Adriano Soares da Costa |
NATUREZA JURÍDICA DAS FUNDAÇÕES PÚBLICAS Adriano Soares da Costa I - Conceito de Fundação Pública. § 01. - Quem quer que faça um estudo, na doutrina brasileira, sobre as Fundações públicas, se impressionará com as dissensões em torno dessa entidade jurídica. É bem verdade que hoje já existem inúmeros consensos sobre seu regime jurídico, máxime depois que a Constituição Federal a pôs entre aquelas entidades que compõe a Administração Indireta (art. 37, caput; art. 37, inc.XIX; art. 39, caput; art. 71, inc.II; etc). O presente estudo não tem a pretensão de ser a última palavra sobre o assunto, tanto pelos limites da abordagem que nos propomos, como também pelo corte metodológico que impusemos, apenas tratando desta instituição com preocupações conceptuais, sem enfrentar questões de fundo, a respeito de suas espécies, que esperamos possamos fazê-lo futuramente, em estudo de maior fôlego. Por agora nos preocupamos tão apenas com aquilo enunciado no título deste artigo doutrinário: com a natureza jurídica das fundações públicas. § 02. - A Fundação Pública é uma pessoa jurídica paraestatal criada por lei. Embora essa assertiva pouco informe sobre o seu conceito, tem a utilidade de lhe fixar algumas notas características, primordiais para sua compreensão. Em primeiro lugar, ressalva que a Fundação Pública é uma pessoa jurídica, embora fique para depois discutir se pública ou privada. Sendo pessoa jurídica, não é um mero órgão, nem repartição, nem comissão ou qualquer outro apêndice despersonalizado da Administração Direta. É pessoa, e como tal possui capacidade de direito, tendo a possibilidade de ser sujeito de direito. A personalidade é a possibilidade jurídica de se encaixar em suportes fácticos, que, pela incidência das regras jurídicas, se tornem fatos jurídicos; portanto, a possibilidade de ser sujeito de direito, ou seja, figurar ativamente na relação jurídica fundamental ou nas relações jurídicas eficaciais (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, tomo I, 4ª ed., RT, p.153 e 160). § 03. - A sua paraestatalidade se deduz de ser ela fração do Estado, que dele se despregou e se personalizou, por alguma conveniência da Administração (Pontes de Miranda, ob.cit., p.300). Pelo conseguinte, o signo paraestatal é tomado aqui como complementação do Estado, não importando se de direito privado, como quis Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 15ª ed., RT, p. 544), ou de direito público, como limitou Pontes de Miranda (ob.cit., p.307). § 04. - Além dessa característica determinante, há uma outra de não menor valia: há ela de ser criada por lei, porque apenas a lei pode dispor sobre a estrutura e organização da Administração, como também só a lei condiciona e autoriza a atividade da Administração, que é sempre sub-legal, ou seja, submetida aos ditames do ordenamento jurídico. § 05. - Sabido que a Fundação Pública é uma pessoa jurídica paraestatal criada por lei, cabe agora saber com que tipo de pessoa jurídica estamos tratando, quais suas notas individualizadoras, as quais a apartam das demais pessoas jurídicas criadas pelo Poder Público. § 06. Inicialmente, cabe gizar que o núcleo conceptual básico desta pessoa jurídica há de ser buscada no Direito Civil, vale dizer, na instituição nominada de fundação, que seria gênero dessa espécie de ente público. Logo, indubitável que toda a teoria das Fundações deve ser aplicada às Fundações Públicas, porque substantivamente se reduzem a um mesmo substrato teórico e categorial. De fato, para que possamos usar a expressão Fundação Pública ou Fundação de direito privado, forçoso reconhecer que ambas possuem uma cepa jurídica comum. § 07. - Orlando Gomes (Introdução ao Direito Civil, 5ª ed., Forense, p. 217) leciona que "a fundação é pessoa jurídica de tipo especial, pois não se forma pela associação de pessoas físicas; nem é obra de um conjunto de vontades, mas, de uma só. É, em síntese, um patrimônio destinado a um fim". Tal o conceito encontradiço em grande parte da doutrina, que a par de dizer muito, pouco informa. De fato, embora seja a Fundação composta de um patrimônio, ao qual seu instituidor fixa um fim, também o patrimônio composto por subscrição para determinado fim (socorro às vítimas de inundações, seca ou incêndio; abertura de estrada ou construção de monumento, etc.) também é patrimônio especial, embora não possua personalidade jurídica. Também as coletas para beneficência e fins de utilidade comum, ou mesmo doações modais são um patrimônio destinado a um fim, embora também não possuam personalidade. Portanto, Fundação é um patrimônio personalizado destinado a um fim de interesse coletivo. Mas não apenas