Tempestade de Ilusões
by
Ami Ikari & X/MADS!Capítulo 06: Tsuki no Kitsune
"Reality is merely an illusion, albeit a very persistent one."
-= Albert Einstein =-- NANI YO?!? - gritou uma voz irada.
Aquela, certamente, era uma reação premeditada. Principalmente pelo guri de colegial com fortes tendências fanfictianas. No caso, Henrique observou pacientemente a perseguição de Cloud e Tolaris no parque paulistano. Claro, o fato dele ter contado isso de modo que a culpa caísse inteiramente sobre Tolaris pareceu favorecer a sua calma.
Edson, por outro lado, estava querendo fazer patê de Tolaris naquele instante. Principalmente porque ele tivera que acordar CEDO para algo que deveria ter acontecido no DIA ANTERIOR. O que lhe era extremamente desagradável. E para Tolaris também, naquele instante.
- Tolaris, você devia ter telefonado pro R-kun confirmando o dia da viagem ANTES de me avisar!!! - gritou Edson, perseguindo Daniel pelo parque Ibirapuera. Daniel, evidentemente, estava mais preocupado em correr do que em retrucar as queixas de seu amigo. - Ainda bem que você não 'arrastou' mais ninguém para cá!
- Bom, eu até tentei trazer a Anne... - comentou Tolaris durante um breve 'intervalo' no qual Cloud tentava recuperar parte de seu fôlego.
Henrique 'Ranma' apenas continuou a caminhar tranquilamente atrás de Edson 'Cloud', acompanhando com passos lentos a estranha corrida que alguns transeuntes não conseguiam deixar de olhar. Afinal, embora não fosse incomum ver dois rapazes correndo pelo parque, era por demais esquisito vê-los correndo de calça jeans, traje deveras inadequado para a prática de um 'cooper matinal'.
Observando a luz do sol que passava pelos galhos das árvores, Henrique não conseguia parar de pensar na estranha sensação que o seguia desde o momento em que entrara no parque. Claro, apenas havia entrado porque Tolaris, por motivos de 'segurança pessoal', havia dito que precisava fazer uma coisa no Detran. Mais evidentemente, ele NÃO precisava fazer nada na central do Detran, mas apenas revelou o porque de não precisarem correr atrás do avião de Ricardo. Parecia uma medida premeditada do primo de seu primo, como bem ele frisava esse título, uma vez que isso desobrigava o uso do carro já que o parque não era tão longe de sua casa.
Claro, depois da 'revelação do ano', um Cloud começou a correr atrás de um Tolaris que estava a meio caminho do parque. Agora, lá estava ele, Henrique 'Ranma' Loyola, autor da saga dos Dragon Kishi, caminhando em um parque... ambiente considerado MUITO prejudicial à saúde de personagens dos fanfics de NDK. Atrás de si, o complexo da bienal era visível enquanto continuava a se afastar.
Felizmente, não havia nenhuma Bienal dos Livros naquele instante, ou ele correria o sério risco de se influenciar pelo 'Mundo de Sofia'. Ao menos, era o que MADS afirmava ter lido antes de sua... 'paranóia'. Fazendo uma careta, Henrique começou a se perguntar quanto tempo mais Tolaris agüentaria correr. E por quanto tempo mais Cloud iria continuar na perseguição.
Parando por um instante, Henrique observou a enorme árvore ao seu lado. Sua mão tocou o robusto tronco da árvore, sentindo a aspereza de sua casca. Isso forneceu a ele uma vaga esperança de sua hipótese. Quer dizer, uma das suas hipóteses a respeito do Multiverso. Ele conseguia sentir a árvore, diferentemente de personagens de ficção. Todavia, estes também poderiam sentir, se assim desejassem os escritores.
Mas ele não era um personagem. Tampouco eram Daniel e Edson, mesmo sendo acostumados a serem chamados pelos seus nicknames de Internet, nomes retirados de personagens de ficção. Eles também sentiriam a aspereza da casca da árvore, sorveriam o poluído ar paulistano e constrastariam com o ar menos poluído do parque Ibirapuera. Tudo isso acontecia independente de sua vontade e paralelo aos seus pensamentos. Um escritor não conseguiria descrever tudo o que ocorre num único instante, acreditava Henrique.
Mesmo assim, a sensação de 'perigo' ainda persistia na mente do jovem ficwriter. Não era algo comum de se acontecer, disso ele tinha a certeza. Mas a imagem de sua sombra cobrindo o chão parecia aumentar em seu ser aquela inexplicável impressão de 'perigo'.
"Dizem que são as mulheres as dotadas de um 'sexto sentido'. Provavelmente, quem disse isso pela primeira vez não conhecia os mistérios da mente de um ficwriter adolescente." concluiu Henrique. Claro, aquele que ousasse dizer ALGO a respeito do personagem amaldiçoado por uma lagoa chinesa que inspirou o seu nickname iria parar ao lado daquele que fizesse o trocadilho com seu sobrenome. Henrique sabia de uma coisa, porém. Ele não era um kalyriano ou um híbrido, apenas um terrestre comum; em suas veias não corria o sangue daqueles dotados da Ligação.
Mesmo os gritos contínuos de Tolaris não atrapalhavam o seu raciocínio, que continuava a registrar a mesma informação.
Perigo.
Mas onde? Não havia nada que representasse um perigo imediato à sua saúde ou à de seus amigos, a não ser a imaginação fértil do rapaz que continuava seguindo com passos lentos a curiosa corrida que se passava à sua frente. Seria esse o perigo que sua intuição registrava?
Indubitavelmente, parques não faziam bem à saúde de Henrique... especialmente no que se referia à sua saúde MENTAL.
- TOLAAAAARIIIS!!!
Claro, os gritos de Cloud também contribuíam para aumentar a sensação de perigo de um parque. Pelo menos, para Tolaris.***
Três esferas prateadas giravam pelos delicados e delgados dedos da saturniana. Um tanto nervosa, ainda com o ombro enfaixado devido ao ataque das Senshi, ela precisava descansar e relaxar.
Sentada em sua cama, com a esfera de visão de Neko flutuando à sua frente, Kare observava a imagem de um parque sendo projetada pela esfera. Sem dúvida, era um belo parque, aparentemente pacífico e tranqüilo - exatamente o que ela precisava naquele momento. Infelizmente, enclausurada no Salão Prateado, tudo o que ela podia fazer era observar a paisagem à sua frente, girando nervosamente as três esferas em seus dedos.
Não poderia existir ironia maior do que a que ela presenciava. Em seu corpo, repousava a essência de uma escritora, de alguém que poderia modificar uma história livremente. Entretanto, ela era prisioneira de sua própria vida. Não podia sair do salão se isso não estivesse escrito nas páginas da história.
