Tempestade de Ilusões
by
Ami Ikari & X/MADS!Capítulo 04: Hottokenai Yo!
"Agora, leitor, contei-te meu sonho;
Vejas se consegues interpretá-lo para mim."
-= John Bunyan, "The Pilgrim's Progress" =-A ligação dos kalyrianos e dos híbridos é um fenômeno extraordinário. Qualquer interrupção na normalidade de uma determinada região é rapidamente notada por eles; a presença de um ser totalmente estranho a um ambiente permite que eles consigam antecipar tentativas de ataque ou até mesmo evitar que pessoas morram devido a esses ataques.
A simples presença de Kare dentro do Templo Hikawa chamou a atenção de Ryu, que correu para o quarto de hóspedes. Sua ligação indicava claramente esse fato e o alertava para um provável inimigo desconhecido. Obviamente, algo similar ocorreu à Rei, só que ela foi buscar ajuda.
Consciência já não era algo que podia se esperar de Martin. Mesmo quando a pressão dos dedos de Kare fez com que ele parasse de respirar, a garota não parou de apertá-lo por mais dois minutos. Ela sentiu quando ele desfaleceu, devido a perda da força de suas mãos e a própria expressão do rosto de sua vítima, que já não tentava puxar o ar para dentro de seus sedentos pulmões.
Seu rosto estava mais sereno; os olhos fechados, provavelmente, para sempre; a boca estava semi-aberta, paralisada na última tentativa desesperada de respirar; os dedos haviam retornado à sua posição natural, semi-dobrados, enquanto os braços estavam estirados na cama. Martin estava sem respirar há dois minutos; o coração ainda batia, entretanto. Ele estava vivo.
Kare sentou-se ao lado de sua vítima desfalecida e, carinhosamente, tirou os óculos do rosto dele. Ela observou as gotas de suor que ainda escorriam pelo rosto do garoto chinês e as enxugou com a ponta de sua faixa violeta. Kare sabia que ele estava vivo, pois a força que aplicara não era suficiente para lhe esmagar a traquéia. Colocando os dedos no pescoço dele, procurou-lhe o pulso. Seu coração doente ainda batia, embora debilmente.
Ela o invejava. Sim, mesmo sendo sua assassina, ela o invejava. Em toda a sua existência, ele nunca havia sido prisioneiro do destino, ao contrário dela. E, por esse sentimento e por uma incrível 'piedade' que se apossou de sua alma, Kare decidiu interromper o sofrimento do rapaz que jazia ao seu lado.
A misteriosa guerreira puxou uma adaga e, cuidadosamente, centrou seu alvo no coração de Martin. Porém, antes de enterrá-la no tórax de sua vítima indefesa, ela se curvou e beijou-lhe a testa.
- Sayonara...
*CLINK*
Uma dor lancinante chegou ao cérebro de Kare, fazendo-a soltar a adaga. Em sua mão estava fincada uma shuriken na forma de uma lua crescente.
- CHOTTO MATE! - gritou Ryu, com uma katana nas mãos. E visivelmente diferente de seu comportamento padrão. - Não permitirei que faça isso!
- Quem é você?
- Ei, pensei que essa fala era minha... - retrucou Ryu, sorrindo sarcasticamente, enquanto seus olhos vermelhos centravam-se na garota como um predador diante de uma presa.
- Não me atrapalhe, garoto! - exclamou Kare, tirando a shuriken de sua mão. - Saia daqui agora se não quiser ter o mesmo destino DELE! - ela continuou, apontando para o corpo desfalecido de Martin.
- Que divertido... agora temos uma assassina no templo... - falou Ryu, atacando-a em seguida.
O som das espadas se encontrando no ar ressoou por todo o templo. Makoto, Rei, Minako e Akai sabiam que aquilo NÃO poderia ser um simples treino de Ryu, principalmente porque o som vinha do quarto de hóspedes. Nisso, Rei agora estava certa de ONDE vinha o distúrbio de sua ligação.
O ruído seguinte os fez ter CERTEZA de que não era um simples treino... e Rei prontamente se preparou para a batalha.
- Destiny DESTRUCTION!!!
"Legal... mais um para matar..." pensou Ryu, enquanto tentava desviar da bola de energia que vinha em sua direção e que destruiu a porta do quarto, fazendo um buraco em duas paredes do templo.
- Pronto para morrer? - falou Kare, com um sorriso nada animador.
- Eu, morrer? - começou Ryu, preparando-se para se transformar quando foi indelicadamente interrompido por alguns gritos bem familiares.
- Crescent BEAM!
- Fire SOUL!
- Supreme THUNDER!
Ryu teve tempo somente de se jogar para o lado mais uma vez enquanto via três ataques indo na direção da guerreira desconhecida. Ela, por sua vez, saltou pela janela, não sem soltar um grito de dor por ter sido atingida por um dos ataques das Senshi.
- Ryu-chan, quem era ela? - perguntou Sailor Venus, aproximando-se de Ryu, que se levantava e aguçava a sua ligação. Era a mesma pessoa que havia atacado Paolla, com toda a certeza.
- Ela não teve tempo para se apresentar, V-chan. - respondeu Ryu, já prevendo um possível TAPA na cara. - Vocês chegaram muito cedo.
A previsão de Ryu estava correta; Sailor Venus estava com a mão erguida para desferir um belíssimo tapa em seu namorado, mas foi impedida por um grito de Sailor Mars, que estava ajoelhada sobre a cama.
- Kuso! Ele não está RESPIRANDO!
- Era só o que me faltava... Makoto, verifique o pulso dele. - pediu/ordenou Ryu, correndo para a beirada da cama.
O movimento de cabeça de Sailor Jupiter deu justamente a notícia que Ryu NÃO queria receber.
"Parada cardíaca."
Agindo rapidamente, o artista marcial puxou Martin, que estava ficando AZUL, pelas mãos, até colocá-lo deitado de costas no chão. Afastando os braços do rapaz em seguida, Ryu chamou por Makoto:
- Sailor Jupiter, junte as suas mãos, uma sobre a outra e pressione AQUI três vezes quando eu mandar. - ordenou Ryu, ajeitando a cabeça do chinês com o queixo para cima e colocando-se ao lado dele. - Lembre-se, SÓ quando eu mandar. V-chan, você marca o tempo. Quando der um minuto, você me avisa. E, por favor, NÃO ERRE A CONTAGEM!
Ryu fechou as narinas de Martin e começou a soprar dentro de sua boca, rezando para que não fosse tarde demais. A um comando dele, Sailor Jupiter massageava o coração da vítima, tentando fazer com que voltasse a bater.
"Vai, cara, RESPIRA! Volta à vida! RESPIRA!" pensava Ryu, beirando um pouco ao abismo do desespero. Repetindo aquilo dez vezes a cada contagem de Venus, ele estava ficando preocupado com a nova coloração do garoto.
- Martin-san, você NÃO pode morrer! - exclamou Sailor Mars. - Você não pode DESISTIR!***
No bosque do Templo Hikawa, Kare pensou ter encontrado o lugar ideal para parar, descansar um pouco e verificar o ferimento que aqueles três ataques em conjunto haviam causado. Não era nada grave; seus reflexos haviam sido mais rápidos e evitado conseqüências piores do que aquela que ela cobria com uma das faixas de sua cintura.
"Ele está muito bem protegido... Neko, POR QUE você não impediu isso?"***
- Neko, você está LOUCA?! - exclamou Art, empurrando-a da cadeira. - Você estava tentando MATÁ-LOS?! Não podemos perder nenhum deles, lembra-se?
Os olhos da garota estavam marejados de lágrimas. A atitude de Art era totalmente inesperada para ela, principalmente quando esperava que ele só descobrisse os seus atos quando fosse tarde demais para os dois... quando estivessem mortos, sem chance de ressurreição.
Mas Art havia acordado cedo demais de seu sono e percebera que ela ria muito enquanto escrevia... e teve tempo suficiente para tentar contornar a situação e tirar Kare de perto do garoto chinês antes que ela o matasse. E agora ele estava furioso, escrevendo parte do destino da Linha Temporal a qual pertenciam. Para que seu plano desse certo, TODOS deveriam estar vivos.
- Ainda bem que você foi tola o suficiente para deixar três Senshi e dois Dragon Kishi no Templo Hikawa, Neko. De outra forma, eu não conseguiria salvá-lo e tudo estaria PERDIDO. Ou você acha que o Ginzuishou da Princesa Serenity seria capaz de trazê-lo de volta mais uma vez?
- Mas...
