Tempestade de Ilusões
by
Ami Ikari & X/MADS!Epílogo
Um sonho nada mais é do que uma ilusão. Essas palavras definiam o que pessoas de pouca visão poderiam ter do mundo. Outras pessoas acreditam que sonhos são mais do que ilusões, isso porque são capazes de tornar os sonhos em realidade. Bastaria um pouco de vontade e muito esforço. Mas até que pudesse ser concretizado, o sonho ainda não passaria de uma ilusão.
Cidades construídas com cristais, monumentos gigantescos e a ausência de guerras e brigas. Um mundo onde a Paz era a lei e a Esperança o governaria. Um mundo onde o Amor pudesse florir em toda sua intensidade. Um mundo em que a utopia não seria uma ilusão.
Um mundo sonhado por Sakkaodo, um membro da família real da Terra. Um membro de uma família já extinta pela História. Seu nome jamais seria lembrado, suas ações, porém, jamais seriam esquecidas. Art da Casa de Endymion era como o chamavam. Um perseguidor de sonhos. De ideais.
Ele era uma pessoa de personalidade rara. Uma pessoa que, mesmo após vinte mil anos, perseguiria seus sonhos, construiria para que eles fossem realizados. Não importava quanto tempo fosse levar, quanto tempo fosse necessário... ele seguiria até o final de seus objetivos.
A única coisa que o pararia seria sua própria Morte. O dia em que seria libertado para o mundo dos seus sonhos. O dia em que tudo poderia ser real. O dia em que tudo poderia ser uma grande ilusão.
Não importava. Para ele, tudo era real.
Art sorriu pela primeira vez em milênios. Um sorriso de verdade, sincero, e não um daqueles de superioridade ou de escárnio. Um sorriso de felicidade. Estava feliz. Estava livre.
Seu corpo flutuou por entre as estrelas, seguindo a direção dos sonhos. Uma luz intensa e brilhante vinha do Sol, iluminando o caminho que escolhera. Ele nunca pediu muito da vida, exigiu muito de si e, no final, lá estava seu sonho.
Da luz, a imagem magnífica de Haru. A imagem de seu amor. Kyn da Casa de Saphir era como as pessoas mais a conheciam. Uma das princesas gêmeas de Mercúrio. Seu cabelo curto e preto, quase azulado, parecia absorver a luz do Sol que a irradiava em seu estado. Seus olhos azuis pareciam brilhar convidativamente para o selenita parado no éter.
Ela estendeu seu braço na direção dele, oferecendo-lhe um abraço. Art não hesitou por um instante sequer. Feliz, ele seguiu até a imagem fantasmagórica de seu amor. Estariam agora juntos. Para sempre.***
Sonhos são belas ilusões criadas por nós mesmos. Essas palavras ecoavam na mente dele como um lema a ser seguido. Por um instante, ele desejou que tudo aquilo fosse um grande sonho. Que tudo não tivesse passado de uma grande ilusão criada por sua mente.
Mas nada era simples se a ilusão era real. Ele acreditava que era real. Como então dizer que era uma ilusão? Como então dizer que era um sonho? Difícil. Era algo muito difícil. Assim, ele não tentou por uma segunda vez. Seus olhos negros vislumbraram a imagem do espaço, as estrelas pequeninas e infinitas a olharem em sua direção. Gases espalhados por milhares de anos-luz no éter infinito do espaço, planetas, rochas, estrelas, tudo a circular num ciclo eterno. Alguns mais velozes, outros mais lentos. Porém, tudo se movendo. Tudo se encaixando.
Tudo orientado pelo Tempo. Tudo controlado pelo Tempo.
Se o Tempo não existisse, o Caos seria inevitável. O que poderia controlar um universo sem o Tempo? O que poderia controlar aquele sincronismo, aquela harmonia?
Essa pergunta não tinha uma resposta para ele. Não poderia existir nada sem o Tempo. E o Tempo não poderia existir sem algo para controlar. Um dependia do outro e viveriam assim em harmonia eterna. Porém, como em qualquer harmonia, um distúrbio pode ser desastroso.
Compare com um lago límpido e calmo. O que acontece se você jogar uma pedra nele? A superfície começa a se agitar, mas depois de algum tempo, o lago estará calmo novamente. Continue a jogar as pedras, e não bastará mais do que o Tempo para que tudo volte à sua harmonia. Nada poderia quebrar aquela harmonia.
Agora, e se você jogasse uma pedra e a superfície não se agitar? E se o tempo não existisse para controlar aquela harmonia? E se alguma coisa exterior àquele mundo viesse perturbar o lago? Era certo que a longo ou médio prazo, tudo voltaria ao normal. Mas precisamos do Tempo.
Precisamos que o Tempo possa existir durante esse período de restauração natural. E era nisso que se baseava o pensamento dele. Era nisso que ele havia se concentrado durante a épica luta. Não era algo tão sobrenatural quanto sua mente poderia imaginar... ou sonhar, mas era muito mais do que ele poderia um dia ter como real.
Luz, Escuridão, Fogo, Água, Vento, Terra, Som, Frio, Metal, Eletricidade. Dez Elementos. Dentre elas, apenas o Som era o filho natural do Tempo. E era o seu próprio Elemento. O universo poderia ser dividido na mistura de todos aqueles Elementos e isso poderia permitir que ele fosse praticamente parte do universo. Compreendê-lo de uma forma melhor do que poderia imaginar. Conhecer as respostas de todas as suas perguntas.
