Tempestade de Ilusões
by
Ami Ikari & X/MADS!

Capítulo 07: Nihon Gakko

"Education is what you get from reading the fine print. Experience is what you get from not reading it."
-= Henry Vaughan =-

      University of Tokyo.
      Aquelas três palavras pareciam trazer um pouco de mágica, em especial para o garoto que estava ali parado na entrada da universidade. Embora houvessem outros ao seu lado igualmente maravilhados, o garoto sabia que não sentiriam a mesma coisa que ele. Alguns, inclusive, ele já conhecia devido ao curso de introdução à língua japonesa. Assim como havia completos estranhos no meio deles.
      Entretanto, não era um início às aulas típico da universidade. Ali estavam jovens de todo o planeta, misturados num curso estranhamente desenvolvido. Variando diversamente as idades de dezessete até vinte e dois anos, estavam todos eles ali reunidos. E também não estavam na frente da universidade para fazer plantão a supostos veteranos daquela universidade.
      No entanto, o olhar do garoto parecia ainda ver a mágica daquelas três palavras. A mágica de quando recebeu um determinado comunicado por um meio de comunicação deveras eficiente para ele. O garoto de cabelos negros e curtos destacava-se um pouco daquela multidão, talvez pelo fato de ser um dos poucos orientais ali presentes.
      Todavia, seus olhos facilmente se desviaram da placa e, sem tanta admiração, voltava-se no meio da multidão de jovens. Algumas centenas deles, na verdade. O murmúrio provocado pelas diversas conversas paralelas trouxe a lembrança agradável aos seus ouvidos, como se este fosse uma música unicamente composta para seu deleite. Como a confortar a sua alma, o garoto agradecia por aquilo. Era como se tornar uma gota d'água diante de um oceano... sentir-se como um grão de areia num deserto.
      Para Martin Siu, não havia melhor sensação do que o anonimato, onde ninguém o julgaria ou prestaria atenção aos seus gestos tanto quanto ele prestava. Assim, o ficwriter dava mais uma vez um crédito maior àquela época tão distinta do ano. Olhando para as placas recém-colocadas no campus, Martin começou a caminhar juntamente com os demais. Como uma onda fluida de pessoas, todos eles encaminhavam-se para o auditório.

***
      - ... e agora encerraram o curso de introdução ao japonês. - disse eloqüentemente um senhor de idade diante da multidão. Sentado na banca improvisada, ele tinha a aparência agradável e risonha, apesar de seu tamanho quase nanico se comparado com qualquer idoso que Martin conhecia. Excetuando o avô de Rei, é claro.
      O ficwriter brasileiro, no entanto, não conseguiu se conter e foi obrigado a MAIS UMA VEZ olhar para seu relógio. "Duas horas e catorze minutos", constatou ele, fazendo uma careta para o relógio. "Quanto tempo mais ele consegue ficar na INTRODUÇÃO das boas-vindas???"
      Até um certo ponto, Martin era conhecido por sua paciência. Quando o reitor começou a falar, ele não se incomodou quando ele contou como era formada a universidade, apesar dos diversos panfletos distribuídos na ocasião. Mas, quando veio a história da universidade, as motivações do curso, como havia sido a função aleatória utilizada para escolher os candidatos, como ocorreram os sorteios para espalhar os alunos por todas as escolas de Tóquio, o histórico escolar NADA longo do reitor, a INFÂNCIA dele... tudo isso, aliado ao fato de que haviam SEQUER saído do terceiro de cinco ítens da introdução, segundo o roteiro fornecido, serviu para que a paciência de Martin Siu se reduzisse a pó e o tornasse capaz de reduzir ao mesmo qualquer um que ousasse dizer qualquer coisa a respeito da 'paciência milenar'.
      Admirável também era notar que o reitor sequer percebera que metade dos alunos presentes haviam adormecido depois de uma hora falando sobre sua vida e que metade do restante já havia caído na última meia hora.
      Nisso, Martin olhou uma vez mais para seu relógio, observando que miraculosamente haviam sido gastos mais dezesseis minutos para 'o ensino adotado nas escolas preparatórias' desde a sua última checagem.
      - ... e desejo a todos bons estudos. - captou os ouvidos de Martin, para grande surpresa.
      "Depois de tanto tempo, ele SIMPLESMENTE _OMITE_ o resto da apresentação???" espantou-se o ficwriter. Não, é claro, que ele tenha se arrependido pela decisão o reitor, mas era-lhe estranho que alguém que aparentemente gostava tanto de falar decidisse evitar assuntos. Assim, ele piscou seus olhos, enquanto a imensa maioria ainda dormia no auditório, mas por pouco tempo.
      Esse tempo, na verdade, havia sido o que o reitor precisara para acordar um dos professores pertencentes à banca. Imediatamente, Martin aproveitou o momento para estralar alguns ossos e espantar a dormência de suas pernas, que suportaram o peso da maleta que trouxera.
      - Anoo... ohayo gozaimasu, gakusei-san. - cumprimentou o professor, despertando a grande massa, enquanto o sorridente velhinho sentava-se em seu lugar. - É uma grande honra que tantos estudantes tenham vindo, alguns do outro extremo do planeta, para a nossa universidade. - dito isso, uma grande quantidade de alunos recomeçava a se preparar para dormir, já prevendo o tipo de discurso que teriam. - MAS, como havia bem discursado nosso reitor Yamato, devemos ser breves.
      "Sei... 'breves', ne?" comentou sarcasticamente Martin para si mesmo.
      - Assim, quero parabenizar a todos aqui presentes. - disse o professor, sorrindo para a recém-desperta metade do público. - Pedir que todos peguem seu material no balcão da saída e desejar bons estudos a todos.
      "Material?!?" estranhou Martin. Bem, AQUILO era novidade. Quer dizer, retirando o fato de ter se surpreendido pela Juuban High School não vender seu próprio uniforme, ERA para surpreender que, numa universidade que estava pagando já três meses de uma bolsa de estudos mágica, ele não tivesse que pagar pelo material utilizado nos estudos do curso.
      Todavia, a surpresa de Martin não durou muito tempo. Juntamente com os demais, ele dirigiu-se até o balcão, onde diversos veteranos sorridentes estavam amontoados com várias caixas ao lado.

***
      Ao mesmo tempo, um outro veterano estava a sorrir diante de um ocaso. Mais precisamente, a sorrir para uma mulher com um olhar deveras desagradável. Sendo mais preciso, com um sorriso deveras amarelo e quase estampando na sua testa 'Olá!'. Mas o olhar desagradável foi o que certamente não agradou ao veterano, que optou por uma rápida e estratégica idéia.
      A mãe de Henrique, é claro, não esperava que Daniel Rezende Graminho pudesse desaparecer tão rápido quanto aparecer de seu apartamento. Isso, principalmente, depois do choque ao receber a notícia de seu filho. No entanto, ela sabia que não podia culpar o sobrinho de sua cunhada pelo perigo que a cidade oferecia. Por isso, ela tomou a decisão mais sensata e menos comum às mães.
      Ela começou a contar as vinte e quatro horas para notificar o desaparecimento de Henrique às autoridades.
      Claro, nada impedia que ela aproveitasse o tempo para telefonar para todos os números de telefone existentes no quarto de seu filho. E avisar logo o Alexandre para que ele a ajude tão prontamente.

