Tempestade de Ilusões
by
Ami Ikari & X/MADS!

Capítulo 03: Sonhos Prateados

"Tive um sonho em que tudo não foi sonho!..."
-= Lord Byron =-

      Determinados fatos sempre ocorrem de modo estranho, como se outra pessoa, totalmente alheia às nossas vontades, guiasse o nosso destino. Quantas vezes a vida já não pregou peças na humanidade, ofertando-lhe o amargo sabor da dúvida e da incerteza? Sim, nenhuma pessoa na face da Terra poderia dizer que era dona do próprio destino... pois ninguém controla o futuro. Ninguém poderia controlar algo incontrolável.
      Lendas antigas tentaram explicar a incerteza do tempo; muitas foram esquecidas por obra do mesmo fenômeno que procuravam provar... poucas chegaram até a atualidade, ao conhecimento racional que controla o século XX. Na época da Terceira Revolução Industrial, a revolução da informática, da robótica e da mecatrônica, não há lugar para fantasias, lendas e fenômenos inexplicáveis. Nem para a magia.
      Na época da tecnologia, nove garotas ousaram desafiar a razão, combatendo seres desconhecidos da civilização moderna. Elas se auto-denominavam Sailor Senshi. A imprensa imediatamente reconheceu nelas a oportunidade de conseguirem matérias fantásticas, como as publicadas na Times e na Newsweek, feitas por M. Arty. Elas se tornaram um desafio perturbador para a ciência e para a razão; diversos centros de pesquisa se empenharam em tentar encontrar uma explicação coerente para a manifestação de poderes 'mágicos' das garotas.
      Enquanto pesquisavam, outro grupo de jovens tornou-se um desafio para a comunidade científica e uma excelente fonte de matérias e lucro para os jornalistas. Embora mais difíceis de serem encontrados, tal grupo conseguia atingir surtos de vendas incríveis. Esses jovens ficaram conhecidos como Dragon Kishi, aliados das Sailor Senshi.
      Todavia, existiam aqueles que viviam no anonimato. Um cavaleiro solitário a defender o extremo oposto geográfico de tantos heróis. Utilizando métodos pouco ortodoxos ou mesmo discretos, ele ficou conhecido por várias fotos. O título envergado por tal cavaleiro era Jupiter Noble Kishi. Possivelmente, outros jovens deviam agir como ele, mas não flagrados pelas lentes do repórter da Times.
      Ao mesmo tempo, computadores de todo o mundo acusavam uma grande concentração de uma energia estranha convergindo para o Japão, mas nenhum ser humano foi capaz de explicar tal fenômeno. Nem mesmo de classificar tal padrão de força, comumente chamada de 'energia'.
      Porém, houve alguém que arriscou teorias. Essa pessoa chamava-se Marty Genkage, o prodígio de 16 anos, criador do projeto NovaStar. Quando ele viajou para Tóquio, visando concluir o projeto, o mundo viu um pequeno brilho de esperança, passando a rezar para que ele desvendasse o mistério que cercava aqueles jovens que diziam estar salvando a Terra de temíveis inimigos. Mas a esperança começou a definhar quando a notícia da amnésia de Genkage se espalhou pelos continentes... e finalmente morreu quando ele desapareceu misteriosamente.
      Já não havia o conhecimento de Marty Genkage para guiar os passos dos cientistas; o mundo estava mais uma vez diante do desconhecido.