- Ah, claro... pensou em Neo Crystal Tokyo, ne? Neko, com a distorção que Dark Angel está criando, NÃO HAVERÁ nenhuma Neo Crystal Tokyo! O nosso dever é fazer com que o mundo dos nossos sonhos se torne realidade! - exclamou Art, visivelmente perturbado. - E agora ainda preciso dar um jeito da Kare sair de lá em segurança...
- Você não pode fazer com que a Mars Dragon perca o rastro dela?
- Neko, você ainda não aprendeu que nem tudo pode ser modificado pela Silver Pen? Uma vez delineada a ação de uma pessoa, ela a cumprirá dentro dos padrões possíveis, de modo a evitar um paradoxo. E Mars Dragon dificilmente perderia o rastro de SANGUE que Kare deixou pelo caminho. Meus parabéns, Neko, desta vez, você se superou.
A garota de cabelos prateados e faixas azul-escuro se afastou lentamente do centro do salão prateado e se dirigiu até os seus aposentos, sem jamais olhar para trás. Aquele havia sido o seu lar durante séculos, seu refúgio... para onde podia ir sempre que sentia aquele nó na garganta, a vontade de chorar da menina que um dia fora convocada para ser uma guerreira e retirada do carinho de seus pais.
Abraçando os joelhos, sentada em sua cama, Neko chorava baixinho, murmurando lamentos guardados durante todo o tempo em que ficara enclausurada no salão. Ela não tivera a bênção da ressurreição como muitos tiveram... para ela ficara reservada a maldição da vida eterna.
- Art-chan... - murmurava Neko, desejando para si mesma o que queria que acontecesse com Martin e Paolla.
Ela queria morrer.***
Morte... esse era seu único pensamento. Vagando pela escuridão de sua mente, enquanto as manchas negras que cobriam sua visão ocultavam o rosto da arauta da Morte, seus pensamentos tornavam-se menos difusos e mais sólidos. Como se estivesse se aproximando de algo luminoso.
Sua consciência, ao contrário do que imaginava, não estava sumindo. Ao contrário, tornava-se cada vez mais forte, quase animalesca. Por um segundo, ele imaginou ser a sensação de auto-sobrevivência. Mas isso durou por um tempo muito pequeno... afinal, ele, condicionado por tantos anos a viver pacificamente, não teria tal instinto, teria?
A morte nunca o abalou na vida... e não seria naquele instante que ela o abalaria. Na verdade, não era de longa data que ele imaginava morrer nas mãos de alguém... ou apenas sofrer o ato. Instintivamente, ele tocou seu pescoço, esperando encontrar uma mão ali. Felizmente, não havia nenhuma... mas ele tampouco sentia a sua própria. "Bem, isto deve ser a morte..."
Seu tato esvaía-se no infinito negro do espaço, enquanto as sensações tornavam-se cada vez mais irrelevantes mediante os pensamentos. Num instante, quando ele imaginou que nada mais ocorreria, uma luz intensa e branca envolveu o local, cegando-o temporariamente.
Como se tal coisa fosse algo normal, ele focalizou na luz intensa, logo vislumbrando uma espécie de portal na sua frente. Construído apenas com feixes de luz multicolorida, o portal curvava-se maravilhosamente e permanecia aberto diante de si. Atrás do portal, apenas a luz era possível de se distinguir.
Franzindo a testa, o garoto chinês continuou a observar aquela construção bíblica... e pouco depois, ele deu meia-volta e se concentrou na escuridão. Como se desse costas ao Paraíso, ele sorriu quando avistou a negra cortina. Caminhando na direção oposta à do portal, seus passos tornavam-se mais difíceis e pesados. Contudo, ele não iria na direção da luz.
Ele não desejava aquilo.
"Não, Murphy... eu ODEIO utopias." pensava firmemente o garoto, enquanto caminhava a passos lentos na escuridão. Como a desafiar seu destino, ele avistou na escuridão aparente algumas formas. Entretanto, ele não se importava muito com aquilo. No momento, ele queria se afastar do portal o máximo possível. Sentindo que diversos olhares estavam em sua direção, ele tampouco quis descobrir a origem de tal curiosidade.
Aos poucos, como se um projetor estivesse sendo acionado, ele vislumbrou algo inacreditável. Ele jamais pensara em ver a si próprio... seu corpo, estático e ainda quente, jazia deitado na cama. A expressão tranqüila de seu rosto contradizia com a dor que deveria ter sofrido, enquanto gritos começavam a preencher os seus ouvidos. Os SEUS gritos.
Gritos que permaneceram emudecidos durante a sua morte... enquanto tentava aproximar-se para ouvir melhor o que aquele estranho grupo fazia, outros gritos então vieram. Gritos esses de desespero... ao mesmo tempo que preenchidos pela frustração. Mas não foi pelos gritos que ele estava sendo puxado pelo seu corpo morto.
Tampouco foi pela vontade de viver... acima de tudo, um pensamento estava fixo em sua mente. Algo que nem mesmo ele sabia até aquele instante. Fixo estava aquele pensamento...
"Eu preciso encontrá-la..."
Como, quem , por que... nenhuma pergunta foi feita. A frase repercurtiu em sua mente como uma chama de vida... e era tudo o que ele precisava para voltar. Atrás de si, ele sentiu agora um par apenas de olhos a observá-lo. Ainda que distante, e sendo atraído novamente pelo plano material, Martin conseguiu distinguir aquele par de olhos da escuridão.
Um par sombrio, frio e impessoal.
Tal e qual como o tempo...***
- CHIKUSO! - gritou num repente a garota.
Sentada, com as mãos apoiadas no peito do rapaz, ela imprimia uma grande força na caixa toráxica. Todavia, o garoto continuou imóvel, mesmo diante das palavras de desespero dos demais. Ryu, talvez, era o que se mantinha mais calmo. Embora a sua voz ainda tivesse um certo conteúdo de frustração e temor, ele sabia que não poderia desistir.
Milhares morreram pela sua katana, senão pelas suas próprias mãos. Não seria NAQUELE INSTANTE que ele seria incapaz de salvar UMA vida. Não, isso não era permitido ao código de honra do híbrido. Por isso, empenhava-se na tarefa. Não... talvez, o motivo ainda fosse maior. As lembranças do 'Evento' ainda lhe eram muito claras... e ele não podia permitir que aquilo se repetisse. ESTE era o motivo, se ele haveria de ter um. Ele estava prestes a injetar mais ar para os pulmões do garoto, quando este finalmente demonstrou uma reação.
A tosse, característica daqueles que sobreviviam, manifestou-se pelo sistema respiratório do rapaz. Manchando levemente o canto de seus lábios com o seu próprio sangue, ele recuperou-se aos poucos. A consciência parecia voltar para seu lugar no cérebro, o qual já devia ter sofrido uma baixa considerável de neurônios; enquanto a respiração se restabelecia.
Engasgando a princípio, ele abriu seus olhos negros lentamente. No entanto, a primeira coisa que indicava a ele que estava vivo foi o comentário de Satori Ryu.
- Você nos pregou um belo susto, rapaz... - disse o Dragon Kishi, embora a sua voz não tivesse um tom qualquer. Era algo... identificável, como um misto de várias emoções.
Para Martin, borrões gigantes pareciam se mover, ao tempo que manchas negras sumiam de sua visão. Reunindo o pouco de força que ainda tinha, ele ajeitou seus óculos no lugar, encontrando figuras BEM distintas. Sem se incomodar muito, ele apoiou suas costas na parede, percebendo que a mão de uma garota estava desajeitadamente voltando ao seu espaço natural.
Cabisbaixo, ele notou que eram as lendárias Senshi ao lado de Ryu. Mas, estranhamente, ele não ficou surpreso. Era como se aquilo fosse esperado... embora o garoto chinês não conseguisse exatamente dizer o porquê. Não era como se ele fosse uma figura importante da sociedade para chamar a atenção das Senshi.
- Domo... - respondeu Martin, embora suas cordas vocais estivessem em estado lamentável. Suas mãos, trêmulas, abraçaram a seus cotovelos, como se tentasse se proteger de algo. Num outro instante, ele suspirou, apoiando sua cabeça na parede de forma a observar todos ali presentes.
Não ficou o garoto constrangido ou sequer ruborizou. Ele apenas suspirou. E como se algo estivesse MUITO errado, sua mão direita estralou quando se cerrou na camiseta que vestia. Vendo que Martin precisava descansar, o grupo lentamente saiu do quarto, sendo Sailor Jupiter a última. Isso não escapou aos olhos de Martin, que observava ainda a cama em que havia morrido(?). Fechando os olhos suavemente, uma lágrima escapou de seus olhos, enquanto o ar penetrava com certa dificuldade em seu peito.
- Yume...? - perguntou ele ao vazio. E, graças à vontade dos kamis, nenhuma veio onde não era esperada.