Páginas que ela mesma ajudava a escrever.***
"Duas horas." constatou o ficwriter. "Duas horas ininterruptas. Surpreendente..." concluiu ele, observando o tic-tac do relógio. Erguendo sua sobrancelha momentaneamente, uma curiosa observação seguiu seu raciocínio. O relógio fazia tic-tac... naquele lugar, era-lhe estranhamente peculiar e intrigante. Colocando tão apenas os fatos lógicos, ele conseguia explicar o porquê de achar aquilo tão fascinante.
Talvez um mal afetado aos loucos de NDK, concluiu uma vez H-kun. Mas MADS estava apenas a apreciar a visão do relógio. O tic-tac incessante e sonoro continuava, independente dos fatos ao seu redor, independente de todas as emoções. O relógio batia o tic-tac. Ao longe, Martin observou alguns homens quase desesperados. A maioria andava em círculos, tragando maços inteiros de cigarros. Certamente, futuros pais do país do Sol Nascente.
E o relógio continuava em seu tic-tac. Como a provocar aqueles homens agonizantes, a todo momento verificando onde estavam os longos braços do Tempo. A metáfora era-lhe incapaz de sair de sua mente, ficando-se naquela imagem. Era quase perturbador o quanto se poderia conseguir atormentar alguém. Tic-tac...
Fazendo uma nota mental para colocar isso em seu fanfic, Martin sorriu de leve ao refletir sobre como seria interessante àquelas pessoas se aquele fosse um relógio digital. Provavelmente, iriam fazer o tic-tac com seus próprios pés.
Com a mente mais aliviada dos eventos, embora sempre preenchida de pequenos detalhes do mundo ao seu redor, Martin sequer tentava responder uma antiga pergunta sua. Se ele era um masoquista mesmo por gostar tanto de pensar e ter dores-de-cabeça, ou se ele era realmente um bobo alegre que tivera uma sorte grande até então.
Possivelmente, ele votaria na segunda opção e não esconderia o resultado. Ele mesmo viu-se diante de grandes oportunidades, mas ele mesmo também saboreou o amargo gosto da derrota plena. Derrota. Aquilo lembrou-lhe das Olimpíadas. Ou melhor, de um comentário em particular. A medalha de ouro e de bronze vinham após uma vitória. Mas a medalha de prata... essa vinha após uma derrota.
Martin sempre soube que nunca seria o primeiro. Pelo menos, não até que um melhor chegasse depois de cinco minutos. Assim, se ele não pensasse muito naquele assunto, tudo morreria ali. E ele não testaria novamente o gosto da derrota, por maior que fosse a sua vontade de deprimir-se.
Esse era um segundo fator interessante. Ele gostava realmente de deprimir-se, de alcançar o mesmo estado emocional de seus personagens. Era-lhe muito eficaz aquela técnica em Angels. Poderia ficar anos a divagar sobre uma caneta... claro, ele preferia descrever outras coisas. Emoções, sentimentos...
"Computadores..."
Martin sorriu sobre sua própria observação. No momento, ali estava ele, a segurar a Cassiopéia de Tieko numa maleta negra. No entanto, sequer havia ligado o pobre artefato humano. "E nem mesmo irei fazer isso", ressaltou uma parte de sua mente. Ele era curioso, mas não tanto quanto se poderia ser. E, talvez esta fosse a sua característica mais surpreendente. Ele conseguia realmente controlar a sua curiosidade, controlar sobre o que gostaria de se entusiasmar, de aprender, de entender.
Sem querer, seus olhos caíram sobre o relógio novamente. "Duas horas e meia... acho que isso não acabará tão cedo.", concluiu o ficwriter. "Bem, acho que vou devolver este lap-top apenas quando Tieko sair do hospital." decidiu o chinês, sorrindo malignamente ao imaginar a expressão de Paolla quando NÃO encontrasse seu lap-top debaixo do travesseiro.
- Parece que eles estão se dando bem... - disse uma voz familiar logo atrás de si.
O sorriso de Martin logo sumiu, não querendo evidenciar o que acabara de fazer no quarto de Paolla. Principalmente se Mizuno Ami era tão inteligente quanto se espalhava na sua fama no colégio.
- Hai. - disse o ficwriter, erguendo-se na direção da japonesa. - Acho que vai levar um bom tempo até que eles realmente parem de falar.
- Hai. - concordou Ami, rindo um pouco. - Mas... o que faz aqui? Pensei que estivesse ali dentro ainda...
- Anoo... watakushi? - perguntou o ficwriter, observando o quão bem havia saído à francesa. - Eu... precisava descansar o meu ouvido. - desculpou-se ele, evidenciando uma gota de suor em sua cabeça.
- Hmm... - 'falou' Ami, olhando então na direção do corredor do hospital e, ao mesmo tempo, deixando o ficwriter impaciente naquele 'hmm' analisador.
- ... bem, acho que já vou indo. Cousin vai acabar dormindo aqui. - disse Martin, após o curto intervalo de silêncio e começando a caminhar para a saída do hospital.
- Espera! - chamou Ami em seguida, quase que abruptamente, para a surpresa do ficwriter. - Eu... eu acho que também vou voltar para casa. Uma noite a mais ou a menos não deve fazer Limy-chan piorar. - disse ela, sorrindo. Martin podia até mentalizar aquela cena... 'Limy-chan' ardorosamente querendo empurrar Ami para fora do quarto. Principalmente depois das refeições.
- Un. Nesse caso, eu te acompanho. - ofereceu-se o chinês. - Gosto de caminhar... sem compras, é claro.
Ami, por sua vez, flexionou sua sobrancelha diante do estranho comentário do ficwriter, mas aceitou o convite. Realmente, MADS merecia o título dado a si mesmo...***
Quase.
Tão pouco, mas tão vital. Quase. Quase completou a missão.
Faltava-lhe tão pouco... tão pouco... estava quase a completar a missão. Faltou tão pouco...
Mas falhou. Falhou por tão pouco. Uma diferença tão pequena, mas que guardava toda a essência do significado. Toda a diferença de uma vida.
Quase.
Se tivesse se esforçado um pouco a mais... só um pouco a mais...
Mas falhou. Falhou, e terrivelmente. Fracasso era a única palavra a preencher a sua mente, a preencher o vazio inexplicável de sua alma. A responder a pergunta sem respostas. Fracasso.
Era isto que formava o seu corpo. Sua alma. Seu espírito. Sua mente.
Era inteiramente feito de fracassos. Sucessivos, fracassos sem fim. O amargo e nauseante gosto do fracasso esteve sempre presente em seu paladar. Como algo seco, áspero e viscoso. Algo que jamais abandonaria a sua boca.
Era assim que sentia... o Fracasso.
"Foi por tão pouco... tão pouco..." continuava a sua mente a torturar.
E continuava a sua alma a lamentar.