***
      - Arf, arf, arf...
      - ... como foi que ela reagiu? - perguntou, sem esconder a ansiedade, a voz do garoto japonês de óculos.
      - Muito bem, na minha opinião. - respondeu Daniel Tolaris, suando por ter descido correndo as escadas dos dois andares. - Mas seria melhor sairmos rápido daqui.
      - ... - foi a única resposta de Edson Makoto Kimura ao deduzir O QUE havia acontecido no apartamento. - Tá. O que vamos fazer agora?
      - Sair daqui. - respondeu simplesmente Daniel, para o desprazer de Edson. Não era EXATAMENTE aquilo que ele tinha em mente, assim uma gota gigante de suor se formou em sua testa. - Quer dizer, amanhã tem aula, ne?
      Edson rolou seus olhos, percebendo que nada faria Daniel mudar de idéia, embora nem ele mesmo soubesse o que seria o mais correto a se fazer. De certa forma, 'Cloud Strife' estava se sentindo responsável pelo desaparecimento de Henrique. Quer dizer, logo no dia que ele descobre onde um dos ficwriters fundadores do Grupo morava, este desaparece?
      Se ele fosse o MADS, certamente faria disso um fanfic, mas não era esse o caso. Edson sentia que havia algo errado quando dirigia até o apartamento de Henrique Loyola, mas jamais imaginara que algo tão grave fosse acontecer. Um Tolaris moído depois da confissão podia até ser, mas este ao menos estaria ao alcance de qualquer um que o procurasse.
      Só que o caso de Henrique era diferente. Depois de quatro horas procurando intensivamente no parque, eles haviam finalmente desistido de procurar pelo ficwriter. Embora não conhecesse tão bem o ficwriter, Edson sabia que seu senso de humor estaria longe de manter duas pessoas procurando por um parque durante quatro horas consecutivas e não precisou de muito raciocínio para saber que o melhor a fazer era informar a mãe dele.
      Ao estranho contragosto de Tolaris, cujas mãos pareciam ainda estar tremendo. Entretanto, aquilo já havia se tornado um fato ao ficwriter. Henrique 'Ranma' Loyola havia desaparecido e Edson sequer fazia a mínima idéia de como aquilo havia ocorrido. Para melhorar, a seu próprio contragosto, aquilo estava começando a se tornar um misto de novela mexicana onde-garoto-some-sem-que-ninguém-perceba com baixo IBOPE. Somente restava esperar que Henrique não reaparecesse depois de quinze anos com a fortuna da família de algum mexicano.
      - Bem, acho que só nos resta esperar para que ele volte logo. - disse Edson, o que estranhamente ajudou Tolaris a relaxar. - Ou você tem algum idéia de onde ele pode estar?
      - Eu diria que... não tenho a menor idéia. - respondeu Daniel. - Mas estou ficando preocupado também. Ranma não costuma desaparecer dessa forma e muito menos num parque.
      - Já aconteceu isso antes? - espantou-se Edson com a naturalidade do primo do primo do desaparecido.
      - ... bem, ele nunca desapareceu antes, então não deve ser um costume que ele adquiriu... - respondeu Daniel, mexendo os ombros. - Mas talvez seja melhor começarmos a procurar por pistas.
      - Que tipo de pistas, se nós vasculhamos o parque INTEIRO antes de vir aqui?!? - perguntou Cloud, com certa irritação.
      - Jeez... você está estressado, Cloud. - falou Tolaris. - Devia aprender a relaxar um pouco.
      - AAAAAARGH!!! - gritou Edson, correndo para o carro.
      Daniel, por outro lado, sorriu. "Vingança é um doce prato frio..." pensou ele, chacoalhando um pouco a perna e ouvindo o som de suas meias ainda encharcadas em seus tênis. "Mas eu gostaria que fosse algo menos molhado..."
      Entretanto, uma outra coisa aparecia paralelo aos pensamentos do futuro engenheiro. A preocupação, ainda que não fosse completamente disfarçada pelo seu aparente otimismo, era sincera. Sair rapidamente do apartamento de Henrique havia sido uma boa estratégia, principalmente porque ele ainda queria pensar sobre o que havia acontecido sem que alguém ficasse sacudindo-o no meio do ar fazendo as mesmas perguntas que ele faria.
      Daniel 'Tolaris' era uma pessoa prática e isso talvez rendesse-lhe o excesso de otimismo. Não é claro que ele fizesse aquilo propositalmente, mas ele sabia perfeitamente que não adiantaria ficar se desesperando por uma coisa se ele planejava RESOLVER essa coisa.
      Assim, quando Daniel caminhou até a entrada dos dois prédios que compunham o 'condomínio' do primo de seu primo que ainda não era seu parente e que ele repetia isso quase toda hora, ele se surpreendeu ao avistar Edson o esperando no carro. Não, é claro, que fosse ruim. Daniel havia tido quase a certeza de que Edson planejaria fazer tudo às pressas.
      Mas não havia sido aquilo que acontecera. Deixando as brincadeiras de lado, Daniel não deixou de imaginar a sorte dos dois ficwriters brasileiros em relação à dele. Certo, perder a despedida de Martin e Paolla por uma questão de algumas horas era uma coisa, mas perder um dia com a despedida de Ricardo era algo que nem mesmo ele acreditava.
      Era quase como se algum kami estivesse a olhar na sua direção para que todo tipo de desgraça ocorresse. Tolaris, no entanto, resistiu à vontade de dar um passo para o lado.
      - Contamos para os outros? - perguntou Daniel, embora ele mesmo soubesse já a resposta.
      - Menos para Paolla, Martin e Ricardo. - respondeu Cloud. - Não há necessidade de deixá-los preocupados.
      - Hai. - confirmou Tolaris. - Nesse caso, precisamos agir rápido se queremos ainda encontrar Ranma.
      - Un. E ter cuidado para que MADS não encontre nada a respeito. Sabe como é, do jeito que ele é paranóico, vai acabar montando uma página de 'Procura-se Saotome desesperadamente'... - disse Edson, rindo levemente.
      - É... - concordou Daniel, também rindo. - Então? Vamos?
      - Sim... para a grande estrada da informação. - falou Cloud, num tom deveras sério e irônico.
      Na verdade, o plano era até simples... e eficaz. Se Henrique havia desaparecido, ele não poderia passar despercebido por uma cidade inteira. Assim, nada como movimentar a cidade inteira para procurá-lo. Como fazer isso era algo relativamente fácil para os dois ficwriters.
      A Grande Rede, como dizia MADS, é o Centro da Informação.
      Ou, numa tradução de Henrique, era só mandar mensagens para os paulistanos conectados na Internet para que metade da cidade começasse a procurar pelo que precisava.
      E era na Internet que ambos estavam começando a depositar as suas esperanças... se aquilo fosse algum fanfic de MADS.

