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mainframe, de Balbina para Brasília, e depois convertido para html de modo ainda capenga.
Mas dá pra entender! ...Dessa vez, a idéia era conhecer o extremo norte do Estado do Amazonas, município de São Gabriel da Cachoeira, onde o Brasil faz fronteira com a Colômbia e a Venezuela. É uma das poucas regiões da Amazônia brasileira onde se encontram montanhas, inclusive o Pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil, com 3014 metros de altura. Sai de Manaus dia 01 de setembro, as 7:30 da manhã, num bimotor da Rico Taxi Aéreo, com destino a São Gabriel da Cachoeira, e com escalas previstas em Santa Isabel e Barcelos, vilas as margens do rio Negro, assim como a própria São Gabriel. Alias, a viagem aérea inteira seria acompanhando o imenso rio, o que possibilitou ver as inúmeras praias e ilhas que existem no Rio Negro, durante o período da seca. Na época das chuvas o rio sobe mais de 9 metros e as praias desaparecem, invadindo a floresta, as vezes por vários quilômetros. Descemos em Barcelos as 8:30. A cidade fica na margem direita do Rio Negro e até que é bonitinha. O aeroporto fica praticamente dentro da cidade. Já em Santa Isabel o aeroporto fica bem longe, e na margem esquerda. Alias, chamar a pista de pouso de Santa Isabel de aeroporto é estar sendo muito otimista. O asfalto já esta indo embora, a floresta esta crescendo em direção a pista, não existe ninguém fazendo o controle de vôo e nem mesmo uma biruta existe para auxiliar o piloto no pouso. não preciso dizer que todas as pistas de pouso pelas quais passei não tinham iluminação, o que implica que é impossível descer a noite. Os vôos na amazônia precisam ser bem estudados, antes de serem feitos. As pistas São poucas, sem iluminação, e longe umas das outras, muitas vezes com distancias superiores a 500 Km. O controle de tráfego aéreo não tem radares suficientes para cobrir toda a aérea eis só deixa vários pontos "cegos" onde um avião fica por alguns minutos sem contato por radar com a torre em Manaus. Chove muito em toda a região e se o piloto não puder descer no local planejado por causa do mau tempo, ele pode ficar numa situação difícil. Pode acontecer da pista mais próxima ficar muito longe e ele não ter combustível suficiente pra chegar lá ou demorar muito pra chegar, duas atrês horas depois, e já não ter claridade suficiente para fazer um pouso seguro. Ha quinze anos atrás, um avião com diretores da Eletronorte caiu nestas mesmas condições. Independente do risco, a viagem até São Gabriel da Cachoeira foi maravilhosa. São 3 horas e meia de vôo sobre rios e selva, sem encontrar nenhuma estrada, vilas, plantações ou qualquer coisa que mostre que exista vida humana por perto. Exceto quando nos aproximávamos dessas 3 cidades ou quando sobrevoávamos algum recreio navegando no Rio Negro, a sensação era de que não havia ninguém no mundo, só floresta e água . As praias do Rio Negro São de areia bem branca, contrastando com a cor escura da água que proporciona matizes muito bonitos nas partes razas. As cores vão do amarelo ao negro, passando pelo laranja, ver melhor, vinho e finalmente preto, a medida que vai ficando mais fundo. Visto lá de cima, é uma paisagem de tirar o folego, não so pela beleza mas também pelo tamanho. Tem trechos do rio onde a largura chega a mais de 10 quilômetros, com centenas de ilhas de todos os tamanhos, muitas delas cobertas de florestas, outras somente com areia e várias delas com praias, principalmente na parte traseira da ilha. Depois de Santa Isabel o Rio Negro vai ficando menorzinho, com apenas uns 3ou 4 quilômetros de largura e começam a aparecer ilhas de pedra e