***
      Mais um dia estava começando no Templo Hikawa, mas, desta vez, Phobos e Deimos não encontraram um garoto chinês correndo para todos os lados com uma vassoura na mão ou carregando pilhas de futons para dentro dos quartos. Pelo contrário, os corvos se espantaram ao ver o jovem estudante 'voando' na direção de uma pilha muito bem arrumada de colchonetes.
      *POM*
      "Whew! Exatamente como calculado..." pensou Martin, enxugando sua testa com o braço.
      - Ei, quem foi que colocou esses colchonetes aí? - perguntou uma nervosa Makoto, aproximando-se da pilha.
      - Fui eu... - começou o assustado discípulo do avô de Rei, quando notou uma pequena sombra crescendo sobre o colchonete em que estava sentado. - Na... nani?
      Não demorou muito para que a sombra ficasse BEM MAIOR e que sua amiga ficwriter caísse ao seu lado, de bruços, sobre a superfície macia. Logo atrás dela, vinham Ryu e Mamoru, ambos vestidos com roupas que facilitavam os movimentos do corpo. E não, não vieram voando... literalmente.
      - Aqueles cálculos de ontem à noite deram certo, ne, Martin? - sorriu Paolla, levantando-se. - Ai... só que eu caí de cara nos colchonetes... não fui feita para esportes.
      "Ainda bem que tudo está tranqüilo ultimamente... com esses dois DESSE JEITO, teríamos muito trabalho com uma nova invasão. Se houver mais uma..." pensou Ryu, ajudando Paolla a descer da pilha. Ao mesmo tempo, Martin começou a cogitar mentalmente se ele não deveria ter procurado algo mais macio para colocar em cima da dita pilha, enquanto massageava parte de suas costas.
      - Ouchie... {ainda bem que não precisamos combater youmas e bakemonos, ne, Paolla?} - perguntou Martin, em português, para evitar quaisquer comentários de Makoto, Ryu e Mamoru.
      - Hai... {porque seríamos os primeiros a serem fatiados como presuntos.} - respondeu Paolla, sentindo algo estranho em suas costas.
      - {... isso SE eles quisessem nos fatiar... ne?} - perguntou então o garoto, franzindo a testa.
      Mas, durante a conversa, ambos não perceberam que certas pessoas ainda estavam afastadas da região de amortecimento de quedas. Mamoru aproximava-se lentamente de Paolla, com seu punho preparado para um ataque surpresa; um movimento de cabeça dele fez com que Makoto entendesse o que ele pretendia e ela também começou a mover-se cuidadosamente, procurando não fazer barulho. Martin havia visto toda a movimentação dos dois, mas um olhar fulminante de Makoto o convenceu a ficar quieto.
      "Por que será que ela ainda está com esse olhar de 'vou fazer patê desse cara'?" perguntou-se o rapaz. Sua amiga, já um pouco desconfiada de que algo estava errado, teve quase uma confirmação disso quando viu que Martin abaixara a cabeça e começara a fazer um estranho movimento com as mãos. Bem, estranho porque não haviam muitas pessoas que entrelaçavam os dedos, com exceção dos polegares e dos indicadores, e ficava a bater estes dois últimos uns nos outros.
      Subitamente, a jovem estudante de Medicina ajoelhou-se sobre seu lado direito, apoiou as mãos no chão e, girando a perna esquerda em 120º, ela 'delicadamente' aplicou uma RASTEIRA em Mamoru, que caiu FORA da macia pilha de colchonetes. Em seguida, ela aproveitou o mesmo movimento fluido para se erguer e, com o braço direito estendido, encostar levemente seu punho no queixo de Makoto. O golpe não foi suficiente para que Makoto caísse, mas a assustou bastante. Mamoru estava deitado no chão, tentando se levantar, quando sentiu uma pressão em seu peito.
      - Estavam tentando me pegar de surpresa? - indagou Paolla, com a cabeça inclinada para o lado e com uma gota. Ah, sim, e com um pé sobre o tórax de Mamoru. - Daijoubu?
      - Da... daijoubu, Paolla-san... agora... poderia tirar o seu pé de cima de mim, por favor? - gemeu Mamoru, com o rosto virado de lado.
      - Mas... como foi que você sabia que eu estava... - gaguejou Makoto, seus olhos surpresos, enquanto se lembrava das últimas 'aulas' de artes marciais que ela havia ministrado à brasileira.
      - Não me pergunte, eu só sei que sabia que você estava lá. - respondeu Paolla, tirando o pé do peito de Mamoru, cuja camiseta ficou com a sola do tênis dela estampada. E, sim, ela não fazia a menor idéia de como havia feito aquilo. Ou o que estava acontecendo. - Eu nunca fiz isso na minha vida... - comentou ela, franzindo a testa.
      "Anoo... cada coisa que anda acontecendo por aqui... primeiro o Martin pula no telhado do templo com uma pirueta e agora eu derrubo o Mamoru..." pensou ela, lembrando-se de um pequeno detalhe que começava a cutucar o seu ombro direito.
      - TSUKINO USAGI-SAN!!! - gritou a brasileira ao virar sua cabeça.
      Uma nova sessão de perseguição-em-volta-do-templo começou, mas desta vez, Martin estava muito bem acomodado, sentado na escada do templo, observando as inúmeras voltas que sua amiga ficwriter dava em torno do prédio, sendo seguida por uma japonesa loira, de cabelos incrivelmente compridos, presos em uma espécie de 'odango', como Mamoru falava. Ao lado do garoto, estava sentada uma COMPORTADA Makoto, que também só olhava a corrida Paolla versus Usagi. Não, nenhuma torradeira passeou pelo Alasca, mas a metereologia estava prevendo uma chuva torrencial, com direito a inundações no decorrer do período, no Sertão do Nordeste brasileiro.
      - Usagi-san! Eu juro, não era a minha intenção! Eu só me defendi, verdadeeeeeeee!!! - gritava uma desesperada (?) estudante, correndo de uma furiosa Usagi.
      - NINGUÉM *uf* faz aquilo *aff* com *uff*aff* o MEU Mamo-chan!!! - berrou uma furiosa e MUITO cansada Usagi, com meio palmo de língua para fora do seu lugar habitual. (A boca, para quem estava pensando em algo hentai.)
      - Anoo... quanto tempo ela agüenta correr? - perguntou Ami, aproximando-se da 'platéia'.
      - Do jeito que ela se comportou durante os treinos... - resmungou Ryu, calculando mentalmente quantos minutos ela ainda conseguiria correr. - Hmm... não se preocupe, Ami-san, a Usagi se cansa antes.
      - AAAAA!!! Usagi-san, eu JURO!!! Eu NUNCA iria bater no SEU Mamo-chan!!! - berrou Paolla, fazendo com que uma gota aparecesse em cada um dos espectadores de sua corrida. "Pelo menos, não de propósito."
      - RRRRRR... - rosnou Usagi, sem fôlego para retrucar e movendo os braços como uma desesperada, na tentativa de puxar a camiseta ou os cabelos da miserável que havia derrubado o seu amado. Felizmente para a 'miserável', não havia cabelo o suficiente para ser puxado.
      Cinco minutos depois, um THUD foi ouvido por todos no templo. Em seguida, Paolla apareceu correndo na frente do prédio.
      - Que 'THUD' foi aquele, Paolla?! - perguntou Martin, levantando-se.
      - 'THUD'? Ué... será que eu bati em algo e nem percebi? - indagou Paolla, voltando aos fundos do templo.
      Quando ela e os demais participantes da 'platéia' chegaram aos fundos do templo, uma Usagi estava caída no chão, puxando o ar para dentro de seus pulmões como se cada mililitro de ar atmosférico fosse o último existente em todo o Sistema Solar.
      Enquanto Mamoru, Makoto e Ryu estavam rodeados em torno de Usagi, tentando fazer com que ela se levantasse, Martin, Paolla e Ami se entreolharam. "Un!" e, após um pensamento que pareceu ser mútuo, os dois brasileiros correram para dentro do templo, seguidos apenas por Ami, e o trio trancou-se dentro do quarto de hóspedes, sem dar chance para que Akai, Minako e Rei, que estavam fofocando em um dos quartos, tentassem impedi-los de tal 'façanha'. Usagi, por sua vez, estava ainda se preocupando com a repentina falta de ar no mundo.

***
      Sentado na cadeira de seu computador, Ricardo observava sua mãe arrumando as malas para a viagem do dia seguinte, cuidadosamente. A cada roupa dobrada e colocada dentro de uma mala, ele pensava no incrível poder de persuasão da diretoria de sua escola, por ter conseguido convencer seus pais a permitirem a viagem que ele considerava 'loucura'.
      Com um giro de 180º, ele ficou de frente ao monitor do computador, clicando em alguns ícones para se conectar à Internet. Sorrindo levemente, o secundarista ligou a câmera, o microfone e as caixas de som do computador, esperando que, do outro lado do mundo, uma pessoa também estivesse conectada.
      Ele não o avisara da viagem até então... seria uma bela surpresa para um certo bacharelando de ciências da computação...