isso. § 08. - A Fundação nasce de declaração de vontade do fundador, sendo efeito de negócio jurídico unilateral, pelo qual se determina o fim da Fundação e os meios com que pode contar inicialmente (Pontes de Miranda, ob.cit., p. 453-4). Nada obstante também possa ser criada por lei, ou por ato administrativo que a lei permita (Pontes de Miranda, ob.cit., p.468). § 09. - Há, na doutrina, controvérsia quanto à especificação do ato criador da Fundação, quando o seu fundador é o Poder Público. Para Celso Antônio Bandeira de Mello (Personalidade de Direito Público, RDP-1, p.131) a criação da pessoa jurídica só é possível através de lei, afirmando que "é meridiano que unicamente o Legislativo, a quem incumbe fixar originária e inauguralmente a vontade do Estado, inovando na ordem jurídica, pode erigir um centro novo de titularidade de interesses públicos (...) Sendo próprio e privativo da lei o poder de inovar na ordem jurídica - e a criação de um sujeito de direito público é inovação da mais alta relevância - não poderia ela delegar ao Executivo uma atribuição que é especifica e privativamente sua" (p. 132). Por isso, insiste o eminente professor, quando a Lei autoriza ao Poder Executivo instituir uma Fundação, apenas autoriza a que ele, através de Decreto, destinado à fiel execução da lei, promova todas as medidas subseqüentes necessárias ao funcionamento efetivo da pessoa. Por conseguinte, a existência jurídica da pessoa jurídica foi inaugurada pela lei, cabendo ao Poder Executivo apenas atuar a vontade da lei, proporcionando sua existência fáctica. Portanto, a lei cria a pessoa jurídica; a instituição da Fundação compete efetivamente ao Executivo, com a promoção dos atos posteriores, jurídicos e materiais, indispensáveis à realização concreta da vontade da lei (Celso Antônio, ob.cit., p. 133). § 10. - Desse modo, partindo das premissas postas, o professor paulista afirma que o registro, quando se trata de Fundação criada por lei, é procedimento extravagante e desnecessário. Consoante assevera, "uma entidade de direito público não pode ser criada por registro; só pode ser criada por lei" (p. 130). Nesse passo, reproduziu a lição de Miguel Reale ("Fundações de Direito Público...", RDA - Vol. 72 - p.413 e 414), para quem o registro de fundações oficiais está a demonstrar a que descaminhos podemos ser levados quando deixamos a via ampla e necessária dos princípios gerais que governam e discriminam os conceitos, as categorias e os esquemas sistemáticos que fazem do direito um lucidus ordo" (p. 129). Para Celso Antônio, portanto, se a lei não conceder expressamente à fundação uma personalidade privada, o decreto não poderá transformá-la em fundação privada, porque sendo ato administrativo está subjugado à lei. Cumpre executá-la simplesmente (p.138). § 11. - Mas nem todos são concordes com esse entendimento. Manoel de Oliveira Franco Sobrinho (Fundações e Empresas Públicas, RT, 1972, p.5 e 6) afirma que as fundações criadas pelo Poder Público não contrariam ao Código Civil, ficando sujeitas às normas que regem as pessoas jurídicas de personalidade privada. É bem verdade que o professor paranaense escreve sob à vigência do Decreto-Lei 900/69, que pôs as fundações públicas fora da Administração Indireta, submetendo-as à legislação civil (art. 2º). Todavia, a opinião do Autor é relevante, porque ele não aceita a categoria individualiza fundação pública, considerando a existência apenas de fundações regidas pelo direito privado, as quais, quando instituídas pelo Poder Público, se submeterão à fiscalização e tutela pelas normas impostas de Direito Administrativo, podendo, sempre quando quiser, o ente criador fazer cumprir a sua vontade (p. 9). Na dicção do próprio autor: "Pode o Estado instituidor, quando queira ou como queira, dentro da discrição que a própria lei faculta aos instituidores de fundações, normatizar em regras obrigatórias o modo de como administrá-las e dar destino ao patrimônio quando extintas" (p.10). Sem embargo, o eminente professor condiciona a intervenção estatal ao disposto no ato constitutivo (p.10). É, sem dúvida alguma, a posição mais arraigadamente civilista entre os administrativistas que versaram sobre o tema. § 12. - José Cretella Jr. (Administração Indireta Brasileira, 2ª ed., Forense, p. 242 e 243) afirma que o Estado pode criar fundações de direito público e fundações de direito privado. Ambas são criadas por lei, cabendo ao decreto apenas institui-las e aparelhá-las, a fim de que funcionem eficazmente. Lembra o ilustre autor, no entanto, a lição de Miguel Reale (Direito Administrativo, p. 23), segundo a qual "quando a lei institucional dá nascimento a fundação destinada