corredeiras, o que o deixa ainda mais bonito de se ver. Alias, o nome São Gabriel da Cachoeira é devido ao grande numero de corredeiras que existem na região, tanto que o porto da cidade fica a 20 quilômetros rio abaixo, exatamente porque os barcos de grande porte, assim como os recreios, não tem condições de ultrapassa-las. Somente as pequenas voadeiras conseguém ( e pra quem não sabe, recreio é uma espécie de ônibus fluvial, que faz a ligação entre as cidades da região norte já que, praticamente, não existem estradas entre elas, e voadeira é o nome dado a pequenos barcos de aluminio equipados com motores de popa de até 45 HP ). O aeroporto de São Gabriel até que é bom, levando-se em conta o fim de mundo em que esta localizado. Chama-se Uaupes (sílaba tônica no pés ) embora alguns escrevam Waupes. É uma palavra indígena que dá nome a muita coisa por lá, inclusive um belo rio que deságua no Negro alguns quilômetros acima da cidade. Vale lembrar que São Gabriel já se chamou vila de Waupes, num passado não muito distante. Com a vinda dos padres para a região e a catequização dos índios, os nomes foram mudando para santo isso, santo aquilo, santa não sei mais o que, etc. Do meu ponto de vista, uma tremenda sacanagem com a cultura e a identidade do povo da região. A população, em sua imensa maioria, é de índios edescen dentes de várias tribos, principalmente Yanomamis e Tucanos. A reserva indígena mais conhecida é exatamente a reserva Yanomami, que compreende uma vasta area que vai de São Gabriel para o norte até a Colombia e a Venezuela, e para o leste até o municipio de Santa Isabel. Mas existem pelo menos 5 outras reservas menores fazendo fronteira com a reserva Ya nomami. Os índios não São bonitos ( nem as índias ) como os da região de Manaus e Balbina. São ainda menores na altura e de membros mais curtos. não vi nenhuma caboclinha que pudesse ser fotografada com sucesso. Apenas uma observacao: quando eu disse "membros" estava me referindo apenas aos braços e pernas dos índios. É bom esclarecer por que tem muita gente maldosa nesse mundo. Quando você ve algum branco, pode ter certeza de que é funcionário publico, militar ou turista. Impressiona o numero de turistas estrangeiros, vindos de toda parte do mundo, que vem a São Gabriel em busca de aventura, em particular na região do Pico da Neblina. Tive a chance de ver alemães, japoneses, franceses e holandeses. Eles são em maior numero que os turistas brasileiros e, pelo jeito, curtem muito mais as belezas da região. No primeiro dia de São Gabriel fui conhecer a cidade.Tarefa das mais simples, dado o tamanho bem pequeno. Ela possui uma agenciado Banco do Brasil e outra do Banco do Estado do Amazonas ( BEA ), que funcionam das 10 as 15, mas já estão interligadas por computador. Temuma agencia dos Correios, um posto de saude, uma escola, um ginásio, um campo de futebol, um posto telefonico ( que já usa cartao ), vários mercadinhos, uma feira, lojas de tranqueiras,três hoteis sendo que um deles muito bonito devido ao local em que se encontra, na Ilha dos Reis, em meio as corredeiras do Rio Negro, em frente a cidade. Tem um postoda Funai e outro do IBAMA. A maior construção da cidade é a Igreja, como não poderia deixar de ser, com uma torre bem alta que se destaca a distância. O maior problema de São Gabriel é a falta de energia. O fornecimento é feito por uma usina termica da CEAM, pra lá de sucateada, e que nunca funciona o dia todo. Se não parar por problemas técnicos, tem que ser desligada por algumas horas, todo dia, para desaquecer. Os próprios técnicos não sabem como ela ainda funciona. A cidade nunca tem luz por igual todo o tempo. Fica ligado um pedaçc, o outro