***
      Sobre a cama do quarto de hóspedes do Templo Hikawa, duas curiosas meninas permaneciam sentadas, observando um rapaz abrindo diversas caixas e tirando parte de seu conteúdo cuidadosamente. Lentamente, as peças foram se encaixando, como em um quebra-cabeças.
      - Martin? Você comprou TUDO ISSO? - exclamou uma delas, mexendo nos óculos e observando admirada para tanta coisa.
      - Três meses de uma bolsa de estudos fazem milagres, Tieko-san. - respondeu Martin, solenemente, chamando-a pelo seu nick. - A Universidade de Tóquio permitiu que eu comprasse os equipamentos necessários para melhorar o meu desempenho nos estudos e nas pesquisas.
      - Ah, sim... microfone, caixas de som e câmera digital também entram na sua lista de 'equipamentos necessários'? - respondeu Paolla, em um tom não tão solene quanto o de seu amigo.
      Ami não conseguiu abafar uma risada quando ouviu o que sua companheira de casa havia dito. Martin, por sua vez, apenas ergueu uma sobrancelha antes de responder, embora não tivesse tirado o tom solene:
      - Hai... assim como este scanner de mesa. - terminou ele, sorrindo abertamente e gerando gotas gigantes locais.
      - Para que você comprou um scanner? Pensei que você só escrevia fics. - comentou Paolla, sentando-se na cama.
      - Isso é verdade, mas eu lembrei que ALGUÉM aqui desenha fanarts, wannabe... e eu vi umas canetas técnicas de arquiteto no meio das suas coisas. - falou Martin, que acabara de demonstrar que HAVIA prestado atenção quando entrou no quarto dela pela primeira vez.
      - Ack! Não me chame de 'wannabe'! - exclamou Paolla, vendo um sorriso cínico em Martin.
      No entanto, a conversa poderia ter ido mais longe, caso ambos não tivessem percebido algo... peculiar. A curiosidade mercuriana estava prestes a vencer a natural educação e paciência de Ami, e Martin logo começou a preparar tudo para ser instalado no lap-top. Ou melhor, enquanto ele preparava tudo para montar um computador novo, uma vez que o lap-top parecia somente precisar de um hard drive novo...
      Mas os olhos de Ami brilharam quando ele pediu que as duas o ajudassem a instalar todos os equipamentos em seu computador; não foi preciso que ela dissesse uma palavra, pois Ami JÁ estava com um dos muitos manuais de instrução nas mãos.
      Durante duas horas, nenhum dos três foi visto fora do quarto, o que começou a chamar a atenção dos demais. Curiosamente, um grupinho de jovens adolescentes foi se formando na porta do quarto de hóspedes, liderado por Minako, que estava com os ouvidos atentos a qualquer barulho... evidente que NÃO era para saber se eles estavam correndo algum perigo.
      - Minako? O que você está... - começou Rei, um pouco antes de Minako pedir para que ela fizesse silêncio.
      Um movimento de mão de Minako fez com que Rei entendesse o que estava acontecendo e também se aproximasse da porta para ouvir melhor os ruídos internos do quarto. O terceiro curioso a chegar foi Yuuichiro, seguido por Usagi, Makoto e Mamoru.
      - Shh... se a gente fizer algum barulho, eles vão descobrir que estamos aqui. - sussurrou Minako, praticamente implorando para que Usagi ficasse quieta.
      Sem desconfiar de absolutamente NADA, os três continuavam seu trabalho dentro do quarto, lendo manuais, puxando fios, apertando parafusos, confundindo-se com determinadas instruções em um japonês que somente Ami conseguia entender...
      - Uff... tá ficando quente... - comentou Ami, enxugando a testa.
      - Claro... estamos fazendo isso sem parar há duas horas, Ami-san. - respondeu Martin, lendo mais um manual e tentando entender a razão daqueles manuais trazerem ABSOLUTAMENTE _NENHUMA_ figura.
      "Quente? DUAS HORAS SEM PARAR?" pensou Makoto, arregalando os olhos. "Kami-sama... o que será que aconteceu com a Ami que eu conheço?"
      - Já descobriu como se faz aquilo, Martin? - perguntou Paolla, com um fio de conexão nas mãos. - Você está lendo esse manual pela terceira vez.
      "Ma... MANUAL?!!!" pensou Mamoru, engasgando.
      - Hai. Parece que isso tem que encaixar ali. - respondeu Martin, apontando para uma saída do monitor. - Espera um pouco, deixa eu tentar de novo. "Não entendo COMO fui comprar algo que tivesse tantas portas iguais..."
      - Vou ler esse manual mais uma vez enquanto vocês tentam. - avisou Ami, pegando o livreto.
      "Mas o que será que eles estão aprontando?!" pensou Rei, apoiando-se MAIS na porta.
      - Martin, essa é a quarta vez que você vai tentar fazer essa conexão.
      - Não se preocupe, Paolla, desta vez eu acerto.
      "Opa, agora tá parecendo que vai acontecer alguma coisa..." pensou Minako, sorrindo levemente.
      - Ai... vai com calma... - falou Paolla, inocentemente, sem desconfiar do que estava acontecendo do lado de fora do quarto.
      - Hey, essa não é a primeira vez que faço isso! - retrucou o ficwriter, mostrando a língua. Lógico, ele estava se referindo à instalação do hardware.
      "NÃO?! Então para que o tal do 'manual'?!" pensou Mamoru, engasgando pela segunda vez e tentando afastar Usagi da porta. "Se ela escutar isso, ela vai RIR alto... ou vai invadir o quarto para 'salvar sua pobre amiga indefesa'."
      - Ta-da! Viu só? Eu disse que eu ia conseguir. - exclamou Martin, sorrindo diante de sua vitória contra os módulos computacionais.
      - Whew! Até que enfim! - suspirou Paolla, caindo sentada na cama. - Ami-san, qual é o próximo? - ela perguntou, referindo-se ao próximo hardware a ser instalado.
      - Descanse um pouco, Paolla-san, agora é a minha vez... - falou Ami, pegando uma chave de fenda de 3,5 mm de dentro de seu estojo.
      "MINHA VEZ?!!!" Makoto estava quase entrando no quarto para concluir a sua missão: transformar o garoto chinês em mistura para rolinhos primavera.
      - Então eu vou tomar um pouco de água... querem que eu traga uma garrafa de água mineral? - perguntou a brasileira, indo na direção da porta e esticando o braço para puxar a maçaneta da porta de correr. - Divirtam-se!
      "NA-NI?!!!" pensou Minako, com os olhos do tamanho de pires, ao ouvir algumas risadas de Ami e Martin.
      - Nnngg... essa porta está difícil de abrir... - reclamou Paolla, puxando a maçaneta e sentindo uma grande resistência, provavelmente porque Rei estava segurando a maçaneta do lado de fora. - Não é possível, eu tirei o trinco...
      Momentos depois, a porta se abriu velozmente, por causa da força aplicada. Paolla caiu sentada no chão e ficou atônita ao ver CINCO pessoas caídas uma sobre a outra, rente à porta. "Kami-sama... que não seja outro déjà vu..."
      Os olhos dos cinco estavam espantosamente arregalados ao ver os três inteiramente VESTIDOS, estando Paolla sentada no chão, Martin sentado na cama com uma caixa metálica grafite em seu colo, e Ami de pé, segurando um kit de chaves de fenda de precisão.
      - Anoo... vocês estavam instalando novos equipamentos no computador dele? - perguntou Rei, com o sorriso mais amarelo que os dois estrangeiros jamais haviam visto na vida.
      - Quase terminando. - respondeu Ami, com uma gota na cabeça.
      Martin se limitou a levantar-se e coçar a cabeça, tentando lembrar ONDE havia visto cena semelhante, enquanto colocava a torre de cor grafite no lugar. "Nah, isso está virando paranóia. Eu vou é terminar de instalar tudo isso e testar a conexão com o celular da Paolla."
      A dona do telefone celular, entretanto, já estava bem longe do quarto, entrando no bosque do templo. Sua mente estava confusa; aquela sensação de déjà vu estava ficando cada vez mais freqüente, chegando a deixá-la atormentada, com vontade de fugir, de tudo, de todos.
      Seria essa a solução? Fugir?
      Mas... fugir do quê? De QUEM?
      Para Paolla, não importava... contanto que aquilo parasse.