a fins e interesses manifestamente coletivos, sem lhe emprestar, de maneira expressa, a configuração jurídico civil, deve entender-se que se trata de ente de direito público, não subordinado aos preceitos aplicáveis às fundações civis, quer quanto às formalidades de sua constituição, quer quanto ao processo de sua fiscalização" (p.236). § 13. - Celso Antônio Bandeira de Mello (Prestação de Serviços Públicos e Administração Indireta, 2ª ed., RT, 1987, p. 154), em monografia posterior ao Decreto-Lei nº 900/69, passou a admitir que as fundações governamentais tanto podem ser públicas como privadas mas que, em sendo públicas, respondem à figura jurídica da autarquia. Em nota de rodapé, Celso Antônio reproduziu a crítica que lhe fez Sérgio de Andrade Ferreira, segundo a qual é erro distinguir entre lei criadora e decreto instituidor, pois tal distinção é válida apenas para as paraestatais (economia mista e empresa pública). Quanto às fundações, a lei apenas autoriza a criação, não sendo ela mesma a criadora (p. 164). A resposta à crítica foi mera reprodução do pensamento adotado pelo professor paulista. § 14. - Como se vê, a questão envolvendo a natureza do ato criador do Poder Público é controversa, mercê de sua importância quanto aos limites condicionadores do decreto ou ato constitutivo, que fixam as regras a serem aplicadas ao novo ente jurídico. De nossa parte, entendemos que nenhum dos autores acima citados enfrentaram corretamente a questão, levantando falsos problemas, os quais apenas encambulharam a exposição correta da matéria. § 15. De regra, há três princípios que podem informar os legisladores quanto à personificação das entidades não-personificadas: a) o princípio da livre criação personficante, segundo o qual, criada a entidade, esta é personificada ope legis; b) princípio da determinação estatal, pelo qual a personificação depende da vontade (não só do exame) do Estado; e c) princípio da determinação normativa, que apenas exige a satisfação de certos pressupostos de direito material, com ou sem exigência de registro ou publicação. O Código Civil Brasileiro adotou esse último princípio. § 16. - O negócio jurídico fundacional institui a fundação de direito privado. Todavia, instituir não é dotar, o ente criado, de personalidade jurídica. Há sociedades, associações e fundações que não são ou ainda não foram personificadas, e a legislação civil não as desconhece (art.20, § 2º do CCB: "As sociedades enumeradas no art. 16, que, por falta de autorização ou de registro, se não reputarem pessoas jurídicas..."). Como ensina Pontes de Miranda (ob.cit., p.333), "Sociedade ou associação não-personificada é toda sociedade ou associação, que resultou de negócio jurídico, ou de lei, mas para a qual (ainda) não se obteve personificação. Organizou-se social ou corporativamente, não é pessoa". De fato, a entidade ainda não personificada já esta, de certo modo, distinguida das pessoas dos seus membros, porque já há, pelo negócio jurídico unilateral, ou bilateral, ou plurilateral, o patrimônio destinado a um fim. Os atos das próprias entidades que ainda se não registraram são seus (art. 20, § 2º, verbis: "responsabilizá-las por seus atos"). O patrimônio ainda pertence aos membros -- como não há pessoa jurídica, o patrimônio não é distinto do de seus membros --, mas já está em comum, sujeito às regras do ato constitutivo, o que o diferencia dos patrimônios dos membros (vide Pontes de Miranda, ob.cit., p. 344). § 17. - A personalidade depende de registro de ato constitutivo (art. 18 do CCB). Antes do registro, entre ele e o ato constitutivo, há a entidade não-personificada. Mas poderia o legislador conceber a personificação ipso iure, bastando adotar o princípio da livre criação personificante, como ocorre quando legislador cria e adota a entidade de personalidade, com efeito imediato. Como assevera Pontes de Miranda, "Se a lei, que cria a sociedade, ou a associação, ou a fundação, dispensa-lhe o registro para efeito personificativo, tudo se passa instantaneamente: à data que se marca na lei, a pessoa jurídica é, sem o período constitutivo, ou o deixa a atividade posterior de pessoas indicadas, ou a serem indicadas" (p. 358). § 18. - Pelo conseguinte, não se pode, quanto ao problema da personalidade jurídica das entidades criadas pelo Poder Público, ser encetada resposta a priori. É o próprio ordenamento jurídico, ou a lei que criou a entidade - ou autorizou sua criação-, que poderá trazer a resposta. Curiosamente, a doutrina partiu para esse debate meio confuso por não ter feito uma distinção simples, que bem poderia trazer luzes ao tema: trata-se da distinção entre Fundação Pública ou Governamental, instituída