Ou não. Talvez tudo fosse mais complexo, talvez tudo fosse diferente. Talvez ele estivesse a sonhar. A maravilhar-se com a ilusão que criara. Era tudo tão perfeito e harmônico... deveria haver algo de errado. Não poderia nunca existir tamanha perfeição, tanto equilíbrio. Talvez fosse tudo um sonho. Ou não.
Suas palavras começavam a assustá-lo, mas nada poderia mudar aquela sensação tão estranha. Era tudo tão estranho e irreal que era impossível deixar de ser uma ilusão. Seus olhos negros vasculharam pelo limbo em que se encontrava, nada indicando o que procurava. Pequeninos e vivazes, esses olhos pareciam querer olhar para tudo ao mesmo tempo, tentando absorver toda uma gama de informação que seria impossível mesmo que conseguisse tirar uma fotografia de tudo.
Mas ele jamais seria capaz de encontrar o que procurava. Aos poucos, a ilusão foi tornando-se mais e mais real. Seu ar acabava-se, mas em um novo estado ele se encontrava. Seu corpo frágil tornava-se incandescente, translúcido, físico... fantasmagórico. Seus sentidos começavam a rarear em sua mente e um turbilhão de pensamentos caóticos era o que reinava dentro de seu ser consciente.
Nada era fácil. Nada era difícil. Tudo fácil, tudo difícil. Possível impossível e impossível possível. Mistura, solidão, macro, micro... estranho.
Sua cabeça começava a doer, como se algo invisível estivesse a espremê-la, enquanto tudo começava a vir rápido demais em seu cérebro. Era como se alguém estivesse a gritar dentro dela e algum sádico ainda colocasse tudo aquilo espremido para caber ainda mais. Assim, a dor aumentava consideravelmente a cada instante, chegando ao ponto dele romper em gritos a sua garganta.
Som não foi produzido. Estava no éter... mas a calma anterior voltou no mesmo instante em que tentara gritar. Era como se todos aqueles gritos, aqueles pensamentos... deixassem de existir. Era tudo estranho. DEVIA ser um sonho. Ou um pesadelo.
Enxugando seus olhos úmidos pela dor, ele agradecia por não ouvir mais nada. Por não ouvir mais aquele barulho. Aquele som terrível que parecia ecoar incessantemente em sua cabeça algum tempo atrás. Estava grato por não ouvir mais. Porém, isso não eliminava a sua curiosidade. O barulho servira para que sua consciência tomasse conta de seus pensamentos e enfim ele questionasse em que parte de sua ilusão ele agora estava. Que lugar era aquele em que sons não eram produzidos e falta de ar não o incomodava?
Que ilusão era aquela que ele criara? Que som havia sido aquele? Perguntas e mais perguntas se formavam, mas apenas uma resposta veio. O universo começou então a se mover. Ou então era ele. Não importava: havia movimento, havia Tempo.
Aos poucos, ele reconhecia o lugar em que se encontrava, ainda que jamais tivesse tido a oportunidade de lá estar anteriormente. Aos poucos, ele conseguia reconhecer as grandes massas de rocha e gás que existiam diante de si. Porém, ele apenas adquiriu a certeza absoluta quando se encontrou diante do último dos planetas. Plutão.
Ele não sabia como ou porquê, apenas sabia que era Plutão. Algo dentro dele dizia aquilo com tanta intensidade que era impossível deixar de acreditar que fosse o estranho planeta do Sistema Solar. Pequenino, seu satélite vagarosamente circulava em sua órbita irregular, enquanto seu próprio corpo parecia ser atraído cada vez mais para o gélido planeta.
Não demorou muito, seu corpo era atraído de certa forma pela gravidade. Não sofreu uma queda, como era de se esperar, apenas pousou suavemente na superfície congelada do planeta. Como também era de se esperar. O chão feito de gelo e rochas parecia alheio à sua presença, enquanto passos tímidos eram dados numa direção que apenas seu espírito de aventuras poderia guiá-lo. Ele não sabia ao certo, apenas sabia o que deveria fazer.
Quase como instinto. Quase como se ele tivesse feito aquilo milhares de vezes. Seus olhos quase não demonstraram sinal de espanto quando avistou uma figura no horizonte. Seu passo aumentou, sua ansiedade cada vez maior. Sua curiosidade o guiava, ainda que uma parte de si já soubesse o que viria a ver. Não esteve enganado, porém.
Um bloco de gelo. Na verdade, apenas uma fina camada de gelo cobria o que realmente havia dentro dele. O corpo que um dia apenas existira em seus sonhos. Sonhos nos quais ele jamais havia acreditado até aquele momento. Sonhos dos quais as ilusões do passado compartilhavam.
O corpo de Fate.
Vitrificado em sua fragilidade, paralisado pelo tempo... o corpo imóvel e sem vida daquela que um dia jurara proteger aquilo que havia de mais precioso no mundo em que vivia: o Tempo. Seus olhos violetas não podiam mais ser vistos, fechados para o mundo que a cercava. Uma lágrima eterna estava congelada no canto de seus olhos, enquanto seu longo cabelo esverdeado nunca mais iria experimentar a brisa suave de um entardecer.
A vida, seu bem mais precioso, já deixava de existir. Aquilo era apenas seu corpo, um invólucro de carne que demoraria muito para se decompor. Aos olhos negros do rapaz, aquele era o estado final da Guardiã do Tempo. Aos seus olhos, já não havia quem pudesse proteger o Tempo, quem pudesse manter o equilíbrio para que os elementos pudessem coexistir. A presença da carne, daquela matéria crua e primitiva... não era nada. Nada se comparado ao que havia antes dentro dele. A alma, o espírito... como quiser chamar.
