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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI DA AÇÃO POPULAR(*)

Guilherme Magalhães Martins(**)

Humberto Dalla Bernardina de Pinho(**)

SUMÁRIO:

I. Generalidades. A Ação Popular como Instrumento de Controle Judicial dos Atos do Estado

II. Aspectos Processuais

III. O papel do Ministério Público

IV. Questões Controvertidas

V. Bibliografia

I. NOTAS GERAIS. A AÇÃO POPULAR COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS DO ESTADO.

Compreendida como um instrumento posto a serviço de cada membro da coletividade no sentido do controle e da revisão da legitimidade dos atos administrativos, a ação popular foi introduzida em nosso ordenamento jurídico através do inciso 38 do art. 113 da Constituição Federal de 1934, o qual assim dispunha,verbis:

"Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou a anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios".

Consagrou-se o instituto dentre os direitos públicos subjetivos do indivíduo - como uma garantia contra ou em face do Estado -, permitindo-se a sua participação ativa e direta na vida política do país.

Além do poder de escolher seus governantes, outorga-se ao cidadão a faculdade de lhes fiscalizar os atos de administração - o que, por um outro lado, aprimora a noção de responsabilidade dos administradores, incutindo-se-lhes o hábito da submissão à ordem legal (Cf. MIGUEL SEABRA FAGUNDES, op. cit.).

Com o advento do regime do Estado Novo, terminou a ação popular suprimida da Carta de 1937, sendo posteriormente reintroduzida na Carta de 1946 (Art. 141, §38) - passando também a abranger a administração indireta (autarquia e sociedade de economia mista ) - e mantida na Constituição Federal de 1967 (art. 150, §31), a qual empobreceu o seu espectro subjetivo, no uso da rubrica "entidades públicas".

A Lei nº 4.717, de 20 de junho de 1965, veio regular o procedimento da ação, e finalmente a Constituição de 1988 emprestou maior abrangência ao seu objeto e alcance, como se vê no art. 5º, LXXIII:

"Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio-ambiente, e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência."

Encarregou-se a vigente Carta Política de dilatar o campo de atuação daquele instrumento processual, de modo a contemplar a proteção da moralidade administrativa, bem como a guarida dos interesses difusos, possibilitando, além das lesões meramente pecuniárias, a tutela de bens de ordem imaterial e espiritual - os quais, no tocante ao patrimônio histórico e cultural, já haviam sido contem-plados no Art. 1º, parágrafo 1º da Lei da Ação Popular.

Quanto à sua natureza, trata-se de ação constitutiva negativa - na medida em que inova a situação jurídica preexistente, determinando a anulação do ato administrativo impugnado - ou declaratória - quando declara a nulidade do ato impugnado - e, em decorrência, condenatória - por condenar os responsáveis pelo pagamento das perdas e danos, uma vez julgada procedente a demanda, caso em que a sentença tem natureza complexa.

Em sede doutrinária, é amplamente difundido o entendimento, a nosso ver correto, segundo o qual dá-se necessariamente a cumulação entre ambos os efeitos, constitutivo e condenatório.

Na glosa de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA (op. cit.) sobre o comando do Art. 11 da Lei Nº 4.717/64,

"Endereça-se o preceito diretamente ao juiz, a quem caberá, se for o caso, proferir a condenação ainda que o autor popular não a tenha pedido; aqui se abre exceção à regra proibitiva do julgamentoextra petitum".

Trata-se de uma ação civil, no sentido de se referir a uma pretensão não penal, desprovida de caráter punitivo, visando precipuamente a compor lide fundada em relação de direito administrativo, no amparo de interesses da comunidade, e não de direitos individuais.

A seguir, será abordado em suas bases o procedimento da ação popular, passando-se, finalmente ao exame de certos pontos nevrálgicos do objeto de nosso estudo, sempre com base em subsídios jurisprudenciais, cujo papel se revela decisivo para a definição de certas noções cuja obscuridade sucumbiu ao crivo do legislador, bem como para a verificação das pressões sociais que servirão de inspiração para a futura norma jurídica.

Introduzimos ainda, em capítulo próprio, algumas observações acerca da intervenção do Ministério Público no procedimento, bem como a importância de se aferir corretamente o papel do Parquet na demanda.

II. ASPECTOS PROCESSUAIS

1. Conceito.

Na definição de HELY LOPES MEIRELLES (op. cit), "a Ação Popular é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos - ou a estes equiparados - ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos."

Os pressupostos da demanda são três: a condição de cidadão brasileiro por parte do autor, pessoa natural no gozo dos seus direitos cívicos e políticos (devendo o indivíduo comparecer a juízo munido de seu título eleitoral), a ilegalidade do ato a invalidar - infringindo as normas específicas que regem sua prática ou desviando-se dos princípios gerais que norteiam a Administração Pública - e a lesividade do mesmo ato - por desfalcar o Erário ou prejudicar a Administração, bem como por ofender bens ou valores artísticos, cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade.

Estabelece o Art. 4º casos de presunção de lesividade, bastando para a invalidação do ato, naqueles casos estritos, a prova da sua prática naquelas circunstâncias, v.g. a admissão de servidor público com desobediência, quanto à sua habilitação, das normas legais ou regulamentares.