Ao mesmo tempo, embora ele não percebesse, um par de olhos escarlates o observava à distância... e a frase era repetida na mente de quem possuía o olhar curioso e perplexo.***
"KUSOKUSOKUSO!!!"
O pensamento, ainda que impróprio para uma pessoa de sua classe, refletia exatamente o que estava acontecendo e não sem motivos. Sua mão, ensangüentada, demarcava uma clara rota para a Dragon Kishi de Marte a perseguir. Kare saltava e corria o mais que podia. Ferida daquela forma, ela não conseguiria suportar o ataque de um elemental... ainda mais considerando que Silver havia realmente demonstrado o porquê dele ter sido condecorado o líder dos Dragon Kishi.
Perdida em seus pensamentos, ela não sabia exatamente como despistar a Dragon Kishi em seu encalço. Ganhando um pouco mais de velocidade, ciente de que sua vida dependia daquilo, um plano começava a se formar em sua mente. Como aquilo estava acontecendo, ela não sabia e sequer se importava. Que fossem os outros ou não, mas ela agiria em seu papel.
Com o pensamento fixo no plano, ela seguiu atentamente ao que deveria fazer. Não era preciso ter olhos nas costas para saber que Akai estava MUITO próxima de seu objetivo. Quase em desespero, sua mão ensangüentada tocava algumas grandes árvores. Por outro lado, Kano Akai estava começando a se divertir com a situação.
Embora tivesse muita precaução e fosse muito hábil, ela sabia que a sua oponente não tinha muitas chances para escapar. Principalmente depois de Ryu ter lutado com ela. A elemental do fogo tinha a plena certeza daquilo, e sorria cada vez mais ao seguir a trilha tão clara.
Com passos seguros, mas ainda cientes do que estava ao seu redor, Akai tentava encontrar a assassina na floresta. Seus olhos sagazes percorriam em todas as direções, enquanto a katana praticamente brilhava em suas mãos. Mars Dragon não escondia a sua habilidade ao andar cautelosa no domínio do templo. Todavia, um barulho chamou a sua atenção.
Virando-se para a direção do som, ela ergueu mais a sua guarda... mas algo que parecia impossível aconteceu naquele instante.
- NANI?!? - gritou ela, enquanto observava surpresa TODAS as árvores ao seu redor murcharem e caírem na sua direção.
Com um movimento veloz e preciso, ela ergueu sua lâmina e saltou na direção das árvores que caíam. Pisando nos troncos, ela quase escorregara quando alguns se desfaziam diante da pressão de seus pés. Mas, não disposta a ser uma Akai amassada, além de motivo de gozação, Mars Dragon emergiu do aglomerado de madeira sem nenhum ferimento.
A elemental, entretanto, estava furiosa. Seus olhos pareciam arder em chamas, enquanto o fogo formava-se ao seu redor. Kare engoliu em seco ao observar o poder da elemental e a pira incendiária. Algo em sua mente dizia que não havia sido bom tocar APENAS aquelas árvores. A elemental, por outro lado, não achara graça ao ver todos aqueles troncos caírem em sua direção.
Porém, tendo ainda a vantagem do ataque-surpresa, Kare não hesitou no instante que Akai olhou em sua direção, como se estivesse ciente de sua posição na floresta.
- Destiny... DESTRUCTION! - gritou a guerreira, desferindo uma intensa quantidade de energia.
Kano Akai, por sua vez, limitou-se a guardar sua katana e estender suas mãos. No instante em que colocara seus braços para a frente, a quantidade de energia do golpe de Kare atingiu seu objetivo. A energia explodiu naquele local, parecendo lutar contra o fogo desenvolvido pela elemental. Na realidade, não durou mais do que alguns instante o confronto, um flash cegante a cobrir toda a área.
Mas quando o local voltou ao seu estado anterior, Kano Akai rosnou.
Numa pequena poça de sangue, onde havia um par de pés plantados um instante atrás, nada além de suas marcas ali estavam. O que, obviamente, significavam que a assassina havia conseguido fugir.
- Acho que vou ter que resolver isso uma outra hora... - disse a Dragon Kishi, revertendo a sua transformação.***
Respirando pesado, ela olhava para o cristal em suas mãos. Movendo seu olhar, ela encontrou um rapaz espantado com a sua presença. Enquanto o cristal se desfazia em pó, ela sorriu na direção do rapaz.
- Quem disse que o Reino Negro só tem youmas? - disse ela, enquanto o cristal de teleporte espalhava uma leve camada cintilante sobre a sua face.
- Você teve sorte. - afirmou o rapaz, indicando que não haveriam mais daqueles eventos. - E estão com sorte que EU não estou furioso.
Kare apenas mexeu seus ombros, enquanto escondia uma queimadura em seu braço. Ferida daquela forma, ela aceitava qualquer sermão de Art... ela apenas queria um tempo para descansar naquele instante. Notando a ausência de Neko, ela começou realmente a se preocupar com a sua segurança. Art já não era mais o mesmo que costumava ser depois do... evento.
- Neko está chorando em seu quarto. Como sempre. - disse friamente o rapaz, voltando sua atenção para a obra literária conjunta.
Entendendo a deixa, Kare dirigiu-se para as sombras, para desaparecer na escuridão e da fúria contida do rapaz, deixando-o ali, pensativo.
- Todos nós tivemos muita sorte hoje...
Disse o rapaz para ninguém em particular.***
Ami e Mamoru chegaram no hospital pouco antes das três da tarde, carregando uma pequena mala com as roupas e os documentos que Mizuno-san havia pedido. Gentilmente, Ami pediu para ficar no quarto de Paolla, talvez para lhe fazer companhia, para que não se sentisse sozinha quando acordasse.
Mizuno-san conhecia muito bem a índole bondosa de sua filha, mas aquela atitude era inesperada. Fazia apenas três meses que elas haviam se conhecido, mas comportavam-se como amigas de longa data; porém, permitiu a entrada dela no quarto da brasileira.
O ferimento não havia sido grave, portanto, ela podia ficar em um quarto comum, mas com monitoração constante das ondas cerebrais. Afinal, havia sido apenas uma queda de uma pequena altura... se não fosse aquela pedra, provavelmente Paolla já estaria acordada e de volta ao Templo Hikawa.
Quando Ami entrou no quarto, uma estranha sensação percorreu todo o seu corpo. Um arrepio subiu pela sua espinha, causando-lhe um pavor inexplicável que a fez hesitar por alguns instantes.
- Ami-chan, ela está bem.
A voz suave e carinhosa de sua mãe a trouxe de volta à realidade e Ami aproximou-se do leito onde sua amiga estava deitada. Em sua cabeça, alguns eletrodos faziam a monitoração do eletroencefalograma e, dentro de suas narinas, um par de respiradores a auxiliava a respirar normalmente. Um catéter de soro levava para dentro de suas veias um líquido com medicamentos, para uma garota pálida.
A Senshi de Mercúrio puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da cama, observando a serenidade do rosto da paciente. Lá, deitada, totalmente indefesa, Paolla trazia lembranças longínqüas para a mente de Mizuno Ami. Somente então ela começou a analisar melhor as semelhanças que existiam nas fisionomias das duas orientais: os cabelos da brasileira, embora não fosse azul, emitia um brilho azulado, talvez pelo forte tom de preto; o corte de cabelo era quase idêntico ao de Ami, com a ressalva de que o cabelo de Paolla era mais curto; seus óculos, deixados ao lado da cama, tinham a mesma forma dos que Ami usava durante as aulas; a altura, a estrutura corporal...
Se a ficwriter não fosse quase dois anos mais velha do que Ami, qualquer pessoa juraria que eram irmãs gêmeas. Lado a lado, eram tão parecidas que poderiam ser facilmente confundidas em uma multidão. Se não fosse pelo cabelo.
Por um instante, uma ternura inexplicável, com um misto de saudosismo, passou pela mente da Senshi de Mercúrio. Timidamente, ela esticou o braço na direção da cabeceira da cama para alcançar o rosto da amiga. Com seus dedos delicados, ela tirou os fios de cabelo que caíam sobre o rosto dela, cuja serenidade era deveras incomum.
Serenidade. Essa era a palavra que Mizuno Ami encontrou para explicar a sensação que estava tendo ao lado da brasileira, descendente de japoneses. Porém, tal serenidade vinha acompanhada de uma preocupação comum apenas em irmãos mais velhos em relação aos mais novos; fato completamente estranho, pois a mais nova era a japonesa...***
Quando finalmente a dor do ar passando pela sua traquéia diminuiu, Martin levantou-se e saiu em direção ao parque de Juubangai, ainda em reconstrução devido a uma batalha que ocorrera dois anos atrás. Pela expressão do seu rosto, ele queria um pouco de solidão e ninguém presente no templo ousou contestar a decisão dele ou ainda segui-lo. Seus olhos já não tinham a vivacidade do jovem que chegara disposto a estudar, e que parecia ser tão divertido, como Rei pensava. Pelo contrário, agora eles emitiam uma espécie de frieza calculista, como se cada passo do rapaz fosse meticulosamente calculado com antecedência, como se soubesse o que viria pela frente. Talvez... como se estivesse furioso com algo.