***
      Enquanto isso, um outro brasileiro estava também a depositar as suas esperanças... mas em outro lugar.
      - BLEARGH... - foi o som que Paolla ouviu um pouco antes de uma descarga ser acionada no banheiro. Para ser mais exata, no banheiro que R-kun havia entrado após experimentar um pouco do desjejum do hospital.
      Ou, o que seria mais lógico, depois do seu estômago ter finalmente conseguido uma reação contra a comida atômica de Tsukino Usagi, se os relatos da conversa da noite anterior eram verdadeiros. Claro, isso também levava a induzir que Paolla NÃO deveria refutar o que havia sido escrito nos fanfics do Grupo a respeito dos dotes culinários da loira de cabelos longos.
      Afinal, se eles HAVIAM sobrevivido ao ataque de limpeza gástrica supervisionada por Martin, o 'curry' não deveria ser menosprezado.
      "Nota mental: verificar se Usagi-san é a voluntária na cozinha deste hospital o mais breve possível." pensou sarcasticamente a ficwriter.
      - Kami-sama... - disse a voz cansada de Ricardo ao retornar de sua 'viagem'. - {Acho que serei o próximo a ficar alguns dias numa cama de hospital...}
      - {Nem pense nisso!} - alertou Paolla. - {Você não tem a MÍNIMA idéia de como é a comida daqui.}
      - {Depois desse 'curry', dificilmente acharei alguma coisa intragável.} - mencionou Ricardo, olhando de relance para a porta.
      Sim, (in)felizmente, nenhuma Tsukino Usagi furiosa apareceu por aquela porta naquele momento. Todavia, seria excelente motivo para que pingüins com cartolas aparecessem sapateando no quarto. Ainda era muito cedo para os padrões 'Usagianos'.

***
      - Aimeudeusestouatrasadadenovoooooooooooooo!!! - era parte dos estranhos, inconfundíveis e totalmente indecifráveis gritos que se ouviam diariamente na casa dos Tsukino.
      Uma japonesa loira, de longos cabelos presos em uma espécie de 'odango', corria de um lado para o outro, tendo seus passos vigiados por uma gata preta com uma lua crescente na testa, que nada mais fazia senão observar a corrida frenética da menina e colocar a pata na cabeça, enquanto inúmeras gotas gigantescas apareciam à sua volta.
      - Usagi-chan, quantas vezes eu vou ter que repetir que não adianta nada você se desesperar desse jeito se você simplesmente não consegue acordar mais cedo do que isso? - perguntou a gata, bocejando ao ver a 'rotina' matutina se repetindo pela décima-quarta vez no mês... isso porque o mês estava em seu décimo-quarto dia.
      - Aaaaw, Luna, ao invés de reclamar, você bem que podia ter me acordado mais cedoooo! - respondeu/gritou/berrou/você-entendeu a loira, tentando amarrar o laço de seu uniforme com uma das mãos enquanto segurava a escova de dentes com a outra.
      - Claaaro... para depois ouvir as suas reclamações sobre as minhas garras. - retrucou a gata, sorrindo malignamente ao ver o brilho de suas garras afiadas contra a luz do sol. - Aliás, você devia se apressar... lembre-se que a Ami não virá até aqui para vocês irem juntas para a escola enquanto Paolla-san não sair do hospital.
      - NANI?!? Eu tinha me esquecido disso!!! Prometi que iria até lá antes da aula para visitá-la! - Usagi continuou gritando, desta vez colocando as meias ao mesmo tempo em que jogava alguns cadernos dentro de uma pasta preta.
      - Tarde demais, deixe para fazer isso depois da aula. - suspirou Luna, ajeitando-se na cama de Usagi.
      Não houve qualquer resposta compreensível à observação da gata lunar, uma vez que Usagi fechou 'mui' delicadamente a porta de seu quarto e correu para a porta da sala.

***
      Nisso, a noite caía do outro lado do mundo. Mas abria-se um novo dia para duas pessoas. Frente a um computador ligado e conectado à Internet, dois adolescentes comportavam-se de modo semelhante ao de Tsukino Usagi, embora não estivessem atrasados para coisa alguma. Um deles, porém, parecia estar mais nervoso do que seu amigo oriental, que digitava rapidamente o texto do e-mail que seria enviado para o maior número possível de pessoas que conheciam o ficwriter desaparecido. Evidentemente, algumas delas não residiam na cidade de São Paulo, mas seriam alertadas para que ficassem atentas a qualquer sinal de Henrique, nem que esse sinal aparecesse em um lugar completamente absurdo e LONGE do parque Ibirapuera.
      - Terminou, Cloud? - perguntou o mais nervoso, pela décima vez em cinco minutos.
      - Terminei, Tolaris... - disse Edson. - EU TERMINEI! Agora preciso enviar isso a todos do meu Address Book. - respondeu o oriental, lançando um olhar de raiva ao seu amigo. - Você tem o e-mail de mais alguém que possa ajudar a encontrar o Ranma?
      - Não seria mais fácil enviar pelas mailing lists? Moonlist...
      - O MADS está inscrito nela, Tolaris.
      - Aniverse?
      - Também.
      - Exodus Public Mailing List?
      - Idem. - respondeu o garoto japonês, começando a perder o pouco que restava de sua 'paciência oriental'.
      - A lista dos Inner NDK?
      - Tolaris, a água do lago ENFERRUJOU os parafusos da sua cabeça??? O MADS é MODERADOR das duas últimas listas que você enumerou! - gritou Cloud, abrindo o Address Book do programa de e-mail e selecionando alguns destinatários.
      - E como vamos fazer para enviar esse e-mail para o maior número de pessoas?! - retrucou Tolaris, colocando as mãos na cabeça e principiando algo que seria um movimento de puxar os cabelos. - Você vai digitar mensagem por mensagem?
      - Existe algo chamado Carbon Copy, sabia? - respondeu Cloud, sorrindo sarcasticamente enquanto o rosto da pessoa que estava ao seu lado se tornava levemente bordô.
      Enviar a mensagem para todas as pessoas que estavam no Address Book não seria um trabalho dos mais complicados para Edson Makoto Kimura que, certamente, não levaria muito tempo para terminar sua tarefa. O tempo não era seu fator limitante, mas sim a preocupação com seu amigo desaparecido.
      Respirando profundamente antes de iniciar o envio de todos aqueles e-mails, Edson pediu mentalmente aos kamis para que Henrique estivesse bem, onde quer que estivesse.
      Mesmo que estivesse no lugar mais absurdo que pudesse existir.