sem luz. Depois liga um lado e desliga o outro e assim por diante. Existe um projeto de se fazer uma pequena hidroelétrica para resolver o problema energético local, sendo que o governador Amazonino Mendes esteve naquela mesma semana na cidade para acenar com esta possibilidade a médio prazo, prometendo energia farta aos moradores. Por enquanto, a energia continua fartando. Esta parecendo mais campanha politica para as próximas eleições. Em frente a cidade, na margem esquerda do Rio Negro, existe uma praia enorme, com quase um quilômetro de extensão e até 300metros de largura, que é a coisa mais linda. Água limpa e quase morna, bem transparente, areia branquinha e fina. Uma delicia. Entre a praia ea avenida que margeia a praia, alguns bares e pousadas, onde se é possi vel tomar uma gelada ou comer um peixe, assim como fazemos em algumas praias do Nordeste. A população frequenta a praia o dia todo, seja paratomar banho, jogar bola, pescar ou, principalmente, lavar roupa. Embora São Gabriel não se Já tão quente quanto Manaus, aindaassim é um lugar bem quente e a tarefa de lavar roupas debaixo do sol pode ser bem desagradavel. As mulheres, entao, armam uns suportes de madeira, dentro d'água , a mais ou menos um metro de profundidade, de modo que elas podem lavar roupa e ficar com o corpo dentro d'água também. É engraçado você observa-las de longe: aquelas cabecinhas pra fora e uma pilhas de roupa colorida na frente. Elas entram com roupa e tudo, e muitas vezes, usam apenas uma blusa de malha de algodao, sem nada por baixo o que torna a observação bastante interessante. Ao fundo, na direção sul, existe um conjunto de morros de pedra, bastante altos, que se destacam no meio da floresta plana. O povo chama esse conjunto de "Bela Adormecida", por verem em suas formas uma mulher deitada de barriga pra cima, como se estivesse dormindo. Os mais eróticos conseguém ver que a mulher deitada não esta usando sutia. Esse conjunto faz parte da Serra do Curicuriari, as margens do rio de mesmo nome e que deságua na margem direita do rio Negro, uma hora rio abaixo. O rio, as corredeiras, as praias, as ilhas, a floresta e as montanhas formam uma paisagem das mais bonitas que se poderia imaginar. Foi um dos locais mais fotografados por mim, aqui na Amazônia. Logo que cheguei em São Gabriel fui recebido pelo Elzio, um funcionário do IBAMA de seus 50 anos apróximadamente, e que me atendeu com honras de Chefe de Estado. Logo de cara, colocou um carro a disposição, indicou local pra dormir, pra comer, pra comprar mantimentos e também me apresentou o Deco, o guia que me levaria até o Pico da Neblina. Fiquei hospedado no Hotel Waupes, cujas gerentes eram asir mas Sandra e Conceição, duas netas de índios Yanomamis, bastante simpáticas e prestativas, mas com um raciocinio bem lento. Achava interessan te o fato de que elas simplesmente se recusavam a atender o telefone durante as novelas do SBT. Podia tocar quantas vezes fosse necessário que nenhuma delas se levantava pra atender. Somente o faziam quando entrava o comercial. Elas faziam tudo: arrumavam os quartos, cozinhavam, faziam o café da manhã, lavavam a roupa e, nas horas vagas, faziam trabalho de pedicure e manicure. Aproveitei e fiz as unhas do pe. O Hotel era bem fraquinho, não tinha água quente e, como faltava luz com frequencia, a água também faltava. Mas, em compensação, era em frente a praia. Sois só já valia a pena ficar hospedado nele. Em frente ao Hotel funcionava um "Bregão", uma espécie de casa de show, misturado com bar e puteiro, tudo ao mesmo tempo. A noite, rolava musica ao vivo, CD, principalmente pagode, boi e, claro, Reginal do Rossi. Era divertido ficar assistindo. São