***
      E fugir era algo essencial num dado lugar. Fugir, para que o próprio planeta não te engolisse. Assim era Hades, cujo território inóspito encorajava pouquíssimas pessoas a se arriscar a ficar paradas em um ponto fixo, sem proteção contra as tempestades repentinas. Mas duas figuras se destacavam no horizonte, aparentemente ignorando os perigos a que estavam expostas. Os símbolos nas braçadeiras que ambos usavam não deixavam dúvidas quanto às suas origens, assim como seus trajes mostravam que não eram selenitas comuns.
      O vento parecia brincar com as faixas que um deles, uma garota, usava em torno de sua cintura, adornada por uma adaga prateada. As faixas de tecido azul eram as únicas coisas que diferenciavam suas roupas das de seu companheiro: calças pretas, semelhantes às sociais, botas da mesma cor, que quase não se notaria onde começavam, se o tecido não estivesse um pouco enrugado, e uma jaqueta. Por baixo dela, podia-se ver um tecido branco.
      Havia horas que os dois estavam parados, olhando um para o outro, os olhares trocando frases inaudíveis. O silêncio doía nos ouvidos da garota, até que ela resolveu quebrar o diálogo mudo entre eles.
      - Então, Art?
      - Hn?
      - Por que me chamou até aqui?
      - É que... você sabe, o nosso treinamento acabou. - ele gaguejou, colocando as mãos para trás. - Agora podemos voltar para os nossos lares.
      - Eu sei disso. Será difícil me adaptar novamente ao clima de Mercúrio, depois dessa temporada em Plutão. Mas não foi por isso que você me chamou para conversar.
      - Você tem razão, Kyn. - disse Art, sabendo que talvez seria melhor falar tudo de uma só vez. Funcionava nos livros, não funcionava? - Eu... eu queria falar uma coisa antes que você partisse.
      - Art, você é um dos meus melhores amigos, não tenho segredos para você. Fale logo.
      A palavra 'amigo' feriu levemente o coração do jovem, mas ele não recuou. Estava decidido a fazer aquilo. Seu coração acelerou um pouco mais diante da garota, enquanto suor frio começava a se formar em suas mãos. Seus joelhos tremiam tão levemente que apenas uma pessoa muito perspicaz notaria aquilo, ou então o fato de seu sangue estar gelando.
      - Kyn, eu...
      - Hey! - gritou uma voz.
      A voz feminina interrompeu a frase de Art, enquanto a dona da voz caminhava na direção do casal. Uma Senshi, de uniforme azul, acompanhada de um rapaz vestido com um fraque, aproximou-se dos dois, correndo e continuando a chamar por Kyn. Ela era Sailor Mercury, irmã gêmea de Kyn.
      - Saphir! O que está fazendo em Hades? - exclamou Kyn, abraçando surpresa a sua irmã Saphir.
      - A Rainha Serenity convocou as Senshi para assistirem às finais do torneio para escolher o líder dos Noble Kishi, então resolvi vir, já que você tinha me avisado que ficaria três dias em Hades antes de voltar para casa...
      - E quem é o próximo? - perguntou Kyn, abraçada à irmã.
      - Sou eu. - respondeu Hypnos, com um sorriso.
      Art notou que o olhar de sua colega tornou-se mais terno, suave. Um belo sorriso formou-se nos lábios dela, mostrando o quão gentil pode ser a expressão de uma mulher. Mas o sorriso não era para ele, era para Hypnos, que cumprimentou Kyn educadamente, o que não fez mudar a expressão no rosto dela.
      - Art, podemos deixar a nossa conversa para mais tarde? A próxima disputa já vai começar e não quero perder isso por nada. - falou Kyn, com um sorriso encantador.
      - Claro... a gente se fala depois, Kyn. Foi um prazer revê-los, Saphir e Hypnos...
      A imagem das gêmeas mercurianas brincando e do rapaz foi se distanciando de Art, que enfim colocou as mãos para a frente do corpo e abriu a mão direita. Nela, repousava um pequeno broche feito com uma safira.
      Duas lágrimas caíram sobre a pedra, que, no entanto, não perdeu o seu brilho. Enxugando os olhos, Art guardou o broche em seu bolso dimensional e começou a caminhar na direção oposta da que Kyn havia tomado. Ele precisava ficar sozinho.
      Entretanto, alguma força do universo parecia não desejar entregar a bênção da solidão de Hades ao jovem terrestre.
      - Você não devia ir nessa direção. Há uma tempestade a caminho. - falou um rapaz, vindo da direção que Art tomava.
      - Não me importo. - respondeu Art, sem interromper a sua caminhada.
      - Você quer morrer? - perguntou o rapaz, calmamente.
      - Até que não é uma má idéia... - o terrestre continuou, com o olhar fixo no horizonte, na tempestade.
      Uma forte dor na nuca foi a última coisa que ele sentiu, antes que tudo ficasse escuro.

***
      Quando ele abriu os olhos, já não estava em Hades. O cenário havia mudado, e ele estava novamente dentro do salão prateado, seu lar durante séculos. Somente então percebeu que havia adormecido e sonhado... com aquele dia em que começara a perder sua amada para o mercuriano.
      Para ela, não importava que Hypnos amasse outra mulher; porém, para Art, o amor platônico não era suficiente. Sua mente tampouco acreditava que o amor poderia ser realizado com a felicidade da outra parte, como acreditava Kyn. Ele a perdera uma vez, mas isso não aconteceria novamente. Se ela não fosse dele, não seria de mais ninguém.
      Essa era uma parte do seu juramento, feito há muitos séculos. O juramento que estava se cumprindo, como uma profecia.
      Com um olhar paternal, ele procurou pela sua Visão. Precisava vê-la uma vez mais...

