Home Page Roberto > O Chimarrão Explosivo

Volta para Home Page

O Chimarrão Explosivo / última atualização em 06/02/2000

por Roberto Tietzmann / todos os direitos reservados, reprodução proibida.

Histórias de brasileiros em apuros no exterior por conta da língua abundam por aí (êpa!) . Tem uns que se passam por mudos quando cruzam a fronteira. Só falam quando encontram outros brasileiros. Outros, levando fé na boa e velha cordialidade brasileira, falam mais línguas que os tradutores da ONU mesmo não passando do português.

Oa gaúchos exportaram para o país inteiro a expressão "de mala e cuia", que quer dizer "levando tudo junto". Quando alguém se muda "de mala e cuia" é que vai para não voltar tão cedo, se é que é para voltar algum dia. Até mesmo cariocas ou amazonenses usam a expressão, embora chimarrão por aquelas bandas seja ficção científica pura. Aliás, para identificar gaúchos fora de sua terra, é só procurar quem anda por todos os lados com o kit cuia-térmica-bomba. É infalível!

Bom, se um pouco ao norte do Brasil chimarrão já é confundido com outra coisa, o que dizer fora do Brasil? Chegando em Frankfurt, rezávamos para a alfândega alemã não abrir as nossas malas, olhar o pacote de erva e perguntar:

-Was ist das?

Inclusive porque quase ninguém ia saber o que eles estavam perguntando, quanto mais responder! Os mais corajosos so grupo já preparavam uma resposta cordial para o meganha:

-Pelé, samba, Ayrton Senna! Mulatas! Ziriguidum, oi!

Câmeras por todos os lados aumentavam nossa paranóia. Não dá pra negar... foi um pouquinho frustrante quando passamos batido pela alfândega. Os sonolentos fiscais nem olharam para a nossa cara, liberando a perigosa invasão de vários pacotes de erva de chimarrão na comunidade européia.

Eles eram servidos às platéias no intervalo das apresentações da orquestra, entre a música e a dança gaúcha. Não foram poucos os alemães que torciam a cara ao primeiro gole (uma expressão que supera qualquer barreira de língua) e não queriam mais saber daquilo. Outros ainda se apavoravam ao saber que todos tomavam da mesma cuia, sem a troca de bombas, etc.

Mas em Berlim um senhor de idade, todo vestido de preto, com a maior sem cerimônia tomou a cuia das mãos do peão e serviu seu próprio mate, tomando em seguida sob o olhar impressionado de todos, inclusive de sua esposa. Percebendo a cara de todos à sua volta, emendou sem sotaque:

-Faz uns vinte anos que não tomo um mate amargo, tchê! Sou de Bagé!

Mas eis que de tantas vezes entrar e sair do ônibus para as apresentações, um dia cuia e bomba ficaram dentro. E o ônibus foi para revisão, em uma cidade vizinha. Só deram por conta poucas horas antes da apresentação começar. Bate-pronto: a solução era ligar para a empresa e pedir para devolverem o material, etc.

Mas havia um problema: quem sabia como pedir isso em alemão? Quem sabia tinha saído. Só voltaria pouco antes da hora...

Em uma mistura entre "tirar no palitinho" e "se não tem tu vai tu mesmo", o sujeito que mais sabia entre os disponíveis foi eleito para telefonar. Por coincidência - ou não! - também era o gaúcho pilchado que dançava e servia o mate no conjunto. Isso além de ajudar a carregar e descarregar os instrumentos, tocar percussão e bateria e contar piadas nas horas vagas. Quem podia ser melhor? Quem entendia mais de bombas, cuias e chimarrão do que ele? Ora! O que poderia dar errado afinal?

Feitas as apresentações com a empresa, a conversa correu sem sobressaltos. Isto é, até a hora de pedir o que tinha sido deixado no ônibus. Mostro aqui uma transcrição do diálogo, já na versão legendada em português.

-Bitte, como posso ajudá-lo?

-Eu esqueci uma coisa no ônibus. Pode me ajudar?

-Ya, Genau so! Posso entregar na sua cidade. Não há problema, por favor.

-Então pode me ajudar?

-Ya! O que precisa buscar no ônibus?

Um arrepio percorreu nosso herói. Como se chamava a indumentária de chimarrão em alemão?

-Mas você não sabe? - Perguntou uma pessoa do grupo que se amontoava em volta do telefone?

Era preciso ganhar tempo! A empresa de ônibus do outro lado da linha voltou à carga:

-Mein herr? Bitte? Está aí?

-Ya, Ya! Estou! Já pegou papel para anotar?

-Ya, mein herr. pode falar!

-Eu preciso que você busque um...

-Ya bitte?

"Dicionáriooo!" em bom português ecoou pela sala. Uns dois ou três saíram para achar o livrinho, para a surpresa do alemão, que ficou sem entender nada ao telefone.

-Was?

-Nichts, nichts. Um espirro.

-Brasilianiches herren espirram muito diferente! Mas o que preciso buscar?

Quem saiu para buscar o dicionário estava demorando. Não ia dar tempo de achar a palavra. Era preciso improvisar!

-É uma cuia...

-Wie bitte?

-Uma espécie de copo de madeira..

-Ach, genau so! Muito exótico! Algo mais?

-Uma garrafa térmica...

-Ah, isso temos aqui também! E...?

-Ein... ein..

Voltando em disparada pelo corredor, os dois ou três (que tinham virado uns quatro ou seis acompanhando a confusão) gritaram para o sujeito que estava no telefone:

-Lemos no dicionário : bomba é BOMBE!!! É BOMBE!!

Arrematando a chamada abençoado pelo dicionário, nem piscou:

-Und ein Bombe auch!

Deu pra ver o alemão ficar transparente do outro lado da linha (que branco ele já era):

-Ein BOMBE? EIN BOMBE? Mein Gott! Terroristen! Polizei! Polizei!

Até a hora em que a equipe do dicionário havia lido o sentido dois ou três ("Ein Pumpe", o correto), o funcionário da empresa já estava em polvorosa, quase ligando para a SWAT. Ainda deu tempo de corrigir, fingindo um espirro:

-Einpumpe! Você precisa pegar ein pumpe!

-Bitte? Gesundheit! Ah, OK!

Passados os momentos de apuros, qual foi o resultado? Bomba, Cuia e chimarrão estavam lá para a hora da apresentação. E o funcionário estava na primeira fila. Na hora do intervalo, todo curioso, foi provar o chimarrão. E adivinhe? Torceu o nariz ao primeiro gole. Mas foi até o fim, para ter certeza que nada ia explodir. 

topo da página

 

1