Sua caminhada até os restos do parque de Juubangai foi tranqüila, quando comparada com os últimos acontecimentos. Nenhuma pessoa passava pelo local desde a época da batalha. Era melhor assim; ele PRECISAVA ficar sozinho e aquele era o local ideal.
Sentando em um dos recém-colocados bancos do parque, Martin suspirou enquanto procurava mentalizar o sonho que havia tido, o estranho ataque daquela guerreira, logo depois de ter a mesma sensação de déjà vu de Paolla...
O déjà vu. Sua amiga vinha reclamando dessa estranha sensação desde o momento em que colocou os olhos no Templo Hikawa. No princípio, ele acreditava que seria uma espécie de paranóia, mas era inegável o fato de que ele TAMBÉM havia tido a mesma sensação repetidamente.
Racionalmente, era impossível que tudo o que estava escrito, gravado em seu hard drive, fosse realidade. Hélio, Henrique e ele mesmo procuravam deixar claro que eram histórias de ficção, sem qualquer vínculo totalmente REAL com as reportagens da Newsweek e da Times. Porém, Martin começou a cogitar seriamente a hipótese de deixar a razão de lado e pensar como se tudo fosse verdade. Então, quantas vezes o mundo já esteve em perigo? Quantas vezes a humanidade foi salva por garotos adolescentes trajando uniformes esquisitos?
Quais surpresas ainda poderiam estar esperando para tomá-lo de assalto e transformar completamente a vida pacata e tranqüila a qual estava acostumado? Às vezes, ele tinha a sensação de que o destino estava brincando com ele, como uma peça de um jogo intrincado.
- Se realmente existir o Multiverso... porque EU tinha que estar justamente NESTE? - perguntou o garoto para o céu, pouco antes de deitar exausto no banco para olhar o azul infinito.
De alguma forma, ele estava esperando uma resposta...
... mas o que não sabia era que um curioso par de olhos rubros ainda continuava a observá-lo, escondido nas folhagens da primavera.***
Art tinha razão. Aquele havia sido um dia de muita sorte para todos eles. Ocupado com o Livro Real, ele não estava MUITO nervoso e as deixaria em paz, pelo menos enquanto estivesse tentando salvar a vida da brasileira. Essa era a esperança de Kare e Neko. De ter um pouco de paz.
Naquele momento, sentada em seu quarto, ela mentalizava a cena de Martin tentando salvar a própria vida desesperadamente. Por um instante, ela esquecera que estava sufocando um jovem terráqueo, praticamente indefeso em suas mãos; suas atitudes lembravam uma outra pessoa, perdida em suas lembranças.
Deitando-se sobre a cama, Kare lembrava-se de como era divertido surpreender a única pessoa de seu grupo que dificilmente era pego de surpresa: Chronos. Não eram raras as vezes em que ela se aproximava sorrateiramente apenas para roubar-lhe um beijo e vê-lo ficar nervoso. Era uma de suas diversões favoritas.
"Kare! Que isso não se repita!"
"Então, da próxima vez, fique mais atento!"
Seus instintos e movimentos quase felinos facilitavam a sua ação. De todo o grupo, ela era a mais ágil; Neko era a mais emotiva, mas seu estilo de escrita era fantástico. Art também possuía um excelente estilo de escrita e precisão nos poucos golpes que conhecia, isso até o dia em que se deixou levar pelas emoções terrestres. Dos outros, ela pouco se lembrava, mas cada um tinha um talento especial. As memórias, ainda que vagas, começaram a invadir a sua mente numa nostalgia deliciosa...
Silver Sky era hábil com a katana e ótimo para escrever histórias mais sombrias, assim como Chronos, dotado de uma percepção fora do comum. Kyn era a mais rápida no raciocínio, mas terrivelmente desajeitada com uma katana; Firebird e Aleph formavam a melhor dupla de 'ataque'; Moon Fox era especialista em combate desarmado; Seph, por sua vez, era um dos mais reservados e quietos. Porém, isso não era considerado um problema entre eles. Fate-sensei nunca se preocupou em treiná-los para combates.
Esse foi um dos motivos que fizeram com que Kare tivesse que fugir de Silver e das Senshi. Era inegável o fato de que ela JAMAIS teria condições de combatê-lo de igual para igual, ou ainda de vencê-lo. Mesmo seus reflexos não conseguiriam salvá-la naquele combate, em local fechado. Mais uma vez ela havia feito as vontades de Neko, arriscando a própria vida.
Kare havia sido uma peça do jogo do destino novamente. Por isso ela tanto invejava aqueles que se recusavam a seguir as determinações do destino, mesmo inconscientemente. Ela odiava ser apenas uma peça em um jogo de xadrez.***
Por outro lado, Akai estava naquele momento odiando o fato do 'Evento' ter ocorrido. Ryu estava diferente... ela podia sentir isso. Era como se algo tivesse mudado dentro dele... o fato de Fate ter sumido, Usagi e Mamoru não se lembrarem do que havia acontecido mais o desaparecimento de dois Dragon Kishi era REALMENTE preocupante.
Ainda sentindo o gosto amargo de ter sido despistada naquele truque tão estranho, Kano Akai decidiu que aquela era a hora de refletir. Quem sabe, procurar por alguma pista deixada por Ryu duante a sua fase de 'mea culpa'. Decidida, ela começou a andar na direção de sua casa... sua irmã certamente saberia como tranqüilizá-la.
Quando ela entrou pelo portão de sua casa e encontrou o sorriso de sua irmã, ela sorriu na direção dela. Uma lágrima que se formava em seus olhos finalmente caiu ao chão, enquanto Kano Akai corria para abraçar sua família.
Uma dor preencheu seu coração, enquanto as palavras secas do líder dos Dragon Kishi repetiam-se uma vez mais na sua mente.
"Perdemos eles."***
Sangue.
Suas mãos estavam manchadas de sangue.
Mas por quê? Por que estavam manchadas de sangue?
Olhando ao seu redor, como se tentasse encontrar um motivo para aquilo, seus olhos notaram algo peculiar. Ele estava num quarto. Mas não era seu quarto. Com o canto dos olhos, ele observou se tinha alguém ao seu lado.
Felizmente, não havia. Ela ficaria furiosa se tivesse alguma pessoa que não fosse ela mesma. Todavia, a preocupação tola logo abandonou seus pensamentos. Ele ainda tinha uma pergunta sem uma resposta. Fechando seus olhos por um instante, ele tentava se recordar da última coisa que sua consciência havia gravado em sua mente.
Não levou muito tempo até que ele abrisse abruptamente seus olhos.
O grito.
Ele tinha ouvido um grito. Um grito de Kyoko.
Fechando novamente seus olhos, ele tentava se lembrar do que havia acontecido para que a Dragon Kishi de Vênus tivesse gritado. E ele lembrou.
Aplicando uma força maior nos seus olhos, ele tentava expulsar a imagem de seu cérebro, como se recusasse a aceitar o que estava se lembrando. Como se tudo não passasse de um truque de sua imaginação.
- Kyoko... - murmurou o garoto.
Em sua mente, lá estava ela. Nitidamente, ele enxergava com pavor o corpo imóvel de Aisei Kyoko, Venus Dragon. Ensangüentada, seus olhos já não brilhavam com vida, enquanto seu tórax estava aberto violentamente. Seus órgãos pareciam pulsar por um último instante, enquanto sua mão segurava algo firmemente... como se segurasse a própria vida. Olhos a olharem para um ponto vazio do espaço, a garganta molhada com o seu próprio sangue, pulmões encharcados com o líquido rubro... toda a imagem, aterrorizante, parecia uma visão da Dor. Ao mesmo tempo, parecia ter sido uma morte rápida.
Hematomas surgiam lentamente em sua pele, como o resultado de vários socos e chutes. Cortes feitos por todo o seu corpo vertiam ainda filetes de sangue, enquanto ossos posicionavam-se em locais não naturais. Cartilagens pareciam ser desprezíveis diante dos ângulos que seus poucos ossos não partidos faziam.
Mas o que havia acontecido antes disso? POR QUÊ? POR QUE ela estava assim? Por quê?***
- Ryu-chan? - chamou uma voz.