***
      O bosque do templo era o lugar ideal para se ficar quando se desejava paz e tranqüilidade. Era exatamente como os fics de Martin, Henrique e Hélio o descreviam, lógico, sem a presença de youmas, bakemonos, dragões, Senshi e Kishi; o local ideal para descansar e refletir sobre alguns fatos que estavam acontecendo repetidamente.
      Com um pouco de dificuldade, a ficwriter subiu em uma das árvores e se acomodou, de modo a NÃO cair, em um de seus galhos. Com um suspiro, ela fechou os olhos, concentrando-se na brisa suave que batia em seu rosto, nos ruídos dos pássaros do templo e no barulho de passos em folhas secas. Passos em folhas secas???
      Franzindo a testa, Paolla resolveu permanecer imóvel, como se não houvesse percebido a aproximação de uma pessoa. Cuidadosamente, ela colocou a mão dentro do bolso de sua calça jeans e pegou uma borracha escolar, concentrando-se para localizar a fonte do ruído.
      Com um movimento rápido, a jovem lançou a borracha na direção do último ruído que pôde ser escutado. "Parou... bom, isso se eu acertei... já não acerto nada de olhos abertos, fechados, então... não acertaria um alvo nem se eu estivesse a meio metro de distância dele." Seu raciocínio, pelo menos, estava correto, pois, dez segundos depois de ter lançado a borracha, a sapatilha que estava fazendo o tal barulho nas folhas acertou sua cabeça, fazendo com que perdesse o equilíbrio e caísse no chão. Lógico, dentro da sapatilha, estava o pé de uma pessoa.
      O barulho do impacto do corpo de Paolla com o solo chamou a atenção de Ryu e dos outros quatro, que correram para o bosque, enquanto Ami e Martin tiveram uma idéia mais lógica: olhar pela janela do quarto, que dava direto para o bosque do templo.
      - Kami-sama! Paolla!!! - gritou Ami, ao ver a amiga desfalecida. - Vamos chegar antes do que eles se pularmos a janela.
      - Pular a janela? ... aqui não é um pouco... alto? - indagou Martin, olhando para baixo. - YIPES! - gritou ele em seguida, quando Ami pulou, puxando o braço dele junto.
      Os dois chegaram até o local antes dos cinco que haviam saído pela porta principal do templo. Ami correu para ver como a amiga estava e Martin ficou de pé ao lado dela, esperando que não fosse nada de grave e que não houvesse a necessidade de levá-la ao...
      - Ho... hospital?! - gaguejou Martin, franzindo a testa. - Ami-san, foi TÃO grave assim?!
      - Eu não queria mexer a cabeça dela para evitar maiores complicações, Martin-san, mas dê uma olhada aqui. - falou Ami, virando cuidadosamente a cabeça de Paolla, permitindo que Martin visse o cabelo sujo de sangue e uma pedra estrategicamente colocada no chão. - Se não fosse essa pedra, ela já teria acordado, a queda não foi de um lugar tão alto assim... epa... - ela parou, vendo uma marca vermelha no lado direito do rosto da brasileira. - Mas ela não caiu sozinha! Isso é marca de CHUTE!
      "Parece que Murphy resolveu lhe presentear com uma de suas magníficas manifestações, Tieko-san." pensou Martin, enquanto olhava acusadoramente para a pedra. "Com tanto lugar para uma pedra ficar, ela TINHA que estar exatamente no ponto onde você caiu."
      Ami pediu que Martin tirasse a camiseta para que ela tentasse estancar a hemorragia do ferimento causado pela pedra. Atendendo ao pedido e afastando a pedra, ele aproveitou para tomar a pedra em suas mãos. Não levou muito tempo até Martin começar a pensar COMO Murphy podia SEMPRE agir nas horas mais impróprias; além da pedra estar no lugar errado e na hora errada, ela era PONTIAGUDA. Por muito pouco não ficara fincada na cabeça de Paolla.
      Ryu chegou alguns instantes depois de Ami e Martin, mas antes dos outros cinco que provavelmente estavam procurando algum estojo de primeiros socorros. Sua expressão era de preocupação, enquanto os demais pareciam formigas desesperadas.
      - O que foi que aconteceu?
      - Pelo visto, ela devia estar sentada em algum galho de árvore quando foi atingida e caiu. - respondeu Martin, levantando um pouco a cabeça da amiga para ver se a hemorragia havia parado. A camiseta estava com uma imensa mancha de sangue.
      - Ryu-san! - chamou Ami, voltando de sua busca. - Tem algo muito esquisito aqui.
      - Un. - respondeu Ryu, sentindo uma estranha presença na área. - Chame uma ambulância e leve-a para o hospital. "Enquanto EU vou vasculhar esse bosque."
      Os outros cinco chegaram no exato momento em que Ami estava indo telefonar para o hospital e, como era esperado, Usagi estava carregando um estojo de primeiros socorros. Makoto e Minako também entraram no bosque, depois de ouvir a história de Ami, enquanto Mamoru, Rei e Martin tentavam erguer Paolla do chão sem dobrar o corpo dela, evitando assim, maiores danos, caso a coluna dela estivesse fraturada. Usagi apenas seguiu seu Mamo-chan, carregando o inútil estojinho.
      Claro, o pensamento inicial de Martin, o de fazer uma maca ainda que precária, havia se desfalecido quando ele notou que não haviam galhos caídos suficientemente grossos para sustentar o corpo de alguém. Suspirando, ele voltou a olhar ao redor.
      - Acho que não vai ser de muita valia removê-la daqui. - comentou ele então, e chamando a atenção dos demais.
      - Mas nós não podemos deixá-la AÍ! - respondeu energicamente a sacerdotisa, enquanto Mamoru apenas tentava encontrar algum meio de erguer Paolla. Claro, Usagi estava ali como espectadora.
      - Se quiser deixá-la tetraplégica, vá em frente. - respondeu Martin calmamente. - A chance de lesar a medula espinhal neste instante é alta e o melhor será esperar por alguém que SAIBA o que está fazendo. - terminou o brasileiro, estreitando os olhos. - Você QUER se responsabilizar pelo que vai acontecer? - perguntou ele, frisando as palavras.
      - Infelizmente, - disse Mamoru, após um suspiro. - acho que ele está certo. É melhor esperarmos pela ambulância.
      - Estão a caminho. - respondeu Ami, voltando sua atenção para a sua hóspede. - Acho que agora só nos resta esperar.
      Resignado, o pequeno grupo suspirou enquanto olhava desassoladamente para a acidentada. Ainda assim, havia um pensamento fixo em Martin, enquanto massageava parte de seu braço.
      "Da próxima vez que escrever um mega-fanfic... tenho que me lembrar de NÃO adicionar pessoas com tendências homicidas."
      - Bem, eu acho que vou pegar uma nova camiseta. - concluiu ele para ninguém em particular. Com os passos lentos e pensativos, ele apenas esperava que Murphy não achasse que era chegada a SUA hora.

***
      Neko continuava escrevendo a sua parte naquela longa história. Com o seu trabalho, logo todos estariam reunidos em um mesmo lugar, facilitando o cumprimento de sua missão conjunta. A ponta da caneta corria suavemente pelo papel, marcando-o com sua tinta brilhante; seu parágrafo não possuía exatamente o objetivo de juntar os traidores no mesmo lugar, mas também de eliminar o seu maior obstáculo ao coração do homem que amava.
      Se tudo acontecesse do modo que descrevia, em breve ela estaria morta. E, geralmente, os escritos de Neko SEMPRE se tornavam realidade.
      Uma esfera brilhante, semelhante a uma bola de cristal, flutuava à sua frente. Através dela, Neko podia ver o que acontecia em qualquer lugar do mundo, sem exceção; naquele momento, a imagem de uma ambulância apareceu na esfera, indicando que suas palavras haviam surtido efeito... ou que talvez uma amiga a ajudara.
      Ao ver a imagem de uma mulher de longos cabelos ruivos, presos com uma fita, e trajando botas e calças pretas, uma jaqueta violeta e portando na cintura faixas de tecido da mesma cor da jaqueta, ela percebeu que sua amiga havia sido o instrumento de suas palavras. Era chegada a hora de eliminar o único ser que poderia frustrar todos os seus planos.