Gabriel tem o mesmo fuso horario de Manaus, mas bem que poderia ser outro, com uma hora a menos. Como a região fica 900quilo metros a noroeste de Manaus, acontece de estar escuro ainda as 6 dama nha e, em compensação, ficar claro até as 19:30. Naquela noite jantei na Arlete, uma caboclinha bem simpática e boa de cozinha que transformou a casa em refeitório. Alem da comida ser gostosa, o restaurante ficava de frente para as corredeiras do rio. No dia seguinte fui conhecer o Deco, um simpático guia como sorriso tipo 1001, ou seja, um dente, duas falhas, outro dente. Acho que era por isso que ele evitava sorrir abertamente. Conversando com ele vi que, de cara, eu estava levando equipamento demais. Estava com uns25 quilos de bagagem e ele me disse que eu jamais subiria com tudo aquilo. O Elzio, sempre prestativo, me emprestou a rede e um saco de dormir, o que me permitiu deixar a barraca e os colchonetes. só ai eu economizei uns 6 quilos. Fomos fazer o "rancho" e eu deixei tudo por conta do Deco. Deixei que ele decidisse o que deveriamos comprar elevar somente o necessário. Entramos em várias daquelas lojas de tranqueiras e compramos basicamente leite, cafe, chocolate, sal, acúcar, macarrão, jabá, sopa, biscoitos, sucos artificiais em pó, sardinha, salsichas e algumas outras conservas. Nada muito saudável, porem prático. Deu pra perceber que o custo de vida em São Gabriel é bastante caro. Também, pudera: quase tudo que vai pra lá sai de Manaus, que já paga uma nota de transporte. Imagine ainda o frete de Manaus para São Gabriel. São 3 horas e meia de vôo ou 5 dias de barco subindo o rio. As poucas coisas baratas que encontrei ( como Coca Cola ) vem da Colombia e da Venezuela. É mal servida de hortifrutigranjeiros e, por incrível que pareça, tem que importar peixe. Mas isso é mais por costume alimentar do povo de lá. Eles não gostam de comer o aracu e o filhote, que são os peixes mais comuns por lá. Eles preferem o tucunaré, o tambaqui e o pirarucu, que só São encontrados dois dias rio abaixo, a partir de onde se formam os primeiros lagos do rio Negro. Dessa forma, até o peixe que se come é caro. O segundo dia foi totalmente gasto na preparação da viagem até o Pico da Neblina. Gastei uns R$ 100,00 de provisões, RÇ 185,00 de combustivel ( gasolina e óleo 2 tempos para o barco e diesel para aToyota ), R$ 250,00 para o guia, etc. Saimos naquela tarde com a intenção de dormir próximo ao ponto de embarque, pra ganhar tempo. Pegamos auni ca estrada que existe saindo de São Gabriel e fomos em direção a Cucui, um povoado que fica na fronteira entre o Brasil, a Colombia e a Venezuela. É uma região de conflitos. não só pelo fato de ser fronteira com mais 2 paises, sendo que um deles é o maior exportador de cocaina do mundo, como também por possuir um parque nacional de caracteristicas unicas no Brasil, várias reservas indígenas, grande quantidade de ouro e, descobriu- se agora, uma das maiores reservas de minerio do Brasil. Existem interesses internacionais, IBAMA, FUNAI, exército, garimpeiros, traficantes, índios, ecologistas, turistas, exploradores de minérios, todo mundo querendo tirar proveito das riquezas da região. A minha bola de cristal diz que a flora, a fauna e os índios vão sair perdendo nessa briga. Andamos 85 Km e dormimos no sitio do Luis, um funcionário do Ibama, amigo do Elzio. A estrada não era das piores, levando- se em conta a região onde estávamos. Haviam poucos atoleiros e algumas erosões, tanto que a viagem durou apenas 2 horas. Dormimos na rede, num galpão de madeira ao lado da casa. A noite fez um friozinho gostoso, principalmente depois da chuva que deu. E que chuva ! Uma hora de tempestade, fazendo