Nada era sem a vida, sem a determinação... difícil era dizer o que era ela, ou mesmo quem ela havia sido. Apenas podia dizer que havia uma falta inexplicável no mundo. Como uma formiga a ser pisoteada, ninguém notaria a falta de Sailor Pluto em todo o universo.
Mas ela faria falta. Seu coração apertou um pouco diante da visão, suas mãos debilmente tocando o rosto gelado daquela mulher. Gestos medrosos que ganhavam confiança até alisarem o rosto de Fate. Ele não soube quando seus olhos se inundaram de lágrimas, nem mesmo quando começou a soluçar... apenas sabia que aquilo fazia bem ao seu coração.
- Não precisa chorar... - disse então uma voz, perturbando o silêncio e a calmaria daquele lugar. - Eu estou aqui.
A figura etérea de uma mulher sorrindo na sua direção emergiu diante dele, flutuando no ar como era próprio de sua natureza. Ele, porém, não se assustou, sentindo-se até mesmo confortável na presença daquele espírito. Seu cabelo longo e verde balouçava como se ali ventasse, seus olhos violetas presos em sua direção com um orgulho onisciente em seu sorriso.
O rapaz não soube como dizer, ou mesmo como explicar, mas apenas sentiu a necessidade de dizer palavras que há muito tempo engasgavam em sua garganta, petrificadas pela sua voz. Enxugando as lágrimas, ele surpreendeu apenas com a intensidade de sua voz, ao mesmo tempo em que permanecia suave e calma diante da reminiscência de Fate.
- Senti a sua falta... - falou o garoto, caminhando fracamente na direção do espírito.
- Você cresceu bastante. - comentou ela, seus rostos agora mais próximos. - Estou orgulhosa de você.
Ele sorriu na direção dela, apenas porque pareceu-lhe certo fazer aquilo. Não existiam mais as limitações do cérebro e agora estavam a agir mais por instinto. Uma conversa como aquela... não teria sido possível certo tempo atrás.
- Obrigado. - agradeceu o rapaz, não escondendo o sorriso e tampouco a curiosidade. - Posso fazer uma pergunta?
- Quantas você quiser. - respondeu ela, sorrindo também. Deveriam ter feito isso muito tempo atrás.
- O que aconteceu? - perguntou ele, enquanto ambos caminhavam para o bloco de gelo, ou melhor, para as ruínas em volta dele.
Ela permaneceu em silêncio durante a caminhada, observando com certo cuidado seu próprio corpo congelado no frio do planeta. Demorou um pouco, até ele repetir a pergunta, ao mesmo tempo que sentava-se confortavelmente no meio das rochas. Seu olhar evitava olhar para ela algumas vezes, quase como a custar a acreditar que ali estivesse realmente.
Ao mesmo tempo, ele não queria ter a certeza daquilo ser uma ilusão. Fate olhava agora em sua direção como se estivesse insegura de como responder à pergunta. Afinal, haviam tantos pontos em comum, tantas linhas a serem contadas... a pergunta era vasta e a resposta que ele queria era uma simples e única. Mesmo sabendo qual seria a resposta que ele desejava, ela permaneceu incerta de como agir. Já estava começando a se acostumar com aquele acaso que tanto a cercou desde a invasão de Dark Angel.
- Muita coisa aconteceu. - respondeu Pluto, ainda que não respondendo ao mesmo tempo. Seu sorriso continuou, enquanto ela sentava ao lado do rapaz. Seus olhos então se cruzaram, não deixando de fitar um ao outro a partir daquele instante. - E muita coisa mudou.
- Foi real? - perguntou ele, seus olhos dizendo o passado que um dia tivera. Um passado de uma vida que ele já não mais tinha. - Foi real o que passei? Um mundo em que tudo não passava de...
- Chronos existiu. - respondeu Fate, não querendo ouvir a opinião do garoto sobre o Milênio de Prata. Ele tinha seus motivos, no entanto. - Seu poder transcendeu o de seus pais, pois foi usado com a inteligência que cultivava desde seu nascimento.
- Nesse caso... - começou Martin, incerto de sua conclusão. - ... eu sou Chronos?
- Sim... e não, ao mesmo tempo. - respondeu Fate, seu sorriso desaparecendo. - As memórias de Chronos permanecem dentro de sua mente. E apenas você saberá se irá ou não usar essas memórias. Cabe também saber como as usar. Chronos morreu na queda do Milênio de Prata. E Chronos vive dentro de você. Dizer que são os mesmos ou diferentes é dizer a mesma coisa.
- Deve gostar muito de enigmas. - comentou Martin, erguendo uma sobrancelha. - E quanto aos outros?
- Eles também estão fazendo as mesmas escolhas que você está a fazer neste momento. - respondeu Fate, suas mãos sentindo a falta do peso da Time Staff. - Embora não tenham a mesma sorte que você tem neste momento.
- Ter o Acaso ao meu lado deve ajudar. - comentou Martin, sorrindo sarcasticamente. - Só que isso não ilumina de forma alguma as decisões que terei que fazer. Principalmente porque não sei quais são minhas alternativas.
- Você saberá. - falou Fate, suas mãos tocando levemente as de Martin. Ao contrário do que poderiam pensar, eles conseguiram sentir o toque. - Você sempre soube no momento certo o que fazer.
- Chronos morreu. - repetiu Martin, sua atenção agora voltada para a Guardiã do Tempo. - Mas você não está morta por tanto tempo. - comentou ele, olhando de relance o corpo congelado da Senshi. - Por que não impediu as histórias, Fate?
