disseram. Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer. Foi um carinha do cursinho do Eduardo que disse: "- Tem uma festa legal e a gente quer se divertir." Festa estranha, com gente esquisita: "- Eu não estou legal. Não agüento mais birita." E a Mônica riu e quis saber um pouco mais Sobre o boyzinho que tentava impressionar E o Eduardo, meio tonto, isso pensava em ir pra casa: "- É quase duas, eu vou me ferrar." Eduardo e Mônica trocaram telefone Depois telefonaram e decidiram se encontrar. O Eduardo sugeriu uma lanchonete Mas a Mônica queria ver o filme do Godard. Se encontraram então no parque da cidade A Mônica de moto e o Eduardo de camelo. O Eduardo achou estranho e melhor não comentar Mas a menina tinha tinta no cabelo. Eduardo e Mônica eram nada parecidos Ela era de Leão e ele tinha dezesseis. Ela fazia Medicina e falava alemão E ele ainda nas aulinhas de inglês. |
Ela
gostava do Bandeira e do Bauhaus, De Van Gogh e dos Mutantes, De Caetano e de Rimbaud E o Eduardo gostava de novela E jogava futebol-de-botão com a seu avô. Ela falava coisas sobre o Planalto Central, Também magia e meditação. E o Eduardo ainda estava No esquema "escola-cinema-clube-televisão." E, mesmo com tudo diferente, Veio mesmo, de repente, Uma vontade de se ver E os dois se encontravam todo dia E a vontade crescia, Como tinha de ser. Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia, Teatro e artesanato e foram viajar. A Mônica explicava pro Eduardo Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar: Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer E decidiu trabalhar; E ela se formou no mesmo mês Em que ele passou no vestibular. E os dois comemoraram juntos E também brigaram juntos, muitas vezes depois. E todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa, Que nem feijão com arroz. Construíram uma casa uns dois anos atrás Mais ou menos quando os gêmeos vieram Batalharam grana e seguraram legal A barra mais pesada que tiveram. Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília E a nossa amizade da saudade no verão. Só que nessas férias não vão viajar Porque o filhinho do Eduardo tá de recuperação. E quem um dia ira dizer Que existe razão Nas coisas feitas pelo o coração? E quem ira dizer Que não existe razão? |
CENTRAL DO BRASIL (Instrumental)
Música: Renato Russo
TEMPO PERDIDO
Letra: Renato Russo
Música: Renato Russo
Todos os dias quando acordo,
Não tenho mais o tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo.
Todos os dias antes de dormir,
Lembro e esqueço como foi o dia:
"Sempre em frente,
Não temos tempo a perder."
Nosso suor sagrado
É bem mais belo que esse sangue amargo
E tão sério
E selvagem.
Veja o sol dessa manha tão cinza:
A tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos.
Então me abraça forte e me diz mais uma vez
Que já estamos distantes de tudo:
Temos nosso próprio tempo.
Não tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas agora.
O que foi escondido é o que se escondeu
E o que foi prometido, ninguém prometeu.
Nem foi tempo perdido.
Somos tão jovens.
METRÓPOLE
Letra: Renato Russo
Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Renato Rocha/ Marcelo Bonfá
"É sangue mesmo, não é mertiolate."
E todos querem ver
E comentar a novidade.
"É tão emocionante um acidente de verdade."
Estão todos satisfeitos
Com o sucesso do desastre:
"-Vai passar na televisão."
"Por gentileza, aguarde um momento.
Sem carteirinha, não tem atendimento
Carteira de trabalho assinada, sim senhor.
Olha o tumulto: façam fila por favor."
"-Todos com a documentação"
"-Quem não tem senha, não tem lugar marcado.
Eu sinto muito, mas já passa do horário.
Entendo seu problema mas não posso resolver:
É contra o regulamento, esta bem aqui, pode ver."
Ordens são ordens.
"-Em todo caso já temos sua ficha.
Só falta o recibo comprovando residência.
P'ra limpar todo esse sangue, chamei a faxineira
E agora eu já vou indo senão eu perco a novela
E eu não quero ficar na mão."
PLANTAS DEBAIXO DO AQUÁRIO
Letra: Renato Russo
Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Renato Rocha/ Marcelo Bonfá
Sente o desafio e provoque um desempate:
Desarme a armadilha e desmonte o disfarce.
Se afaste do abismo
Faça do bom-senso a nova ordem.
Não deixe a guerra começar.
[diálogos em francês e inglês]
Pense isso um pouco,
Não há nada de novo.
Você vive insatisfeito e não confia em ninguém
E não acredita em nada
E agora é isso cansaço e falta de vontade,
Mas, faça do bom-senso a nova ordem:
Não deixe a guerra começar.
MÚSICA URBANA II
Letra: Renato Russo
Música: Renato Russo
Em cima dos telhados as antenas de TV tocam música urbana
Nas ruas os mendigos com esparadrapos podres
Cantam música urbana.
