Whispers of the Night

"Amas a vida?
 Então não desperdices teu tempo; é de tempo que a vida é feita."
- Benjamin Franklin

      Já faz muito tempo desde a última vez em que usei esta caneta para escrever algo que falasse de mim mesma. Talvez porque eu dificilmente falo de mim mesma. Ou porque eu já não seja "eu mesma" há muito tempo...
      O branco que vejo da minha janela não ajuda muito nessa minha constatação. O que vejo é um branco infinito, como folhas em branco de um livro ainda não escrito. E nem mesmo uma personagem desse livro eu seria, mas uma traça perdida em meio a brancura do papel.
      Pela porta do meu quarto, ouço passos e as vozes de meus dois companheiros de solidão. O salto alto das botas de minha amiga batem no chão produzindo sons que ferem os meus ouvidos. Porém, o que mais me machuca não é a solidão ou ainda o som das botas correndo pelos corredores; o que é o real motivo de toda a minha dor é o meu próprio ser.
      Memórias de tempos distantes voltam à minha mente como um turbilhão de imagens. Lembro-me de tudo, como se o que aconteceu fosse apenas uma criação das minhas histórias. Como se todos estivessem unidos e... vivos. Sim, porque embora eu não confesse isso abertamente, sinto um princípio de arrependimento de tudo o que eu não pude fazer para ajudá-los. Fui fiel ao que acreditava e àquela que me ensinou tudo o que sei e é isso o que realmente importa para mim. Foi assim que fui criada e é assim que fui e sempre serei.
      Com esse pensamento fixo em minha mente, a imagem de Chronos fazendo-me aquela pergunta, mesmo sabendo qual seria a minha resposta, aparece diante de mim, como um fantasma do passado. Você poderia perguntar se eu acredito em fantasmas e a minha resposta seria sim, acredito. Mas não NESTE fantasma; ele não pode ser real, assim como os outros que aparecem ao seu lado. Kyn... Moon Fox... Silver Sky... Aleph... Seph...
      Eles não podem ser reais, continuo repetindo para mim mesma, não podem. Fecho os meus olhos, como se, quando eu os abrisse, eu estaria sozinha no meu quarto, conversando apenas com a minha própria consciência, nada mais. Porém, o meu mundo parece ruir quando sinto uma mão em meu ombro. Uma mão que sei que não pertence a nenhum dos meus companheiros de solidão. O interessante é que, ao mesmo tempo em que esse era o pior dos meus pesadelos nesses anos, também era um sonho meu.
      Abro os olhos e fixo o olhar na pessoa que colocou a mão sobre o meu ombro. Seus olhos verdes parecem sorrir para mim, assim como toda a sua fisionomia. No passado, ele era a pessoa pela qual eu faria quase tudo...
      - Não precisa ter medo de mim. - ele diz, com sua voz suave, sorrindo como sempre.
      Eu retribuo o sorriso e levanto-me da cadeira, ficando diante dos fantasmas que me atormentam desde aquele dia. Mas hoje eu já não os temo. Porque sei que eles não são reais. Porque eles NÃO PODEM ser reais.
      - Você... - eu começo a falar, mas sou interrompida por ele, que coloca sua mão etérea sobre a minha boca.
      - Eu não a culpo, Kare. Você fez o que achou que era o correto. - ele respondeu, adivinhando a minha pergunta.
      - Vocês não... não podiam estar aqui comigo.
      - Durante os sonhos, estamos livres para irmos para onde quisermos. - ela falou, aproximando-se de mim. - Estamos livres para sermos quem quisermos.
      Eu entendo a mensagem que ela quis me passar e uma lágrima foge do meu controle, escorrendo pelo meu rosto. Confusa, triste, solitária, eu até mesmo consigo sentir os toques deles no meu corpo como se não fossem meros espectros.
      - Não guardo rancor, Kare.
      A voz dela, embora doce como a da irmã, me assusta como o som de uma katana cortando o vento, vindo na minha direção. Sinto meu sangue gelar e minhas pernas ficam trêmulas. Reforço a minha afirmação, eu não tenho medo de fantasmas que não podem existir; meu corpo treme e não é de medo, mas de uma forma que nunca senti antes. As palavras da única garota de todo o grupo de espectros imaginários eram totalmente esperadas por mim, ela nunca conseguiria sentir rancor ou ódio de alguém, a menos que algo a forçasse a isso... e não seria aquela minha ação que levaria a mercuriana para o extremo oposto de sua personalidade. Mas creio que eu preferiria que ela sentisse ódio por mim.
      Ela estende a mão na minha direção, como há muito tempo não fazia. Todos se aproximam, como se esperassem por uma reação minha, uma reação já calculada por todo o grupo. O tremor da minha mão é nítido quando eu a estendo e a coloco sobre a mão dela.
      A mão que cobre a minha logo em seguida, é justamente aquela que, um dia, no passado, não hesitou em tirar a katana de dentro de sua bainha para bloquear a lâmina da minha arma. Silver Sky. Ele olha para mim e sorri, sinalizando com a cabeça para que outro viesse. Eu apenas fecho os meus olhos, para abri-los somente quando todos já estivessem unidos. Para enganar a mim mesma, para ser transportada, nem que fosse por alguns instantes, de volta ao mundo mágico ao qual pertenço.
      Uma a uma, as mãos unem-se, fazendo com que o grupo fosse uno, exatamente como antes. Abro os olhos e, surpresa, vejo as silhuetas de cada um tornando-se mais translúcidas, desaparecendo diante de mim. Porém, mesmo com olhares de despedida, nenhum deles ousa tirar a mão e desfazer a união que há muito tempo não ocorria.
      Um a um, eles desaparecem diante dos meus olhos. Um a um, eles proferem frases de despedida, que soam mais como um "até logo" do que como um "adeus" aos meus ouvidos. Talvez porque eu não queira ficar sozinha mais uma vez.
      - Você fez o que achou que era correto. - Kyn diz, desaparecendo em um brilho azul.
      - Não podemos repetir os erros do passado, Kare. - chega a vez de Silver Sky, desfazendo-se em um brilho verde.
      - Somos protetores, não guerreiros. Lembre-se disso. - alerta Moon Fox, a silhueta dissolvida em um brilho prateado.
      - Você é prisioneira dos seus próprios temores, nada pode impedi-la de sair daqui. - avisa Seph, desaparecendo em um brilho dourado.
      - Eu não me esqueci do que você fez. - avisa Aleph, sorrindo em meio a um brilho vermelho.
      - Você esteve lá, Kare. Eu vi tudo. - termina Chronos, a luz bordô envolvendo todo o ambiente.
      E, quando tudo termina, noto que estou sozinha mais uma vez. Sim, sozinha, porque a presença dos meus companheiros de solidão não ameniza em nada o meu coração.
      Suspirando profundamente, olho para fora e vejo a imensidão branca de todos os dias, aquela que nunca permite que eu diferencie o dia da noite. Acomodando-me na cadeira, passo a mão diante de uma esfera para que sua imagem dê-me alguma noção do tempo. Não é com surpresa que vejo que, no mundo lá fora, já é dia.
      Sorrindo com uma certa dose de nostalgia, eu apenas observo o cotidiano dos que um dia foram meus colegas. Qual a sensação que isso me traz? Nostalgia, pura e somente nostalgia, talvez.
      A caneta prateada, com o meu símbolo gravado, permanece sobre o bloco de papel no qual eu tentei escrever uma espécie de diário. Quando olho para o papel, noto que as folhas que eu havia pego só podem ser usadas para UM propósito... e que algumas palavras estavam escritas em uma delas.