- Porque elas não faziam mal. - respondeu Fate, seu sorriso explicando a ele a função de um Destiny Kishi, ainda que adormecido. - E a história não pode ser impedida de ser escrita. A História é o que marca o passado e as lições que devemos aprender. É o que marca o segredo para o sucesso ao nos mostrar os caminhos do fracasso.
- Fico mais tranqüilo. - comentou Martin. - Saber que o que vier a escrever tornar-se-ia real começa a ser algo assustador. E se algum dia eu tivesse destruído um universo inteiro apenas porque estava deprimido?
- Sabe perfeitamente que se estivesse deprimido, o curso da sua história seria outro bem diferente. - respondeu Fate, piscando um olho.
- ... ok. - concordou Martin, levemente ruborizado. - E a teoria do Multiverso? - perguntou Martin, sendo aquela uma das primeiras discussões que tivera com os outros ficwriters. Sendo também que muitos antes deles já haviam conjeturado sobre o assunto. - Existe realmente um universo lá fora onde Martin deixa de ser Chronos? Um em que o Milênio de Prata jamais existiu? Um em que tudo o que fãs de anime fazem é esperar que uma emissora de televisão se interesse por aquele pequeno público em particular e que são criticados por 'violência excessiva'?
- Quem sabe? - respondeu Pluto, rindo levemente. - O que sei é que um além desse também existe. O universo em que o Milênio de Prata não apenas caiu, como foi derrotado. Um em que corações dominados por medo e ódio são a base de um Império Negro.
- Um em que existe Dark Angel. - terminou Martin, antes de suspirar. Ele quem havia dado a idéia daquele universo. - Eu sei a história. Infelizmente, eu sei.
- Não. - discordou Fate, seu olhar severo na direção dele. - Não tente julgar que sabe apenas por ter dado uma rápida olhada de um quadro. Você não sabe inteiramente da história.
- E você sabe? - desafiou Martin, aproveitando o rumo da conversa.
- Sim. E Chronos também. - adicionou ela, seu olhar mudando para algo mais maternal. - E você apenas virá a realmente saber quando as memórias certas vierem.
- E quando essas memórias virão?
- Quando você fizer as perguntas certas. - respondeu Pluto, agora fixando seu olhar num ponto qualquer do céu. - As perguntas que você pode fazer são tantas quantas as estrelas desse céu. Se você souber qual delas é a sua pergunta, você saberá qual o caminho que deverá fazer. Terá todas as respostas que pode imaginar ter.
- Suponho então que Dark Angel sempre soube fazer as perguntas certas.
- Sim. - concordou a Senshi, seu olhar não deixando de refletir a fraca luz das estrelas. - Mas nem sempre ele seguiu a estrela certa.
- Como saber então se eu não irei fazer o mesmo que ele? Como então saber que estrela seguir? - perguntou Martin, confundindo-se ao olhar todas aquelas estrelas. Cada uma delas podendo representar a sua decisão sobre o que faria. E o mais importante agora, sobre o que os que acreditavam nele decidiriam. - Como posso saber que estrela estou seguindo?
- Você sempre saberá. - respondeu Fate. - O erro cometido por Dark Angel foi confiar demais na razão. E isso que o levou ao mais escuro dos universos que possam existir.
- Consigo pensar em piores. - comentou Martin, mas logo voltando sua atenção para as estrelas. - E deixar um pisciano para decidir certamente não levará a algum lugar bom.
- Ser emotivo tem suas vantagens. - conformou Sailor Pluto, sabendo o que afligia tanto a decisão de Martin.
- E também suas desvantagens. - completou Martin, lembrando de algo que dificilmente sairia de sua mente. - Paolla...
- Ela fez o que ela acreditava ser o certo.
- Eu também fiz. - defendeu-se Martin. - E nem por isso sou quem está numa bolha colorida. Nem por isso sofri o que eles sofreram nas mãos de Art, Neko e Kare. Nem por isso fui parar num hospital por causa desse conflito de emoções. Dessa tempestade que os três fizeram desde...
- ... desde a minha morte. - interrompeu Fate. - Sim, eu sei que o que eles fizeram não foi o mais correto... mas veja as possibilidades que isso abriu. O mundo que vocês imaginaram não aconteceu, o mundo descrito pelas suas próprias palavras deixou de existir no instante em que eles começaram a intervir. Ainda que as intenções fossem outras, o resultado favoreceu este mundo. Favoreceu para que uma chance melhor fosse usada contra Dark Angel.
- Ao mesmo tempo... - disse Martin, seu fôlego cansado e não muito disposto a discussões. - Ao mesmo tempo, trouxeram muita dor e sofrimento. Como posso explicar o que aconteceu com Paolla? Ami, por exemplo, nunca mais vai querer olhar em meus olhos depois disso... tenho certeza.
- Mas comparada com a dor e sofrimento que haveriam na história que vocês estavam a escrever... foi um preço justo e aceitável. - disse Pluto, sua voz grave e triste. - Claro que dor nenhuma seria muito melhor, mas o que fazer quando suas opções se limitam a apenas algumas?
- ... ainda assim... isso dói. - murmurou o ficwriter. - Vou sentir falta dela...
- Não fale como se ela já estivesse morta. - observou Fate. - Se você desistir, como pode exigir que os outros não desistam?
- Se nada eu exigir, nada precisarei fazer. - devolveu Martin, seu olhar indo para os olhos de Fate. - Só que não penso assim.
- Eu sei. - concordou a Guardiã do Tempo, um sorriso cínico em seu rosto. - E, pelo visto, está se sentindo bem melhor.
- Sim... - respondeu o brasileiro, seu olhar perdido nas estrelas. Ele sorriu ao perceber aquilo também. A conversa o havia deixado bem melhor do que antes, ainda que aquilo fosse uma ilusão. - Obrigado por estar aqui.