***
      Henrique abriu os olhos, acordando em um sobressalto, como se saísse de um pesadelo. Suando frio e tremendo um pouco, ele sentou-se e piscou algumas vezes, tentando enxergar algo além da escuridão que o rodeava, esperando que tudo não passasse de um pesadelo dentro de um pesadelo e que ele estaria simplesmente sentado na cama de seu quarto, acordando para mais um dia de aula e para entregar o gigantesco trabalho para a professora.
      Infelizmente para o jovem adolescente, o que havia vivenciado era um pesadelo, mas não dentro de OUTRO pesadelo. A escuridão era real.
      "Um... sonho? Kami-sama, parecia tão real..." pensou Ranma, tentando visualizar a última cena de seu sonho. Ele nunca havia descrito ou lido a respeito do uniforme que o rapaz de cabelos negro-esverdeados usava, tampouco do uniforme de seu companheiro no sonho. "Aleph?"
      A lembrança da referência à arena onde estava sendo realizado o torneio dos Noble Kishi fez com que sua mente imediatamente relacionasse o sonho ao universo NDK, mais precisamente, à saga de Angels, escrita por Martin. Entretanto, Henrique não se lembrava de tal padrão de uniforme, totalmente diferente dos trajes dos Dragon Kishi ou ainda do pouco que sobrava de 'padrão' dos Noble Kishi.
      Porém, o mais incrível do sonho era que ele havia visto a si mesmo como um selenita. A lua crescente na braçadeira em seu braço direito era o elemento que mais lhe chamava a atenção, agora que estava acordado e tentava se lembrar do sonho. Afinal, o universo NDK era apenas uma criação de três rapazes, leitores assíduos das notícias que envolviam as Sailor Senshi, não era algo real, assim como toda a história do Sistema Solar criada por eles.
      Tudo não passava de ficção. E ele, Henrique 'Ranma' Loyola, não era um personagem de ficção, era uma PESSOA, pertencente ao mundo real, desprovido de magia, fantasia, criaturas fantásticas e guerreiros capazes de decidir o futuro de um planeta.
      Mesmo assim, o nome que ouviu sendo pronunciado por aquele a quem chamara de 'Aleph' não lhe era estranho. Moon Fox. A raposa lunar.
      "Tsuki no kitsune." pensou Henrique, passando o nome para o japonês.
      - Tsuki no kitsune. - ele repetiu em voz alta, tentando entender por que esse nome lhe era muito familiar. - Moon Fox.
      Quando Henrique pronunciou a última sílaba de sua frase, uma espécie de eco começou a repetir o nome de Moon Fox, rompendo de modo torturante o silêncio que antes reinava no local. As palavras entravam pelos ouvidos do ficwriter, ressoando no interior de sua mente como badaladas de um sino.
      Torturado pela dor que se apossou de sua cabeça, Ranma cobriu os ouvidos com suas mãos, colocando a cabeça entre os joelhos, em uma tentativa desesperada de fazer com que aquele nome parasse de se repetir tantas vezes, vindo de tantos lugares, do som que tomara conta do local onde estava e até mesmo de dentro de sua própria memória.
      - Pare... onegai... - murmurava Henrique, sentindo como se finas agulhas estivessem trespassando seu cérebro. Lágrimas de plena dor vertiam de seu rosto naquele instante. - ... onegai... pare... eu não...
      - Don't let memory play games with thy mind. - uma voz disse, vinda de algum lugar da escuridão. - Let thy inner self wake up, let the REAL one rise from the deepest part of thy soul and mind. Free thy soul from thy true thee.
      O tom suave da voz fez com que parte da dor desaparecesse, permitindo que o ficwriter abrisse os olhos e levantasse a cabeça. Havia uma luz rasgando o negro véu da escuridão, iluminando uma só pessoa: ele mesmo. Espanto tomou conta da mente de Henrique quando a primeira cor foi registrada pelo seu cérebro. O vermelho característico de sangue. Seu próprio sangue.
      Em suas mãos repousava uma katana de cabo prateado, com a lâmina voltada para trás. Luvas antes brancas protegiam suas mãos, cobrindo parte das mangas de uma jaqueta prateada, presa na cintura por faixas de tecido da mesma cor, agora tingidas de vermelho. No braço direito, a braçadeira com a lua crescente ainda indicava orgulhosamente a sua origem.
      O campo coberto pela luz ampliou-se lentamente, fazendo com que o adolescente enxergasse a realidade que estava vivenciando. Aos seus pés, jazia o corpo de um rapaz de cabelos negros, vestido com uma jaqueta vermelha, presa por faixas de tecido antes esvoaçantes. A mão, fechada no momento da morte, ainda segurava um estranho artefato de metal, no formato de um pequeno bastão.
      - Aleph...? - murmurou Henrique, deixando a katana cair no chão enquanto ajoelhava-se para tentar ver o rosto do rapaz mais nitidamente.
      Alguns momentos depois, ele desejou que essa idéia nunca tivesse passado pela sua mente.
      - Kami-sama... isso não é real... isso não PODE ser real! - exclamou Henrique, reconhecendo as feições do rapaz morto.
      Levantando-se, o jovem não sentia qualquer dor proveniente do ferimento em seu abdômen, mas apenas uma estranha e repentina revolta crescente dentro de seu peito. Tudo ao seu redor era um negro quadro, transitando entre o extremo do gótico com o extremo do realismo.
      Ruínas de palácios antes belos e majestosos, corpos caídos em meio a poças de sangue, muitos deles completamente destruídos pelo projétil que causara sua morte. Corpos dos quais não se saberia nem os nomes pelos quais respondiam quando ainda respiravam... não podia ser um sonho. Aquilo era real. Tudo era brutalmente REAL. Tão real que o brasileiro foi obrigado a dar dois passos para trás, de forma que não se desequilibrasse com o choque.
      Piscando fortemente os olhos e virando-se para trás, o ficwriter surpreendeu-se novamente ao ver um rapaz trajando uma jaqueta verde, presa na cintura por faixas de tecido da mesma cor, calças e botas pretas, lutando furiosamente com uma criatura inexistente na face da Terra, manipulando uma katana com a maestria que Henrique jamais pensou que veria pessoalmente.
      Quando a luta 'individual' que o rapaz travava com a 'criatura' terminou com a morte do último, o vencedor virou-se para trás, mostrando seu rosto para Henrique.
      - Cuidado!!! Abaixe-se! - ele gritou, apontando para uma outra criatura que se aproximava por trás de Henrique. - Jupiter Thunder STORM!!!
      Uma segunda katana foi desembainhada pelo rapaz e, num movimento deveras rápido, cruzada com a anterior. Uma espécie de eletricidade parecia percorrer a espada, mas durou por pouco tempo. Havia sido arremessada pela ponta das lâminas na sua direção.
      Antes mesmo que Henrique fosse capaz de PISCAR, vento pareceu percorrer ao seu lado. Virando-se bruscamente para trás, ele chegou a ver uma 'criatura' sendo eletrocutada pelo poderoso golpe do jovem mestre de armas. Henrique 'Ranma' Loyola apenas engoliu sua própria saliva ao perceber que havia sido salvo de um ataque que poderia causar a sua morte certa.
      - Moon Fox. Daijoubu? - ele perguntou, aproximando-se e colocando a mão sobre o ombro do assustado ficwriter.
      - Isso não pode ser real... - repetiu Henrique, agora fixando o olhar no rosto de seu salvador. Um olhar típico de um garoto colegial ao se deparar com tanto sangue. Um olhar aterrorizado. - Eu não sou um personagem de ficção... isso é só um sonho...
      "No. Thou shall truly wake up and face thy true reality..." uma voz sussurrou no interior da mente de Henrique. "... Moon Fox. Warrior of the Wind. Moon's greatest pride."
      - Não... eu não sou... - começou o atormentado adolescente, quando foi bruscamente jogado para o lado, caindo no chão. Quando ele olhou para ver o que havia acontecido, o rapaz de jaqueta verde estava lutando com outra daquelas criaturas bizarras.
      O som de um grito de guerra chamou a atenção de Henrique para a aproximação de uma criatura que vinha correndo em sua direção. Fechando os olhos e sacudindo levemente a cabeça, ele só conseguiu ter uma reação.
      Ainda de olhos fechados, ele cruzou os braços, fazendo aparecer uma pequena esfera branca de energia em seus punhos, em uma seqüência que ele só imaginava ser possível acontecer em suas histórias.
      - Moon... - a voz de Henrique pronunciou lentamente as palavras, frisando cada sílaba que saía de sua boca. - ... Time CRASH!!!
      A esfera partiu dos punhos do jovem guerreiro, indo na direção de seu alvo com uma velocidade impressionante, para enfim atingir o seu objetivo, rasgando a carne da criatura e criando novas e inusitadas angulações para suas articulações.
      A euforia da vitória, porém, não durou muito. O sorriso ainda persistia no rosto do guerreiro quando seu cérebro registrou a maior dor de toda a sua vida. A última dor que sentiria, rasgando seu corpo, rompendo seus nervos, derramando sangue no solo selenita a cada vaso que era destroçado pela imensa quantidade de energia que atingia o frágil corpo de Henrique.
      Finalmente, quando a dor se foi, tudo voltou a ficar escuro como antes. A escuridão novamente preenchia o espaço no qual ele se sentia inserido. Uma estranha e mórbida escuridão... tão estranha, que era reconfortante estar dentro dela. Fazer parte dela.
      Repentinamente, ele ouviu novamente a voz, suave e determinada, em sua própria mente. "Thou art strong..."
      E mais uma vez a luz o cobriu, revelando o uniforme selenita.
      - NÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOOOO!!!