Fora daquelas hipóteses, a lesividade não se presume (TJSP, RT 623/40), impondo-se a sua demonstração cabal, bem como a da ilegalidade.

Discute-se , em virtude da ampliação do objeto da ação popular por parte da atual Constituição da República, se foi a moralidade administrativa efetivamente erigida em causa de pedir autônoma, prescindindo-se do tradicional requisito da lesão ao Erário.

Deve a moralidade administrativa ser admitida como uma categoria passível de controle jurisdicional por si mesma, por não ser necessariamente subjetiva ou passível de abranger os atos discricionários, mas pelo reconhecimento do seu conteúdo jurídico, a partir de regras e princípios da Administração.

Pode a ação popular figurar como meio preventivo - sendo ajuizada antes da produção dos efeitos lesivos do ato - ou repressivo - para a reparação do dano, depois de consumado - da lesão ao patrimônio público.

Pode ainda ter sentido corretivo - se visa a reparar erro da Administração na realização do direito - ou supletivo da inatividade do poder público nos casos em que devia agir por expressa imposição legal.

A causa de pedir é o ato ilegal e lesivo ao patrimônio público.

A própria lei, no seu art. 4º, elenca os atos com presunção de ilegitimidade e lesividade sujeitos à anulação popular.

Além desses, qualquer ato praticado por qualquer das pessoas elencadas no art. 1º, com vício de incompetência, forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos ou desvio de finalidade (art. 2º e parágrafo único), poderá ser atacado pela mesma via.

Dentre os atos ilegais e lesivos ao patrimônio público pode ser considerada a lei de efeitos concretos, ou seja, aquela que traz em si as conseqüências imediatas de sua atuação, como a que desapropria bens ou a que concede isenções, sendo tais leis meramente formais, equiparando-se material-mente aos atos administrativos (RJTJESP 103/169).

Entretanto, não cabe ação popular contra lei em tese, por aplicação subsidiária do Verbete de Jurisprudência nº 266 do STF (o qual se refere ao mandado de segurança), caso em que sequer chega a se completar o requisito da lesividade do ato.

Mesmo que se admita a possibilidade de ofensa a interesse legítimo por parte de ato discricionário, descabe em tal caso a ação popular, não estando o Judiciário autorizado a invalidar opções administrativas ou substituir critérios técnicos por outros que repute mais convenientes ou oportunos, sendo tal valoração privativa da Administração, que titulariza toda uma pluralidade de critérios resolutivos. Porém, afora o mérito do ato sindicado, a Administração não pode ultrapassar os limites da discricionariedade, o que afronta a legalidade.

Resultando o prejuízo de inércia ou omissão administrativa, sem incidência pessoal direta, mas envolvendo o interesse comum da população, procede o remédio constitucional.

Quanto às partes, o sujeito ativo será sempre o cidadão brasileiro - pessoa física no gozo de seus direitos políticos - isto é, o eleitor, ao qual se atribui o direito a uma gestão eficiente e proba da coisa pública, vinculando-se a capacidade processual à capacidade político-eleitoral.

Observando-se o art. 1º da Lei N º 4.717/65, além do produtor direto do ato sindicado, abrangem-se no pólo passivo todos aqueles que, de algum modo, contribuíram por ação ou omissão, bem como os que dele tenham se beneficiado diretamente.

Note-se que a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado chamada na ação poderá contestá-la ou não, como poderá, até mesmo, encampar o pedido do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo exclusivo do representante legal da entidade ou da empresa (art. 6º, parágrafo 3º). A figura processual é das mais singulares, pois permite que o réu confesse tacitamente a ação, pela revelia, ou a confesse expressamente, passando a atuar em prol do pedido na inicial, em defesa do patrimônio público. Hipótese essa muito comum nos casos em que o ato ou contrato impugnado é da Administração anterior e a lesividade só vem a ser descoberta pela Administração subseqüente, não vinculada à conduta de sua antecessora.

A doutrina predominante perfilha a tese de que o autor popular age como substituto processual, considerando-se que não defende direito seu em juízo, e sim o da comunidade, da qual é parte integrante.

Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA, o autor popular age por legitimação ordinária, visto que exerce o direito próprio decorrente da soberania popular, de que é titular, como qualquer outro cidadão, em nome próprio, fiscalizando a gestão do patrimônio público, em se tratando de um instituto de democracia direta.

Há quem defenda a tese da legitimação extraordinária, como WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JR., para quem o autor popular não é um substituto processual da mais pura linhagem.

A legitimação difusa, isto é, de todos os interessados, é concorrente e disjuntiva, porque os cidadãos, isolada ou concorrentemente, podem ajuizar a ação popular. É importante frisar que, quando o façam em grupo, dar-se-á a formação de um litisconsórcio voluntário - caso em que a hipótese de litisconsórcio necessário fica excluída por definição, sendo inviável a presença de toda a pluralidade de indivíduos no processo. Consolidados os interesses metaindividuais como objeto da tutela por via da ação popular, afigura-se-nos mais acertada a tese da legitimação ordinária, sendo o direito titularizado pelo autor em conjunto com toda uma coletividade.

