Aqui eu escreverei, primeiro o verso da música 'Favola' e depois o texto do conto 'Transformações' de Hermann Hesse.


E / E
raccontano che lui si trasformò / contam que ele se transformou
in albero e che fu / em árvore e que foi
per scelta sua che si fermò / por escolha sua que se fixou
e stava lì a guardare / e estava ali a olhar
la terra partorire fiori nuovi / a terra parir flores novas

"(...)Pois muitas vezes desejara ser árvore, porque as árvores lhe pereciam plenas de paz, força e dignidade.
Piktor transformou-se em uma árvore. Suas raízes cresciam terra adentro, ele elevava-se às alturas, folhas e ramos emergiam de seus membros. E com isto ele ficou muito satisfeito. Suas fibras sedentas sugavam no fundo da terra fresca, e balouçava suas folhas alto no azul."

Così / Assim
fu nido per conigli e colibrì / foi ninho para o coelho e o colibrí
il vento gl'insegnò i sapori / o vento lhe ensinou os sabores
di resina e di miele selvatico / de resina e de mel selvagem
e pioggia lo bagnò / e chuva o banhou

"(...)Besouros moravam em sua casca, a seus pés moravam lebres e ouriços, e os pássaros habitavam seus ramos."

La mia felicità - diceva dentro se stesso - / A minha felicidade - dizia dentro de si mesmo-
ecco... ecco... l'ho trovata ora che / aqui está!...aqui está!... a encontrei agora que
ora che sto bene / agora que estou bem
non ho più bisogno di nessuno / não tenho mais necessidade de ninguém
ecco la bellezza della vita che cos'è / eis! a beleza da vida que coisa é

"A Árvore Piktor estava feliz, e não contava os anos que passavam . Passaram-se muitos, muitos anos, antes de ele notar que sua felicidade não era perfeita. Só lentamente aprendeu a ver com olhos-de-árvore. Por fim, conseguiu ver, e ficou triste.
Viu que ao redor dele, no Paraíso, a maioria das criaturas se transformava freqüentemente, sim, tudo fluía em uma torrente mágica de eterna metamorfose. Viu flores se tranformarem em pedras preciosas, ou saírem voando como pássaros cintilantes. Viu a seu lado muita árvore sumir de repente: uma derreteu-se e tornou-se fonte, outra se tornara um crocodilo, outra, agora, peixe, nadava, indo embora, alegre e fresca, cheia de gozo, com vivacidade, executando novos jogos em novas formas. Elefantes trocavam de roupa com rochedos, girafas assumiam a forma de flores. (Essa parte está no clip, nos desenhos que aparecem)
Mas ele, a Árvore Piktor, era sempre a mesma, não podia mais se transformar. Desde que reconheceu isso, sua felicidade desvaneceu-se; começou a envelhecer, assumindo cada vez mais aquela postura cansada, grave e preocupada, que se pode observar em muitas árvores velhas. Também em cavalos, pássaros, pessoas e todas as criaturas, pode-se ver isso diariamente. Quando não possuem o dom da transformação, com o tempo decaem em tristeza e mágoa, e perdem a beleza."

Ma un giorno passarono di lì / Mas um dia passaram por ali
due occhi di fanciulla / dois olhos de menina
due occhi che avevano rubato al cielo / dois olhos que tinham roubado do céu
un pò della sua vernice / um pouco da sua cor