***
      Os gritos que saíam do fundo da alma do garoto soavam como música para os ouvidos de Art. Era a quarta vez pela qual ele passava pela mesma cena, pela mesma dor da descoberta de seu poder, pela dor da morte...
      - Art, quantas vezes você vai repetir isso? - perguntou uma garota ruiva, de jaqueta violeta.
      - Só mais algumas vezes, Kare. Acho que ele estará bem receptivo à nossa proposta depois dessa pequena sessão de 'recordação'.
      - Faz muito tempo que não via alguém ser torturado de modo tão cruel, Art. O que deu em você?
      Uma sombra cobriu os olhos de Art, que se voltou na direção da garota, fixando o olhar nos olhos prateados dela.
      - Nada. Agora deixe-me em paz! - ele ordenou, empurrando-a para trás.
      - Que assim seja, senhor... - retrucou Kare, frisando ironicamente a palavra 'senhor' e evitando olhar diretamente para Art. - E que a Messias do Silêncio lhe dê o perdão pelos seus pecados.
      O som dos passos firmes de Kare preencheu o salão prateado, soando como uma espécie de melodia macabra para acompanhar a cena que ali ocorria no teatro da vida. No canto direito do salão, um casulo, semelhante ao que fora usado por Beryl para condicionar a mente de Chiba Mamoru, abrigava o corpo e a mente de Henrique 'Ranma' Loyola. Ao lado deste, seis casulos aguardavam vazios a chegada de seus ocupantes. Sorrindo, Art caminhou na direção deles, demorando-se em um casulo em especial.
      Nesse casulo mais brilhante havia um símbolo gravado.
      O símbolo de Mercúrio.
      Art carinhosamente tocou o símbolo e, como se tivesse sentido um calafrio percorrer o seu corpo, afastou a sua mão dele. Em seguida, suas mãos buscaram um objeto em seus bolsos, enquanto seus passos silenciosos ressoaram novamente pelo piso do salão.

***
      Paradoxo. Substantivo masculino que denota conceito que é ou parece contrário ao comum; contra-senso, absurdo, disparate. Uma contradição, uma afirmação que vai de encontro a sistemas ou pressupostos que se impuseram como incontestáveis ao pensamento. Paradoxo. Um substantivo masculino.
      Aquela era a sua definição, segundo o dicionário de português aberto em sua mão. Não porque ele realmente precisasse, mas apenas pela simples curiosidade de folhear o pequeno objeto de sua maleta negra. E tal palavra era perfeita para descrever o lugar onde estava. Embora não fosse um adjetivo, mas um substantivo masculino.
      Contudo, aquele paradoxo era, de certa forma, apaziguador. Ele permitia que sua mente divagasse nas plenas possibilidades do paradoxo. Olhando todo o campus da Universidade de Tóquio, Martin Siu não podia estar mais interessado em seus estudos.
      "Isso explica o porquê de alguns alunos, como a Paolla, terem ganho as Cassiopéias..." pensou o ficwriter brasileiro. "E eu não deveria ficar tão surpreso. Fui avisado que isto era experimental, não fui?" recapitulou ele os momentos anteriores de sua viagem ao Japão.
      - ... mas CD-ROMs??? - murmurou ele, um tanto surpreso.
      Todavia, a surpresa tinha seus motivos. Nenhuma escola que ele prezava gastaria tanto dinheiro para formar diversas turmas para cursos em CD-ROMs. Muito menos para TRAZER os alunos, ao invés de simplesmente enviar os CDs pelo correio. Gastar dinheiro daquela forma era um paradoxo no mundo capitalista que Martin Siu conviveu desde seu nascimento.
      E ele estava certo que o Japão AINDA era um país capitalista. Podia até ter sua própria distinção no mercado, mas absolutamente NADA havia preparado o ficwriter para tamanho gasto de dinheiro quando havia soluções MUITO mais baratas e óbvias.
      Martin abaixou seu olhar, encontrando então o dicionário. "E pensar que sou EU quem se auto-proclama doido..." pensou ele com certa ironia. Guardando o dicionário, era-lhe impossível deixar de observar o seu material de estudo. Seu e de Paolla.
      O ficwriter ainda lembrava da expressão dos rostos de mais da metade dos estudantes. Uma alegria intensa porque poderiam fazer absolutamente NADA durante um ano e quiçá receber um diploma por isso. Por outro lado, a minoria a qual ele pertencia havia pensado de forma diferente. Mais precisamente, nos três meses gastos inutilmente com a adaptação ao idioma. Principalmente quando os CD-ROMs estavam todos em INGLÊS.
      Fazendo uma careta, Martin tentou evitar pensar naquilo, desviando a sua atenção para alguma outra linha de pensamento. Preferivelmente, algo que tivesse o conjunto vazio de intersecção com a linha atual. Contar o número de CDs, por outro lado, não pareceu ser uma solução agradável, embora disponível. "Fifteen Compact Discs of Read Only Memory." contou ele. "Quinze meus, quinze para Tieko."
      Com breves cálculos, era fácil determinar que precisava manter pelo menos um ritmo de um CD-ROM a cada dezoito dias. Dezessete, se ele desejasse quinze dias para revisar todo o conteúdo antes do exame final. Isso SE ele ainda desejasse concluir o curso no tempo limite.
      "Se isso tudo não for um monte de arquivos de texto em puro ASCII ou UNICODE, acho que termino bem antes do esperado." concluiu Martin, uma vez que sua 'pesquisa' da bolsa de iniciação científica havia sido misteriosamente manipulada para que ele somente começasse quando voltasse ao Brasil. Isso, é claro, havia sido um dos fatores a perturbarem a sua mente. Podia ser uma conspiração da Associação dos Pingüins Mutantes...
      - {Geez... vou começar a precisar de férias, se eu continuar a pensar dessa forma.} - falou o ficwriter numa voz não tão mental quanto desejava.
      Entretanto, não havia ali ninguém a escutar os devaneios matutinos de Martin. Pelo menos, alguém que se dispusesse a entender o português que falava. Assim sendo, Martin olhou novamente para o conjunto de mídia em sua maleta e logo depois voltou seu olhar para uma direção qualquer. Realmente, ele também não poderia ficar se lamentando no campus. Simplesmente, não era do seu feitio divagar sobre uma mesma coisa por tanto tempo.
      Fechando a maleta, Martin ergueu-se do banco de onde estava e começou a andar. Seu olhar permaneceu vago por uns instantes, até que o ficwriter enfim decidiu que rota tomar para a sua vida. O que mais poderia estranhar uma pessoa seria a rapidez pela qual o brasileiro tomava as decisões. Todavia, isso não importava ao ficwriter, que andava na direção de uma torre destruída na baía de Tóquio.
      Em outras palavras, era a hora de reconhecer o terreno utilizado pelos fanfics da Exodus FanFictions. "Parando primeiro no Templo Hikawa para assegurar a segurança destes CD-ROMs" concluiu ele, observando o ponto de ônibus a alguma distância.