***
      Martin estava de volta ao seu quarto no Templo Hikawa. Seu olhar, pensativo, parecia prestar atenção a coisa alguma, enquanto vestia uma camiseta. Após um suspiro, ele percebeu que realmente não havia nada mais a ser feito... e ir ao hospital para acompanhar Paolla estava fora de cogitação. Ele simplesmente ficaria ali à toa e sem fazer nada... o que provavelmente iria desencadear um ataque de nervos e isso não era desejado. Ao menos, para ele.
      Com todos os periféricos instalados no computador, não restava muita escolha para o jovem a não ser testá-los, mesmo sob o clima pesado que rondava o local. Fazia muito pouco tempo que conhecia Paolla pessoalmente, mas os anos de amizade pela Internet faziam com que sentisse que fossem amigos de longa data. Sorrindo, a lembrança das primeiras mensagens pairava em sua mente, mas ele logo abandonou aquela trilha de pensamentos. Haveria tempo para saudades e não seria aquele.
      Suspirando por não poder ajudar, mesmo tendo evitado uma possível lesão cervical em Paolla, Martin ligou o lap-top, a câmera e o microfone. Conectando o modem ao telefone celular da amiga, ele logo estava online... a ligação intercontinental via satélite não estava tão ruim quanto ele imaginava que seria. Franzindo a testa, um pressentimento, ou talvez a simples curiosidade, o fez abrir um programa. Em pouco tempo, uma janela com a imagem de seu primo apareceu na tela.
      - {Hiya, Martin!} - cumprimentou Ricardo.
      - {Yo, Cousin.} - respondeu Martin, aparentemente sem motivação para conversar. - {Como vão as coisas?}
      - {Agitadas. Adivinha só, estou embarcando para o Japão amanhã de manhã, às nove!}
      - NANI?! - exclamou o brasileiro ao franzir a testa. - {E você só me avisa isso agora?}
      - {Queria fazer uma surpresa. Vou pela JAL.} - informou o primo.
      - {Torça para não ficar no Templo Hikawa...} - falou Martin, abafando uma pequena risada, ao mesmo tempo que desocupava a sua mente do evento anterior. - {Já sabe ONDE vai ficar?}
      - {O pessoal da International Interchange não me disse. Será uma surpresa.} - respondeu Ricardo, sendo a sua vez de franzir a testa.
      "E que surpresa, Cousin, que surpresa..." pensou Martin, lembrando-se do logotipo da camiseta de Asuka: dois 'I's, um azul e um vermelho, dentro de uma circunferência de traços pretos.
      - {De qualquer maneira, vou ver se consigo estar no aeroporto quando você chegar. Amanhã é sábado e, portanto, não terei aula.}
      - {Falou! Estou ansioso para chegar! Até mais!} - falou Ricardo, aparentemente animado.
      - {Até. Mande lembranças para os seus pais...} - disse Martin, despedindo-se do primo e saindo do programa. "Que coisa estranha... eu tenho certeza de que vi uma cena parecida em algum lugar."
      Offline, o ficwriter começou a pesquisar ONDE havia visto uma cena semelhante. Em seu hard drive, estavam todos os fics já escritos por Hélio, Henrique e ele próprio, até mesmo os que estavam em produção e aqueles abandonados. "C'mon, Eiki-san, I know it's there..."
      Em poucos minutos, o resultado de sua procura estava à sua frente. Com poucas palavras, quase as mesmas usadas na conversa com seu primo, Martin havia descrito a cena em que Ricardo o avisava que estava de partida para o Japão, em seu novo fic. Isso bastou para que ficasse surpreso. Ele, de certo, não imaginava que algo assim iria acontecer...
      Com os olhos presos no seu novo monitor, Martin apoiou seu queixo em suas mãos, fixando sua atenção nas palavras e no que poderia estar a acontecer. Murphy, certamente, não haveria de ser tão irônico. Todavia, entretido demais em seus pensamentos, o jovem universitário nem percebeu quando uma sombra passou pelo quarto, indo se alojar perto de sua cama. Muito provavelmente, ele não notaria a sua presença - até que fosse tarde demais.
      Kare se divertiria muito com isso. Esconde-esconde sempre fora sua brincadeira preferida.

***
      Hospital da Universidade de Tóquio. Exatamente o local que Paolla sempre desejara conhecer e que seria parte de sua vida estudantil durante o ano que ficasse no Japão. Sim, era exatamente como num sonho, ela estava lá, no Hospital da Universidade de Tóquio, mas não do jeito que gostaria.
      Um residente estava inclinado sobre ela, examinando o ferimento de sua cabeça, enquanto Ami, Mamoru, Rei e Usagi esperavam na sala de espera, rezando para que aquilo não fosse grave. "Nada mais de mortes", pensou Usagi, com o estojo no colo e a cabeça no ombro de Mamoru. "Chega."
      Os ponteiros do relógio pareciam caminhar em uma lentidão mórbida e torturante, mostrando que o tempo nunca passa quando se está ansioso ou nervoso. O tempo nunca passa quando se quer que ele seja rápido; porém, quando se deseja o contrário, a perversidade do tempo se inverte. Dias felizes sempre são curtos, enquanto que os tristes são os mais longos de toda uma vida.
      A visão do residente caminhando na direção de uma senhora de cabelos azuis trouxe um pouco de esperança para os quatro, entretanto, pequenos movimentos de cabeça mostravam que a senhora Mizuno estava um pouco preocupada. A respiração de Ami ficou tensa até que sua mãe se aproximou.
      - Ami-chan, fique mais calma. - pediu a senhora Mizuno, colocando a mão no ombro da filha. - Sua amiga está bem.
      Um suspiro de alívio saiu de todos que estavam na sala. Não era um alívio total, pois a expressão da doutora não era totalmente agradável.
      - E como ela está, okaasan? - perguntou Ami.
      - Ainda desacordada, mas creio que está fora de perigo. Preciso que ela fique internada por esta noite para observação. Filha, vá até em casa e pegue uma muda de roupa para ela e o cartão do seguro médico internacional. Tente falar com os pais dela... - pediu a doutora, que, virando-se para Mamoru, pediu: - Mamoru-san, você pode levar a Ami?
      - Hai, Mizuno-san. Vamos, Ami? - respondeu Mamoru.

***
      Era exatamente como num sonho. Ela estava na platéia, próxima da Rainha e da Princesa Serenity, ao lado de Saphir. Na arena, estavam dois combatentes, dispostos a vencer. Eram Mercury Noble Kishi e seu oponente, Hypnos. A vitória do último significaria a ascensão de um novo Mercury Noble Kishi que lutaria entre seus companheiros para definir a liderança dos Noble Kishi.
      Kyn parecia hipnotizada, o olhar fixo na contenda. Cada movimento de Hypnos trazia de volta a pequena e covarde mercuriana que um dia saiu de casa para se tornar uma guerreira. Saphir olhava para a irmã e sorria, num misto de orgulho e alegria; embora não conhecesse o estranho uniforme que ela trajava, sabia que seu esforço havia sido muito grande. Ao mesmo tempo em que eram iguais, as gêmeas mercurianas eram diferentes; possuíam o mesmo intelecto, a mesma rapidez de raciocínio, porém, não o mesmo temperamento. Kyn sempre fora mais reclusa do que Saphir, como se isso ainda fosse possível. Um temperamento que a própria sempre classificara como 'covardia'.
      Elas estavam juntas mais uma vez, para a felicidade que Saphir sabia que seria muito breve. As forças de Beryl estavam muito próximas e atacariam o Milênio, exigindo uma grande defesa selenita. Sailor Mercury sabia que, em pouco tempo, sua vida poderia ser ceifada pela Morte enquanto defendesse a Princesa Serenity; Hypnos provavelmente pereceria em uma batalha mais terrível e Kyn... poderia ser uma daquelas que morreria sem conhecer a face de seu assassino.
      Saphir queria poder controlar o tempo; prolongar aquele momento, ter para sempre a felicidade que preenchia seu coração. Infelizmente, o tempo era impiedoso demais para os jovens com ânsia de viver.
      - Saphir, olhe! Já temos um novo Mercury Noble Kishi! - exclamou Kyn, radiante de alegria.
      - Hn? Desculpe, eu estava um pouco distraída... Hypnos venceu?
      No centro da arena, uma energia envolvia Hypnos, mostrando que a batalha havia terminado. A energia de todos os antigos Mercury Noble Kishi unia-se ao jovem mercuriano.
      Na platéia, todos aplaudiam a vitória de Hypnos. Porém, em uma saída lateral, uma pessoa se esgueirava nas sombras, como um gato na noite. "A luta terminou. Ele deve estar saindo..."
      - O que está fazendo aqui?
      A voz do estranho assustou Art, que tomou uma posição de combate. O estranho estava com o rosto oculto, olhando para ele com um pouco de descaso.
      - O que está fazendo aqui? - perguntou novamente o estranho, sem alterar o tom de voz.
      - Não te interessa. - respondeu Art, nervoso, pouco antes de sentir uma forte dor em todo o corpo.
      "Então, não fique no meu caminho." foram as últimas palavras que ele ouviu do desconhecido antes que sua consciência desaparecesse.