- Eu sempre estive aqui. - respondeu Pluto, levantando-se.
- Espere! - disse Martin, assustando-se com a partida dela. - Eu tenho ainda mais uma pergunta...
- E qual é? - perguntou Meiou Setsuna, sem sequer se virar na direção do ficwriter.
- O Tempo precisa de um guardião. - afirmou ele, seus olhos observando a figura de Fate desaparecer em pleno ar. - E um guardião precisa da Time Staff. Onde estão ambos?
- Dark Angel. - respondeu apenas a Senshi de Plutão, caminhando pela superfície de gelo e rochas.
Martin observou ela desaparecer, mas não havia nada além de gratidão em seus olhos. Ele poderia ter várias coisas a dizer para ela, muitas boas e muitas ruins. Mas, no final, ele sabia que teria que agradecer a ela por aquela oportunidade. Seus pensamentos então focaram numa estrela qualquer, como se seu olhar pudesse dizer o nome dela com isso.
Surpreendentemente, aquela era a estrela que procurava. A que tinha o nome de Dark Angel.***
Vozes. O som de vozes, ainda que não estivessem em harmonia ou melodia, era um som que trazia alívio aos seus ouvidos. Um som que indicava que ainda estava vivo, respirando. Pareciam estar exaltadas as vozes, dificilmente sendo possível de distinguir o que diziam. Mas o significado não importava se ele estava vivo.
- Hnn... - disse ele, sentindo sua cabeça explodir com o despertar.
Aos poucos, as suas forças voltavam e abria com cuidado seus olhos. Para a sua sorte, estava num quarto escuro, ainda que a luz do Sol penetrasse pelas venezianas da janela. Acostumando aos poucos com a luz existente, ele tentava lembrar onde estava e o que fazia ali. Demorou um pouco até questionar sobre a origens daquelas vozes.
A resposta veio em seguida, sua atenção centrada na sua própria audição. As vozes vinham de fora do quarto, mais propriamente da porta. Alguém gritava alguma coisa, parecendo que queria entrar naquele cômodo com toda a sua vontade. Olhando ao redor, ele não encontrou, porém, qualquer coisa que justificasse tamanha gritaria e vontade.
A determinação da voz, entretanto, havia sido o suficiente para então abrir abruptamente a porta. Diversos olhos encontraram espantados a sua figura sentada no futon. Com o corpo ferido, gazes cobriam seu peito, as quais ele notava naquele instante em que protegia seus olhos da luz abundante que vinha de fora.
A voz que tanto gritava então pareceu estar quieta, as mãos procurando rapidamente pelo interruptor. Nisso, uma onda massiva de luz inundou aquele quarto mórbido. A vida parecia brotar de cada canto, enquanto sua visão praticamente machucava-se com a quantidade de luz. A voz, no entanto, não demorou até que começasse a questionar furiosamente na sua direção.
Ele não conseguiu entender, sua mente estando ainda muito confusa entre o despertar e o sonhar. Levou algum tempo até que tudo parecia encaixar na sua mente, até que uma voz conhecida então se manifestasse.
- Hiya, Cousin! - disse a voz. Ele apenas conseguiu sorrir ao ver a imagem de seu primo formar-se na sua frente.
- Yo, Cousin! - retribuiu ele o cumprimento, não deixando de notar que seu primo estava igualmente ferido e igualmente tendo esses ferimentos tratados. Com exceção da cicatriz a la Street Fighter.
A voz irritadiça e furiosa, todavia, não era de seu primo. Ela viera logo em seguida, agora certa de que ele poderia ouvir com clareza. Seus olhos, por outro lado, surpreendiam-se com a quantidade de gente que estava ali a se enfiar naquele agora minúsculo quarto. Diante dele, observavam os rostos de muitas pessoas, cada qual com uma expressão diferente. Alguns com medo, outros com felicidade. Alívio, assim como fúria também estavam presentes, tornando a cena pitoresca para a sua mente.
O primeiro rosto, depois de 'Cousin', havia sido o predominado pela fúria. Ele engoliu em seco ao reconhecer aquele rosto. Mizuno Ami... aquela expressão pouco combinava com seu gênio normal, mas ele não poderia culpá-la depois do que havia acontecido... algum tempo atrás.
- ... ONDE ESTÁ LIMY-CHAN? - foi o que ele conseguiu ouvir entre suas demandas e ataques de fúria. Isso apenas serviu para que sua voz se tornasse fria e insensível ao que estava diante de si, seu bom humor tendo sido dissipado naquele mesmo instante.
Se havia uma coisa com que Martin Siu, a.k.a. MADS & cia, não suportava... essa coisa haveria de ser uma pessoa gritar com ele com aquele tom tão incisivo de voz.
- Ela está num mundo melhor. - respondeu ele de uma só vez, enquanto outras pessoas pareciam querer acalmar a garota.
O silêncio que viera a seguir era algo inevitável, ninguém ali presente preparado para ouvir aquilo de uma forma tão... cruel. Ainda que tivesse usado um eufemismo, aquilo não justificava as palavras que ele havia usado. Por outro lado, uma outra pessoa ficou furiosa diante daquilo, mas não por causa das palavras... mas pelo que elas significavam.
- Eu confiei em você... - disse a loira que se adiantava na frente de todos. Usagi tinha lágrimas em seus olhos, enquanto caminhava para abraçar a selenita em soluços.
- ... ela não sente mais dor. - garantiu Martin, sabendo que suas palavras não estavam sendo bem escolhidas para o momento.