O Ministério Público tem posição singular na ação popular, funcionando como parte pública autônoma incumbida de velar pela regularidade do processo, de apressar a produção da prova e de promover a responsabilidade civil ou criminal dos culpados.

Entretanto, em sua manifestação final o órgão do parquet deverá opinar no sentido em que a prova indicar, pela procedência ou improcedência da ação, por se tratar de conduta característica da instituição.

Maiores considerações acerca da atuação do Ministério Público na ação popular serão tecidas na terceira parte deste trabalho.

A competência vem claramente disciplinada no Art. 5º da Lei nº 4.717/65, sendo determinada pela origem do ato a ser invalidado.

Impende observar que a competência da União atrai a do Estado quando houver interesse comum a tais pessoas de direito público interno, assim como a do Estado traz para si a do Município, desde que haja juízo privativo dos feitos da Fazenda estadual.

Ademais, a propositura da ação previne a jurisdição do juízo para todas as ações que forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos (Art. 5º, parágrafo terceiro da Lei nº 4.717/64 ).

No que tange ao procedimento, a ação popular, na disciplina da lei regulamentar, segue basicamente o rito ordinário, com as seguintes modificações: a intimação obrigatória do parquet no despacho inicial, no qual se requisitarão os documentos necessários, serão ordenadas a citação pessoal dos que praticaram o ato e a citação edital e nominal dos beneficiários - se assim for requerido pelo autor - e se decidirá sobre a suspensão liminar do ato impugnado, caso pedida.

Não se aplica o efeito da revelia (art. 319 do CPC), consistente em "reputarem-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor", dada a autorização contida no Art. 6º, que autoriza a parte ré a abster-se de contestar o pedido, bem como por haver interesses indisponíveis envolvidos (art. 320, II do CPC ).

Não encontra lugar, igualmente, o fenômeno processual da reconvenção (art. 315 do CPC ), por agir o autor popular também em interesse de outrem, sustentando situação jurídica que não lhe é exclusiva, mesmo que pudesse ser admitida como própria, segundo a teoria da legitimação ordinária do autor .

Outra inovação digna de nota reside no prazo diferenciado de contestação, de 20 (vinte) dias, prorrogáveis por igual período, caso se torne difícil a obtenção da prova documental, a requerimento dos interessados.

Nos termos do Art. 9º, caso o autor desista da ação ou dê motivo à extinção do processo 10 sem o julgamento do mérito, serão publicados editais, de modo que se assegure a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, o prosseguimento da ação.10

Admite o parágrafo 4º do Art. 5º (redação dada pelo Art. 34 da Lei Nº 6.513/77) a suspensão liminar do ato lesivo impugnado, sendo o dispositivo sobremaneira lacunoso quanto ao recurso cabível, aos requisitos para a concessão daquela medida e ao seu prazo de vigência.(Cf. HELY LOPES MEIRELLES, op.cit., p.103.)

A par de tal previsão legal, considerado outrossim o disposto no Art. 22 da Lei da Ação Popular, encontra-se abrangida a figura processual da antecipação de tutela, na forma do Art. 273, caput, e parágrafos do diploma processual civil, possibilitando-se ao autor popular a fruição antecipada do pronunciamento postulado, total ou parcialmente, observada a correlação entre sentença e demanda, bem como os requisitos legais pertinentes.

A Constituição Federal de 1988 isentou de custas e de ônus da sucumbência o autor popular, salvo comprovada má-fé - caso que enseja a sua condenação no décuplo das custas (Art. 13), verificada a manifesta lide temerária.

Quanto à sentença, há uma particularidade na lei ( Art. 7o., § 2o, VI, parágrafo único ) no sentido de que a mesma deve ser proferida dentro de 15 dias da conclusão dos autos, sob pena de ficar o juiz impedido de promoção durante dois anos e, na lista de antiguidade, ter descontados tantos dias quantos forem os de retardamento da decisão. Entretanto, isso só se aplica se não houver um motivo justo para o retardamento, sendo certo que nunca se teve notícia de nenhum caso em que tal dispositivo tenha sido aplicado.

No que tange aos recursos, cabe apelação voluntária tanto da sentença que julgar procedente ou improcedente a ação como da decisão que der pela sua carência. Terá sempre efeito suspensivo e seguirá a tramitação comum prevista no CPC, com a simples peculiaridade de que, no caso de improcedência da ação, poderá ser interposta tanto pelo vencido como pelo Ministério Público ou por qualquer cidadão ( art. 19, caput e parágrafo segundo ).

O recurso de ofício só será interposto quando a sentença concluir pela improcedência ou pela carência da ação, ficando invertida a tradicional orientação desse recurso, para a melhor preservação do interesse público, importando, para a Administração, a eliminação de seus atos ilegítimos.

Quanto o pedido é julgado procedente, não se admite recurso de terceiros ou do Ministério Público, só podendo apelar os réus atingidos pela decisão.

A remissão do Art. 22 às regras do Código de Processo Civil autoriza o cabimento, em caráter supletivo, dos demais meios impugnativos ali previstos, como o agravo de instrumento, no caso das decisões interlocutórias, os embargos infringentes, os embargos de declaração, o recurso extraordinário e o recurso especial11 .