***
      Ami não demorou muito para pegar as coisas que sua mãe pedira. O mais difícil foi encontrar o cartão do seguro internacional, mas depois de vinte minutos, ela já estava saindo de sua casa com uma pequena mala nas mãos.
      Antes de irem para o hospital, Mamoru passou em seu apartamento para verificar sua correspondência, que devia estar dois dias atrasada. Pela quantidade de cartas dentro de sua caixa postal, REALMENTE ele devia ter deixado de verificá-la durante muito tempo...
      - Anoo... só um momento, Ami. Conta, conta, conta, jornal da faculdade, conta, conta, conta... epa. - falou Mamoru, parando quando viu um envelope com um logotipo com dois 'I's. Desajeitadamente, ele o abriu.

      Prezado(a) Chiba Mamoru

É com enorme satisfação que nós da International Interchange indicamos a aprovação para o seu pedido de hospedagem de alunos de intercâmbio internacional. O primeiro aluno estará chegando a Tóquio neste domingo às oito horas da manhã. Esperamos que aproveite esta oportunidade de conhecer novas pessoas e de fazer novas amizades.

Muito obrigado(a),

Jennifer Lightheart.

      Mamoru piscou os olhos duas vezes antes de falar qualquer coisa. "Desde quando EU solicitei que algum aluno de intercâmbio viesse morar aqui em casa?!" Meio pálido, ele apoiou uma das mãos na parede e ficou pensando em COMO ia hospedar o tal aluno em seu apartamento.
      - Algum problema, Mamoru-san?
      - Mais um aluno de intercâmbio... desta vez, ele vem para a minha casa. - suspirou Mamoru, mostrando a carta para Ami. - Vamos? A sua mãe deve estar esperando pelas coisas que você pegou.
      - Hai.

***
      Mais um ficwriter brasileiro estava à caminho do Japão, terra dos sonhos de qualquer um deles. A viagem de intercãmbio seria uma excelente forma de se conhecer o cenário de suas histórias, integrar-se com as pessoas, conseguir idéias para novas tramas...
      Era esse o pensamento de Martin, quando entrou no avião da JAL e tentava esquecer parte do mistério que cercava a sua viagem e a transferência de sua bolsa de estudos para a Universidade de Tóquio. Porém, naquela tarde, deitado na cama de seu quarto no templo, ele refletia sobre o que acontecera na manhã. O que era para ser uma simples aula de artes marciais havia se transformado em uma tragédia - pequena, se olhada de uma maneira otimista. Ela ainda estava viva.
      Satori Ryu havia retornado de sua busca no bosque do templo sem sucesso. Embora a expressão de seu rosto mostrasse claramente que havia algo estranho na área, seus olhos não foram capazes de ENCONTRAR o que havia de estranho. Pensando em seu amigo Henrique, Martin não conseguia evitar um leve sorriso ao relacioná-lo com Ryu. "Se Saotome estivesse aqui..."
      - Martin? - chamou Makoto, entrando no quarto e tirando o ficwriter de seus devaneios. - Estou incomodando?
      - Não, Makoto-san. Entre, por favor. - respondeu Martin, sentando-se na cama. - Algum problema? - perguntou ele, franzindo a testa.
      "Por que será que ela está tão gentil?" pensou o garoto, ao mesmo tempo que notava a preocupação na garota.
      - Sente-se, por favor. - disse Martin, indicando um espaço da cama enquanto tentava descobrir o que havia acontecido.
      - Domo... Eu só queria saber como vocês dois se tornaram amigos. Sei que se conheceram pela Internet, mas eu não imaginava que...
      - Que podia nascer uma amizade desse tipo? - indagou Martin, logo acertando pelo olhar surpreso da garota. "Whew! Ela NÃO está brava COMIGO agora!" - Mas pode, Makoto-san. Tenho vários amigos como ela.
      - Ela é só sua... amiga?
      - É... - respondeu Martin, franzindo a testa novamente. "Nani?! O que foi que deu nela hoje?!" - Por quê?
      - Vocês parecem ser tão próximos um do outro... é tão difícil encontrar amizades assim entre meninas e rapazes por aqui que...
      "Ah, claro... Lá vão dois brasileiros rompendo costumes." pensou Martin, lembrando-se que os japoneses são mais reservados.
      - Nós somos assim mesmo, Makoto-san. - respondeu Martin, sorrindo na direção dela. - Aliás, a Paolla tem um namorado no Brasil. "Que, se ouvisse isso, estaria já no segundo capítulo de 'Como matar alguém dolorosamente'."
      Makoto sorriu e levantou-se da cama, deixando Martin sozinho, conversando com seus botões, ou melhor, com seu computador.
      Deitando-se novamente, o ficwriter fechou os olhos, tentando dormir um pouco durante a tarde e esperando que, quando acordasse, tudo não passasse de um sonho.