O garoto abriu repentinamente seus olhos curiosamente vermelhos como sangue, virando sua cabeça para a direção da voz. Ali, ele encontrou a imagem de uma garota atrapalhada que ele adorava.
- O que foi, Mi-chan? - perguntou ele, sua voz dura demais para seu próprio gosto.
- Você dormiu de novo. - disse ela, olhando na sua direção. - Se continuar assim, vou ter que procurar um outro namorado. - comentou ela, piscando um olho.
- Sei... e quantos candidatos já estão na lista? - perguntou ele sarcasticamente, enquanto posicionava sua mão onde estaria uma katana.
Minako riu um pouco diante daquilo e beijou-o em seguida. Com seus braços envolvendo o garoto, o beijo parecia que iria prolongar-se ainda mais. Se não fosse pela ação do garoto. Afastando-a a seu contragosto, Ryu continuou a olhar para ela, porém de um modo mais terno.
- Domo... - disse ele apenas.
- Ainda sonhando com eles? - perguntou a Senshi, envolvendo-se nos braços fortes do artista marcial.
- Hai.
- Não se preocupe, Ryu-chan. Eles estão bem... onde quer que estejam.
- Hai... - disse ele, mas sem tanta convicção. Minako ainda tinha muitas esperanças e ele não podia culpá-la. Ele ainda tinha esperanças... esperança de que tudo aquilo não passasse de um grande pesadelo.
Todavia, a vida sempre o iria empurrar para a frente. E Satori Ryu estava certo de que Algo Ruim(tm) iria acontecer...
Mal ele tivera tempo de pensar nisso e o telefone tocou.***
- Kare... eu já disse que não suporto esse tipo de brincadeiras. - resmungou Chronos, sentindo o fio da adaga de Kare em seu pescoço. - Kare... pare com isso... desta vez você está me machucando...
A mão de Kyn posicionou-se rapidamente sobre o cabo de sua kodachi, o que foi notado por Kare. Como um felino, ela soltou os braços de Chronos e saltou na direção da mercuriana, tirando sua katana da bainha.
O brilho dos olhos de Kyn era de puro terror. Sua habilidade com a kodachi era lamentável e sua adversária sabia muito bem disso, pois conhecia todos os seus pontos fracos. Mesmo sentindo seu corpo congelar internamente, Kyn pegou sua kodachi e posicionou-se para a defesa.
A lâmina da katana de Kare brilhou quando se chocou com a lâmina da arma de sua presa, como se declarasse sua sede de sangue. Uma kodachi, porém, só é útil contra uma katana quando seu portador sabe como utilizá-la; infelizmente, não era o caso de Kyn, que, com alguns golpes de Kare, apresentava diversos cortes pelo corpo. Um soco de Kare aplicado em seu estômago fez com que caísse de costas no chão, deixando-a quase indefesa contra o que parecia ser a visão da Morte para seus olhos.
A ponta da katana traçava um caminho sem interrupções para o centro de sua cabeça, pronta para atravessá-la. Kyn fechou os olhos, esperando pela dor aguda que antecederia a sua passagem para o mundo dos mortos.
*CLINK*
- CHOTTO MATE! - gritou uma voz conhecida de Kyn, Kare e Chronos. - Já chega, Kare! Não sei quais foram os seus motivos para tal fato, mas lutar contra Kyn é covardia!
- Silver Sky... - resmungou Kare, olhando para o rapaz que segurava a katana que lhe impedira de concluir o seu ataque. Sendo rápido e habilidoso com a arma, ela não se espantou quando notou que a sua katana não mais estava em suas mãos. Recuando alguns passos de sua presa, Kare passou a observar de maneira acusadora para Sky.
- Qual o problema, Kare? Quer lutar? Então venha... - desafiou Silver Sky, chutando com desdém a katana na direção de Kare.
A garota lançou um olhar de desprezo para o rapaz e pegou sua arma. Porém, contrariando as expectativas dele, ela simplesmente a guardou na bainha e caminhou para longe do trio.
Suspirando, Silver Sky guardou sua katana e abaixou-se para ajudar sua amiga. Kyn permanecia deitada, como se estivesse em choque.
- Kyn-san? Daijoubu? - perguntou Silver Sky, erguendo as costas de Kyn com cuidado.
- Daijoubu, Sky-san... daijoubu... - sussurrou Kyn, ainda pálida e limpando a terra de sua roupa. - E Chronos?
Como se um choque percorresse seu corpo, Kyn levantou-se e correu na direção de Chronos, que estava ajoelhado com uma das mãos cobrindo seu pescoço. Silver Sky a seguiu, notando então pequenas gotas de sangue tingindo o chão ao redor de Chronos.
A expressão no rosto dele não era das mais animadoras que qualquer um dos dois já pudesse ter visto na vida. Uma fina linha vermelha percorria-lhe a pele, cobrindo quase a metade de seu pescoço. O sangue parecia vir de todos os lados, sua mão sendo pequena demais para fechar o ferimento, enquanto o líquido vital escapava por entre seus dedos.
- Ela ainda teve tempo de fazer isso antes de me atacar... - murmurou Kyn, sem qualquer tom de surpresa em sua voz. Sem esperar alguma reação de Chronos, ela desamarrou uma das faixas de tecido azul que adornavam sua cintura e a usou para cobrir o ferimento. - Estranho... Kare sempre gostou de brincar com Chronos, mas nunca o atacou desta forma...
O cego rapaz ficou imóvel durante a rudimentar prática de primeiros-socorros executada pela mercuriana. Como se contasse o tempo pelo seus pensamentos, ele deduzia que ainda tinha tempo suficiente para terminar de dizer o que dizia antes de Kare chegar. Manchando a faixa azul com seus sangue, ele apoiou-se nos ombros de Kyn, fazendo uma nota mental para procurar por um cristal branco. Urgentemente.
- Talvez ela não quisesse que eu dissesse a verdade. - interrompeu Chronos, agora melhor apoiado em Silver Sky. - Porque ELA é uma das pessoas que têm acesso ao Livro Real. Kare conhece toda a verdade selenita, assim como Neko, Art e Silver Sky.
- Sky-san? - indagou Kyn, olhando incrédula para seu companheiro.
- Hai. Estive seguindo vocês dois para impedir que Kare os matasse. Ou tentasse algo do gênero. - respondeu Silver Sky. - Desculpem-me por não ter contado isso antes, mas Fate-sensei pediu segredo sobre o Livro Real.
"Um segredo tão grande que não poderia ser contado nem para o próprio filho..." pensou Kyn, vendo a imagem de Sailor Pluto formar-se na sua mente.
- Eu vim também para falar outra coisa. - começou Silver Sky, enquanto caminhava na direção de Cerberus, acompanhado por Chronos e Kyn. - Não vou ficar no Portal no momento final do Milênio de Prata.
- Nani? - perguntou Chronos, genuinamente surpreso.
- Sei o que pretende fazer, Chronos. Estou do seu lado. - disse Silver Sky, sorrindo na direção do cego e cumprimentando-se por ter conseguido surpreender o filho de Pluto.
Um breve sorriso passou pelo rosto de Chronos, iluminando-o por alguns instantes. Alguns até diriam que algo maligno estava começando a se formar em sua mente...***
- Shizuka ni moeru no ga. Watakushi no yarikata yo.
"Shizuka ni moeru no ga... Watakushi no yarikata yo..."
"Shizuka ni... NA-NI?"
Abrindo seus olhos diante de uma imensidão azul, ele certamente não podia esperar mais do que confusão em sua mente. Fechando então seus olhos, ele tentou novamente visualizar o que havia acontecido... franzindo mais a sua testa do que propriamente se recordando de alguma coisa.
Todavia, nem tudo havia se dissipado ainda de sua mente.
As palavras ainda repetiam-se em sua mente. A voz, embora distante e quase semelhante a um sussurro, era-lhe vagamente familiar. Pouco a pouco, ele juntou as palavras e sua tradução rudimentar o assustou.
- Shizuka ni moeru no ga... Watakushi no yarikata yo... - disse ele quase num sussurro.
Aquilo parecia-se com um lema... e a tradução o impeliu a se levantar e a olhar em todas as direções. Sem encontrar viva alma por perto, o garoto apoiou melhor as suas costas no banco. Suando frio e engolindo a saliva, ele já não estava tão certo de que iria terminar o fanfic.
Já não estava mais tão certo se iria continuar a viver.
Olhando ao seu redor, ele não enxergava mais simples e inofensivas folhagens. Para ele, um mundo novo e ameaçador estava começando a se revelar. Um mundo ainda pior do que ele chamava de 'realidade'. Um mundo no qual tudo podia acontecer... e machucar.