      "Mirai no jibun e to give a reason for life todo ketai."
      "Eu quero dar a mim mesma, no futuro, uma razão para viver."

      Pensativa, eu continuo olhando para a esfera, a expressão de meu rosto completamente inalterada. Isso faz parte do meu modo de viver; ninguém pode prever qualquer ação minha apenas pela minha feição. Para qualquer pessoa, eu estaria entediada... mas a minha mente permanece reflexiva, fixa nas palavras grafadas naquele papel. Porque eu já não sei mais o que é o futuro ou até mesmo se participo da formação do MEU futuro.
      O branco que observo da minha janela não me ajuda muito. A única certeza que ainda tenho sobre a minha vida é que fiz o que considerei correto. Fui fiel àquela que me ensinou a ser alguém, fiel à razão da minha existência, aos meus princípios...
      Creio que só não fui fiel a uma coisa.
      Creio que não fui fiel ao meu coração.

      "The ones you love mean more than everything."

      Mas isso é algo que não deve preocupar uma guerreira... porque, para defender o que amamos, devemos ter uma alma indestrutível, sem qualquer tipo de fraqueza. E esse "amor" está se tornando uma falha na minha alma. Uma falha que poderão usar contra mim.


Shortfic by Tieko (paolla@fcm.unicamp.br)
Integrante do universo TDK - Baseado no universo NDK
Os direitos dos personagens pertencem aos seus respectivos autores
Bishoujo Senshi Sailormoon: Takeuchi Naoko
Tsuki no Senshi Dragon Kishi: Henrique "Ranma" Loyola
Noble Kishi: Martin C. Siu "X/MADS"
Nemesis: Hélio Perroni Filho "H-kun"
Jikan no Senshi Destiny Kishi: Paolla Limy Matsuura "Tieko"


Campinas, 17 de Setembro de 1999

Página integrante da Jikan no Senshi Destiny Kishi
Criada em 2001 por X/MADS!

1