- Ele ainda está cansado. - disse então uma pessoa que Martin jamais esperaria que fosse dizer aquilo. Makoto. - Deixem-no descansar.
Assim, o quarto esvaziava aos poucos, com a exceção de algumas. Estas ainda queriam suas respostas naquele momento. Ricardo era uma delas, juntamente com Chris, Haruka, Ryu, Mamoru, Henrique e Hélio. Todos estavam em volta dele, mas Haruka foi a primeira a dizer alguma coisa depois que todas haviam ido consolar a mercuriana.
- Poderia ter dito de outra forma. - criticou ela, mesmo sabendo que deveria ter sido algo inevitável.
- Ainda que eu tivesse feito isso... - falou Martin, sua voz agora mais calma e sensata. - ... não teria mudado nada. Além disso, detesto acordar com alguém gritando coisas no meu ouvido. Vou me desculpar com ela mais tarde... está bem?
- Será melhor. - comentou Henrique, ainda se lembrando de algumas... coisas que Martin havia dito no seu primeiro mês de estadia. Além disso, parecia estranho ele falar japonês tão bem daquela forma. Considerando que ele ainda não tivera suas aulas sobre a língua. Ou gatos guardiões jogando raios de 'momento cultural' na sua cabeça.
- {Aliás, Henrique... tente não dizer seu nick por aqui.} - alertou o ficwriter, ajeitando-se melhor onde estava. - {A garota dos trovões ainda deve estar zangada com... aquelas cenas. Sabe, DK2.}
- {E você acha que eu sou doido? Quer dizer, SUICIDA???} - respondeu Henrique 'Ranma', tentando não elevar seu tom de voz.
- O que foi? - perguntou Haruka, não gostando do tipo de segredos que os Destiny Kishi poderiam ter.
- Martin estava... perguntando se Henrique ainda se lembrava de um site da Internet. - falou rapidamente Hélio, tendo entendido nas entrelinhas o que Makoto faria caso tivesse lido seu primeiro fanfic. E o que viria a dizer a respeito de dragões e companhia.
- Hai. - concordaram no mesmo instante os dois citados.
- Internet??? - estranhou Haruka. - Ele acaba de restaurar a Linha do Tempo, matar irmãos-de-armas selenitas e ele pergunta sobre... INTERNET???
Bem, talvez a desculpa não precisasse ter sido dada tão rapidamente... era o que concluíam os brasileiros. Claro que Martin, por sua vez, tentou defender-se da melhor forma possível.
- Antes de ser um selenita maníaco pela guarda do Tempo, eu sou ainda um ficwriter. E para ser um ficwriter, eu preciso antes saber ler. - disse ele, lembrando-se de algumas coisas muito interessantes. - E foram esses fics que talvez tenham me dado essa visão maior do mundo. Ou despertado o que escrevi nos meus fanfics. De qualquer forma, é bom verificar.
- E eu pensava que nós é que éramos esquisitos... - comentou Chris, coçando a própria nuca. - Por falar nisso... não há nada que vocês possam fazer? - perguntou o Dragon Kishi, seu olhar direcionado para Martin.
- Como assim? - perguntou ele, não entendendo.
- Nós somos ficwriters. - disse Henrique, respondendo no lugar de Martin. - Não deuses da Linha Temporal.
- Não acha isso hipocrisia demais? - devolveu Haruka. - Fizeram o que bem quiseram e agora...
- AH! CLARO! - falou Hélio, seu humor tempestivo evidenciando a presença de Silver Sky. - TANTO fizemos o que bem quisemos que TAMBÉM morremos durante a queda do Milênio de Prata! MUITA coisa, evidentemente...
- Isso não muda a situação. - falou Haruka, seus olhos enfrentando os de Silver Sky. - Se aqueles três conseguiram fazer o que fizeram até agora, vocês que são muito mais podem perfeit...
- CHEGA! - gritou Martin, interrompendo a discussão que viria. Acordar no meio de grito era uma coisa, ficar ouvindo gritaria era outra ainda pior. Com o olhar abaixado, pensamentos que haviam vindo de sonhos voltavam a preencher em sua mente. - Se fizermos o mesmo, não seremos melhores do que Art. Não teremos aprendido a lição. Repetir os erros do passado é insensatez... não peça para fazermos o que não podemos.
- Que não podem ou não querem? - perguntou Chris, retirando-se do quarto. Haruka o seguiu logo depois, desferindo olhares perigosos na direção dos quatro Destiny Kishi presentes.
- Vocês podiam ter realmente falado de forma diferente. - comentou Ryu, apoiando suas costas na parede.
Ele permaneceu ali, em silêncio, pensativo sobre tudo que havia ocorrido. Ryu perdia-se entre os seus últimos pesadelos, muito recorrentes sobre um assunto de seu passado que jamais seria abandonado. Descobrir a causa daqueles pesadelos, a causa de todo aquele sofrimento... era como ofertar a ele a chance de uma vingança.
Mais do que ninguém, ele entendia a dor pela qual Chris estava a sofrer. Entendia os remorsos de Haruka. A imagem de Kyoko, toda ensangüentada, não seria facilmente esquecida por seus olhos. Aquele vermelho tão característico... tão distinto, era improvável que esquecesse de tudo. E diante deles estavam alguns dos responsáveis pela Linha do Tempo. Pessoas que poderiam ter mudado aquele rumo. Pessoas que tinham em suas mãos a oportunidade de mudarem a trajetória do tempo.
Pessoas que poderiam ter evitado tudo aquilo. Mas Ryu não era do tipo vingativo, bom, não daquele tipo de vingança. Sentia muito, porém nada poderia mudar o passado. Nada poderia ter mudado a chegada de Dark Angel.