Seus olhos... prendiam-se no infinito, nas lágrimas pela perda insensata da sua pessoa amada. Foi por tão pouco...
Foi por tão pouco...Quase...
***
A melodia preencheu o ambiente como algo inexplicável. Era uma mistura de emoções, de sentimentos e tudo continuava como num turbilhão de inexplicações do coração. Essa era a melhor definição encontrada até aquele momento. A melodia não era nenhuma coisa nova, sequer era algo privilegiado. Tampouco era de difícil acesso... mas algo fascinava-o naquele melodia.
O som, preenchido de agudos e tons maquiavelicamente harmônicos, era um deleite aos seus ouvidos, mas não tanto quanto a grande surpresa de ter encontrado ALI aquela fonte musical.
- I can't stop lovin' this piece o' music... - murmurou ele, enebriando as suas sensações com a melodia, ao mesmo tempo que abria um sorriso enorme.
A pessoa ao seu lado, no entanto, haveria de discordar em muito. Era uma peça musical bem composta, mas haviam outros ainda melhores, em sua opinião. Sinceramente, ela não considerava aquelas músicas daquele anime como algo para se 'adorar', como afirmava o ficwriter sobre 'Megami no Kimochi' por Inoue Kikuko. Entretanto, como diria uma pessoa muito conhecida por ela: "Gosto não se discute. Lamenta-se."
- Aaw... não é maravilhoso? - perguntou o ficwriter pela décima vez consecutiva à garota ao seu lado.
- Hai. - concordou Ami, apenas por concordar. Ele realmente NÃO estava prestando atenção nela, como havia concluído quinze minutos antes. - Mas podemos sair da frente desta loja? Está ficando escuro...
- Hmm? - perguntou Martin, enfim tirando os seus olhos das televisões da loja e permitindo que uma dezena de garotos mais jovens do que ele pudessem então assistir a fita de anime. - Hey! Está ficando escuro... melhor começarmos a andar mais rápido. - concluiu ele, olhando para o manto da noite a cobrir o céu.
- Hai. - concordou Ami, enquanto uma gota de suor gigante formava-se em sua cabeça.
Martin, por sua vez, apenas sorriu para a garota, deixando Mizuno Ami momentaneamente embaraçada.
- Say... - disse ele, após um breve silêncio, enquanto caminhavam na multidão. - Até hoje ainda não perguntei uma coisa para você.
Ami quase parou de andar. Para ela, o seu rápido raciocínio mercuriano havia já conjecturado aquela hipótese. Mas jamais conseguira um momento para enfim esclarecer tudo com o ficwriter. Principalmente com o acidente de Paolla e as constantes aulas marciais ministradas aos dois brasileiros.
No entanto, ela também permitira escapar boas chances de perguntar, como quando foram montar o computador. Enfim, a curiosidade tecnológica havia suprimido aquela pergunta por um bom tempo. Mais de um dia, para ser mais exata.
- ... o que? - perguntou ela, um tanto temerosa.
- Joga xadrez? - perguntou ele, descontraidamente. - Quer dizer, teve aquele campeonato de xadrez um tempo atrás... mas nunca soube do resultado final. Segundo o jornal, as Senshi tinham aparecido...
- Hai... eu ganhei. - respondeu ela.
- Mesmo? - perguntou ele, um tanto radiante. - Meus parabéns!
- Domo. - agradeceu Ami, agora um tanto desnorteada quanto ao rumo da conversa. Por outro lado, ela também não conseguia se lembrar se Martin havia realmente trazido aquela maleta negra quando entrou no hospital. - Mas... por que essa pergunta?
- Ah... bem... só uma curiosidade... - disse ele, agora sem saber o que dizer diante de uma enxadrista profissional. E muito mais jovem do que ele.
- E o que teria motivado essa curiosidade? - perguntou ela, gostando daquele 'jogo' de perguntas.
- Aceita uma partida? - perguntou ele casualmente. - Quer dizer, agora seria muito inconveniente para você, mas... quem sabe, assim num dia...
- Já faz um tempo que não jogo... você se importaria se fosse hoje? - Ami perguntou curiosa. Realmente era algo inédito para a mercuriana. Era ela quem normalmente convidava alguém para uma partida de xadrez. Excetuando com seu primo e Kazeno Ken.***
- KUSO! Bakayarou! - gritou ela. Novamente. Seus olhos pareciam penetrar diretamente na alma daquele na sua frente. - Ryu no baka...
- Já terminou? - perguntou o insultado, elevando a ironia típica de sua voz. - Ou ainda tem mais a me dizer?
Kano Akai permaneceu muda por alguns instantes, mas não sem Fuzilar Com Seu Olhar (tm) o híbrido em questão. De certa forma, Ryu se controlara para não dizer nada durante aqueles últimos trinta e três minutos de insultos dirigidos a ele e seus pais. No entanto, ele também não podia dizer nada a seu favor.
De alguma forma, por mais estranho que parecesse, Akai tinha razão. E toda a tempestuosidade da Dragon Kishi parecia refletir aquilo durante aqueles trinta e três minutos. O fracasso ainda estava impresso na mente de Satori Ryu e, depois do 'Evento', ele sequer conseguia se reconhecer no espelho. Algum dia, era capaz dele virar-se para a imagem e perguntar quem era ele.
Mas Akai ainda acreditava nele. Prova disso eram as lágrimas que escapavam de sua prisão férrea da vontade. Com certa dificuldade, ela tentava não derramá-las. Sem sucesso, ela apenas virou bruscamente a sua cabeça, não desejando ver mais o híbrido kalyriano.
- Ryu no baka... - repetiu a garota.
Ryu, por outro lado, suspirou. Até o dia que os brasileiros haviam chegado, sua Ligação permanecera latente durante a sua investigação sobre o 'Evento'. Até agora, não havia tido maior sucesso e Akai recusava-se a dizer completamente qualquer coisa que ocorrera com os outros Dragon Kishi faltantes.
Mas, naquela noite, o híbrido havia pressentido algo. Como se a sua Ligação tivesse enfim despertado... ou pressentido algo maior. Desde a invasão de Dark Angel, qualquer coisa fora dos seus padrões já era considerado um alarme irritante para o meio kalyriano.
Ainda assim, ele havia se acostumado. Para melhor aproveitar o seu tempo. Para melhor poder pensar. O inimigo era absurdamente mais poderoso do que qualquer um que ele havia conhecido. E, se suas memórias estavam corretas tanto quanto ele imaginava estar, Ryu não tinha dúvidas de que era também muito astuto. Porém, a vitória não condizia com a realidade enfrentada agora pelo meio selenita. Ao híbrido, a sensação de que aquilo não havia acabado renascera das cinzas de seu passado.
Quase como a varrer completamente a sua alma, a volta ao início da Arte havia limpado de sua mente qualquer empecilho em sua pesquisa. Mas o 'Evento' não deveria ser esquecido, lembrava-se ele.