Por fim, algumas observações sobre a coisa julgada.

A sentença definitiva produzirá efeitos de coisa julgada material, oponível erga omnes, exceto quando a improcedência resultar da deficiência de prova, revestindo-se aquele pronunciamento da autoridade da coisa julgada no sentido meramente formal, caso em que poderá a ação ser renovada com idêntico fundamento, desde que se indiquem novas provas (art. 18). Essa renovação tanto pode ser feita pelo mesmo autor como por qualquer outro cidadão.

Busca-se evitar uma profusão de ações populares mal fundamentadas e mal instruídas, propostas por cidadão em conluio com os responsáveis pelo ato, com o objetivo de pô-lo, mediante a rejeição do pedido, a salvo de futuros ataques.(Cf. JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Op.cit., p. 122-123.)

É sempre bom lembrar que a sentença transitada em julgado constitui título para instaurar-se a execução popular. Mas a parte condenada a restituir bens ou valores ficará sujeita a seqüestro e penhora desde a prolação da sentença condenatória, como dispõe o art. 14, §4º.

Entretanto, como bem anota HELY LOPES MEIRELLES (op.cit.,p.112-113.), se a condenação é para restituir bens ou valores, então a execução será para entrega de coisa certa. Pois valores, aí, está no sentido de coisas infungíveis. Essas é que devem ser restituídas. Logo, não tem cabimento falar-se em penhora.

Podem promover a execução o autor popular, qualquer outro cidadão, o Ministério Público e as entidades chamadas na ação, ainda que a tenham contestado. Observe-se que o órgão ministerial só fica legitimado a promovê-la se houver inércia do autor e dos outros cidadãos ( Art. 16 ).

III. O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Encontra-se atualmente superada a discussão sobre poder ou não o Ministério Público ajuizar ação popular. A doutrina era unânime em dizer que não, salvo na hipótese de o membro da Instituição propô-la na qualidade de cidadão comum, sem estar investido em suas funções institucionais.

Hoje em dia, essa questão tem apenas valor histórico. É certo que o Ministério Público não é ente legitimado à propositura de ação popular; para chegar a esta conclusão basta a simples leitura do inciso LXXIII do art. 5º da Constituição da República e do art. 1º da Lei nº 4.717/65. Entretanto, poderá o Parquet propor ação civil pública com o mesmo objeto da ação popular. Isso se dá por expressa autorização legal, consubstanciada no artigo 25, inciso IV, alínea "b" da Lei nº 8.625/93, verbis:

"Art. 25 - Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

...........................................................................................................

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

...........................................................................................................

b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem."

É certo que os tribunais não vêm aceitando pacificamente tal legitimação. É comum interpretar-se restritivamente o texto constitucional no que pertine à atuação do Ministério Público (quando deveria ser exatamente o contrário, atentando-se à ratio que avulta na Carta Magna).

Nesse passo, existe um entendimento no sentido de não ser possível alargar-se a legitimação ativa da ação popular por norma infraconstitucional, uma fez que a Carta Magna circunscreveu tal legitimação tão somente ao cidadão.

Seguindo-se tal linha de raciocínio, veja-se o Acórdão abaixo transcrito:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Descabimento - Propositura pelo Ministério Público - Reparação de dano ocasionado ao patrimônio público por subvenções sociais - Objeto de ação popular - Decretada a carência da ação - Inteligência do artigo 5º, LXXIII da CF

Ilegitimidade do Ministério Público, quando cabente eventual ação popular. Pedido impossível de condenação a reparar o dano, pagando aos cofres municipais. Mescla de açõe injustificável."

Discordamos frontalmente de tal posicionamento , com a devida vênia. A uma, por existir expressa autorização legal nesse sentido - conforme já visto acima - e, a duas porque, ante os princípios constitucionais do Livre Acesso ao Judiciário ( Art. 5 º, XXXV )e da Moralidade Administrativa (art. 37, caput da Carta Magna), verifica-se que todos os esforços possíveis dentro do ordenamento jurídico devem ser levados a efeito a fim de se proteger o erário, sob pena de uma indesejável negativa de jurisdição.

Nesse diapasão, não cabe restringir, mas ao contrário ampliar ao máximo as possibilidades de controle dos agentes e entes públicos.

Ainda quanto à questão da legitimidade, não nos parece que o legislador constituinte tenha restringido a tutela dos atos lesivos ao patrimônio público apenas ao particular através da ação popular. Quis , ao contrário, garantir que mesmo ante a possível inércia de todas as instituições (Tribunais de Contas, Ministério Público e a própria Administração Pública) pudesse o cidadão deduzir perante o Poder Judiciário sua pretensão no sentido de ver protegidos os cofres públicos, na condição inclusive de contribuinte, além de fomentar a educação política do povo, bem como o sentimento participativo.

Por outro lado, a recente Lei nº 8.429/92, que cuida das hipóteses de improbidade administrativa, prevendo sanções para os agentes públicos que pratiquem atos em desacordo com os princípios constitucionais administrativos, confere legitimação ao parquet para atuar nesse sentido, ao lado dos próprios órgãos da Administração.

