Última atualização em 25/05/1998 / Volta para home page
"O Crime" é o título provisório para um vídeo interativo que está sendo desenvolvido na cadeira de Linguagem de Vídeo do curso de pós-graduação da PUCRS. Este ensaio debate um ponto interessante: que vida os personagens têm antes de de "viverem" em um roteiro? Acompanhe na home page relatos do processo dia a dia da produção deste projeto. |
"Rosa Púrpura do Cairo", de Woody Allen, explora um tema curiosíssimo: o que acontece com os personagens quando estão fora da cena? Quando o projetor está desligado? Eles morrem? Desaparecem? Quando vão ao banheiro? Aliás, personagens glamurosos VÃO AO BANHEIRO??? Para os personagens de Allen, o projetor desligado é uma sentença quase mortal. Uma hibernação que não agrada a nenhum deles. Eles protestam ante a qualquer menção de acabar com a projeção. Embora metafísica, a comédia nos traz um questionamento válido ao desenvolvermos personagens: o que acontece com eles antes e depois de estarem em cena? A necessidade de embasar um personagem com uma história anterior aos eventos mostrados na tela é uma maneira de fazê-lo mais crível. Afinal, os personagens devem convencer-nos de que são humanos a ponto de nos envolvermos em relações de simpatia, desprezo, ódio, medo, etc. com eles. Se os personagens -que são pessoas "de mentirinha"- precisam converncer pessoas "de verdade" a prestarem atenção neles, é necessário construir estas "vidas de papel" com elementos que fazem parte da realidade. A criação do personagem não é um monopólio do autor (ou autores) da história. Os atores emprestam rosto, corpo e alma às palavras, completando o ciclo. De uma longa conversa entre criadores e atores d'"O Crime" nasceram vários elementos para justificar e detalhar melhor os comportamentos de Luís e Cláudia, protagonistas da história. As perguntas começam a surgir a partir do storyline inicial "Um homem invade uma casa e mata uma mulher.". Um homem? Quem é ele? Um assaltante? Um serial killer? Um antigo namorado buscando vingança? Como ele é? Alto, baixo, gordo, magro? Qual é a cor de sua pele? Que tipo de roupa usa? É rico ou pobre? E assim por diante. Entre Luís e Cláudia houve um relacionamento intenso, mas não duradouro. Moraram juntos, mas nunca chegaram a alcançar um estágio do relacionamento onde a aceitação convence o casal a ficar junto. Eles não venceram sua própria paixão e impulsividade. E se separaram. A lembrança do relacionamento, contudo, ainda vive. A lembrança da paixão perdida faz Luís buscar Cláudia mesmo com ela dando todos os sinais de que ele não mais é bem-vindo. Ele telefonou e ela não atendeu. Escreveu cartas que não foram respondidas. Chegou à porta da casa de Cláudia com rosas vermelhas e descobriu que ela se mudara, sem deixar o endereço. Preso ao passado, localiza o endereço de Cláudia (e este é o início da história) e sabe que, se bater na porta, não será recebido. Por isto decide arrombar a casa. Para chamar a atenção dela e expressar seu amor. Que a estas alturas já virou uma patologia. Como não temos um psiquiatra na trama, os personagens se encaminham para seus finais extremados. Amor ou ódio. Sexo ou assassinato. Cláudia, por sua vez, é uma espécie de "porco-espinho virado do avesso". Ela tem uma aparência serena, quase delicada. Uma vida reclusa na maior parte do tempo. Mas por debaixo desta tênue camada de paz, é capaz de MATAR e SE DIVERTIR COM ISSO!!! Ela não superou uma ligação doentia com Luís, tanto que se mudou sem deixar o endereço, mas guarda um porta-retrato quebrado próximo de onde passa o dia inteiro a trabalhar. Cláudia usa roupas apertadas e sem cuidado com a moda ou com uma atração sexual. Ela usa coque em um cabelo longo, o que dá mais ainda a medida de seu bloqueio. Todo o conflito entre Cláudia e Luís nasce da diferença básica entre suas personalidades. Cláudia é introspecta, reservada, possessiva. Luís acreditava no amor como uma forma de liberdade. Mas -dolorosa surpresa!- justo quem mais o ama também mais o quer sufocar. Dilacerado entre a busca do amor e a liberdade, Luís abre mão de sua liberdade para ir atrás de Cláudia. Ao chegar lá, desenvolve seu conflito de três formas diferentes. Ou ele encontra "a felicidade plena e infinita", quase irreal e caricata, acabando na cama com Cláudia. Ou retoma seu amor e sua liberdade, matando Cláudia e beijando-a antes de fugir. Ou sucumbe a possessão de Cláudia, acabando enterrado em seu quintal. Não há soluções fáceis aqui. E, com certeza, todas elas são "meio pancada da cabeça". Conhecendo a história dos personagens fica mais fácil de nos envolvermos com eles. E, com personagens que despertem emoções nos espectadores, é mais simples de fazer uma trama envolvente e prazerosa. Mesmo que seja sobre assassinatos! |