From the Portuguese newspaper Público. Público keeps stories on its web site for one week only. I "lost" many fascinating stories in the past. Now I hope to preserve at least a few on my site.
Primeiro contingente senegalês abandonou a Guiné Os primeiros Jambaar, "os que não têm medo", saíram de Bissau. "Foi duro. Não espero voltar em missão". Uma senhora sentou-se no cais e saboreou a partida dos sobrinhos. Tem uma pulseira de sorte. "A noção de vitória e de derrota não é pertinente aqui". Maria do Carmo, residente em Bissau, foi ontem ao porto e escolheu o melhor lugar para ver partir o primeiro contingente senegalês da Guiné. Estava feliz: dois dos 400 soldados alinhados no cais são seus sobrinhos e sobreviveram à guerra. Maria do Carmo tem uma pulseira de prata que, entre os Manjacos e Banhunes, protege de maus-olhados. "Eles vieram cumprir uma missão. Mas estão contentes porque o seu lugar é no Senegal. São aqueles dois mais altos". A partida do contingente senegalês, sucessivamente adiada e aguardada nos últimos dias em Bissau, aconteceu finalmente ao fim da tarde de ontem. As tropas aguardaram, em ordem, pela revista do comandante das forças estrangeiras que apoiam o Presidente "Nino", o coronel Yoro Koné, esguio como um junco de dois metros. A festa rebentou logo depois, com os soldados que iam embarcar dançando no cais e entoando o grito de guerra: "Jambaar!". Maria do Carmo, que tem a irmã casada no Senegal, explicou o significado da palavra wolof. "Jambaar significa aquele que tem coragem, aquele que não tem medo de nada e vai em frente". "É normal os soldados estarem contentes por voltar", afirmou o coronel Koné antes de se despedir dos Jambaar. "Não estamos aqui pela guerra total, estamos aqui pela paz, mesmo que não houvesse acordos de paz". O comandante senegalês - uma voz nervosa num rosto impassível - explicou mais: "O Senegal interveio por dignidade porque nós não podemos ver um povo irmão na carnificina à nossa porta. É preciso compreender isso". "Foi muito duro", confessou, entre dois silêncios de alegria, o sobrinho mais novo de Maria do Carmo, Kalisse, abraçada à baixa estatura da senhora. O seu irmão, o páraquedista Louis, esteve, como Kalisse, na Guiné desde o início da intervenção senegalesa. "Espero não voltar aqui em missão. Foi difícil". "Precisamos de paz para construir África e é isso que quero dizer aos guineenses", continuou o páraquedista eufórico. "Se encontrasse um rebelde, diria que deve discutir as suas diferenças politicamente. Na tribuna. Nunca encontrei nenhum". Mas sabe que pode ter disparado contra um primo guineense que é soldado da Junta . Louis tem 43 anos e cinco filhos. "Não é a primeira vez que estou fora em combate. Já estive no Líbano em 1981 e na Arábia Saudita durante a Guerra do Golfo". No cais, não havia apenas soldados. Um friso dos melhores vestidos de Bissau desceu ao porto para se despedir do contingente - senhoras com panos garridos e porte nobre. Partilharam o momento com as namoradas dos soldados, que vieram beijá-los uma última vez com os lábios excessivamente pintados e as roupas excessivamente apertadas. No meio do povo, um enxame de agentes da Segurança de Estado guineense vigiavam os jornalistas e escutavam todas as conversas, controlavam todas as declarações. E o povo repetiu o que era suposto eles ouvirem: "A guerra acabou. Todos somos irmãos porque todos somos africanos. Isto aconteceu, infelizmente, mas todos somos irmãos". Anteontem à noite, no seu programa da Rádio Nacional, o director da Segurança, Baciro Dabó, instruiu os habitantes de Bissau para se despedirem dos heróis. Depois da festa, os Jambaar entraram no navio de guerra senegalês, as delegações abandonaram o porto e a noite caiu sobre Bissau. O navio continuou atracado, com alguns soldados rezando no chão, virados para Meca, de terço na mão, enquanto outros carregavam o último espólio: bicicletas, caixas de tabaco, louça sanitária, sacos de arroz vietnamita. Ao fundo do cais, nessa espera, um soldado muito jovem repetia, como uma reza, "Jambaar, Jambaar, Jambaar". "Repito isto como se fosse um alívio". No escuro, um grande camião arrancou do porto com uma estranha carga: soldados, cerca de meia centena, com armas iguais aos que deviam embarcar. Quase todos os embarcados levaram na mão um cacete que uma mulher vendia no cais. O pão da Guiné saberá a quê? "A noção de vitória e de derrota não é pertinente aqui", explicou o coronel Koné. "A vitória é a paz".
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