Visto este ponto, passemos à questão da intervenção do Ministério Público na ação popular.

O dispositivo mais tormentoso é o art. 6º, parágrafo 4º que assim dispõe:

"O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção de prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou de seus autores."

Nesse passo, a doutrina se divide acerca da natureza jurídica da intervenção do Parquet na ação popular, havendo alguns autores, como JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, para os quais o Ministério Público exerce uma livre apreciação das matérias preliminares, não podendo, no entanto, no mérito opinar pela improcedência do pedido. (op. cit.)

Para PAULO BARBOSA DE CAMPOS FILHO , o Ministério Público é litisconsorte necessário do autor popular (art. 9º da Lei nº 4.717/65). (apud D`Andréa Ferreira).

Segundo SÉRGIO D'ANDRÉA FERREIRA, VICTOR CORREIA DE OLIVEIRA e HELY LOPES MEIRELLES, o Ministério Público atua como custos legis , ou, nas palavras do último, como parte pública autônoma, podendo manifestar-se, a final, pela procedência ou improcedência do pedido.

Parece-nos ser mais acertada a última posição, já que, em razão da independência funcional inscrita em sede constitucional, o membro do parquet se vincula a agir apenas de acordo com sua consciência e com a lei.

É certo que deve o Promotor de Justiça procurar apressar a produção das provas; deve perquirir acerca da responsabilização civil e penal (e também administrativa nos termos da já citada Lei nº 8.429/92), entretanto não está impedido de assumir a defesa do ato impugnado.

Obviamente, assumir a defesa não significa representar, já que se trata de função atípica da instituição, reservada hoje em dia às Procuradorias do Município, do Estado e também à Advocacia Geral da União, a nível federal, porém o que está em questão é a valoração decorrente da livre apreciação da prova dos autos, bem como da matéria de direito envolvida, podendo o Ministério Público, inobstante a análise dos antecedentes lógicos do mérito, ou seja, as questões preliminares e prejudiciais, opinar pela improcedência do pedido.

Sempre válida a lição já consagrada de JOSÉ FERNANDO DA SILVA LOPES12:

"O Ministério Público assim intervém no processo para velar pela correta aplicação da lei de ordem pública e para realizar toda uma carga de atividades que as partes deveriam desenvolver mas, eventualmente, não desenvolvem, para impedir que o juiz, podendo suprir a inércia ou desinteresse da parte, não o faça, assegurando, efetivamente, sua neutralidade e eqüidistância. Faz o Ministério Público, em suma, aquilo que a parte deveria fazer, mas não o fez, e, aquilo que o juiz poderia fazer, mas não deve, aparecendo no processo como verdadeiro órgão de controle do interesse público, preocupado com a atuação da lei e com a relevante necessidade de garantir a mais estrita neutralidade do organismo jurisdicional. Este, o duplo fundamento da intervenção."

Ainda nessa esteira, se o órgão do Ministério Público não for intimado, anula-se o processo desde a falta de sua intimação (arts. 84 e 246 do CPC aplicados subsidiariamente - art. 22 da Lei nº 4.717/65). Destarte, sua intervenção é obrigatória na ação popular. (JRJESP 114/188 ).

Nesse passo, veja-se a seguinte ementa:

"A Lei 4.717/65 assegura ao Ministério Público o acompanhamento da ação popular em todos os seus termos, permitindo-lhe, inclusive, requerer o prosseguimento da ação, se o autor dela desistir ou der motivo para absolvição da instância. Legítima, pois, a sua intervenção no feito, cuja extinção evitou, emendando a inicial para promover a citação da União Federal, ao invés da Secretaria da Receita Federal"

Como bem anota o já mencionado VICTOR CORREA DE OLIVEIRA (op. cit.), a intervenção do Parquet deve se dar em todas as fases da ação popular, a saber, fase cautelar (art. 5º, parág. 4º), fase de conhecimento e fase de execução.

Aqui há dois pontos análogos que merecem ser considerados.

O primeiro diz respeito ao art. 9º da Lei nº 4.717/65, segundo o qual, na hipótese de desistência do autor fica assegurado ao membro do Ministério Público o prosseguimento da ação.

Não se vislumbre aqui a incidência do princípio da obrigatoriedade próprio da ação penal pública. Em outras palavras, o órgão ministerial não estará vinculado a promover a ação se não vislumbrar justa causa para a mesma. Tal ocorre, em primeiro lugar, porque a legitimação é concorrente, podendo qualquer outro cidadão assumir o prosseguimento do feito, e , em segundo lugar, porque não consta da literalidade do dispositivo legal a expressão prosseguirá ou outra semelhante; apenas se possibilitou fazê-lo, sempre no intuito de proteger-se ao máximo o erário e os demais bens tutelados.

Por outro lado, a experiência mostra que é bem razoável o número de ações populares propostas sem qualquer fundamento, configurando-se como verdadeiras lides temerárias. Ora, não seria razoável exigir-se do Ministério Público, guardião da lei e da correta aplicação do direito, o prosseguimento obrigatório de tal feito. Isso seria ferir sua função constitucional básica.