Martin ficou sentado naquele banco por um bom tempo, atento a qualquer som. Nenhum ruído escapou de seus ouvidos, ainda que não fossem muitos. Mas a sensação de que alguém o observava começou a crescer novamente em seu âmago e, lentamente, ele começou a se dirigir para fora do parque.
Por mais que seus fics não estivessem relacionados com a 'realidade' como ele imaginava, não era prudente arriscar-se em ficar num parque. Seus passos tornaram-se levemente atrapalhados, enquanto o peso de olhares imaginários aumentava em suas costas. Além disso, ele ainda tinha que verificar o estado de alguém com a vida seriamente em perigo.
Todavia, ele saiu antes que um sussurro se perdesse entre as árvores mais antigas (e não danificadas por um certo maníaco, dois anos anteriores).
- Hottokenai yo...***
- Hottokenai yo... - sussurrou ela.
Sentada diante do parapeito de seu quarto, a brisa fria de Mercúrio brincou com seus cabelos azulados. Seus olhos perdiam-se num pedaço de cristal em suas mãos, como se estivesse a observar aquilo com um interesse acima do normal. E o observador que dissesse isso não estava absolutamente enganado. Ela estava realmente interessada no cristal.
Para falar francamente, no que estava DENTRO do cristal.
Embora fosse um aparato tão diminuto, havia algo de especial naquele pedaço de cristal. Num azul transparente, ele quase se assemelharia a um fragmento das geleiras mercurianas, mas era muito mais do que isso. Muito mais do que qualquer coisa. O cristal, perfeito em sua forma, era um prisma hexagonal reto, com duas pirâmides em suas extremidades. Ele também tinha o tamanho exato e necessário para o que ela planejava.
Segurando-o em sua mão direita, seus olhos pareciam devorar aquele cristal que encaixava perfeitamente em sua mão. Com a mão esquerda, ela deslizou seus dedos pelo cristal como se estivesse a tocar uma pessoa. Sorrindo então para o próprio vento gelado de Mercúrio, ela tomou o cristal em ambas as mãos e encaixou-o. O som característico veio em seguida, indicando a ela que estava perfeitamente a ocupar o vão.
Franzindo um pouco a sua testa, ela parecia incerta do que iria fazer. Mas a imagem dele em sua mente ajudou-a a se decidir. E então, ela empurrou o cristal para dentro do buraco, que se fechou após a entrada definitiva do prisma. Com um sorriso deveras satisfeito, a garota não podia estar mais feliz. Estava prestes a concretizar um sonho.
Suor escorreu de seu rosto, enquanto sua testa franzia levemente diante do aparato.
- Kyn? - chamou uma voz, fazendo que o coração da garota disparasse.
Seu rosto ficou rapidamente vermelho, não sabendo o que fazer com as mãos. Desajeitadamente, ela apenas conseguiu sorrir na direção da porta, enquanto Saphir tentava entender o que sua irmã estava tentando fazer.
- O-o que foi, Saphir? - perguntou timidamente a gêmea mercuriana.
- Você está bem, Kyn? - perguntou sua irmã.
- H-hai... - respondeu Kyn, novamente balançando suas mãos como se tentasse esconder alguma coisa. O que, é claro, apenas despertou a curiosidade natural de Sailor Mercury.
- Amanhã, eu vou partir para a Capital. A Rainha organizou uma festa de aniversário para a princesa e deverei estar presente. - disse Saphir, explicando a razão de estar naquele quarto. - Gostaria de vir comigo?
- Anoo... não, obrigada. - respondeu Kyn, o mais polidamente possível na situação. - Eu... tenho algo a tratar.
Notando o olhar preocupado de sua irmã, assim como seu nervosismo diante dela, Saphir decidiu que talvez fosse melhor não contrariá-la ou deixá-la mais encabulada. Haveria ainda algum tempo até que alguma coisa acontecesse e, nisso, ela poderia esperar por alguma reação de Kyn. Saphir sorriu na direção de Kyn, saindo em breve do quarto, deixando-a sozinha novamente em seu cômodo de infância.
Kyn, por sua vez, respirou de alívio quando sua gêmea saiu do quarto. Abaixando o seu olhar, ela percebeu que o cristal ainda estava lá dentro. O que poderia estar ocupando tanto tempo aquele processador, ela sequer imaginava. Fazendo uma careta na direção de seu terminal, ela quase se assustou quando este finalmente respondera.
E, finalmente, seu diário foi aberto. A janela de seu quarto foi coberta por uma imagem holográfica, enquanto teclas começavam a flutuar ao redor da mercuriana. Tocando as multicoloridas teclas, ela rapidamente digitava sua senha para a descriptografia de seu diário.
Uma outra figura holográfica, desta vez de um jovem menino, surgiu ao seu lado. Sorrindo na sua direção, ele adiantou-se à ela. Seu cabelo tão característico quanto o seu humor a obrigou a arrumá-lo, enquanto terminava de colocar os últimos parâmetros. Na última tecla, a imagem holográfica do garoto alterou-se, deixando-o um pouco mais velho.
Sorrindo satisfeita com o seu trabalho, ela sussurrou na direção do rapaz, enquanto sua mente perdia-se entre a holografia e a esfera vermelha que pulsava ao lado dele.
- Olá, Hypnos... - disse ela, abraçando a imagem e em seguida segurar a esfera vermelha.
Com pesar no seu coração, uma lágrima escapou do controle rígido das emoções mercurianas, enquanto a esfera tornava-se púrpura diante de seu toque. Fechando seus olhos para, em seguida, sentar-se, ela desejava que aquilo estivesse errado. Que tudo aquilo não passasse de imaginação sua. Ou de algum outro de seu clã.
- Gomen nasai... - disse ela finalmente, fazendo com que a imagem do garoto, ainda sorridente, desaparecesse tão rápido quanto aparecera diante dela. - Destino é algo tão cruel...
Seu último comentário desfez-se no ar, enquanto olhava desadoramente para o orbe violeta. O símbolo real de Plutão impresso nele fornecia por si só a mensagem ali contida.
- Gomen nasai... - ela repetiu ao fechar seus olhos diante daquele mundo de cristal prateado. - Mas não posso desistir de tudo isso. Não posso desistir... de você. - disse ela, sorrindo levemente para si mesma. - Eu não consigo viver sem vocês...***
- Hottokenai yo...
A frase repetiu-se no ouvido dela, que reagiu ao abrir seus olhos. Olhando na direção da única pessoa que poderia ter dito aquilo, ela sorriu quando observou que os vários aparatos registravam um padrão de ondas cerebrais dentro do padrão médico. Ela estava bem. E estava fora de coma.
Sorrindo ternamente para a garota brasielira, Mizuno Ami então percebera quanto tempo já havia passado. Notando que ainda segurava a mão dela, surpreendeu-se quando a pressão dos dedos da acidentada aumentou. Não havia então sido apenas uma impressão.
Ainda deitada na cama, sua expressão serena ainda acalmava os ímpetos da garota. Todavia, ela devia comunicar aquilo à sua mãe. Soltando levemente a mão da brasileira, mesmo que a contragosto, Ami se levantou de onde estava. Silenciosamente, ela administrou seus passos para a porta, abrindo-a cautelosamente. Mas o que ela estava prestes a encontrar, ela não podia realmente predizer.
Dormindo sentado numa cadeira de plástico ao lado da porta, um garoto de cabelos tão negros quanto seus próprios olhos parecia estar terrivelmente cansado. Tendo esperado por sabe-se lá quanto tempo, talvez fosse o mais natural realmente. Sem amenizar o seu sorriso, Ami continuou a passos silenciosos a caminhar até a sala de sua mãe.***
Ser uma médica não era algo muito agradável. Sim, ela salvava vidas, ajudava as pessoas a se recuperarem de traumas... mas não eram poucos aqueles que morriam em suas mãos. Tantas vidas que poderiam ter sido salvas, levadas pelas gélidas mãos da morte... sua filha poderia ter sido uma delas.
Envolvida em batalhas decididas pela morte de um dos oponentes, sua pequena e delicada Ami poderia ter sido a perdedora e levada para o mundo dos mortos para sempre. Felizmente, isso não havia acontecido e Mizuno-san via seu pequeno universo tornar-se multicolorido quando a voz suave de sua filha a recebia todos os dias, quando chegava em casa.
Caminhando pelos corredores brancos do hospital da Universidade de Tóquio, a Dra. Mizuno procurava entender de onde vinha aquela estranha familiaridade que surgira entre a brasileira e sua filha. A semelhança entre elas não havia passado desapercebida pela médica, tanto a física como a comportamental. Não fosse a diferença de idade entre as duas, Mizuno-san poderia cogitar a hipótese de ter tido filhas gêmeas.