um barulhão no telhado que não deixava ninguém conversar. O Deco gostou da chuva porque ia fazer com que os rios subissem, facilitando a navegação. Na manhã seguinte, tudo molhado, uma neblina bem forte, e o cheiro delicioso de terra molhada. Um pouco de frio também. As 8:30 chegamos na beira do Ia Mirim, o primeiro dos quatro rios que percorreriamos até o inicio da caminhada. O Ia Mirim é lindo, e convida a pescar. Muitos pocos, muita tranqueira, pedras, remanso se alguns trechos de corredeiras. O nivel das águas estava alto e não se via o barranco. não havia divisão entre rio e floresta, um invadia a área do outro. No inicio da viagem de barco o rio ainda é bem estreito e perigoso de se navegar para quem não conhece. Frequentemente tem que se abaixar a cabeça pra não bater nos galhos que cruzam as margens. Lá em cima, as copas se juntam de maneira que quase não se ve o ceu. durante o percurso do Ia Mirim vi poucas aves. Apenas alguns socos, surucuas, beijaf-lores, andorinhas e um gavião solitário. Já no final do rio, quase na foz com o Ia Grande ,passamos por uma aldeia Yanomami. Vi muitas crianças brincando na margem e várias mulheres lavando roupa e descascando mandioca ( no sentido literal do termo, por favor, não leve essa expressão pra maldade ). não vi nenhum índio. Provavelmente, eles deviam estar pescando ou descansando na rede, coisa que, alias, eles fazem muito bem ( descansar na rede ). Já quase chegando na foz do Ia Grande vi um bando enorme de biguatingas, que lá o povo chama de mergulhão pintado, mas se tratada mesma ave, classificada por Anhinga Anhinga. Chegamos no Posto da Funai as 11:00 e paramos pra almoçar. Este posto fica na confluência dos rios Cauaburi e de seu afluente, o Ia Grande. A partir dai, a viagem seria toda subindo o Cauaburi, até o ribeirão Tucano. Conheci o Modesto, um funcionário com mais de 30 anos de Funai e que morava na casinha do posto. De cara, ele me pareceu sermeio maluco. Com 10 minutos de conversa percebi que era completamentedebil mental. Também, com 30 anos no meio do mato, trabalhando pra Funai, lidando só com índio, qualquer um de nos ficaria maluco. Mas era bastante hospitaleiro e fez a comida pra gente. Contrariando as regras da boa educação, comemos e saimos sem limpar nada, sem lavar nada, e mal agradecendo a hospitalidade. O Deco pediu informações sobre as condições do Cauaburi rio acima. O Modesto respondeu que estava tudo bem porque o rio tinha subido muito e estava facil navegar. O Cauaburi é ainda mais bonito que o Ia Grande e o IaMirim e com muito mais curvas. Parei de contar quando chegou em 250.Também é bem mais largo que os anteriores, com uma largura de 60 metros em me dia. Embora se Já mais bonito pra se navegar, tem a desvantagem de que o sol judia da cabeça o tempo todo, seja por falta de cobertura florestal, devido a distância entre as arvores das margens, seja por falta de cobertura capilar, na minha cabeca. Apesar do calor que fazia, ainda foi possível ver maguaris, garças, picaparras, socos, martins, maçaricos e duas aves novas pra mim: o corocoro e o bitiro. O primeiro é uma ave aquatica mais ou menos do jeito de uma garça, só que verde musgo e com o bico torto. O bitiro é um pequeno pássaro da familia dos tyrannideos, que vive exclusivamente nas margens dos rios, a pouca altura da água . Juntamente com asandori nhas de coleira, foram as aves mais comuns ao longo de todo o Cauaburi. No meio da tarde encontramos as primeiras serras. A primeira e mais bonita foi a Serra do Padre, chamada assim por possuir dois pequenos picos de pedra que, de longe, sugerem a imagem de um padre ( pedra maior ) falando ao seu sacristão ( pedra menor ). Esse