***
      O clima de Hades realmente não era o melhor para uma pessoa passar as férias. Definitivamente, aquele NÃO era um local adequado para uma estação de veraneio. Mesmo assim, muitas pessoas escolhiam Hades para ficar durante um tempo, geralmente para treinamento.
      Não era o caso do jovem que caminhava nas proximidades da arena, sem, contudo, ter interesse pelas lutas que estavam ocorrendo dentro dela. As faixas de tecido bordô esvoaçante não contrastavam com suas roupas, tampouco com sua feição. Tinha o cabelo curto, negro-esverdeado, um pouco bagunçado pelas ventanias de Hades; seus olhos opacos eram violetas, dotados de uma vivacidade totalmente contrária ao que era encontrado nos olhos de sua mãe; seu corpo, embora não aparentasse possuir grande força física, não era fraco.
      Chutando alguns pedregulhos enquanto andava em círculos, o jovem raciocinava sobre o que estava para acontecer no Milênio. Ele sabia que ficaria a salvo de qualquer perigo se permanecesse junto à sua mãe, ao custo das vidas de milhares de inocentes. O preço de sua vida era alto demais para o gosto dele.
      Os aplausos e gritos indicavam que a batalha pelo título de Mercury Noble Kishi havia terminado. Pacientemente, ele esperou que sua amiga saísse do local das batalhas e o encontrasse onde haviam combinado.
      Não foi surpresa quando sentiu a presença dela saindo da arena e acompanhada de uma Senshi. Naturalmente, sua irmã.
      - Kyn! - ele chamou, acenando discretamente com a mão. - Aqui!
      - Chronos! - ela respondeu, indo em sua direção. - Esta é minha irmã, Saphir.
      - É um prazer conhecê-la, Sailor Mercury. - cumprimentou o garoto, enquanto usava a saudação típica de sua mãe.
      - Chame-me de Saphir... Chronos. O prazer é meu.
      O garoto sorriu levemente, pouco depois direcionando seus olhos para Saphir. Esta, logo percebeu algo peculiar no amigo de Kyn. Um filete de luz violeta muito fino arqueava-se no meio de seus olhos, quase se transparecendo devido à tonalidade incomum de sua íris.
      - Não nasci com uma boa visão. - disse Chronos, notando a curiosidade da mercuriana. - Mas isto aqui permite que eu veja tudo perfeitamente.
      - Entendo... - disse Saphir, desviando seu olhar. Naquele instante, Chronos mudou levemente a expressão de seu rosto, ainda incerto de como proceder naquela ocasião.
      - Err... sem querer ser chato... eu poderia ficar a sós com Kyn? - perguntou Chronos, pedindo pelo olhar para Saphir.
      - Não se preocupe comigo, Kyn. Estarei com Hypnos, perto da saída lateral da arena. - falou Saphir, sabiamente retirando-se do local.
      Finalmente à sós com sua amiga, sem qualquer estranho que pudesse interrompê-los, Chronos estreitou o olhar e colocou a mão direita no ombro dela, aproximando-se mais.
      - Sailor Pluto me chamou para uma conversa muito séria logo depois que vocês saíram de Plutão. - ele começou, o olhar fixo nos olhos de Kyn. - A Rainha Serenity antecipou o torneio dos Noble Kishi para ter um maior exército de defesa contra Beryl.
      - O Reino Negro sempre foi uma ameaça para o Milênio, Chronos. Por que a Guardiã do Tempo iria chamá-lo para conversar sobre um assunto comum entre a maioria dos selenitas?
      - Por que esse NÃO é um assunto comum para os selenitas, Kyn-san. - respondeu Chronos, frisando as palavras. - O que ela me disse é muito mais sério do que todos pensam.
      A expressão da mercuriana, antes alegre, mudou subitamente. Franzindo a testa, ela colocou as mãos na cintura e, apoiando a mão esquerda sobre o cabo de uma kodachi, retrucou:
      - Chronos-san, NADA disso está escrito nos Livros Prateados. Isso significaria uma DISTORÇÃO da Linha Temporal do Milênio de Prata.
      - Aí é que você se engana, Kyn. - continuou o rapaz de cabelos esverdeados, começando a caminhar para longe da arena e sendo acompanhado pela garota. - Sailor Pluto nunca nos mostrou o Livro Real. De acordo com o que consegui descobrir, os únicos que têm acesso a ele são...
      Chronos parou de falar quando sentiu o frio toque de uma lâmina em seu pescoço. Kyn não se espantou ao ver uma pessoa conhecida segurando a adaga de uma forma ameaçadora perto da garganta de seu amigo.
      Ela sempre fora a mais rápida de todo o grupo. Seus passos raramente faziam barulho, nada denunciava a sua presença. Nem mesmo ao cego Chronos, que possuía a melhor percepção de todos.
      - Kare... - resmungou Chronos, com os braços imobilizados pela outra mão de sua atacante.

***
      O sono de Martin não foi o que se convenciona chamar de 'tranqüilo'. Suando um pouco, ele acordou e passou o braço no rosto, lembrando-se então que havia adormecido de óculos. De novo.
      - ... um sonho... - ele murmurou, sentando-se na cama. - Tudo não passou de um sonho.
      Apoiando os cotovelos em seus joelhos, o ficwriter tentou buscar em sua memória algo relacionado com o sonho que tivera. Ele nunca havia escrito ou lido algum fic com tais personagens. Sim, ele se lembrava das batalhas, dos selenitas, dos Noble Kishi, afinal, ELE era o autor de Angels.
      - Chronos... Kyn... Kare... Livro Real... Geez... de onde será que o meu subconsciente foi tirar essas idéias para colocar no meu sonho?
      O frio toque de uma lâmina em seu pescoço o tirou de seus devaneios... para colocá-lo em um estado de perplexidade. "Deuses... será que a Makoto mudou de tática?!"
      A possibilidade dele gritar ou pedir ajuda não passou em sua mente nem por um minuto sequer. Pela dor que seu cérebro começava a acusar, se ele gritasse, em breve sua cabeça estaria separada do restante de seu corpo e sua vida terminaria no Templo Hikawa.
      "Se houver uma próxima vez, JURO que instalo todos os tipos de alarmes e sistemas de segurança em todo aposento que residir."
      - Há quanto tempo não nos víamos, ne? - uma voz sussurrou em seu ouvido. Uma voz feminina. - Você demorou muito para voltar.
      "Great... Mommy? She's not Makoto-san..."
      - Quem é você? - perguntou Martin, tentando evitar que um nervosismo de sua parte antecipasse o evento mais natural do mundo.
      Não obtendo resposta, ele começou a ter duas sensações completamente antagônicas: alívio por não sentir mais a lâmina em seu pescoço e desespero por ter duas mãos o sufocando.
      - Que pena que você não se lembra de nada... mas assim é melhor, sabia? Você morre sem saber o motivo. - ela respondeu, virando-se de frente para Martin e jogando-o contra a cama... que seria seu leito de morte.
      - GAH! Sequer posso saber POR QUE vou morrer??? - gritou o rapaz, sentindo a pressão das mãos da garota em torno de seu pescoço e uma dor em seus braços. Ela estava ajoelhada sobre eles, impedindo qualquer movimento de Martin. Ele, por outro lado, esperava que não fosse uma dor provocada por alguma fratura óssea.
      Embora com os braços e pernas imobilizados, o garoto ainda tinha uma resolução firme diante de um assassino. Assassina, no caso. Tentando erguer seus joelhos, ele procurava atingir a garota para que ela desprendesse as suas mãos de seu pescoço. Já decidido que aquilo não funcionaria, ele sabia que o tempo agora lhe era curto. Num esforço fenomenal, ele havia conseguido então derrubar a garota de cima de si, ao virar-se de lado.
      Todavia, aquilo não bastou para que a sua assassina tirasse suas mãos de seu alvo. Conseguindo naquele instante alcançar as mãos hábeis e fortes da guerreira, o rapaz chinês tentou agora afastar as mãos dela com as suas próprias. Mas não havia tempo suficiente. Em pouco tempo, a consciência dele se esvaía rapidamente.


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