O segundo ponto que merece destaque está contido no art. 16, verbis:

"Caso decorridos 60 dias da publicação da sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução, o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 dias seguintes, sob pena de falta grave."

Aqui, o contexto é outro. Além da lei utilizar um termo imperativo ( "promoverá "), já existe decisão trânsita em julgado acerca do mérito da causa. Não pode o órgão ministerial recusar-se a promover a execução por entender incorreta a solução dada ao caso pelo Poder Judiciário.

Por fim, uma última questão: poderia o órgão ministerial, ao intervir no feito, aditar a petição inicial?

A jurisprudência vem respondendo afirmativamente a essa questão.

Nesse sentido, confira-se o julgado publicado na Revista do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Volume 105, página 316. Perfilhando o mesmo entendimento, citamos o seguinte acórdão:13

"AÇÃO POPULAR. Embargos Infringentes. Despacho Judicial determinando a emenda da petição inicial, para fazer incluir no pólo passivo da relação processual os beneficiários do ato impugnado. Neste caso, impunha-se a intimação pessoal do autor popular, o que não foi feito. Escoado o prazo assinado, a sentença abruptamente, extinguiu o processo sem julgamento do mérito. Impunha-se, ademais, a prévia intervenção do Ministério Público, que, no caso, até tem legitimidade para aditar a inicial. Nestas condições, apresenta-se nula a sentença. Por isso, acolhem-se os presentes Embargos Infringentes, a fim de que prevaleça o V. Voto Vencido." (grifos nossos)

IV. QUESTÕES CONTROVERTIDAS

Nesta parte do trabalho, afora os tópicos já estudados, abordaremos o tratamento dado pela doutrina e jurisprudência a certos pontos estratégicos, muitas vezes polêmicos, no estudo da figura processual em questão, os quais dividimos em tópicos, por motivos didáticos.

1. Propositura de ação popular por pessoa jurídica.

A questão já se encontrava pacificada através da Súmula nº 365 do S.T.F., anterior à Lei Nº 4.717/65, no sentido de que a pessoa jurídica não pode propor ação popular, eis que a mesma se funda essencialmente no direito político do cidadão.

2. Ação popular e mandado de segurança.

A solução está contida na Súmula nº 101 do STF - O mandado de segurança presta-se a invalidar atos de autoridade ofensivos a direito individual ou coletivo líquido e certo; a ação popular destina-se à anulação de atos ilegítimos e lesivos do patrimônio público.

3. Ação popular e ação civil pública.

A ação popular opera igualmente na defesa do meio ambiente, embora figure como um meio mais específico para o resguardo dos interesses difusos da sociedade a ação civil pública (Lei N º 7347/85). Há, porém, distinções mais objetivas, nos seguintes termos :

A quanto à legitimidade ativa: somente o cidadão pode ser autor da ação popular, enquanto a ação civil pública é prerrogativa do Ministério Público e das demais entidades mencionadas no Art.5 º da Lei N º 7.347/85;

  • quanto à legitimidade passiva: a ação popular se volta em princípio em face de entidade da Administração, além dos sujeitos mencionados nos Arts. 1 º e 6 º da Lei da Ação Popular, enquanto qualquer pessoa pode ser ré na ação civil pública;
  • quanto à competência: a Lei nº 7.347/85 prevê a competência absoluta do local do dano, enquanto a competência ratione loci da ação popular obedece à regra geral do Código de Processo Civil ;
  • quanto ao pedido: segundo o art. 11 da Lei nº 4.717/65, uma vez julgado procedente o pedido na ação popular , serão condenados os responsáveis e beneficiários a perdas e danos, o que não ocorre necessariamente na ação civil pública.

4. Quanto à necessidade de assistência para que eleitor menor de 16 anos possa propor ação popular.

Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA ( op. cit.), não é necessária a assistência. A Constituição Federal de 1988 impôs apenas o requisito de ter o autor a condição de eleitor; não se pode fazer qualquer limitação ao texto constitucional , sofrendo a regra dos Arts. 8 e 37 do CPC derrogação em favor do menor eleitor.

Já no entendimento de RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO ( op.cit.), deve prevalecer o suprimento da incompetência relativa do indivíduo, limitada em seu próprio interesse a certos atos da vida civil, o que não interfere na sua condição de cidadão .

Esposamos a segunda corrente, na medida em que a cidadania e o exercício do direito de ação, decorrência da primeira, são situações distintas, devendo ser observadas, na ausência de dispositivo legal expresso, as regras atinentes à assistência; a cidadania diz respeito à legitimidade para a causa, enquanto a capacidade civil é pressuposto para a regular formação da relação processual.

5. "A competência para processar e julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade, inclusive daquelas que, em mandado de segurança, estão sob a jurisdição desta Corte originariamente, é do Juízo competente de primeiro grau de jurisdição "( STF, Petição nº 194 em AgRg-SP, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 121/17, 18.2.1987).

Como declarou o Min. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES nas razões de seu voto, na interpretação literal do Art. 119 da Carta de 1967-69 (correspondente ao Art. 101, da vigente Carta Federal), a ação popular proposta contra o Presidente da República fica excluída da competência constitucional da Suprema Corte, que se restringe ao Mandado de Segurança impetrado contra ato da mesma autoridade.