***
      - Estranho... - disse a voz calma de Makoto.
      - O que foi? - perguntou o brasileiro ao seu lado, não compreendendo o que poderia ser tão estranho. Excetuando uma possível quantidade exagerada do que estavam aguardando.
      - Mensagem para você. - disse Makoto, imaginando como aquilo estranhamente se encaixaria como algum título de filme. - Uma apenas.
      - UMA??? - perguntou espantado o ficwriter brasileiro. Realmente, era estranho que apenas uma mensagem eletrônica houvesse chegado à sua caixa de mensagens. Principalmente quando ele não verificava por... hmm... três? Quatro? Bem, alguns dias. - Você tem certeza? Quer dizer, devia ter um monte de gente perguntando sobre o Japão para MADS... ne?
      - Hai. - respondeu Makoto, com igual surpresa.
      Naquele momento, o ficwriter estava sujeito a duas possíveis reações lógicas. Uma era ler a mensagem. A segunda, mais típica à lógica MADSiana, era sair gritando pela rua, lançando impropérios pela falta de mensagens e depois mandar meia centena de e-mails para todas as listas de discussão conhecidas pela ausência de explosão de e-mails.
      Seus olhos pareciam agora refletir o intenso confronto dentro de sua mente, para decidir qual seria a decisão a ser tomada. Mas aquilo não durou muito tempo, pelo que Makoto podia observar ao ver o ficwriter cerrar seu punho direito com certa sofreguidão.
      - Leia para mim. - pediu o ficwriter, para a surpresa de Makoto. - Por favor, Cloud, leia para mim.
      E assim prosseguiu o outro ficwriter pela noite. Ou, sendo menos melodramático, Edson Makoto Kimura começou a ler a mensagem vinda da CORI. Ao ler, o rosto de Tolaris parecia engrandecer-se... chegou até um ponto em que Edson ponderou se deveria ou não continuar a ler o e-mail, embora soubesse que se parasse, o outro rapidamente tomaria o seu lugar.
      Além disso, uma estranha e MUITO tenebrosa sensação de déjà vu percorreu pelo corpo do ficwriter brasileiro. Aquilo estava começando a se tornar perigoso demais...