povo imagina cada coisa... não vi semelhança com bosta nenhuma.Vi apenas uma serra muito bonita e pronto. Se alguém quiser tirar duvidas, fotos é o que não vai faltar. Alias, esqueci de dizer que, desde oavi ao, que o equipamento não sai da mao e qualquer coisa que apareça no caminho é pretexto pra uma fotografia. Já era tarde, quase umas cinco horas, o dia inteiro andando de barco, uma curva depois da outra, o sol batendo na cara, a gororoba não foi muito bem digerida, começou a dar um enjoo, uma dor de cabeça. Não tive outra alternativa senão chamar o Hugo. Botei a cabeça pra fora do barco, enfiei o dedo na garganta e chamei "Hugoooooooooo....". Ela se foi o almoço e, com ele, o enjoo e a dor de cabeça. Não costumo enjoar em barco, mas depois de comer um rango que só o cheiro tinha mais de 500 calorias, não foi possível segurar a onda, ainda mais com o sol forte que fazia. É, a viagem não começou muito bem. Me senti melhor quando chegamos na barra do rio Tucano. Este rio era pequeno e havia sombra novamente. Mais 5 minutos e aportamos no barranco e começamos a fazer o acampamento para passar a noite. Já havia nas margens algumas estruturas de madeira, colocadas previamente pelos próprios guias, para facilitar o trabalho de fazer e desfazer acampamentos. Com isso, além de ser rápido o trabalho, não se perdia tempo pro curando madeira, nem se precisava armar a base para a cobertura. Era só jogar a lona por cima, amarrar com cipo e pronto. Bastante prático. Na própria madeira que sustentava a lona, amarravam-se as redes. Dormia-se praticamente ao relento, sem nenhuma separação entre você e a floresta virgem logo ao lado. Esse tipo de acampamento seria uma constante durante os próximos dias. Tinha dia que aparecia muito mosquito, carapana e pium. Em outros não aparecia nenhum. Não encontrei explicação para o fato. Pelo menos levei repelente e isso resolvia o problema nos dias em que os mosquitos estavam atacando. Dia 04 de setembro. Levantamos as 6:30 e comemos biscoitos com Nescafé e leite em pó. Nada de queijo, margarina, presunto ou uma geleia. O guia garantiu que tinha bastante água pelo caminho e não havia necessidade de levarmos mais peso que o necessário. Apesar do receio de passar sede, con fiei no que dizia. Naquela manhã eu estava novo outra vez. não tinha mais dor de cabeça e o enjoo tinha passado. Na minha cabeca, os problemas que tive foram causados pelo excesso de sol, e pela comida pesada. Mas também poderia ser a PVC ( porra da velhice chegando ). Parei de pensar na causa e comecei a procurar pelos pássaros da região e, quem sabe, foto grafar alguns. Encontrei tucanos, beijaf-lores, gralhas da mata, danca dor de bone laranja, aracari, japu, choquinha, picapau, um falcão desconhecido ( provavelmente um micrastur ) e um beijaf-lor grande que, por estar na sombra, não foi possível visualizar as cores mas que suspeito se tratar de um Topaza Pella. Dias depois, em conversa com um garimpeiro, soube que este beijaf-lor ocorre com alguma frequencia alguns quilômetros rio acima. Poderia, então, se tratar do mesmo. Infelizmente não consegui fazer nenhuma foto deste que havia visto e não tornei a encontrar mais nenhum durante os dias em que passei na mata. O guia começou a deixar um pouco de mantimentos escondidosno mato, a fim de diminuir o peso a ser carregado. não haveria necessidade de levalos, uma vez que só seriam consumidos na volta. Me chamou a atenção o fato de que o guia se preocupava em diminuir qualquer peso que pudesse. E eu pude constatar, da pior maneira possível, que qualquer quilo desnecessário torna-se uma tonelada ao final de um dia de caminhada. Ele não usava mochila. Em seu lugar, usava