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A visão limitada do caso Ford/GM / última atualização em 22/06/1999

publicada em NÃO! nº 63 http://www.nao-til.com.br

 

Quem tem a ganhar com as montadoras? As cidades que as recebem? As regiões que recebem os empregos diretos? Os políticos que as prospectaram? Os ecossistemas? As próprias montadoras? A resposta não é simples nem curta. Mas uma coisa é certa: cada personagem envolvido na situação tem interesses envolvidos e busca um posicionamento a respeito. Negar isto é limitar sua percepção dos fatos a uma visão parcial, exatamente o que aconteceu na comunicação do caso da vinda das montadoras para o estado.

Para tomarmos uma decisão, ou seja, eleger um posicionamento frente à sociedade, é preciso estar informado a respeito de suas alternativas. Caso contrário, essa tomada de decisão "pro forma" serve apenas para ratificar a exclusão de camadas da sociedade do processo decisório e legitimar o autoritarismo disfarçado de democracia.

Não vamos longe, pois toda mãe que odeia o namorado da filha faz o mesmo: ressaltar apenas os pontos negativos do "bandido" enquanto aumenta as qualidades de outro "candidato" mais ao seu agrado. A diferença é que a filha sabe que a opinião da mãe é tendenciosa, enquanto que na comunicação pública isto freqüentemente é ocultado e feito ser visto como "verdade".

Falo de memória, mas o slogan da reeleição de Britto era algo como "Ele sabe o caminho". Usemos este slogan como porta de entrada para uma leitura mais ampla de toda a retórica usada para nos vender as montadoras com o dinheiro do nosso próprio bolso.

Afinal de contas, leiamos o slogan. Se ele "Sabe o caminho", então para que se preocupar? Se sabe, então está tranqüilo. Aparentemente podemos, como sociedade, abrir mão de nosso juízo crítico e entregar o timão a quem sabe por onde está seguindo. Votar nele seria garantir um futuro despreocupado. Levado pela mão do governante que sabe onde está indo rumo a um amanhã melhor. É quase um sonho essa coisa de confiança plena em uma figura que resolva todos os problemas e nos deixe livres para viver uma vida sem preocupações. Aliás, falei em sonho?

Entra em cena o segundo grande papo de comunicação desse caso Ford/GM: O "sonho da montadora". A escolha de palavras foi espertíssima. Um sonho. Um objetivo inalcançável (portanto onírico) é feito realidade. Por quem? Por quem? Justo por quem sabe o caminho.

Ao carimbar a palavra "sonho" ao invés de "meta" ou "objetivo" ou "programa" ou qualquer outra mais realista, são ocultadas justamente as relações de custo/benefício ou conseqüências deste "sonho". Quando sonhamos, pensamos diferente. Os sonhos têm uma lógica própria, que nem sempre funciona como a "realidade". São mágica, mas — veja só! — a magia veio para o cotidiano. O povo acordou e viu que não sonhara em vão. Não uma, mas DUAS montadoras estavam em sua porta!

E é fácil acreditar nessa, ou mesmo tolerá-la. Afinal de contas, quem se opõe ao desenvolvimento econômico do estado/região/cidade onde vive? Só um maluco vai achar isso ruim. Mas veja bem: ao pensar assim não se tem uma visão global do que está acontecendo. Os sonhos custam dinheiro na vida real. Sonha em ter um Mercedes Classe A? Custa R$30 mil. Sonha em montar seus próprios Mercedes no estado? Custa muito mais. E "custam" vindo do seu bolso, que é de onde vem a grana do governo.

E chegamos então ao X da questão, que é sobre o que toda esta retórica de campanha foi construída. A população (ou pelo menos parte dela) acreditou que estava ganhando essas montadoras de graça, ou quase isso. Com este papo de "sonho", tirou-se do campo da contabilidade para o da metafísica a aferição do fluxo de capitais. Mais grave que isso, a sociedade em geral se mostrou ignorante a respeito de onde o seu dinheiro estava sendo investido pelo governo. Caso contrário poderia ter questionado a aplicação em renúncia fiscal ou outros tipos de incentivos desde o primeiro dia, orientando o governo para uma aplicação em projetos que trouxessem benefícios com menos custo.

E as tinturas de "sonho" aplicadas às montadoras também fizeram muito bem a elas. Porque então se abstrai completamente os interesses da empresa e eventuais conflitos relacionados. Durante as greves do ABC Paulista ali por 1980, as montadoras passaram à história como "vilãs e mesquinhas", em oposição aos metalúrgicos que representavam a "voz do povo". Observe as aspas, porque tenho consciência de que este é um resumo maniqueísta da cena.

De todo jeito, vinte anos depois, as montadoras são propagandeadas como o céu na terra. Parecem emissárias do bem cujo objetivo é fazer o certo e trazer "progresso" (mais aspas!) ao estado. Ao ocultarmos os interesses das montadoras da opinião pública, tornamos possível seu aproveitamento propagandístico. Que equivale a contar apenas o que interessa, deixando o resto debaixo do tapete.

Logo toda a discussão que se estabelece a partir do momento que o governo atual chegou ao Piratini e decidiu questionar os contratos está marcada por esta percepção limitada do caso que foi eficientemente vendida à população. E não deixa de ser interessante perceber que o que se vê agora é um "outro lado da moeda" dos símbolos de comunicação que foram criados antes da eleição.

A opinião pública se acostumou à idéia de que teria uma montadora e como isso era bom. Sem se preocupar que o dinheiro gasto no processo poderia trazer mais benefícios ao estado se investido em outras áreas. A incoseqüência do primeiro desejo (ter a montadora sem se preocupar com o custo) nos devolve agora parte da opinião pública chorando como criança que teve um pirulito na mão e não tem mais.

A oposição (antiga situação) afirma que Olívio jogou o RS num buraco, que acabou "com o futuro do estado". Ora! Quem acaba com o futuro é porque não sabe o caminho, não é mesmo? Quem "sabia o caminho" era o candidato da situação, Britto, e este slogan continua a fomentar a neo-oposição.

A montadora, que vinha direto dos céus para Guaíba, sabe que vai encontrar outro governo onde receber grandes incentivos. Logo fica à parte do grosso da briga política, o que poderia inclusive diminuir a saída de seus modelos nas revendas gaúchas (que não têm nada a ver com isso e foram rápidas em fazer propagandas dizendo que "a Ford NÃO estava indo embora do estado!"). Dinheiro não tem pátria nem partido, e é isso que vemos aqui.

E o que isso tudo tem a ver com os 500 anos de Brasil? Bom, há uns 500 anos pelo menos enxergamos mais o que querem nos mostrar que aquilo que realmente vemos. E há pelo menos 500 anos compreendemos as situações de forma parcial e míope, deixando a visão global para a História com "agá maiúsculo". Gostaria que não demorasse outros 500 para que as pessoas vivessem sua cidadania com uma visão global de sua responsabilidade perante a sociedade. Mas isso depende de todos e de cada um.

Portanto, meu chapa, é melhor esperar sentado... ou fazer algo desde já!

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