***
      E muito perigoso também era a opinião de Martin. Naquele instante, o 'simpático e caridoso' avô de Rei estava 'treinando' Yuuichiro. Quer dizer, aquilo não chegava a se tornar algo MUITO estranho, mas era MUITO perigoso. Principalmente para os ossos de seu corpo, se ele planejava ficar inteiro.
      Por isso, a medida de precaução de MADS havia se tornado extremamente útil quando ele chegou aos arredores do Templo Hikawa. Esgueirando-se enquanto podia, ele tentava não chamar muito a atenção dos dois, enquanto Yuuichiro estava a correr de seu 'treinador'. A distância até seu quarto, local mais seguro do templo desde a invasão da homicida, não era muito longa, mas era suficientemente distante para que seu silêncio fosse necessário.
      - HEY! MARTIN! - gritou uma voz atrás dele.
      Isso, é claro, provocou uma reação quase instantânea. O ficwriter brasileiro quase realizou novamente a façanha descrita inicialmente por Satori Ryu ao chegar no país. Em suma, ele quase foi parar no telhado do templo. Quase. Daquela vez, saltou apenas de susto, sem fazer qualquer acrobacia aérea e perigosa à saúde.
      Com o coração na mão, o ficwriter virou-se bruscamente na direção da voz. Correndo em sua direção, uma garota extremamente perigosa estava a agitar freneticamente várias folhas de papel. Evidentemente, essa pessoa poderia ser uma advogada, querendo processar pelos fanfics que ele cometera. Quer dizer, escrevera. Entretanto, por ser familiar, ela também causou uma sensação deveras irritante no ficwriter.
      Perigo. A palavra repetia-se incessantemente por sua mente, quase como a indicar o quão realmente era perigosa Tennotsukai Asuka, guia de intercâmbio. Talvez o título dado pelo ficwriter fosse um pouco exagerado, mas a presença de uma pessoa logo atrás da guia o fez logo perceber que havia utilizado muito eufemismo no título de Perigosa Guia.
      - Asuka? - estranhou o ficwriter. - O que a traz aqui?
      A guia de intercâmbio, vestindo seu típico uniforme com os dois I's, apenas conseguiu administrar a volta de seu fôlego, após a breve corrida para alcançar o ficwriter. Atrás dela, a sua mais nova 'vítima' andava com passos regulares e calmos.
      - Oi, Martin. - cumprimentou Asuka, algo então repetido pelo brasileiro. - Recebeu o meu aviso? - perguntou ela, um pouco ofegante.
      A reação do ficwriter foi algo natural e compreensível. Talvez até mais natural do que qualquer um poderia imaginar.
      - QUE RECADO??? - perguntou espantado Martin, seus olhos demonstrando nitidamente a sua surpresa.
      - Anoo... - pronunciou Asuka, percebendo o quão veloz estava o seu chefe no quesito 'comunicações'. Sua 'vítima', quer dizer, estudante também não soubera da notícia até ela ter chegado. Nisso, a guia de intercâmbio até pensou em checar novamente com a Central para saber se estava tudo realmente dentro das regulamentações. Mas ao se lembrar do quanto aquilo costumava demorar, ela decidiu realizar as tarefas cabidas a ela ao invés de ter uma 'conversinha' com seu chefe. De novo. - Bem, talvez você não tenha recebido.
      - ... talvez o avô de Rei saiba de alguma coisa. - comentou Martin, virando-se na direção dos dois corredores, que ainda não haviam percebido a presença de Asuka. Ou a dele própria.
      Dito aquilo, Asuka concordou com um movimento de sua cabeça e em seguida dirigindo-se até o caridoso e hospitaleiro avô de Rei. Martin Siu, por sua vez, decidiu que aquele era um bom momento para escapar de algum 'treinamento'. Entretanto, a presença da garota de intercâmbio o fez logo mudar de idéia. Um forte pressentimento dizia para ele que ele deveria prestar atenção ao que iria acontecer.
      - Ah! Mais um hóspede! - gritou MUITO alegremente uma voz conhecida pelo ficwriter. E deveras ameaçadora para seus ouvidos. Isso, é claro, não era um bom sinal, tanto para ele, quanto para a 'vítima'.
      "Kami-sama..." pensou Martin, imaginando o quanto o avô de Rei poderia ser... 'entusiasta' com seus hóspedes. Entretanto, o brasileiro NÃO estava desejando ficar por perto quando REI descobrisse o que estava acontecendo. Ele tinha quase a plena certeza de que a sacerdotisa também havia sido 'avisada' da mesma forma que ele.
      "Talvez não seja uma boa idéia SABER o que está acontecendo por aqui..." pensou o brasileiro. "Sim... talvez seja melhor eu NÃO estar aqui! Principalmente se Rei-san começar a pensar que EU virei cúmplice dos dois." raciocinou ele logicamente.
      Resoluto, Martin começou a andar, imaginando o que ele poderia comprar ou bisbilhotar na livraria bilíngue. Entretanto, sua meta foi bruscamente interrompida por uma voz, ou melhor, um chamado.
      - Martin??? - ou aquilo talvez mais fosse uma surpresa.
      - Anoo... ohayo. - cumprimentou Martin ao avô de Rei, com um sorriso deveras amarelo em seu rosto.
      - Você não deveria estar na universidade? - perguntou o velhinho, sua voz com um alto tom de reprovação.
      - Você nem mesmo acreditaria se eu contasse o que aconteceu. - disse o ficwriter, após um suspiro bem pausado. - Nem EU estou acreditando no dia de hoje... - terminou ele, rolando os olhos.
      Aquilo, embora fosse estranho, pareceu convencer o avô de Rei. Ao menos, ninguém iria dar uma resposta tão rapidamente sem gaguejar se fosse uma mentira. Isso era algo que ele havia aprendido em sua longa vida de experiências. Entretanto, sua mente aberta e compreensiva estava muito mais absorta na outra questão do dia. Ou melhor, HÓSPEDE.
      - Ohayo. - cumprimentou educadamente a recém-chegada vítima.
      *blink*blink*
      A reação tanto de Martin quanto de Ojii-san e Yuuichiro foi deveras... receptiva à nova vítima. Ou melhor dizendo, à nova hóspede do Templo Hikawa.
      "Uma garota?" surpreendeu-se Martin. Sua surpresa, no entanto, era fundamentada. Se uma garota iria ser a nova hóspede do templo, POR QUE haviam mandado Paolla, que É uma garota, para um lugar diferente? E se havia algum problema com a hospedagem anterior, POR QUE não haviam escolhido um lugar onde JÁ haviam garotas? Quer dizer, desconsiderando a senhorita Hino Rei, não havia muitas representantes do sexo oposto ao do ficwriter convivendo diariamente com o ficwriter brasileiro.
      Por outro lado, a linha de raciocínio era quase semelhante na mente do senhor Hino. "Uma garota??? Isso quer dizer... WAAAAAAAAAAAAAAAAH!!! Não vou ter mais escravos!!!" pensou ele, enquanto esforçava-se em sorrir quando lágrimas suas se formavam em seus olhos. Yuucihiro, por sua vez, estava indiferente. Estava grato porque a garota havia interrompido o seu 'treino' e apenas isso, pois ele estava certo que ninguém poderia algum dia chegar à grandeza de Hino Rei-sama.
      Nisso, a única pessoa masculina realmente neutra de emoções no templo se restringia ao ficwriter. Sem saber o porquê, ele não conseguia falar direito... ou melhor, ele sequer estava conseguindo ABRIR a boca para dizer qualquer coisa, tamanho era seu choque. Entretanto, esse era um choque genuíno, não pela presença dela, mas por quem ela era. Quer dizer, ocorreu uma série de eventos que obrigou o ficwriter a ficar mudo, observando a pretensa vítima de trabalho do avô de Rei.
      01. Ela NÃO era nenhuma pessoa que Martin conhecia.
      02. Ela NÃO era parecida com ninguém que ele conhecia na Internet.
      03. 01 e 02 implicavam seriamente no fato de que ela era uma total desconhecida ao ficwriter.
      04. 03 logo acionaria a ação "Tornar-se amigo de..." para que fossem evitadas futuras complicações, dada a Lei de Murphy.
      05. 04 não ocorreria quando algo mais... 'físico' estivesse presente, como a presença dela na sua frente.
      06. O fato da garota ser MUITO bonita dificultava o processo.
      07. 06 poderia ser contornado, se ela não tivesse o sorriso mais belo que o ficwriter tivesse visto.
      08. Ele precisava de ajuda. Rápido.
      - Ficou mudo, hein? - falou Asuka, cutucando Martin com seu cotovelo e piscando um olho em sua direção. A presença de um sorriso maroto em seu rosto apenas favoreceu a reação atípica de Martin Siu, como o aumento do fluxo sanguíneo de seu sistema circulatório.
      Em outras palavras, ele ficou terrivelmente embaraçado e ruborizado.
      - Anoo... ohayo. - falou Martin, desejando ter ido a uma loja de computadores ANTES de ir ao templo. - Martin Siu desu... - cumprimentou o ficwriter, sua voz ainda mais abaixo do normal.
      - Atashi wa Jennifer Kanotori. - respondeu ela, sorrindo para ele.
      - ... Hajime mashite. - falou o ficwriter, agora mais vermelho com o peso dos olhares de Ojii-san e Yuuichiro.
      - Hajime mashite. - respondeu a garota, causando então um segundo emudecimento de Martin.
      Asuka, por outro lado, estava tentando se controlar ao máximo para não cair no chão e rolar de gargalhadas. O brasileiro, certamente, provocava cenas que eram capazes de espantar qualquer mau humor dela. Fazendo uma nota mental, enquanto sorria descaradamente, Asuka dizia a si mesma para visitar o templo mais vezes.
      - Bem, aqui estão os papéis. - disse Asuka, entregando a Martin quase um bloco inteiro de papéis. - Ela ficará aqui com você. - falou brevemente Asuka, piscando um olho e preparando-se para sair.
      Antes disso, porém, o choque inicial de Martin se dissipava com incrível velocidade, permitindo que uma pergunta deveras óbvia fosse pronunciada sem gagueiras ou coisas do gênero.
      - Chotto mate! - quase gritou o ficwriter, fazendo com que Asuka parasse JÁ na entrada do Templo Hikawa. - Isso aqui não devia ser entregue a ELE??? - perguntou o ficwriter, indicando o senhor Hino.
      - HAI! - falou Asuka, descendo os degraus da escada novamente. - Mas você também tem que concordar! Envie tudo pelo correio! - terminou a Perigosa Guia de Intercâmbio, sumindo logo depois que pisou no acelerador do seu Network Vehicle azul.
      Martin, por sua vez, foi capaz apenas de repetir a mesma ação tomada pelos outros ali presentes.
      *blink*blink*