Parando por alguns instantes na porta do quarto 501, a médica observava um dos seus pacientes, quando notou a presença de alguém a fitá-la. Sorrindo para sua filha, ela terminou de checar o paciente.
- Ela parece melhor... - disse Ami, fornecendo alívio à médica. - O cérebro parece ter se estabilizado...
Entretanto, um momento de felicidade raramente vem desacompanhado... Murphy sempre cuidou para que nada fosse perfeito. Sempre.
Desta vez, ele viera na forma de um garoto chinês.***
Mesmo que sob silenciosos passos, a presença de Ami havia sido percebida durante o seu sono. Na verdade, ele não soubera que se tratava da garota até o momento em que realizou que NÃO estava em seu quarto e que muito menos estava próximo da janela. Seguindo aquela lógica, ele estava certo de que era outra coisa além de vento perto de si. Todavia, o movimento dela havia sido o suficiente para que despertasse de vez de seus sonhos ao lado de Morfeu. Não que tivessem sido tranqüilos nas últimas horas.
Talvez não tivesse sido uma boa idéia tornar-se um acólito dos FicWriters Noturnos...
Observando a garota de cabelos azuis se afastar, Martin concluiu que talvez poderia ser a sua vez de velar o sono de Paolla. Levantando-se da cadeira e sentindo como se cada osso de seus sistema contrariasse a necessidade de se erguer, sua mão logo alcançou a porta e a abriu.
Talvez fosse imaginação de algum sonho, ou talvez ainda estivesse nos braços de Morfeu, mas ele estava com uma estranha sensação. Assim que ele entrara no quarto, havia algo... peculiar. Um tipo de... zumbido?
Franzindo a testa, Martin decidiu por verificar tudo que estava ao seu redor. Felizmente, não havia ninguém. Entretanto, o zumbido ainda continuava. Sacudindo um pouco sua cabeça, seu olhar notou algo então estranho. Paolla estava deitada na cama do hospital.
Quer dizer, isso não era TÃO estranho, mas ele jamais havia pensado que ela ficaria de uma forma tão... distinta. Havia quase um traço de serenidade... aproximando-se, ele percebeu que o zumbido aumentara. Fazendo uma careta, ele estava começando a não gostar daquilo. Foi quando ele ergueu seu olhar para tentar identificar o ruído que ele ficou surpreso.
- ...
A máquina que parecia estar tirando o eletrocardiograma de Paolla tinha uma linha contínua e fina. Reta.
"Ok. Sem pânico. São cerca de seis minutos para perda total. Tenho três para achar alguém. Eu vou achar alguém em três minutos..." pensou o garoto, virando-se com cuidado para a porta.
E então, ele começou a correr.
- MIZUNO-SENSEEEEEEEEEEEEEEEEI!!! - gritou o rapaz diante de um hospital deveras grande.***
A tênue linha que mantinha Art em sua 'calma' estava para se romper. Como se não bastassem os soluços que ouvia do quarto de Neko, ele ainda lutava contra o destino escrito por ela. Folhas e folhas de papel se acumulavam ao seu lado, rasgadas e amassadas em uma raiva que não poderia ser contida a menos que ELA sobrevivesse.
Sua Silver Pen traçava palavras, formando frases que não modificavam o estado da pessoa que queria salvar. Sendo extremamente cuidadoso para evitar um possível paradoxo, um choque entre as Linhas Temporais, Art não redigia o parágrafo que ele mais desejava ver escrito. E isso poderia custar a vida da jovem...
"Neko... se ela morrer, você será a próxima..."***
Uma sensação de paz invadiu o coração de Paolla quando esta abriu os olhos. Ela estava deitada sobre uma cama macia, com lençóis de seda, dentro de um quarto decorado de acordo com o seu gosto. Parecia um sonho. Tudo o que ela mais gostava estava dentro do recinto, que, em sua reduzida dimensão, guardava uma imensidão de sensações e delírios.
Sentando-se na cama, a brasileira colocou a mão em sua nuca, talvez procurando pelo ferimento que a fizera desmaiar. Nada. Sua mão apenas encontrou os fios de cabelo que lhe cobriam a nuca. Levantando-se, caminhou até uma penteadeira, onde encontrou objetos que não lhe pertenciam, mas que não eram totalmente estranhos de sua memória. Mirando-se no espelho, notou que estava sem seus óculos, mas sua visão não estava ruim. Ela estava enxergando tudo que a rodeava, como se sua visão fosse perfeita.
Olhando-se cuidadosamente, Paolla percebeu que suas roupas eram brancas e leves, quase não tocavam sua pele. Internamente, ela estava feliz.
Sua vida nunca fora essencial para outra pessoa.
Ela poderia ficar no quarto para sempre.
Ninguém sentiria sua falta.
Olhando ao redor das paredes, porém, ela sentiu falta de um detalhe. Não havia porta ou janela para o exterior. Era como estar presa dentro de um sonho.
- É bonito, ne?
A voz chamou a atenção de Paolla, que voltou-se em sua direção. Sobre a cama onde estava deitada, havia uma garota, mais ou menos da sua idade, sentada. Ela tinha os cabelos curtos, muito parecidos com os da ficwriter; sua fisionomia era idêntica à dela. Suas roupas eram um tanto bizarras; uma calça preta, botas da mesma cor, camiseta branca, jaqueta azul marinho e faixas de tecido da mesma cor envolvendo sua cintura. Do lado esquerdo do seu corpo, repousava a bainha de uma kodachi.
- É...
- Não dá vontade de ficar para sempre aqui?
- E como. Mas... como você entrou aqui? Não tem porta ou janela neste quarto.
- Eu não precisei 'entrar', já estava aqui quando VOCÊ chegou.
- Nani?
- Eu sou você, Paolla Matsuura.If the land of make believe is inside your heart
It will never leave
There's a golden gate where the fairies all wait
And dancing moons, for you- Não... não estou entendendo.
- Você não precisa entender, Paolla. Está vendo tudo isto que nos rodeia? Não é tudo do jeito que sempre quis que a vida fosse? Sem preocupações, sem problemas, um mundo só seu, irreal. - começou a garota, levantando-se da cama. - Fugir da realidade é uma maneira muito fácil de esquecer os problemas da vida.Close your eyes and you'll be there
Where the mermaids sing as they comb their hair
Like a fountain of gold you can never grow old
Where dreams are made, your love parade- Eu estava no hospital. Como poderia estar aqui?
- Mas você ainda está no hospital. Pelo menos, seu CORPO está.
Os olhos de Paolla ficaram vazios, chocados com a notícia que a garota lhe passava de maneira tão passiva.
- Isto é a morte?
- A morte pode ser o que nós desejamos. Você quer MESMO morrer?This is your lullaby
Sugarplum fingertips kissing your honey lips
Close your eyes sleepy head
Is it time for your bed- Hn. Nada me prende no mundo dos vivos. - respondeu Paolla, virando o rosto para o espelho.
- Mas você prometeu que jamais a deixaria sozinha. Ou melhor, NÓS prometemos.
- Nós? Mas... afinal, quem é você?!
- Você sou eu assim como eu sou você. Somos uma mesma pessoa, Paolla Matsuura. - a garota respondeu, aproximando-se de Paolla e estendendo-lhe a mão direita espalmada. - Em um passado distante, em muitas vidas, tive vários nomes... deles, somente um é verdadeiro, mas, por enquanto, chame-me de Kyn...
Como se respondesse ao gesto da garota, a ficwriter estendeu a mão esquerda espalmada e tocou na mão dela, criando um elo de ligação entre ambas. Uma luz forte emanou da junção entre elas, cegando Paolla por alguns instantes.
Subitamente, quando a luz se foi, a sensação que era registrada pelo seu cérebro era a de uma queda. Sentia-se caindo, caindo, como se estivesse em um poço sem fundo. Reunindo o pouco de forças que ainda lhe restava, ela abriu os olhos e teve tempo somente de ver a si mesma deitada em um leito de UTI. Como era estranho ver o próprio corpo deitado, com eletrodos, catéteres e respiradores anexados a ele... Paolla estivera à beira da morte e sabia disso.
Seria infinitamente mais confortável permanecer onde estava.
Mas a voz de Kyn parecia ressoar em sua mente.
"Você prometeu que jamais a deixaria sozinha."
No fundo de sua mente, Paolla sabia a quem Kyn estava se referindo.
E Paolla prometera... AMBAS haviam prometido à ELA que jamais a deixariam sozinha.
Era hora de cumprir a promessa.Never forget what I said
Hang on you're already there***
Correndo por todos os lados e esperneando como se o mundo estivesse se acabando, aquilo realmente era uma visão. Quer dizer, não é sempre que se pode presenciar o Desespero naquela forma tão pura... ou atrapalhada. Começando a se acostumar a franzir a sua testa, o garoto chinês apenas movimentava sua cabeça de um lado para o outro, acompanhando a trajetória louca de uma garota de longos cabelos loiros.