Foi por isso que ele havia ido para a casa dos Kano. Para confirmar a sua teoria e enfim descobrir o que atormentava tanto a sua mente. Claro, ele realmente não esperava que Akai tivesse tido aquela forte impressão sobre ele de auto-piedade durante todo aquele tempo.
E foi só ali, no meio de sua tempestade, que Ryu percebeu o quanto não estava condizendo consigo mesmo. O quanto estava realmente diferente. Muito diferente. Subjugando então aquele pensamento, ele olhou para as costas de sua companheira, que permanecia a observar a parede.
- Eu ainda não consigo acreditar, Ryu... - disse a Dragon Kishi, suprimindo uma lágrima e um soluço. - Como você pode fazer isso?
- Nani yo? - perguntou o kalyriano, não compreendendo as palavras da garota. Não, é claro, que fosse fácil entender alguma garota.
- Até que a última gota do nosso sangue seja arrancada de nós, até que o último de nós caia, nós vamos proteger os Reinos com o máximo de nossa capacidade. Pela honra dos Dragon Kishi, isso nós juramos. - recitou a garota, seu olhar jamais dirigido fisicamente ao Dragon Kishi. - Lembra-se disso, Satori Ryu? Lembra-se disso, _Moon Dragon_?
- É o Juramento de Ailler. - confirmou o Dragon Kishi, sendo incapaz de ser atingido por aquelas palavras. - Eu nunca me esqueço desse juramento, Mars Dragon.
- Então, não comece a agir como se tivesse se esquecido. - aconselhou Kano Akai, enxugando uma lágrima. - Nós confiamos em você, Ryu. E continuaremos a confiar até que a última gota de sangue seja arrancada.
- Eu confio... eu confio nos Dragon Kishi. - disse Ryu, levantando-se.
- Não vai se arrepender, Ryu. - disse Akai, enquanto o Dragon Kishi movia-se na direção da porta.
- ... nunca me arrependi, Akai. - disse Ryu, pouco antes de sair pela porta. Pouco depois, ele continuou para si mesmo. - Meu problema nunca foi deixar de confiar nos Dragon Kishi... mas não sei o quanto eu consigo confiar novamente em mim mesmo.
Estranhamente, ninguém naquela casa pareceu notar a lágrima que caíra do rosto do híbrido. Porém, algo era evidente em seu olhar.
Ele iria até o fim. O LÍDER era ELE e tão somente.
Custasse o que custasse, ele iria até o final.
"Domo arigato, Dragon Kishi."
Resoluto, Moon Dragon descobriu a verdade inerte em si mesmo. Não adiantava, como ele tantas vezes pronunciara, ficar se lamentando. Mas, agora era o tempo para refletir e atacar. Refletir... e tomar de volta a sua honra e seu orgulho.
Era a hora de reerguer Satori Ryu, líder dos Dragon Kishi.***
Claro, enquanto tantos eventos ocorrem no mundo, uma cena em particular não deixava de chamar a atenção. Principalmente quando estava no outro lado do globo terrestre.
- TOLAAAAARIIIS!!!
Especialmente com dois entusiastas de cooper, embora não estivessem apropriadamente vestidos para o exercício. Alguns, por outro lado, teriam notado que havia passado um bom tempo desde que os praticantes haviam parado. Sem dizer que estava um tanto tarde para aquela atividade.
No entanto, Daniel discordava PLENAMENTE daquela opinião. Sua vida ainda era-lhe muito preciosa e única, fato suficiente para mantê-lo motivado o suficiente para manter-se afastado o máximo possível do ficwriter que corria logo atrás dele com um olhar deveras perigoso. Evidente, ele não estava TÃO afoito em descobrir se era verdade que existia uma vida após a morte... principalmente com o Olhar Perigoso (tm) de Cloud.
Correndo praticamente a esmo pelo parque, Tolaris agradeceu aos seus generosos e benevolentes kamis pela solução colocada à sua frente. Bem, na verdade não era uma 'solução'. Tampouco era um guarda, caso contrário, ELE estaria preferindo correr na direção de Edson. No entanto, para Tolaris, o pavilhão era a solução ideal.
A idéia se formara rapidamente para ele, que agradeceu novamente aos kamis pela solução ter vindo tão rapidamente e por ter feito com que o plano lhe fosse tão simples. Daniel Tolaris teria apenas que correr dentro do pavilhão, fazer que Edson miraculosamente o perdesse de vista no meio da multidão de transeuntes, sair do pavilhão, nadar pelo lago do Ibirapuera, rezar novamente pelos seus kamis para que nenhum policial estivesse por perto, chegar à outra margem, talvez um pouco molhado, mas vivo; e, então, ele teria apenas que correr um pouco mais para atingir o planetário e se esconder numa das caixas enormes que os astrônomos-que-não-têm-nada-o-que-fazer-da-vida trazem para lá.
"Simples, não?", concluiu ele, sorrindo para si mesmo. Óbvio, Tolaris sabia perfeitamente que havia uma clara diferença entre formular um plano e executá-lo, principalmente depois das grandes sessões de Role-Playing Game que tivera. Assim sendo, Daniel lançou uma vez mais uma prece aos kamis e dirigiu-se para o pavilhão.
Para a sua sorte, estava repleto de artistas-de-domingo. Com a pequena distância ganha de Edson durante seu último fôlego, Daniel colocou mais energia nas suas pernas, não querendo saber o que Edson estava gritando naquele momento. Claro, só poderia ser gritos de 'vou te cozinhar em óleo fervente e entregar seu corpo à uma salsicharia!' ou similares.
Infelizmente, se os kamis estivessem REALMENTE a favor de Daniel Rezende Graminho, ele teria escutado o que Edson tinha gritado. E, para a maior das ironias da vida, o grito foi 'Corra o quanto quiser!', mas o importante mesmo foi o 'eu prefiro deitar aqui nesta grama que já fiz exercício demais hoje'.
Assim, quando Tolaris 'perdeu' Edson no meio do pavilhão, ele continuara a executar o seu plano. Enquanto isso, Edson tranquilamente observava o céu (quase) límpido da capital paulista ao se deitar exausto na grama local. Deixando que o Sol tocasse o seu corpo num manto morno, Edson ignorou o 'splash!' que ouvira uns instantes atrás e suspirou.
Um banho de sol era tudo que ele precisava depois de toda aquela correria. Deitado, ele fechou seus olhos, para melhor apreciar os raios solares. Ainda sem saber o porquê, ele realmente gostava daquelas raras sessões de 'exorcismo ao vampiro inerente' natural aos que acostumavam-se a ficar horas e horas na frente do computador.