E senti tremar la sua radice / E sentiu tremer a sua raíz

"Certo dia, errava por aquela região do Paraíso uma jovem de cabelos louros e vestido azul. Cantando e dançando a loura corria entre as árvores, e até então nunca pensara em desejar o dom da transformaçao.
Muito macaco astuto sorria atrás dela, muito arbusto tocava-a delicadamente com um ramo, muita árvore lhe lançou uma flor, uma noz, uma maçã, sem que disso ela se apercebesse.
Quando a Árvore Piktor avistou a jovem, foi tomada de uma grande saudade, um desejo de felicidade, como jamais sentira. E ao mesmo tempo caiu em profunda reflexão, pois sentia que seu próprio sangue lhe dizia:
- Pensa bem! Lembra-te nesta hora de toda a tua vida, encontra o sentido disso tudo, ou será tarde demais, e nunca mais terás a felicidade.
Ele obedeceu. Lembrou-se de toda a sua origem, seus anos como homem, sua viagem ao Paraíso, e especialmente daquele instante antes de se tornar árvore, aquele extraordinário momento em que tivera nas mãos a pedra encantada. Naquela ocasião, como tinha a escolha qualquer transformação, a vida ardera nele como nunca! Pensou no pássaro que aquela vez rira, e na árvore com Sol e Lua; e pressentiu que naquela ocasião perdera algo, esquecera algo, e que o conselho da Serpente não fora bom.
A jovem ouviu um rumor nas folhas da Árvore Piktor, ergueu os olhos para ela e sentiu, com súbita dor no coração, novos pensamentos, non anseio, novos sonhos agitando-se em seu próprio interior. Atraída por uma força desconhecida, ela se sentou debaixo da árvore, que lhe parecia solitária, solitária e triste, e não obstante bela, comovente e nobre em sua muda tristeza; a canção de sua copa, em suave sussurro, soava fascinando-a. Ela recostou-se no áspero tronco, sentiu a árvore estremecer fundo, sentiu o mesmo frêmito no próprio coração. O coração lhe doía singularmente, sobre o céu de sua alma deslizavam nuvens, lentamente lágrimas pesadas corriam de seus olhos. O que era aquilo? Por que precisava sofrer tanto? Porque o coração anelava rebentar o peito, e fundir-se nela, e com ela, com ele, o belo solitário?
A árvore estremeceu de leve até as raízes, tão fortemente reunia em si todas as forças vitais, ao encontro da jovem, no ardente desejo de união. Ah, fora ludibriado pela Serpente, exilando-se para sempre, confinando-se solitário em uma árvore! Ah, que cego, que tolo fora! Então não soubera de nada, estivera tão alheio ao segredo da vida?(...) "

Quanto smarrimento d'improvviso dentro sè / Quanta perda imprevista dentro de si
quello che solo un uomo senza donna sa che cos'è / aquilo que só um homem sem mulher sabe que coisa é
e allungò i suoi rami / e alongou os seus ramos
per toccarla / para tocá-la

Capì che la felicità non è mai la metà / Entendi que a felicidade não é nunca a metade
di un infinito / de um infinito

Ora era insieme luna e sole / Agora estavam juntos lua e sol
sasso e nuvola / pedra e nuvem
era insieme riso e pianto / estavam juntos riso e choro
o soltanto / ou apenas
era un uomo che cominciava a vivere / era um homem que começava a viver
ora / agora
era il canto che riempiva / era o canto que preenchia
la sua grande / a sua grande
immensa solitudine / imensa solidão
era quella parte vera / era aquela parte verdadeira
che ogni favola d'amore / que toda fábula de amor
racchiude in sè / encerra em si
per poterci credere / para podermos crer

"(...)Não, bem que ele o sentira e adivinhara aquela vez, obscuramente - ah, e com tristeza e profunda compreensão pensava ele agora na árvore, que era a um tempo Homem e Mulher! (...) A bela foi arrebatada, tombou e uniu-se à árvore, emergiu do seu tronco como um vigoroso ramo novo, e rapidamente cresceu até o cimo.
Agora estava tudo bem, o mundo estava em ordem, só agora fora encontrado o Paraíso. Piktor já não era uma árvore velha e triste, agora cantava bem alto, (...)
Estava transformado. E porque dessa vez alcançara a metamorfose verdadeira, eterna, porque passara de uma metade ao Todo, a partir dessa hora podia transformar-se o quanto quisesse. O fluido mágico do vir-a-ser circulava continuamente pelo seu sangue, e ele participava eternamente da incessante Criação.
Tornou-se Cervo, tornou-se Peixe, tornou-se Homem e Serpente, Nuvem e Pássaro. Mas em cada forma era um todo, era um par, tinha Lua e Sol, tinha em si Homem e Mulher, e como rios gêmeos correu pelos países, e pairou no céu como uma dupla estrela."