um artefato indígena de nome jamanxim ( ou algo parecido ), feito a base de cipo. Apesar da simplicidade do objeto, era prático, leve, resistente, regulável e poderia transportar uma quantidade de material tão grande quanto a minha mochila de nylon, e ainda mais pesado. Mais tarde, percebi que todos os índiose garimpeiros da região usam o tal de jamanxim para transporte de utensilios. Segundo o guia, as mochilas de nylon "nao prestam". Elas são quentes, desajeitadas, frageis e permeaveis, alem de muito caras. Pelo menos isso era verdade: um jamanxim custa 12 reais na cidade, e até menos se for comprado diretamente dos índios, enquanto que a minha mochila custa 75 reais em Manaus. não tinha idéia do ritmo que iria imprimir a caminhada e pedi ao guia que fosse devagar, pra ir me acostumando aos poucos. Começamos a andar as 7:30 com o objetivo de almocarmos na beira do ribeirao Tucaninho. As primeiras horas de caminhada correram bem, com poucas subidas e descidas, o que facilitava muito. Também não havia sol, o tempo todo havia arvores grandes sobre nossas cabecas, o que era otimo. Água também não era problema. O tempo todo encontrávamos pequenos igarapes com água limpa e fresca. Devagar e sempre, chegamos ao tucaninho as1:30 e, depois de um bom banho no igarape, almocamos arroz com jabá. Depois do descanco, perguntei ao Deco se acampariamos aliou se andariamos mais até o próximo ponto de parada. Ele disse queseria melhor ir mais a frente porque a partir dali a trilha piorava muito, com vários trechos de subida e descida e, com certeza, isso iria aumentaro tempo de caminhada. Sendo assim, fomos em frente. E foi ai que eu me lasquei. Toda a trilha, a partir do Tucaninho, era praticamente subida. E subida daquelas bem ingremes, que as vezes a gente precisa subir de quatro. E com o peso da mochila nas costas, parecendo que ficava10 quilos mais pesada a cada quilômetro que andava. Ficava imaginando oque aconteceria se tivesse trazido toda a tralha, principalmente a barraca. Depois de umas duas horas de caminhada, aquela dorzinha na perna já tinha se transformado numa dorzona, quase uma caimbra. Depois começou a doer o pe, os joelhos, as juntas, tudo. E aquela porra daquela subida não acabava mais. Transpirava em bicas e, justamente agora, nao encontrava mais nenhum igarape. E a dor aumentando. Comecei a mancar da perna esquerda porque o joelho não dobrava mais e, com isso, forcei mais ainda a perna direita. Em pouco tempo mancava das duas pernas. Tinha que parar muitas vezes pra diminuir a dor e isso atrasava ainda mais a caminhada. Quando não tinha subida, tinha descida, o que as vezes era pior. A subida forca muito os musculos. A descida forca as juntas ejoe lhos porque sofrem o impacto do peso. Naquele ponto da caminhada, dava pra perceber que estávamos ultrapassando uma sequencia de morros quefi cavam entre o vale do Cauaburi e a serra do Tucano. Praticamente tudo que eu subia ao me deparar com um morro, eu descia logo ali na frente, quando o morro acabava, e depois começava tudo outro vez, no próximo morro. Se fosse subtrair o que tinha descido do que tinha subido,talvez não desse 100 metros de diferença. Me apavorei quando pensei que teria que subir 3000 metros. Se fosse daquela forma, jamais chegaria. Comecei a pensar em outras coisas pra tentar esquecer a dor. Tentava prestar a atenção nas poucas aves que via mas não tinha disposição nem pra parar pra tirar foto. Eu queria chegar ao ponto final de parada e tentar descançar. Estava tão pregado que parecia até um senhor de quase 40 anos e não um garotão de apenas 38. Engraçado como a gente se engana. não me preparei fisicamente para essa aventura por achar que já