- Ela sempre reage dessa forma? - perguntou ele.
- Hai. - disse simplesmente a pessoa ao seu lado. Sem se virar, Martin continuou a apreciar o espetáculo, enquanto verificava o quão "Out of Character" havia ficado algumas pessoas em seu Angels.
- AAAAAAAAAAAH!!! Paolla-san não pode morrer!!! WAAAAAAAAH!!! Isso não é justo!!! - gritava a loira, puxando um pobre rapaz alto e moreno de um lado a outro do hospital. - WAAAAAAAH!!! Isso é tudo culpa minhaaaaaaaaaaa!!! *sobs*
- ... geez. - disse o chinês.
- ... indeed. - respondeu a garota ao seu lado.
Franzindo a testa, Martin começou a se questionar quantas vezes Ami-san havia lido os fics de Saotome. Todavia, com um pensamento mais sério em sua mente, ele virou-se de costas para o show de Tsukino Usagi para observar o quarto vazio que Paolla ocupara alguns instantes antes.
Por sorte, ele havia encontrado Mizuno-sensei. Claro, facilitado pela cor natural e distinta do cabelo diante de toda aquela gente. Ainda assim, não escapou de sua linha de pensamentos de ficwriter o quanto Murphy estava parecendo mais... real. Quer dizer, era como se tudo tivesse que dar errado naquele mesmo dia.
Suspirando, ele apenas esperava que tudo agora desse certo. Mais azar do que isso e ele estaria seriamente disposto a escrever um Revenge-fic para Murphy... com alguns toques MADSianos...
Os sentimentos de alguma vingança contra o 'engraçadinho da Timeline' e os de preocupação pela saúde de sua amiga misturavam-se na mente de Martin. Estralando as mãos, o garoto deixava claro para todos o seu nervosismo. Esquecendo-se de como Usagi estava se comportando, ele tentava focalizar seus pensamentos. Tudo estava acontecendo tão rápido, tão... surpreendente. Estava confuso e preocupado, o que o incintou a caminhar em círculos na sala de espera do hospital. Olhando para o chão como se este trouxesse a resposta de todos os seus problemas, Martin sentia que estava prestes a ter um ataque de nervos, exatamente como havia previsto. A movimentação de Mizuno-sensei, entrando e saindo do local onde Paolla estava, apenas aumentava a sua ansiedade e o deixava mais perto do desespero. Embora confiasse em médicos, ele não sabia se a havia encontrado a tempo.
Ryu também não era um belo exemplo de serenidade. Depois do 'Evento', ele assumira inconscientemente um compromisso de proteger aqueles que conhecia e respeitava - sendo que quase falhara em uma ocasião e não havia conseguido capturar a agressora de Martin e Paolla. Minako estava ao seu lado, com a cabeça apoiada em seu ombro, como se tentasse confortar seu namorado. Usagi, cansada de tanto berrar, chorava baixinho, abraçada a Mamoru; Makoto, Rei e Ami apenas ficavam observando os médicos e enfermeiros na UTI através da janela de vidro.
Mizuno-sensei saiu da UTI e sussurrou algo no ouvido de sua filha. Ami virou-se e caminhou na direção do ficwriter. Martin, tendo percebido a aproximação, agiu em puro instinto: franziu a testa.
- Okaasan me disse que podemos entrar em duplas para vê-la. Talvez seja a última vez que isso ocorra enquanto ela respira... - murmurou Ami, com lágrimas nos olhos. - Quer vir comigo, Martin-san?
Ele concordou com um aceno de cabeça, suspirando em seguida e acompanhando-a para vestir as roupas esterilizadas necessárias para entrar na UTI. Os demais esperaram, talvez aguardando a própria vez.
Com todos os equipamentos necessários para evitar uma possível contaminação, Martin e Ami entraram na UTI e foram na direção do leito de Paolla. Seu rosto estava pálido, com um cateter entrando pelas narinas para levar oxigênio até os seus pulmões. Nos braços, agulhas conduziam soro e medicamentos; eletrodos monitoravam sua freqüência cardíaca e o eletroencefalograma. Era como um filme de suspense e a coloração excessivamente branca da pele da garota acentuava essa sensação.
Lágrimas corriam pelo rosto da Senshi de Mercúrio, quase tão fragilizada quanto a paciente que lá estava; Martin também não conseguiu evitar que algumas lágrimas furtivas escapassem de seus olhos quando a lembrança dos anos de amizade pela rede veio à sua mente. Aquela era REALMENTE a pior hora para começar a sentir saudades de sua amiga. Isso porque ainda havia alguma esperança no ficwriter.
Mais uma vez, como numa despedida, Ami passou a mão sobre os cabelos de Paolla, carinhosamente. Martin tocou no rosto da amiga, sentindo a pele fria anunciando a morte. Incerto do que fazer, ele desceu sua mão até a da ficwriter. Suspirando, ele se lembrava de todas as vezes que se despedia de pessoas... de amigos...
"Nunca diga 'Adeus'," pensou ele, "pois 'Adeus' significa nunca mais voltar a ver. Nunca mais encontrar... nunca..."
Enxugando uma lágrima, ele murmurou com sua voz mais baixa que a de costume. Tão baixa que talvez apenas o pensamento fosse ouvido por Paolla.
- Não me faça dizer 'Adeus', Tieko-san...
Martin saiu lentamente da UTI, deixando Ami sozinha com Paolla. Seu último suspiro naquela sala parecia ter arrancado de dentro de sua alma um espaço grande demais. O espaço de uma amizade. O vazio aumentou em seu ser, parecendo devorar seu coração. As lembranças iam e vinham, como a torturar o momento diante de si. Sem mais pestanejar, ele não podia mais olhar para o corpo frio de Paolla.
Corpo. Aquilo pareceu-lhe tão... frio. Apesar do trocadilho terrível, era isso que parecia a ele. Um corpo, nada mais. Os outros, vendo a cena através do vidro da janela, não conseguiam compreender o sofrimento de Mizuno Ami, muito mais evidente que o do estranho brasileiro. Eles também estavam tristes, mas não com a mesma intensidade que ela.
- Tão pouco tempo... tivemos tão pouco tempo... para ficarmos juntas... - soluçava Ami, derramando lágrimas sobre o corpo inerte e insensível da amiga brasileira. - Kami-sama, eu queria... só mais alguns instantes... mais alguns instantes... só isso...
Enquanto ela fazia suas preces, o monitor de freqüência cardíaca começou a emitir sons mais fortes. Cada toque trazia uma nova esperança ao coração de Ami. Martin, também notando o som, virou-se na direção do aparelho. Sem saber como ou porque, ele manteve seus olhos presos na tela negra. Mais precisamente, no rastro de luz verde ali presente.
*BLIP*
Os olhos de Paolla começaram a tremer, como se quisessem se abrir.
*BLIP*BLIP*
Lentamente, suas pálpebras foram se retraindo, fazendo com que seus olhos ficassem semi-abertos.
*BLIP*BLIP*BLIP*
Sonolentos, mas vivos, os olhos procuraram por rostos conhecidos.
*BLIP*BLIP*BLIP*BLIP*
A boca da ficwriter se abriu, como se quisesse pronunciar algumas palavras.
*BLIP*BLIP*BLIP*BLIP*BLIP*
- Ami... Martin...
"Kami-sama! Ela está viva!" pensou Martin, com um sorriso singelo formando-se em seu rosto.
- Martin... nunca pensei... que fosse vê-lo... chorando... um dia... - balbuciou Paolla, sorrindo.
- Geez... Mal retorna da morte e já começa com suas brincadeiras, ne? - retrucou Martin, enxugando a última lágrima fujona para, em seguida, sair da UTI para contar a Mizuno-sensei as boas novas. Antes que saísse, ele apenas pronunciou algo que apenas Murphy teria ouvido, embora fosse dirigido a outra pessoa. - Domo arigato...
Ami e Paolla estavam sozinhas novamente. Curvando-se para ouvir melhor as palavras que saíam da boca da amiga, Ami chorava de alegria.
- Pensei que jamais poderíamos conversar novamente. - falou Ami, segurando a mão da amiga.
- Eu prometi, Ami-chan... que não a deixaria sozinha...
Mizuno-sensei chegou rapidamente (aparentemente o chinês finalmente descobriu como a encontrar) e pediu que sua filha se retirasse para que fossem feitos outros exames em Paolla. Porém, antes de sair, Ami ainda conseguiu ouvir uma última frase.
- Ami-chan... hottokenai... yo.
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