"Bem, já que R-kun já foi para o Japão, o jeito é aproveitar que estou aqui..." concluiu o jovem ficwriter. E foi isso que Edson Makoto Kimura decidiu fazer naquele instante. Descansar. Embora ele não fosse um tradutor do Grupo como Paolla, ele se dava bem com sua posição de ficwriter.
Entretanto, pensar no Grupo sempre fazia que Edson voltasse a pensar no passado. Não muito distante, felizmente. Coisa de alguns anos atrás, quando uma heroína misteriosa a vestir roupa de marinheiro aparecera em Londres. Quase ao mesmo tempo, um monte de coisas... estranhas aconteceram.
No mundo inteiro, é claro. MAS, aquilo era o suficiente para que ele continuasse a aproveitar os jornais eletrônicos. Tal como Martin, Henrique e Hélio, Edson acompanhara as reportagens miraculosas dos diversos repórteres do Times e da Newsweek e aproveitava aquilo como uma pesquisa.
Por outro lado, ele não chegava a ser tão fanático quanto os integrantes do Grupo. "Che! O dia que eu chegar a criar uma teoria dimensional extra-temporal só por causa de um fic, vou chegar a estar BEM próximo do trio." pensou Edson sarcasticamente.
Ainda assim, ele não deixava muito a desejar. Escrevendo tanto quanto os demais (e raros) ficwriters que se formavam na nação, ele tivera uma boa base para escrever suas histórias. Seus fanfics de Sailor V-sama...
- HUH? Como foi que VOCÊ chegou aqui?!? - perguntou então uma voz ao seu lado. Edson, no entanto, restringiu-se a fazer uma careta enquanto pingos d'água caíam sobre seu rosto.
Definitivamente, abrir os olhos não havia sido uma boa idéia, tendo ele encontrado um Daniel Tolaris totalmente encharcado dos pés à cabeça. O fato de que o mesmo estava molhando ELE não facilitou para amenizar a sua irritação. No entanto, o fato de que Tolaris havia produzido o tal 'splash' e ter saído na mesma margem do lago havia sido o suficiente para produzir um outro efeito no ficwriter brasileiro.
- Pppff...
Tolaris, tendo visto que Edson estava se controlando para não rir demasiadamente ALTO, concluiu que algo estava errado. Olhando para trás, ele obteve sua confirmação. O complexo na sua frente NÃO era o planetário, mas a bienal. LOGO, ele havia...
- Errou o caminho, Hibiki? - gracejou Edson, caindo na gargalhada.
Daniel Tolaris, por sua vez, quis esconder sua cabeça debaixo de uma pedra. Uma BEM grande, por sinal. No entanto, uma coisa o impediu. Não, não era por falta de pedras, mas um fato deveras peculiar.
A pessoa mais sarcástica e cínica daquele planeta (ou uma das, senão MADS iria começar a inundar o seu mailbox se algum dia descobrisse que ele PENSOU naquela hipótese) NÃO havia sido quem produzira o comentário. Isso rapidamente levou Daniel Tolaris, pretendente a personagem lemon, a uma conclusão devidamente lógica e racional.
- Cadê o Ranma?!? - perguntou ele, espantado.
E, embora Edson não quisesse parar de rir, este parou, notando também a ausência do ficwriter.
- Ué? Ele não estava atrás da gente? - perguntou Cloud.
- Como que eu iria saber? VOCÊ estava atrás de mim querendo me matar!
- Ele é o primo de seu primo! Você DEVE saber de alguma coisa, não? Procedimento de quando você se separa dos demais e... 'a la Hibiki' se perde, por exemplo. - disse Edson, frisando algumas palavras em particular.
- Droga... só espero que o Ranma não esteja querendo brincar de esconde-esconde. - respondeu Tolaris, começando a ir na direção do pavilhão.
- Para onde que você está indo, Daniel? - perguntou Edson, sabendo que, se Henrique tivesse ido ao pavilhão, teria que ter passado por ele.
- Para a bienal, oras. - respondeu simplesmente o ficwriter, ainda mais preocupado e com os pensamentos difusos sobre onde Henrique poderia estar no meio do parque.
Edson, por sua vez, não conseguiu se conter daquela vez.***
Preta.
Por todos os lados para onde olhava, essa era a única cor que seus olhos registravam. Uma escuridão inexplicável o rodeava, como se estivesse preso em uma sala onde a luz não encontrava um só espaço para entrar e iluminar, mesmo que fracamente, sua visão. Ou que, ao menos, servisse para que ele não trombasse com a parede. Se houvesse uma.
Simultaneamente à escuridão, seu cérebro continuava a registrar outra informação. Algo muito mais chamativo e ligado às emoções.
Perigo.
Essa informação não poderia ser originária de um possível medo do escuro. Há muito tempo ele havia acostumado seu ser à escuridão noturna, velha companheira de infindáveis jornadas pela Internet ou quando digitava furiosamente em seu computador, escrevendo suas histórias. Não, definitivamente, seu medo não se originava no escuro, tampouco nas criaturas que lá poderiam estar escondidas.
Em um reflexo, sua mão tateou seu rosto, procurando por uma venda ou qualquer outra coisa que estivesse protegendo seus olhos da luz. Nada. Passando a mão entre os olhos, ele piscou algumas vezes, forçando a vista para tentar enxergar alguma coisa, qualquer forma nítida.
Mas não havia nada para ser visto a não ser a infinita escuridão.
Sentando-se no que parecia ser o chão, ele abraçou os joelhos e apoiou o queixo sobre eles, tentando focalizar seu pensamento e raciocínio em um só propósito. Claro, não era difícil considerando que não havia nada mais ali. O silêncio presente também contribuia para tanto, o que apenas era quebrado pelos seus movimentos. Entretanto, o pensamento fixou-se rapidamente em sua mente, que buscava uma solução.
"Onde eu estou...?"
"... e como eu SAIO DAQUI?!?"
Claro, o segundo era praticamente uma conclusão lógica do primeiro propósito. De qualquer forma, ele haveria de encontrar alguma coisa. Mais tarde, ele poderia começar a se preocupar em COMO havia entrado naquele lugar, seja lá onde for que ele estivesse. Entretanto, pouco a pouco, sua consciência parecia desaparecer diante de uma estranha necessidade de sono.***
Já estava MUITO escuro quando Ricardo percebeu que estava sozinho dentro do quarto de Paolla. Empolgado com a conversa, ele mal havia visto o tempo passar e nem havia notado a ausência de Ami e de seu primo. Pior, ele estava completamente SOZINHO com Paolla em um quarto.
- {Algum problema, R-kun?} - perguntou a ficwriter, notando o olhar desesperado que seu amigo lançava em direção à janela.
- {Já é noite... Cousin já deve ter ido embora...}
- {E...} - continuou Paolla, sentando-se na cama.
- {... eu NÃO sei voltar sozinho para Chiba-ke!!!} - exclamou o chinês perdido, numa cena digna de gotas gigantes.