estava preparado. Afinal, quase toda semana eu faço trilhas aqui em Balbina e em todas eu estou carregando o equipamento fotográfico, que pesa bastante. só que dificilmente eu ando mais que uma hora sem parar. Na maioria das vezes eu chego onde quero chegar em menos tempo do que isso, e ainda por cima sem ter que passar por tantos morros, naquele sobe e desce sem parar. Isso me pareceu verdade, principalmente se pensar que durante toda a caminhada da manhã o corpo aguentou sem problemas. Somente a tarde é que a coisa ficou preta. E bota preta nisso. Quando já estava pra jogar a toalha e dizer que não aguentava mais, chegamos ao ponto de parada. O acampamento do bebedouro velho. Segundo o guia, a 400 metros de altura. Como o acampamento do tucaninho ficava a 180 metros, significava que aqueles quilômetros de subidas e descidas renderam apenas 220 metros a mais na altura. Lembrei de novo do total da subida: 3014 metros. Puta que pariu, deduzi sabiamente. Doia tudo, até a orelha. Tinha muita sede e perguntei aonde havia água . O guia deu um sorrizinho maldoso e disse que "la embaixo tem uma bica". lá em baixo... Tinha que descer pra pegar água e depois subir de novo. não era possível. Mas era verdade. Desci de quatro os 30 metros de altura que separavam o acampamento da bica. A altura era pequena, mas do jeito que eu estava, parecia um quilômetro. Aproveitei pra tomar um banho. De cuia. A água era pouca e não dava pra mergulhar. Deu pra notar que a temperatura da água já era bem mais baixa que a água encontrada no rio. Subi de quatro novamente e deitei na rede prometendo a mim mesmo que jamais sairia dela até me restabelecer das dores nas pernas. Enquanto eu tomava banho o guia foi fazer a janta. Saboreamos um delicioso spaguetti al glutamato monossodico, o que não passa de um frugal Miojo. Entre o Miojo e o arroz com jabá nao sei qual é o pior. Pra beber, Tang. Sabor abacaxi. Ou será que era maracujá. Sei lá, essas porcarias artificiais pra mim tem tudo o mesmo gosto. não resta a duvida de que é prático. não faz peso e cadapacoti nho daquele faz um litro de refresco, bastando adicionar água . E é possivel de beber sem estar gelado, ao contrario de uma coca-cola, por exemplo. Depois que o corpo esfriou a perna ficou ainda mais dura. Qualquer movimento era doloroso. Tentei arranjar uma posição na rede que pudesse descancar sem ter que mexer as pernas. No meio do mato, a noite cai depressa e rapidamente fica es curo. A cobertura de folhas lá em cima, na copa das arvores, não deixava que entrasse nenhuma luz, mesmo com lua cheia. Sem fogueira ou lanterna, não se enxerga absolutamente nada. As 7:30 da noite o breu era total, não tinha lampiao, radio, televisao, revista, nada que pudesse distrair a atenção até o sono chegar. Apesar de ser gente boa, o Deco era fraquinho de conversa que só. Evitava puxar assunto e quando eu perguntava alguma coisa ele respondia com um silaba apenas: sim, nao, humrum... Ele tinha um jeito engraçado de concordar com as coisas que eu falava. Repetia as duas últimas palavras da minha frase e depois punha um sim ou um nao, dependendo se concordava ou não com o que eu falava. Era algo assim: -Parece que vai chover. -Vai chover, sim. -Aquela arvore é uma castanheira ? -Uma castanheira, sim. -Essa barulho é de coruja. -De coruja, nao. Senti que o dialogo não iria longe e tentei dormir pra ver se o dia seguinte chegava mais depressa. Acordamos no meio da noite com um barulho no mato, perto do acampamento... continua em outra página....... Robson Czaban é fotógrafo, artista plástico, analista de sistemas, aventureiro, contador de causos, etc.
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