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Um Brechó na Friederichstrasse / última atualização em 01/02/2000 |
por Roberto Tietzmann / todos os direitos reservados, reprodução proibida.
O prólogo para Berlim tinha sido em uma pequena cidadezinha chamada Bad Berleburg. De tão pequena, é difícil de achar no mapa. Mas lá tem um grande "altenheim", ou asilo de velhos. Como diz um amigo meu, "Tem velhos.. e velhos mais velhos AINDA". De um jeito ou de outro, apesar de meu alemão apache (um dialeto onde tudo acontece em tempo presente e as frases só existem em ordem direta), engatei em um papo com uma senhora.
Esqueci seu nome, mas parecia ter sido muito bonita quando jovem. Daquelas mulheres altas e esguias. Ombros largos e olhos de uma azul brilhante que ainda tinham um lampejo de juventude hoje ainda. Em uma sala de refeição com uma parede inteiramente coberta por rádios onda-curta de sessenta anos atrás, ouvi suas histórias.
Ela vivia em Berlim, a melhor cidade do mundo na sua opinião. Que hoje não existia mais. Fora destruída pela guerra, pelo muro, pela especulação, etc. Voltara faz poucos anos à cidade de sua juventude e constatou que ela existia apenas na memória. A Berlim monumental caíra por terra, substituída por outra que não despertava mais sentimentos.
Não pude conter uma cara de "Pô, que merda, hem?" que ultrapassou a barreira da língua e a velha entendeu. Com um sorriso no rosto ela arrematou: "Mas não se preocupe. Visite a cidade, porque Berlim sempre é linda quando o sol brilha.".
Dias de sol no inverno são raridade na Alemanha, e Berlim não foi exceção. Uma neve delicada cobria a cidade de branco nos dando boas vindas. A primeira coisa que impressiona na cidade é a largura de suas avenidas. Outra coisa, a cidade não foi pipocada de arranha-céus como Frankfurt ou São Paulo. Não é um bloco concreto de prédios como Copacabana. Berlim é mais suave no seu urbanismo. Mas lembranças de um passado nada agradável estão em todo lugar.
As belas luminárias na avenida que passa em frente à Deutsche Oper foram presente de Mussolini... para Hitler. Na vizinhança do museu Pergamon ainda há prédios semidestruídos com marcas de balas. O aprazível lugar onde o ônibus estacionara próximo ao portal de Brandemburgo era a praça onde os nazistas queimavam os livros proscritos... BRRR! Arrepio! Estar no lugar onde a história aconteceu dá uma dimensão nova ao que conehcemos apenas de filmes e histórias. E ela não é nada agradável...
Mas desencane, caro leitor! Dá pra se divertir pacas em Berlim! Dê graças a deus que hoje não é sessenta anos atrás e curta a cidade! Cruzando o portal de Brandemburgo rumo ao lado oriental você dá de cara com a maior concentração de guindastes e andaimes por metro quadrado que já vi. Aponte uma máquina fotográfica para qualquer canto e você pega uns cinco ou sete pelo menos. É o esforço para fazer da área da Unter den Linden o novo centro chique de Berlim, como era antes da guerra.
E tome construções! Na Friderichstrasse estão as lojas mais finas, mais caras, das griffes mais podres de chiques do mundo. E lá, num belo dia de meio sol-meio chuva, estava eu e uma amiga dando banda por Berlim. A viagem já andava há tempos longe do Brasil, e de repente bateu a vontade de comprar roupa nessa minha amiga.
Rodeados de griffes, mas sem um tostão no bolso, minha amiga resolveu achar um brechó na Friederichstrasse. Tomamos um gole de vodka de figo (que é uma delícia e não encontrei aqui no Brasil) e entramos em uma loja. Vários andares, vestidos finos, echarpes, espelhos e provadores nos rodeavam. Uma vendedora de tailleur vermelho veio nos atender.
Quando dissemos a que viemos (encontrar um brechó de roupa usada), a vendedora fez uma cara de "uquê????" que se entenderia em qualquer língua e fechou a cara. Pedimos por favor e ela saiu de nossa frente. Minha amiga não se conformou:
-Pô! Qualé?
-Ah, vai ver que foi buscar a informação.
E avançamos até a vendedora seguinte. Mesma coisa. Essa, pelo menos, foi mais educada... ainda disse que naquela loja não iamos encontrar nada daquilo antes de sair correndo. Quando percebemos que daquele mato não saía roupa usada, fomos para rua usar a percepção extra-sensorial de que os brasileiros são dotados no exterior para encontrar um brechó nos endereços mais finos de Berlim!
Mais um gole de vodka de figo e minha amiga teve uma idéia: por que não perguntar para as pessoas na rua? Parecia uma ótima idéia, afinal de contas deveria haver uns jovens duros pelas ruas de Berlim como nós... mesmo na Friederichstrasse!
-Non...Pardon Je suis Français!
Respondeu o primeiro sujeito. Putz! Francês! Não sabia nada dali, só estava passeando. Como nós. Lá vinha mais um jovem! Minha amiga avança, e...
-I'm sorry! I'm american!
-Io sono italiano!
-Yo soy español!
NADA! Nem um alemão nas ruas de Berlim! Santo Deus! Será que essa cidade está que nem o Cristo Redentor, onde não se encontra um carioca? Minha amiga está em polvorosa... agora encontrar esse maldito brechó evoluiu de um passatempo em uma obsessão! Andamos a esmo pelas ruas próximas, e sinto a revolta dela aumentando. Tento acalmá-la.
-Calma, fica fria. Quem ia querer encontrar Chanel em um brechó mesmo? Já pensou quanto ia custar?
Tomamos mais um gole de vodka de figo e ela vê o pessoal da companhia elétrica consertando um poste. Ela sai correndo na garoa berlinense. Eu a chamo. Ela responde:
-Se os operários não souberem onde tem um brechó, quem vai saber?
Ela tem razão, e corro atrás dela. Aguardo o sinal abrir, e quando me aproximo dela os obreiros já estão dando a informação. Minha amiga desenha um mapa, anota o endereço e mostra o papel para mim como um troféu. Ela diz:
-Finalmente! Agora vamos tomar uma cerveja para comemorar.
-Não vamos beber o dinheiro do brechó em cerveja, não é? - pergunto.
-Tranqüilo. Sempre tem um caixa dois. - respondeu ela.
Quando demos por conta, estava quase na hora de pegar o ônibus de volta do passeio. No trajeto de volta para casa, por ironia do destino, o ônibus passou pela frente da loja de segunda mão (que fica perto da Zoo Station). A neve voltara a cair forte, e os faróis dos carros faziam dela um caleidoscópio de luzes. O anjo dourado de Wim Wenders parecia dançar em meio a um balé de luzes. Minha amiga não conseguiu o que buscava, Berlim era bela mesmo à noite, um mosaico de história entre o futuro e o passado.