- {Qual o problema? Você pode dormir aqui esta noite.} - respondeu sua amiga, inocentemente.
Ricardo não conseguiu evitar olhar de modo MUITO espantado para a paciente que continuava sentada em sua cama. "Nani? Ela... ela..."
- {Tem outra cama aí atrás de você, R-kun. A Ami costumava dormir nela enquanto eu estava me recuperando da UTI.} - terminou Paolla, apontando uma outra cama de hospital. - {Por que você ficou branco desse jeito?}
- {Nada, nada...} - gaguejou Ricardo, indo na direção da outra cama. Certamente, ele estava começando a visitar muitos daqueles sites recomendados pelo Hibiki Tolaris. - {Ah! Melhor telefonar para Mamoru, avisando que vou dormir aqui, ne?}
- Hai. - respondeu Paolla, ajeitando-se para se deitar. - {Aliás, você tem o número da casa dele e um cartão telefônico?}
- {Tenho.} - disse ele, lembrando-se que havia sido a primeira medida de segurança implantada pelo método de seu primo. Em outras palavras, a paranóia dele às vezes era útil. - {Já volto.} - falou então Ricardo, abrindo a porta e saindo... para retornar em seguida. - Anoo... {como se fala 'onde tem um telefone público' em japonês?}
A descendente de japoneses não conseguiu conter as risadas quando ouviu a pergunta de seu amigo.
- {R-kun, tem um telefone público no final deste corredor, perto da recepção.} - disse ela, controlando-se um pouco.
- Domo. - agradeceu o rapaz, fechando a porta em seguida.
Mas quando a porta se fechou, uma estranha sensação de solidão invadiu o quarto de hospital, deixando a ficwriter com um 'vazio' no coração. Tanta atenção constante durante aqueles dias no hospital havia feito com que ela não se sentisse solitária ou a sós com seus próprios pensamentos em nenhum momento. Nessas horas, sua melhor ocupação era continuar escrevendo suas histórias em seu computador...
Lembrando-se que havia colocado a Cassiopéia sob o seu travesseiro, Tieko tateou com a mão, procurando o lap-top. Seu sangue gelou quando seu tato identificou somente os lençóis e a cama sob o travesseiro. Procurando manter a calma e movimentar-se o mínimo possível para não machucar ainda mais a sua nuca, ela colocou a mão no queixo e procurou raciocinar claramente, sem deixar o desespero tomar conta de sua mente. Afinal, todos os arquivos do HD da Cassiopéia possuíam uma cópia em seu computador, no Brasil. Todos, exceto as anotações que fizera na noite anterior.
"Calma. É disso que preciso agora. Muita calma...", ordenou Tieko ao seu próprio cérebro, tentando colocar as idéias em ordem:
01. Ela estava digitando no computador quando ouviu vozes deveras familiares no corredor.
02. Ela escondera o computador sob o travesseiro.
03. A maleta do computador estava sobre a cadeira, do OUTRO lado da cama, oposto ao que dava para a porta.
04. Ami não havia falado nada sobre computadores.
05. Portanto, ela não havia visto o computador sob o travesseiro.
06. Martin teve uma súbita crise de sentimentalismo e jogou-se sobre ela, quase caindo do outro lado da cama.
07. Esse comportamento não se encaixa em nenhuma característica MADSiana conhecida até o momento.
08. 07 é completamente verdadeiro, portanto, DEVIA haver um propósito, um plano por trás daquele abraço.
09. A maleta da Cassiopéia não estava mais na cadeira.
10. Martin saiu do quarto sem que ninguém percebesse.
11. 08, 09 e 10 formam uma equação segundo a própria lógica dele: (Plano + Maleta + MADS) x Cassiopéia = MADS pegou a Cassiopéia, colocou-a dentro da maleta e foi embora.
Suspirando de alívio, por descobrir que não havia perdido seu computador, e de solidão, pois não teria NADA para fazer enquanto R-kun não retornasse de sua aventura pelos corredores brancos do hospital da Universidade de Tóquio, Paolla simplesmente deixou sua cabeça retornar à maciez do travesseiro e fechou os olhos. Estava na hora de dormir e de deixar a mente viajar pelo mundo dos sonhos.
No momento, seu maior sonho era sair daquele hospital o mais rápido possível. E talvez nunca mais ver aquela comida 'nutricional' de hospital na SUA boca, de preferência.***
O tempo estava relativamente agradável em Hades, se é que isso um dia poderia ter sido dito em algum momento da História do Universo. Não havia qualquer sinal de tempestades no horizonte, apenas a fraca luz desaparecendo no horizonte, indicando para todos o final de mais um dia. Isso, se o planeta não estava em mais um de seus estranhos humores e resolvesse fornecer uma tempestade ácida noturna. Todavia, não era nisso que alguém pensava com tanta intensidade e atenção.
Sem ser perturbado por ninguém, o jovem selenita caminhava pelas ruas de Cerberus, a cidade solitária de Hades. Seu caminho era certo, demarcado pelas várias placas de sinalização que indicavam a presença de um grande evento. Não era muito distante disso, uma vez que naquela direção estava a arena em que estava ocorrendo o Torneio dos Noble Kishi.
Os Noble Kishi. A lembrança de que um dia ele mesmo poderia ter se candidatado a representar a Lua nesse torneio trazia uma certa melancolia ao seu coração. Ele poderia ser Moon Noble Kishi, mas o Destino lhe pregara uma peça... como sempre acontecera em sua vida.
Seus passos não cessaram durante suas reflexões, a caminhada contra a brisa suave fazendo com que as faixas de tecido prateado que envolviam sua cintura flutuassem graciosamente. Em seu braço direito, a braçadeira com uma lua crescente estampada não deixava qualquer dúvida sobre a sua origem, embora ela não fosse verdadeira.
- Moon Fox! - chamou um rapaz, de cabelos e olhos negros, vindo na sua direção. Suas roupas eram semelhantes as do selenita, exceto pela cor das faixas, vermelhas.
- Konnichi wa, Aleph. - respondeu Moon Fox, deixando momentaneamente suas reflexões de lado. - O que faz em Hades? Pensei que estava em Marte.
- E estava. Pouco depois de chegar em casa, recebi um chamado que pedia... ou melhor, ORDENAVA que eu viesse para Hades o mais rápido possível. E cá estou. - falou Aleph, sorrindo levemente. - E você? Foi para ca... - ele começou, lembrando-se que seu amigo havia sido dado como morto após desaparecer em uma tempestade. - Gomen nasai, Fox-tomodachi...
O rosto de Moon Fox iluminou-se brevemente com um sorriso suave.
- Está tudo bem, Aleph. Pretendo ir para casa depois que tudo estiver resolvido. - respondeu ele, imaginando a surpresa de sua família.
- Nani?