Embora transformado numa noção assente, tal posicionamento merece censuras, a nosso ver, devendo, de lege ferenda, ser reformado, em consonância com o foro privilegiado necessário ao pleno exercício das funções governamentais e decisórias dos agentes políticos. Não pode o primeiro magistrado da nação, uma vez condenado ao pagamento de perdas e danos numa ação popular, vir a ser responsabilizado pelos padrões comuns, na obediência do mesmo princípio inspirador daquela regra constitucional.

6. Determina o Art. 6º da Lei nº 4.717/65 o litisconsórcio passivo necessário entre as autoridades, funcionários e administradores responsáveis pelo ato impugnado, bem como as que, por omissas, houverem dado oportunidade e, finalmente, os beneficiários diretos do mesmo. Vejamos, sobre o tema, os seguintes excertos jurisprudenciais:

"Ação popular. Citação dos membros da Câmara Legislativa Municipal que participaram da elaboração do ato impugnado. Litisconsórcio necessário" (RSTJ 30/378 ).

"(...)No processo da ação popular, identificados os autores da demanda, os beneficiários dos atos que se inquinam de lesivos ao patrimônio municipal, estes terão de ser citados para compor a relação processual, sob pena de nulidade.

...........................................................................................................

Sendo o beneficiário litisconsorte necessário do ato que se pretende ineficacizar, é nulo, ab initio, o processo em que não foi citado para o contraditório e defesa, podendo essa nulidade ser postulada pelo Ministério Público" ( STJ, RE 13.493-0-RS, 1a.T., Rel. Min. Demócrito Reinaldo, 24.6.92, RSTJ 43/332 ).

7. Embora qualquer cidadão tenha legitimidade para propor ação popular, para que ingresse no feito como litisconsorte ou assistente do autor deverá provar seu interesse processual (RT 635/206).

8. O autor, na ação popular, é substituto processual do poder público. Como este não está sujeito a prestar caução na execução provisória, o mesmo ocorre com o autor. (RTJESP 93/234)

9. Em segunda instância, é obrigatória a remessa dos autos ao revisor, nas apelações em ação popular (2ª T do STJ - RE 5753-RS, 1990).

10. Acerca da controvérsia existente quanto à aplicabilidade do artigo 9º da Lei da Ação Popular, veja-se o Acórdão abaixo transcrito:

"Se a desistência da ação popular ocorre antes de constituída a relação processual, com a citação válida dos réus, correta é a decisão que a homologou, pondo fim ao processo , mesmo que o Art. 9º da Lei Nº 4.717 de 1965, não foi violado, uma vez que a sua finalidade será cumprida no julgamento das demais ações propostas contra os mesmos réus, impugnando os mesmos atos considerados lesivos ao patrimônio público e/ou à moralidade administrativa" (TRF 1ª Região, Ac. Unân. 1ª Turma, DJ 16.9.93, Ap.Civ. 90.01.01.869-6, Rel. Juiz Plauto Ribeiro )". (grifos nossos)

Com a devida vênia, tal decisão é nula , eis que inobservou formalidade essencial, no tocante à exigência de publicação dos editais de chamamento dos interessados, em caso de desistência.

O fim da norma do Art. 9º é justamente impedir manobras pelas quais o autor popular se valesse da possibilidade de desistir da ação como instrumento de pressão em face da Administração Pública, para dela arrancar vantagens ilegítimas, em troca da extinção do processo.(CF. JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Op.cit., p. 118.)

11. Ação popular e férias forenses.

Segundo HELY LOPES MEIRELLES (op.cit., pág. 103.) ,a ação popular não se processa em período de férias, pois está sujeita às regras do procedimento ordinário. Entretanto, se houver pedido de liminar, deverá ser este apreciado mesmo em férias forenses, pois tem natureza análoga à dos atos necessários à conservação de direitos (CPC, art. 174, I) e, mais do que isso, de preservação do patrimônio público, que é a sua função primordial.

12. O recurso cabível da decisão que aprecia o pedido de liminar.

Anteriormente ao advento da Lei Nº 8.437/92, que trouxe uma maior luminosidade à matéria, registrou-se certo dissenso doutrinário, no tocante ao cabimento do agravo de instrumento ou do pedido de cassação ao Presidente do Tribunal competente para o recurso de mérito em face da decisão que aprecia o pedido de liminar, na falta de um texto legal que desse tratamento específico ao problema.

Na nova disciplina legal, a concessão de liminar na ação popular tornou-se certamente mais restritiva, excluída a possibilidade de ter aquela medida caráter satisfativo: "Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação" (Art. 2º, parágrafo 3º).

De se notar, nesse passo, que não foram poucos os que se levantaram contra a aplicação deste dispositivo ante os exatos temos do Inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Por outro lado, o artigo 4º da Lei 8.347/92 atribuiu ao Presidente do Tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, competência para suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o poder público, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde e à segurança públicas.

Uma vez suspensa a liminar (parágrafo 3º do art. 4º), cabe agravo regimental, no âmbito do Tribunal.