O olhar surpreso de Pluto quando ele a acertou... era ainda uma imagem muito forte e recorrente. Pluto não sabia o que estava acontecendo com o Tempo. Pluto não sabia para onde o Tempo estava indo. Ela não sabia. Art e as duas Destiny Kishi apenas aproveitaram o momento para realizarem seus sonhos... ainda que à custa do sofrimento de outros.
- Está enganado. - disse Ricardo, notando o que Ryu estava a pensar. Sua voz estava altiva, ciente da pessoa com quem falava. - Julgar dessa forma... está errado. - disse ele, caminhando até o Dragon Kishi. - Se acreditarmos que tudo poderia ser resolvido neste instante... neste momento em que a Linha do Tempo está tão difusa...
- Não haveria qualquer lição. - terminou Henrique. - Não importa qual seja o preço da lição se todos nós compreendermos ela por inteiro. Vivemos para aprender, para compreender o que a Vida oferece.
- Se esquecermos disso tudo, se a Morte não existisse... - disse Hélio, cerrando seus punhos. - De que adiantaria isso tudo? Não iríamos aprender da mesma forma.
- Isso é cruel. - disse Ryu. - E não acredito que sejam selenitas que falem isso para mim.
- Ainda assim, saberá que estamos certos. - terminou Martin, sua voz desaparecendo num turbilhão de pensamentos. - Se tudo fosse fácil... não daríamos às coisas o seu devido valor.
- Faz parte da natureza humana. - disse Ricardo. - Apenas damos valor às coisas que perdemos.
- Mas não deixa de ser cruel. - concluiu ainda Ryu, seus passos o levando até a porta. - E quem os nomeou 'professores' da Vida... 'Destiny' Kishi? - terminou ele, desaparecendo nos corredores do templo.
A resposta àquela pergunta não viera de nenhum dos quatro Destiny Kishi. O que faziam podia ser o errado... mas acreditavam naquilo. Eles não eram os 'professores' da Vida. Eles apenas guardavam o Tempo. Lutavam pela sua segurança. Mas como havia dito Chronos antes da Queda do Milênio...
"De que adianta conseguirmos salvar o Tempo... se não conseguimos salvar aqueles que gostamos?"
O silêncio era a única resposta que os Destiny Kishi souberam dar naquele momento ao Dragon Kishi da Lua. A vida era cruel. Eles não.
Martin fechou seus olhos, sua decisão tendo sido tomada. Resoluto, ele se levantou e começou a caminhar.***
E silêncio era também o único conforto que as Senshi conseguiam oferecer àquela que mais sofria naquele instante. Sailor Mercury... Senshi de Mercúrio... Saphir... Mizuno Ami... não importava o nome que dessem a ela, continuava a ser a mesma pessoa. Continuava a ter os mesmos ideais, os mesmos pensamentos... continuava a ser a mesma pessoa.
Porém, as pessoas apenas são o que são devido às pessoas que as cercam, os acontecimentos, os relacionamentos, os momentos... uma pessoa não se constrói sozinha. Não se define por si só. Naquele momento de desamparo, Ami tinha um vazio profundo em seu coração. Estava inconformada, triste, deprimida... ao mesmo tempo, também sentia um misto de raiva, ódio e rancor. Eram tantas coisas acontecendo, tantos sentimentos se misturando... ela sequer tinha certeza do que acontecia.
Isso porque ela estava com saudades. Uma saudade que seria agora eterna. Ainda que tivesse sido por tão pouco tempo em sua vida jovem, Paolla havia sido uma pessoa que partilhara com ela momentos eternos. A sensação de ter uma irmã era uma das emoções mais fortes que havia tido até então. Sem saber o porquê, a garota de cabelos azuis somente conseguia pensar nela.
No momento em que ela chegou em sua casa. Nos momentos em que ficavam a brincar, a jogar no computador, a escola, as compras, o acidente, o hospital... haviam partilhado tanto de suas vidas, partilhado tantas alegrias e tantas tristezas... E agora estava tudo acabado. Ela não queria acreditar naquilo. Não queria.
O momento em que acreditasse poderia ser o momento em que ela daria as suas costas à tudo aquilo que compartilharam. O momento em que ela se esqueceria de Kyn, de Limy-chan. Da garotinha engraçada que não queria se alimentar na cama do hospital...
Esses sentimentos apenas aprofundavam a tristeza que a Senshi... não, que a garota Mizuno Ami sentia em seu coração. Ela ainda era uma garota, e como qualquer garota, tinha seus sentimentos. Não poderia dar as costas à quem era, à quem acreditava.
Isso ela não podia permitir. Mizuno Ami... seu coração, no entanto, não era de pedra e nem de gelo. A tristeza arrancava lágrimas de seus olhos, engolia um pedaço de seu ser, devorava muito de sua alma. Soluços escapavam de seu choro, sua única reação diante daquela perda. E ela não queria acreditar naquela perda. Essa era a razão de seu ódio, de sua frustração.
Ela queria aquela sua irmã ao lado dela, naquele instante. Não queria as suas amigas, não queria seus amigos, não queria sua mãe... queria a sua irmã. Sua única irmã. Ami estava triste e ninguém, além de sua irmã, saberia como amenizar aquela dor. Como tirar um sorriso seu diante de toda aquela tristeza em seu ser.
Mas quanto mais ela pensava na sua 'Limy-chan', mais falta ela sentia. Mais uma dor aguçava em seu peito. Suas pernas já estavam fracas, sequer suportando seu peso, suas mãos a tremer como se pudessem trazer a garota de seu túmulo naquele instante.