- Também recebi um chamado, mas ele chegou antes que eu saísse de Plutão. Bom, creio que devamos ir para a arena e descobrir quem nos chamou até aqui, ne?
- Un.
Os dois amigos continuaram a caminhada até a arena, sem pronunciar uma palavra sequer durante o trajeto. O silêncio permitiu que Moon Fox retornasse aos seus devaneios e reflexões, tornando o ato de caminhar um mero reflexo de suas pernas. Aleph, por sua vez, apenas respeitou o silêncio que seu amigo parecia desejar para si mesmo e caminhou ao seu lado silenciosamente. Porém, uma caminhada em um planeta imprevisível quanto Hades, capaz de até mesmo desafiar a tecnomagia selenita, dificilmente continua como algo 'casual'.
Um arrepio correu pelo corpo de Aleph, como se indicasse que algo ou alguém os estava seguindo. Embora ele não tivesse uma habilidade tão aprimorada quanto sua prima, Aleph estava certo de que sentia a presença de uma coisa. Alguém que não pertencia naturalmente àquele ambiente.
Lentamente, ele pegou um pequeno artefato de dentro das faixas de tecido vermelho e, fazendo um comando mental, fez com que ele se modificasse em um bastão de um metro de comprimento. Isso não passou despercebido por Moon Fox, que imediatamente colocou de um modo quase casual a sua mão no cabo da sua katana.
Fazendo um sinal para que seu amigo não se mexesse, Aleph girou o bastão para trás, na direção em que sua intuição indicava.
A movimentação do vento sobre as cabeças dos dois amigos fez com que ambos fechassem a guarda, preparando-se para um possível ataque, enquanto a figura que Aleph atacara pousava suavemente sobre seus próprios pés, em frente aos dois. Moon Fox já estava com sua katana desembainhada, mas ficou surpreso ao ver um rapaz de cabelos negro-esverdeados, de trajes semelhantes aos que usava, parado diante de si.
- É dessa maneira que cumprimentam os amigos? - perguntou o rapaz, com um estranho sorriso nos lábios.
- Chronos?! - ambos exclamaram, baixando a guarda.***
No Templo Hikawa, o fato da luz do quarto de hóspedes ficar acesa até altas horas da madrugada estava se tornando algo rotineiro. Nem mesmo Phobos ou Deimos se incomodavam mais com a estranha iluminação que só se encerrava após a meia-noite, na mais otimista das expectativas.
Inclusive Rei havia desistido de tentar fazer seu hóspede ir dormir mais cedo. Durante a noite, quando passava pelo corredor para ir fazer uma pequena meditação noturna e via um feixe de luz saindo por baixo da porta, ela se limitava a balançar a cabeça e a suspirar levemente, enquanto prosseguia seu caminho. Após sua meditação, quando passava novamente pelo corredor na direção do seu quarto, também já não era novidade encontrar o mesmo feixe de luz saindo por baixo da porta, sendo apenas interrompido por alguns borrões de sombra. Provavelmente, era Martin que estava saindo de perto de seu computador para pegar algo.
Mas naquela noite, os borrões passavam pelo feixe de luz em intervalos de tempo menores do que os habituais. Os ruídos suaves da digitação frenética de MADS também estavam inaudíveis para uma pessoa a qualquer distância da porta do quarto de hóspedes.
Isso porque o ficwriter chinês não estava digitando nenhuma de suas histórias mirabolantes, por mais impossível que isso poderia parecer. Ao contrário, o que se via no quarto era um computador desligado e um garoto sentado na cama, aparentemente arrumando uma maleta preta de couro. Ao lado da maleta, estava a Cassiopéia de Tieko, também desligada, acompanhada de alguns livros e cadernos.
O dia seguinte seria de grandes surpresas, calculava MADS, retirando pacientemente mais alguns livros de dentro da maleta. Era o dia em que Paolla sairia do hospital e o início das aulas na Universidade de Tóquio. Portanto, embora ele estranhasse o fato de não terem divulgado nenhum material bibliográfico até o momento, ele deveria se preparar.
Os livros utilizados durante seus estudos na Juuban High School agora não lhe seriam mais úteis, excetuando para economizar dinheiro e entregá-los a seu primo. Ainda que não houvesse muita utilidade naquilo, uma vez que haviam utilizado livros mais técnicos. Entretanto, isso não diminuia outros fatores a serem considerados. Colocando agora os livros ao lado de Eiki-san, Martin arrumava o material que seu primo talvez fosse utilizar, como o dicionário. Por outro lado, a sua mente também não conseguia parar de imaginar nas hipóteses do dia seguinte.
Dessa forma, sua paranóia havia tomado o melhor de si e a maleta estava começando a pedir uma 'promoção' para ser uma mala. Um caderno universitário de brochura 'utilizável' para um ano inteiro era o que ocupava nela, juntamente com o estojo escolar. Todavia, ali também estava o 'kit de sobrevivência escolar' de Martin Siu. Isso, indubitavelmente, incluia três dicionários, três caixas de disquetes, um pequeno guarda-chuva, uma pasta de papéis em branco, uma agenda, um estojo escolar para caso esquecesse a outra, compasso que nunca seria usado num curso de computação mas que talvez fosse útil para alguém, além de uma calculadora 'simples' e uma quase nunca utilizada, a Hewlett Packard de seu pai.
Fazendo uma careta, quase como se isso pudesse fazer com que a maleta se fechasse, Martin a observou por uns instantes. Resolvido, ele caminhou até a gaveta do criado-mudo, voltando a seguir para a maleta e conseguindo (incrivelmente) um espaço para colocar um novo aparato ao kit. Seu jogo japonês de chaves magnetizadas. Claro, sabendo que a magnetização não era forte o suficiente para estragar nenhum disquete das três caixas, ele sequer se importou se o jogo estaria próximo ou não. Em seguida, ele olhou para outra coisa em sua cama. Martin sorriu então, lembrando-se de alguns eventos.
"Amanhã eu entrego a Cassiopéia para ela.", pensou Martin, dando alguns tapinhas na maleta grafite do lap-top. "Isto é, se Ami-san não estiver por perto ou montando guarda.", concluiu o chinês, sem conseguir dissimular um sorriso maligno quando se lembrava da expressão de sua amiga quando Ami a chamava de 'Limy-chan'.
Porém, tal sorriso desvaneceu quando seu olhar atingiu a porta. O dia anterior havia sido de muita correria e agitação, segundo a sua opinião. A começar com o acidente de Paolla, a visita das Senshi em seu quarto e desenrolando-se durante o parque e o hospital. No final, não havia sido tão ruim para um dia com Senshi. Nenhuma parede quebrada, nenhum parque destruído ou um megalomaníaco vilão a destruir metade da população japonesa.
