NAO DEGUCHI Uma Biografia da Fundadora da Oomoto Capítulo Um
Uma Profecia da Avó
Os anos 1836 e 1837 foram anos de terrível fome no Japão. Chuvas torrenciais
inundaram os campos destruíndo as colheitas. Pessoas famintas comiam qualquer
coisa concivelmente comestível, ao ponto de cozinhar e comer a camada externa
de junco das esteiras do chão para protelar a sensação de fome. Até os ricos
nada tinham para comer, muitos morrendo de fome com fortunas ao seu lado.
Famílias em toda parte viam com horror a chegada de mais uma boca para alimentar
e o abandono de crianças indesejadas era uma prática comum. Dada a atitude
negligente da sociedade para com este método primitivo de controle da natalidade,
sucessivos fracassos de safra selaram o destino de incontáveis bebês inocentes.
Naquele tempo ali vivia, na vila de Fukuchiyama na província de Tamba, um certo
Gorôsaburô Kirimura, que seguia a tradição familiar de carpintaria. Certa época
os Kirimura tinham sido carpinteiros a serviço da nobreza, com direito a sobrenome
e espadas, um privilégio normalmente negado àqueles abaixo da classe dos samurai.
Eles também mantinham hospedarias e levavam uma vida bastante confortável.
A partir da geração de Gorôsaburô, entretanto, uma série de infortúnios familiares
forçaram os Kirimura a venderem suas propriedades e ocupar
residência em uma casa pequena.
Gorôsaburô e sua esposa Soyo tinham dois filhos e, em 1836, no auge da fome, Soyo
concebeu uma terceira criança. Este evento precipitou uma crise familiar e Gorôsaburô
e Soyo ficavam deitados na cama conversando sobre sua situação difícil em sussurros
até altas horas da noite. A única solução parecia ser livrar-se do bebê, até que uma
noite a mãe de Gorôsaburô, Takeko, ouviu por acaso suas discussões do quarto
adjacente.
Profundamente enraivecida, ela os chamou, dizendo: "Como vocês podem falar
dessa maneira sobre uma criança com que Deus os abençoou?! Vocês conhecem o velho ditado
que crianças nascidas em épocas de aflição fazem uma marca sobre o mundo. Deve haver
alguma razão para vocês terem uma criança em um ano como este. Esta velha mulher tem
apenas mais alguns poucos anos de vida e se o pior vem para o pior, apenas deixe-me
passar fome ao invés dela. A qualquer preço, eu não quero ouvi-los falando assim
novamente!"
Assim foi que, na manhã do dia 22 de janeiro, no malfadado ano de 1837,
quando os fracos raios do sol da manhã trouxeram vida às montanhas de Tamba,
Nao Deguchi, a Fundadora da Oomoto, deu um saudável primeiro choro.