Motocicletas querendo atenção às três da manha
É só música urbana.
Os PM's armados e as tropas de choque vomitam música urbana
E nas escolas as crianças aprendem a repetir a música urbana.
Nos bares os viciados sempre tentam conseguir a música urbana.
vento forte seco e sujo em cantos de concreto, Parece música urbana
E a matilha de crianças sujas no meio da rua, Música urbana.
E nos pontos de ônibus estão todos ali: música urbana
Os uniformes, os cartazes
Cinemas e os lares
Favelas, coberturas
Quase todos os lugares.
E mais uma criança nasceu.
Não há mentiras nem verdades aqui
Só há música urbana.
Yeah, música urbana
ANDRÉA DÓRIA
Letra: Renato Russo
Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá
Às vezes parecia que, de tanto acreditar
Em tudo que achávamos tão certo,
Teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais:
Faríamos floresta do deserto
E diamantes de pedaços de vidro.
Mas percebo agora
Que o teu sorriso
Vem diferente,
Quase parecendo te ferir.
Não queria te ver assim
Quero a tua força como era antes.
O que tens é só teu
E de nada vale fugir
E não sentir mais nada.
Às vezes parecia que era só improvisar
E o mundo então seria um livro aberto,
Até chegar o dia em que tentamos ter demais,
Vendendo fácil o que não tinha preço.
Eu sei - é tudo sem sentido.
Quero ter alguém com quem conversar,
Alguém que depois não use o que eu disse
Contra mim.
Nada mais vai me ferir.
É que eu já me acostumei
Com a estrada errada que segui
E com a minha própria lei.
Tenho o que ficou
E tenho sorte até demais,
Como sei que tens também.
FÁBRICA
Letra: Renato Russo
Música: Renato Russo
Nosso dia vai chegar
Teremos nossa vez.
Não é pedir demais:
Quero justiça,
Quero trabalhar em paz.
Não é muito o que eu lhe peço
Eu quero trabalho honesto
Em vez de escravidão.
Deve haver algum lugar
Onde o mais forte
Não consegue escravizar
Quem não tem chance.
De onde vem a indiferença
Temperada a ferro e fogo?
Quem guarda os portões da fabrica?
O céu já foi azul, mas agora é cinza
E o que era verde aqui já não existe mais.
Quem me dera acreditar
Que não acontece nada de tanto brincar com fogo.
Que venha o fogo então.
[solo]
Esse ar deixou minha vista cansada,
Nada demais.
"ÍNDIOS"
Letra: Renato Russo
Música: Renato Russo
Quem me
dera, ao menos uma vez Ter de volta todo o ouro que entreguei A quem conseguiu me convencer Que era prova de amizade Se alguém levasse embora até o que eu não tinha. Quem me dera, ao menos uma vez, Esquecer que acreditei que era por brincadeira Que se cortava sempre um pano-de-chão De linho nobre e pura seda. Quem me dera, ao menos uma vez, Explicar o que ninguém consegue entender: Que o que aconteceu ainda esta por vir E o futuro não é mais como era antigamente. Quem me dera, ao menos uma vez, Provar que quem tem mais do que precisa ter Quase sempre se convence que não tem o bastante E fala demais, por não ter nada a dizer Quem me dera, ao menos uma vez, Que o mais simples fosse visto como o mais importante, Mas nos deram espelhos E vimos uma mundo doente. Quem me dera, ao menos uma vez, Entender como isso Deus ao mesmo tempo é três E esse mesmo Deus foi morto por vocês É isso maldade então, deixar um Deus tão triste. |
Eu quis o
perigo e até sangrei sozinho. Entenda - assim pude trazer você de volta para mim, Quando descobri que é sempre isso você Que me entende do início ao fim E é isso você que tem a cura do meu vício De insistir nessa saudade que eu sinto De tudo que eu ainda não vi. Quem me dera, ao menos uma vez, Acreditar por um instante em tudo que existe E acreditar que o mundo é perfeito E que todas as pessoas são felizes. Quem me dera, ao menos uma vez, Fazer com que o mundo saiba que seu nome Esta em tudo e mesmo assim Ninguém lhe diz ao menos obrigado. Quem me dera, ao menos uma vez, Como a mais bela tribo, dos mais belos índios, Não ser atacado por ser inocente. Eu quis o perigo e até sangrei sozinho, Entenda - assim pude trazer você de volta para mim Quando descobri que é sempre isso você Que me entende do início ao fim E é isso você que tem a cura do meu vício De insistir nessa saudade que eu sinto De tudo que eu ainda não vi. Nos deram espelhos e vimos um mundo doente - Tentei chorar e não consegui |
Dado Villa-Lobos: Guitarras, Voz
Renato Russo: Violões, Voz, Teclados
Renato Rocha: Baixo, Voz
Marcelo Bonfá: Bateria, Percussão, Voz