A chegada de seu primo decerto amenizara muito a sua tensão, além de aprimorar ainda mais o seu senso negro e irônico de humor. Olhando para o relógio, ele concluía que Ricardo FINALMENTE havia terminado de falar... ou então, possuía mais assunto do que ele poderia imaginar. Suspirando, ele tomou a maleta nas mãos e a colocou diante de seu computador.
Em seguida, Martin recomeçou a recapitular todo o final-de-semana, o mais agitado que ele tivera, com toda a certeza. Fazia-lhe até um certo bem ao relembrar cada ação, cada detalhe. De alguma forma, ele sentia que poderia algum precisar de determinado evento lógico a se desenrolar em algum fic... e ele ainda tinha a plena certeza de que iria aproveitar a cicatriz no indicador esquerdo de seu primo para uma coisa.
Claro, ele ficou surpreso com a forma da cicatriz, numa meia-lua voltada na direção da unha, mas aquilo apenas facilitou para que empregasse a imaginação em alguns detalhes de seu 'diário'. Principalmente por que a cicatriz encontrava-se oposta à palma da mão, o que deixava bem visível para todos os curiosos perceberem.
Evidente era que aquela cicatriz não havia sido planejada por Ricardo, quando se cortou com a faca, mas era irresistível para o ficwriter chinês, quase como se fosse impossível de deixar de comparar com os vários elementos das Senshi, ligados à Lua. Assim sendo, ele voltou a sorrir devido à teoria lançada por Saotome. Fazia sentido a teoria.
Nisso, um som chamou a sua atenção. Vindo da porta, o barulho assustou o ficwriter, não pela sua existência, mas pelo que poderia significar. E, naquele momento, Martin não tinha certeza se haveria alguma Senshi ou Dragon Kishi de plantão para socorrê-lo. Portanto, quando a porta se abriu, ele quase gelou de ansiedade.
- Martin? - chamou a voz, encontrando a luz ligada do quarto. - Ainda está acordado?
- H-hai... - respondeu o ficwriter, aproveitando o momento para deixar que seu punho se desfizesse e o sangue voltasse a circular normalmente por seu braço. - O que aconteceu, Rei-san?
- Não está escrevendo? - perguntou a sacerdotisa, ao observar o computador desligado. Claro, o fato dela ter piscado repetidas vezes os olhos deu a Martin a noção de que REALMENTE estavam todos a achar que ele dormia com um computador ao lado.
"Não que isso seja uma má idéia..." pensou o descendente de chinês.
- Anoo... iie. - respondeu ele, analisando cuidadosamente as suas palavras. - Estou um pouco cansado para isso.
- Cansado? Mas você não foi apenas levar seu primo para conhecer Paolla? - perguntou Rei, curiosa.
- Hai. Mas ele acabou ficando por lá, eu suponho. - revelou Martin, lembrando-se da causa de ter chegado tão tarde no Templo Hikawa. - É que depois disso, fui jogar xadrez com Ami-san.
- XADREZ? - surpreendeu-se Hino Rei. Não que fosse algo extraordinário que o ficwriter brasileiro soubesse jogar xadrez (e se distanciando do teclado do computador), mas pelo fato dele ter dito que havia jogado com ninguém menos do que AMI-CHAN.
- Hai. - confirmou Martin, surpreso pela reação da sacerdotisa. - Foi até divertido. - concluiu ele, sorrindo.
- ... divertido? - repetiu a sacerdotisa, incrédula. Estaria ela diante de algum louco ou coisa parecida? "Se bem que ele não escondeu a razão de seu nickname..."
- Hai. - disse ele, aumentando o sorriso. - Quinze partidas-relâmpago em... duas horas. Perdi dez e empatei três. - revelou ele, satisfeito.
- ... então você ganhou duas vezes? - surpreendeu-se Rei. Não havia ouvido falar de algo tão... estranho desde a chegada de Chris. - COMO?
- Estratégia, minha cara. - disse malevolamente o ficwriter. - Como disse um enxadrista, eu jogo de forma bem distinta. - continuou Martin, movendo sua mão direita em círculos ao redor de sua cabeça. - Em outras palavras, jogo inusitadamente e normalmente perco.
- Mas ganhou duas vezes de Ami-chan. - repetiu incrédula Rei.
- Hai. Por isso que prefiro partidas-relâmpago. São partidas rápidas e depois de algum tempo, você imagina que ocorreu algo parecido com uma outra jogada... mas não aconteceu. - disse Martin, lembrando-se de como havia sido a última partida. Principalmente a expressão facial de Ami quando notou que ele havia aplicado o 'golpe do pastor' depois de três lances. - Claro, isso não muda o fato dela ter ganho dez vezes de mim.
- E como veio o empate? - perguntou ela, curiosa sobre como aquilo poderia acontecer.
- Simples. - disse o ficwriter, entusiasmado. - Se eu consigo notar que não haverá jeito de ganhar, eu tento empatar. Vou ofertando todas as minhas peças até que eu fique apenas com algumas e não consiga me mover. Ou então de modo que eu apenas consiga mover em algumas casa. Isso origina o empate que mais aprecio. - sorriu Martin, lembrando do quanto Ricardo sofreu quando ele ia pouco a pouco tomando as peças do tabuleiro e, apesar de ter quase todas as peças, empatar com seu primo.
- ... isso é jogo sujo. - disse Rei, mas sorrindo.
- Bem, não infringi nenhuma regra. - respondeu apenas Martin, mexendo os ombros para a sacerdotisa. - Mas eu gostei de jogar. - disse ele, mais uma vez sorrindo. - Aliás... o que a traz aqui, Rei-san?
- Oh... é que fiquei preocupada... normalmente você não fica andando de um lado para outro do quarto. - disse ela, logo depois colocando as mãos sobre a boca.
- So ka... - disse naturalmente o ficwriter, como se não tivesse notado a ação ou apenas quisesse ignorar. - Obrigado pela preocupação.
- Está tudo bem... - disse Rei, sua cor voltando ao normal. - É melhor você ir dormir... amanhã tem aula.
- Hai. - constatou Martin, olhando para o relógio. - Vou tomar um banho e dormir em seguida. Oyasuminasai, Rei-san.
- Oyasuminasai, Martin. - disse a sacerdotisa, saindo do quarto.
"Agora, espero que Morfeu não me reserve nada hoje à noite." pediu Martin aos seus kamis, espreguiçando-se e estralando alguns ossos de sua coluna. "Estou ficando velho..."
Nisso, ele não ouviu um suspiro na batente da janela ao desligar as luzes e pegar a trouxa de roupa. Na verdade, uma frase que poderia seriamente perturbar a sua paz(?).
- Shizuka ni moeru no ga. Watakushi no yarikata yo... - disse a voz sussurrante na janela, um par de olhos quase a brilhar na escuridão e um sorriso a se formar no meio das sombras. - Hottokenai yo... koibito.
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