O início do conto vou colocar aqui, ele explica como Piktor transformou-se em árvore:

"Mal entrara no Paraíso, Piktor deparou com uma árvore que era a um tempo Homem e Mulher.Piktor saudou a árvore respeitosamente, e perguntou:
- Você é a Árvore da Vida?
Mas quando a Serpente quis lhe responder em lugar da árvore, ele se afastou e seguiu adiante. Olhava para tudo atentamente, tudo lhe agradava tanto! E sentia, nitidamente, que estava na Pátria e na Fonte da Vida.
E novamente viu uma árvore que era a um tempo Sol e Lua.
Piktor disse:
- Você é a Árvore da Vida?
O Sol acenou com a cabeça e riu, a Lua acenou com a cabeça e sorriu. As mais maravilhosas flores miravam-no, com luzes e cores variadas, com diversos olhos e rostos. Algumas lhe acenavam e riam, outra lhe acenavam e sorriam, outra nada disso faziam: calavam-se, ébrias, submersas em si mesmas, como que afogadas no próprio perfume. Uma cantava a canção dos lilases, uma cantava a canção de ninar azul-marinho. Uma das flores tinha grandes olhos azuis, outra o fez lembrar seu primeiro amor. Uma tinha o aroma do jardim da sua infância, como a voz da mãe, soava o seu doce perfume. Outra riu para ele, e lhe estendeu uma comprida língua curvilínea e rubra. Ele a lambeu; tinha um sabor forte e silvestre de resina e mel, e também do beijo de uma mulher.
No meio de todas aquelas flores, estava Piktor, cheio de saudade e temerosa alegria. Como se fosse um sino, seu coração batia pesadamente, batia muito; seu desejo ardia saudosamente ansiando pelo desconhecido, pelo magicamente pressentido.
Piktor viu pousado um pássaro, viu-o na relva pousado, cintilando de cores, o belo pássaro parecia possuir todas as cores. E perguntou ao lindo pássaro colorido:
- Oh, pássaro!, onde está a felicidade?
- A felicidade?- disse o belo pássaro, rindo com seu bico dourado.- Oh, amigo, a felicidade está por toda parte, na montanha e no vale, na flor e no cristal.
Com essas palavras, o alegre pássaro agitou sua plumagem, moveu o pescoço, balançou a cauda, piscou os olhos, riu mais uma vez, depois ficou pousado imóvel, pousado quieto na relva e vejam: o pássaro, agora, se transformara em uma flor colorida, as plumagens eram folhas, as garras, raízes. No brilho da cor, no meio da dança, ele se fizera flor. Piktor o viu, espantado.
Logo depois a flor-pássaro moveu suas folhas e estames, cansou-se outra vez de ser flor, já não tinha mais raízes, moveu-se com leveza, alçou-se lentamente no ar, e tornou-se uma borboleta luzente, que se movimentava flutuando, sem peso, toda luz, toda um rosto iluminado. Piktor arregalava os olhos.
Mas a nova borboleta, a alegre e colorida borboleta-flor-pássaro, o claro rosto colorido, voou em círculos em torno do espantado Piktor, cintilou ao sol, baixou suavemente sobre a terra, como um floco de neve, pousou junto aos pés de Piktor, respirou docemente, tremeu um pouco as asas cintilantes, e logo se transformou em cristal colorido, de cujas extremidades se irradiava uma luz vermelha. A gema rubra brilhava maravilhosamente na relva entre folhagens verdes, clara como sino de festa. Mas sua Pátria, o interior da Terra, parecia chamá-la; logo começou a diminuir ameaçando afundar. Então, dominado por um desejo incontrolável, Piktor estendeu a mão para a gema que desaparecia, e tomou-a para si. Comtemplou encantado a sua luz mágica, que parecia iluminar seu coração com o pressentimento da absoluta felicidade.
De súbito, no galho de uma árvore morta, enroscou-se a Serpente e sibilou no ouvido de Piktor:
- A pedra te transformará no que quiseres. Diz-lhe depressa teu desejo, antes que seja tarde!
Piktor assustou-se e teve medo de perder esta oportunidade de alcaçar sua felicidade. Disse rapidamente a palavra, e transformou-se em uma árvore. Pois muitas vezes desejara ser árvore, porque as árvores lhe pareciam plenas de paz, força e dignidade."


Web designer Liura Sanchez Lauri
1