Todavia, acima de qualquer coisa, ela sentia remorsos. Remorsos por não ter sido forte. Sentia-se culpada, remorsos por não ter sido forte o suficiente para ajudar Limy-chan, para apoiá-la em seus momentos finais. Aquilo talvez fosse o que mais doía em seu coração. Mas ela não saberia dizer. Não sem Limy-chan.
Ela agora se culpava por não ter sido forte, por não ter sido ela a escolhida a ser Destiny Kishi, por não ter tido vontade o suficiente para ficar ali ao seu lado quando a arrastaram daquele lugar. Seu coração não era de pedra... ela repetia isso como se pudesse se proteger de alguma coisa.
De alguém. Seu coração não era de pedra. Não era de gelo.
- Eu sinto muito. - disse então uma voz, sobrepujando o seu choro e chamando a sua atenção. Era uma voz familiar...
Ao mesmo tempo, era muito estranha. Era a voz de alguém que ela não havia escutado por muito tempo. Uma voz diferente da que usualmente era. Diferente do tom sarcástico, diferente da frieza existente em sua voz na maior parte do tempo. Aquela era uma voz diferente.
- Eu sinto muito mesmo. - repetiu a voz, novamente preenchida pela emoção. Qual era ela, Ami não saberia dizer. Talvez companheirismo e solidariedade, talvez apenas pelo fato de sentir realmente o mesmo que ela. Mas não havia certeza. Não depois do que fizera.
Foi quando ela olhou para seus olhos. Vermelhos como o restante de seu rosto, ele parecia estar enfrentando uma situação muito pior que a dela. Uma dor talvez maior ainda. Ter chorado ainda mais. Ami não quis acreditar no que estava a ver. Não queria acreditar naqueles olhos traiçoeiros... mas a voz.
Ele não era capaz de esconder a entonação de sua voz. Não era capaz de esconder sequer os sentimentos em seus olhos. Crente nisso, Ami observou novamente os olhos da pessoa que dissera aquelas palavras. Não haviam mudado de expressão. Não era como se fosse dizer 'acabou tudo, vamos voltar para casa'. Era como se realmente dissesse 'eu sinto muito'.
Talvez seus olhos estivessem embaçados devido às suas lágrimas, Ami não tinha certeza. Fracamente, ela conseguiu limpar as lágrimas de seu rosto, enxugando seus olhos para melhor observar.
Estava chorando. Aquele que parecia ter um coração de pedra, um coração que não pulsava nada além de gelo... estava chorando. Mostrando a pessoa que ela conhecera durante todo aquele tempo. Uma pessoa de quem também sentia saudades, mas que só naquele momento ela percebeu ter.
Martin caminhou na direção da Senshi, as pernas dela não colaborando para repetir o gesto. Ele não quis, entretanto. Caminhou no mesmo passo que possuía, nem devagar e nem rápido. Aproximou-se em pouco tempo, a distância já sendo curta. Seus olhos pareciam querer prender as lágrimas, recusando-se a aceitar a tristeza que sentia naquele instante.
Seus olhos também diziam muito mais do que palavras iriam poder dizer. Hesitante a princípio, ele surpreendeu a si mesmo quando abraçou a garota. Suspirou logo depois, enquanto tentava confortar Ami. Suas palavras engasgaram-se em sua garganta quando ela devolveu o abraço e começou a chorar em seus ombros.
Ele então não conseguiu segurar mais as lágrimas. Elas caíram, quentes e carregadas, no chão. Martin nunca tivera um coração de pedra... ao contrário, devia ser o que mais trazia problemas a ele. Abraçado a Ami, ele apenas conseguiu dizer as mesmas palavras.
- Eu sinto muito... - disse ele, desta vez fechando seus olhos. Ami não conseguia outra coisa além de lágrimas. Qualquer outra coisa que ele viesse a dizer a seguir... não conseguiria sair de sua garganta. Não foram pronunciadas outras palavras.
Martin ainda estava fraco devido ao esforço que tivera sabe-se-lá-quantos-dias-atrás, mas não importava a ele no momento. Tudo o que importava agora era como superar o que foi causado por Paolla. Abrindo os olhos, ele observava lentamente as Senshi e os Kishi ao seu redor. Cada um deles solidário com a dor de Ami, alguns talvez a compartilharem da mesma dor.
Não importava a Martin agora explicar os últimos momentos de Paolla. Nada mais importava. Tudo o que havia era uma tristeza, mesmo que pequena, de cada um deles. A falta que Paolla fazia já era evidente. E preso naqueles pensamentos, Martin não teve outra conclusão.
"Paolla-san no baka..." pensou ele, abraçando com maior firmeza a garota em seus braços. "... só traz problemas..." terminou ele, soluçando e desprendendo um choro que há muito não saía.
- Ja na, Paolla-tomodachi... - falou a voz de Martin por todos.***
Uma lágrima caiu no chão.
Ninguém notaria aquela lágrima, no entanto. Tivesse alguém viajado para um lugar em que os sonhos pudessem ser reais, tivesse ainda a força de erguer montanhas e céus, tivesse ainda a vontade de ali estar...
Essa pessoa teria visto a lágrima a marcar o chão. Indagaria de quem era aquela lágrima, mas nenhuma resposta viria.
Nenhuma pessoa estava lá.
A única resposta então seria a mais absurda de todas. A lágrima...
... seria da esfera ali presente.
Multicolorida.
Pulsando com vida.F I M
Página integrante da Jikan no Senshi Destiny Kishi
Criada em 2001 por X/MADS!