De se salientar, entretanto, que a sistemática das medidas liminares concedidas em desfavor da Fazenda Pública foi nova e recentemente alterada pela Medida Provisória nº 1.570/97, editada em 26 de março de 1997 (Publicada no Diário Oficial da União em 27 de março de 1997).

Com efeito, assim dispõe o artigo 2º do referido diploma:

"Art. 2º. O art. 1º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:

§ 4º. Sempre que houver possibilidade de a pessoa jurídica de direito público requerida vir a sofrer dano, em virtude da concessão da liminar, ou de qualquer medida de caráter antecipatório, o juiz ou o relator determinará a prestação de garantia real ou fidejussória."

Ocorre que, como nos dá notícia o Informativo nº 67 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, Julgando medida cautelar em ação direta ajuizada pelo Partido Liberal contra tal Medida Provisória, o Tribunal deferiu, em parte, a liminar para suspender a vigência do supra mencionado artigo 2º.

Ainda segundo aquela publicação:

"Os Ministros Maurício Corrêa, Ilmar Galvão, Carlos Velloso e Néri da Silveira deferiram a liminar por considerarem que o dispositivo, tal como redigido, poderia restringir o acesso ao Poder Judiciário, com ofensa, à primeira vista, ao art. 5º, XXXV da CF/88 ("a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito."), e os Ministros Celso de Mello e Sepúlveda Pertence a concediam por entenderem que não haveria urgência a justificar a edição da Medida Provisória. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator), Nelson Jobim, Octavio Gallotti, Sydney Sanches e Moreira Alves, ao argumento de que o sistema processual brasileiro já contempla normas que facultam ao magistrado a exigência de caução (p. ex.: art. 804 do CPC), e cuja inconstitucionalidade jamais foi declarada." (Cf. Informativo nº 67 do Supremo Tribunal Federal, obtido na Internet, no "site" www.stf.gov.br)

Como se vê, em termos de ação popular, nenhum efeito concreto adveio do artigo 2º da Medida Provisória nº 1.570/97, eis que esse dispositivo teve sua vigência suspensa por decisão em caráter provisório do Pretório Excelso.

13. A ação popular não é necessariamente uma ação contra a Fazenda Pública.

Pela norma do Art. 6º, parágrafo terceiro da Lei Nº 4.717/64, a administração e o cidadão valoram do mesmo modo o ato impugnado, manifestando, portanto, o mesmo interesse no seu desfazimento.

Por via de conseqüência, salta aos olhos a desconformidade entre a relação formal que se estabeleceu com a citação - opondo o cidadão, como autor, à administração, como ré -,e a relação substancial que os alia na perseguição de fim comum. A norma visa corrigir aquela desconformidade, podendo a administração assumir no processo a posição de litisconsorte ativo, percebendo-se na citação um caráter interpelativo: é como se o autor convidasse a administração a definir-se, sem que a priori se possa saber em que sentido virá a definição.(Cf. JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, A Administração Pública e a Ação Popular, in Revista de Direito do Ministério Público da Guanabara, Vol. 2, 1967.)

14. Prescrição.

Alude o Art. 21 da Lei da Ação Popular, com discutível propriedade, ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos para a propositura daquele remédio constitucional, fluindo a partir da prática do ato lesivo.

No caso da lei despida de efeitos concretos mas que traduz uma autorização para a prática do ato administrativo apontado como lesivo, que dá execução à mesma lei, consiste o termo inicial para a contagem da prescrição no mesmo ato, e não na edição daquela lei, a qual não chegou a complementar a lesividade exigida (STJ, RE 1002, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 6.6.1990,in Revista de Direito Administrativo, Volume 187, página 268).

V. BIBLIOGRAFIA

  • BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Desvio de Poder, in Revista de Direito Público, Volume 89, Página 24.
  • BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Administração Pública e a Ação Popular, in Revista de Direito Público do Estado da Guanabara, Nº 2, 1967.
  • BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A legitimação para a defesa dos interesses difusos no direito brasileiro, in Revista Forense, Vol. 276, pág. 1.
  • BARBOSA MOREIRA, José Carlos . Temas de Direito Processual - 1ª Série, São Paulo: Editora Saraiva, 1988.
  • GRINOVER, Ada Pellegrini. A Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos, in Revista Forense, Volume 268, página 67.
  • MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Popular, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.
  • MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991.
  • MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data. São Paulo: Malheiros Editores, 1992.
  • MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 1991.
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  • PRADE, Péricles. Conceito de Interesses Difusos. Ed. RT, São Paulo, 1987.
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  • RAMOS, Elival da Silva. Ação Popular como Instrumento de Participação Política. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991.
  • SEABRA FAGUNDES, Miguel de. Da Ação Popular, in Revista de Direito Administrativo, Volume 6, página 1.
  • SILVA, José Afonso da. Da Ação Popular Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968.
  • SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990.
  • THEODORO JR., Humberto. A Tutela dos Interesses Coletivos no Direito Brasileiro, in Revista Forense, Volume 318, página 45.

(*) Trabalho apresentado ao Professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, por ocasião do encerramento do Curso de Direito Processual Civil da Uerj, em outubro de 1994. Revisto e atualizado em maio de 1997.

(**) Os autores são Promotores de Justiça no Estado do Rio de Janeiro.


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