***
      Enquanto isso, numa região não tão distante do Hikawa Jinja, um parente deveras próximo do ficwriter adquiria uma reação bem oposta à dele. Andando em círculos, uma ansiedade incrível parecia dominar o seu espírito. Quase a demarcar no chão do hospital, Ricardo Gen estava a andar ali por quase uma hora ininterruptamente. Seus olhos azuis pareciam ansiosos a cada tic-tac do relógio da parede, enquanto sua mente amaldiçoava aquele som desesperador e constante.
      Ao seu lado, outras pessoas também estavam a andar. Embora aquele não fosse nenhum ginásio, o hospital favorecia a prática daquele 'esporte' comunitário na sala de espera. Se Ricardo não estivesse com tanta preocupação em sua mente, poderia até ter percebido que havia a presença de círculos no chão desgastado da sala.
      - Aceita? - perguntou então um rapaz ao seu lado, estendendo um maço de cigarros em sua direção. - Minha primeira vez também...
      Ricardo, por outro lado, não entendeu muito além do gesto. Entretanto, sendo o rapaz saudável que era, não precisava muito para compreender o que se passava diante de si. Sacudindo a cabeça numa negação, ele sorriu para que não fosse enviada nenhum mal-entendido.
      - Domo. - disse Ricardo, em seu japonês de fanfics.
      Todavia, a cena não deixou de divertir uma pessoa muito mais calma e MUITO mais atenta às ações ali desenvolvidas. Assim, foi com um riso baixo e ritmado que a tensão de R-kun 'Cousin' dissipava-se. Controlando-se, o ficwriter caminhou na direção do banco de espera e sentou-se.
      - <Acho que estou nervoso à toa, ne?> - perguntou ele, tentando não olhar para a garota de cabelos azuis, mas rindo então de sua própria atuação.
      - <Não se preocupe.> - disse Ami, embora ela estivesse um pouco ansiosa também. - <É um exame de rotina.>
      - So ka... - disse Ricardo, imaginando o porquê do quarto de Paolla estar tão longe da sala de espera. - <Ela me disse que estava morando com você... já conhecia a Tieko?>
      - Iie. - respondeu Ami, abaixando o seu olhar, mas não deixando de sorrir nas lembranças de sua mente. - <É até engraçado EU dizer isso, mas... é como se eu a conhecesse há muito tempo. Ela é uma pessoa muito... querida para mim. Como todas as minhas amigas.>
      - So ka... - falou R-kun, olhando para o vazio do teto branco do hospital. - <Tieko é uma pessoa legal e amiga.> - concluiu ele, sorrindo ao se lembrar das longas mensagens enviadas e das horas passadas na frente do computador. - <Acho que é isso que faz com que as pessoas se preocupem tanto com ela...>
      - Hai. <Limy-chan tem um carisma muito grande.> - falou a mercuriana, sorrindo ainda mais. - <Todos vocês.>
      - Domo... - disse 'Cousin', ficando levemente vermelho com o elogio da garota. - <Aliás... onde você foi ontem?> - perguntou ele, numa tentativa quase desesperadora para mudar de assunto.
      - <Jogar xadrez.... com o Martin.> - disse ela, sorrindo ao se levantar da cadeira. - <Ele tem um jogo... estranho.>
      - <Nem me diga... nem me diga...> - comentou o ficwriter. - <Já está na hora?> - perguntou ele, notando os gestos da garota e repetindo-os.
      - Hai. <Okaasan deve ter terminado o exame agora.> - disse ela, caminhando na direção do quarto.
      "E pensar que era EU o mais tenso aqui..." pensou sarcasticamente o ficwriter ao olhar a japonesa, alguns metros à sua frente. "Caramba! Ela anda RÁPIDO!" concluiu ele, também apertando o seu passo.
      - Hey! Wait for me! - gritou Ricardo, um tanto distante de Ami.

***
      - ...
      Realmente, não haviam palavras para serem ditas após o que foi ouvido. O choque, a princípio, poderia ser uma explicação racional e favorável, mas não era nisso que estava mais centrada a atenção de Paolla Matsuura. Era exatamente na CAUSA do choque que recebera.
      *BLAM*
      - Itte! - gritou alguém, despertando a brasileira do que parecia ser um sonho terrivelmente mirabolante. Quiçá, típico até de um fanfic.
      Tieko piscou os olhos, pouco antes de discernir que quem havia adentrado em seu quarto 'pouco' florido de hospital era nada menos que a pessoa que havia dormido na cama ao lado da sua. Ricardo, no momento, estava um tanto ocupado em massagear a sua própria testa após bater a cabeça na porta que Ami fechara ANTES dele entrar.
      Ami, por outro lado, estava terrivelmente ruborizada, o que apenas fez com que Mizuno-sensei sorrisse discretamente. Já Paolla estava muito mais compenetrada em TENTAR aceitar o que a médica havia dito antes da porta ser derrubada, quer dizer, aberta.
      - O que aconteceu? - perguntou a garota de cabelos azuis ao perceber o estado catatônico da brasileira. - Algo grave, Okaasan?
      - Iie, Ami-chan. - disse pausadamente a médica, como a tentar assegurar a calma de sua filha. No entanto, ela também sabia que o fato era realmente estranho, mas não haveria como refutar aquilo.
      - <O que aconteceu?> - perguntou Ricardo, preocupando-se com a calma da médica. Segundo a sua lógica, quando os médicos demoravam a dizer o que acontecia era porque era algo grave.
      E Mizuno-sensei parecia partilhar daquela opinião, imaginando, no entanto, como distribuir aquela informação. Entretanto, tendo conhecido o que sua filha provavelmente teria passado nos últimos anos e nos diversos tipos de contaminação que poderia ter sido exposta... bem, era melhor não pensar naquilo. Haviam deveres a serem feitos.
      - Paolla-san terá alta amanhã. - anunciou a médica, rispidamente.
      - NANI YO??? - foi a reação imediata dos dois ali presentes. A referente paciente, por sua vez, estava ocupada em piscar novamente os seus olhos, tentando assimilar aquilo novamente.
      Ação então repetida pelos outros dois.
      *blink*blink*
      Entretanto, Mizuno-sensei entendeu aquilo como uma boa oportunidade para sair do quarto do hospital. Entender como a brasileira havia tido tão rápida recuperação, todavia, ainda era uma dúvida que ela iria resolver.


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