pelo Poder Público, que poderá ter, de acordo com a lei ou o ato administrativo, personalidade de direito público ou de direito privado; e Fundação instituída por particulares, que terá sempre personalidade privada, se não houver lei que a transmude para personalidade de direito público. personalidade de direito público (art.39 da CF/88) Fundação Pública ou Governamental personalidade de direito privado (art. 171, § 20. da CF/88) Fundação instituída por particulares personalidade de direito privado § 19. - A falta dessa distinção induziu à cinca Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, que apenas viu a personalidade de direito privado, sem observar que a Fundação Pública pode ser de direito público ou privado, sendo, nesse último caso, regida pela legislação civil parcialmente derrogada por norma de direito administrativo. Também Celso Antônio Bandeira de Mello e Miguel Reale, mercê do excessivo apego a conceitos doutrinários importados da Itália, não observaram que a personificação pode ser efeito distinto do ato legal que criou a entidade, o que não tornaria excessivo, dependente do disposto na lei, o registro do ato constitutivo. Com razão, quanto ao ponto, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo, 4ª.ed., Atlas, p.318 e segts.). § 20. A lei pode criar a entidade; criar e dotar a entidade de personalidade jurídica; ou apenas autorizar a que sua criação se dê, fixando de antemão sua finalidade, seu patrimônio e sua estrutura, ou deixando, quanto a esta, que o ato administrativo o faça. § 21. Se a lei apenas cria a entidade, desde sua publicação a entidade existe, embora sem personificação. Há fundação in fiere, em situação jurídica símile a do nascituro. Pode se dar que a norma crie e já disponha sobre a fundação (ainda) não-personificada, deixando para o decreto o efeito personificante, ou para ato administrativo dependente de registro. Se for por decreto, há desnecessidade de registro, embora o próprio decreto possa exigi-lo. Nesse campo, o legislador ou o administrador têm inteira liberdade: aquele na confecção da lei; esse, se a lei lhe deixou um branco para agir. § 22. - Se a lei cria a fundação e já lhe concede personalidade jurídica, resta ao Poder Executivo apenas praticar os atos materiais de viabilização fáctica da nova pessoa jurídica. Pode ocorrer, porém, que a norma, sem embargo de dar personalidade à entidade, não regre sua estrutura e administração, deixando que o decreto o faça. Como já há pessoa jurídica, não terá nenhum efeito jurídico o registro do ato constitutivo. Seria mera excrescência. § 23. Havendo apenas autorização para que o Poder Executivo crie a pessoa jurídica, é importante que a lei autorizativa desde logo estipule sua natureza (sociedade, associação ou fundação), seu regime jurídico (direito público ou privado), sua finalidade e seu patrimônio. Mas pode ocorrer que ela mesma omita algum ou alguns desses itens, deixando ao administrador ampla liberdade. Nesse caso, o ordenamento jurídico acima da lei condiciona essa liberdade, que não é absoluta. § 24. Das três formas cima citadas, a de pior técnica é a lei autorizativa, porque concede ao Poder Executivo poderes demasiados na criação e estruturação da novel pessoa jurídica. Mas isso é um problema de política legislativa. § 25. - O patrimônio, como substrato estrutural das Fundações, deve ter a sua finalidade desde logo fixada em lei, seja ela criadora, criadora e personificante, ou apenas autorizativa. Definida sua finalidade, apenas por lei poderá ser ela alterada, seja a Fundação Pública de direito público ou de personalidade privada. Como leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro (ob.cit., p.322). "O poder público pode introduzir alterações na lei instituidora, da mesma forma que ocorre com as sociedades de economia mista e empresas públicas. Em todas elas existe uma parte das relações jurídicas que é regida por essa lei instituidora e imutável por via estatutária; e outra parte que a própria lei deixa para ser disciplinada pelo estatuto; para alterar a lei que rege a fundação, o Estado não depende de prévia decisão dos órgãos de direção da entidade". § 26. - Doutra banda, em caso de fundação regida por estatuto, ou mesmo decreto, não pode o fundador determinar que, havendo extinção da Fundação Pública de direito privado, seu patrimônio seja destinado para outra instituição que não o próprio Poder Público. Se a lei permite essa destinação, está autorizando uma doação com efeito protraído. Mas se não há previsão legal, o decreto, ou o ato constitutivo, não poderá destinar o patrimônio, porque a) o interesse público é indisponível; e b) os bens públicos só podem ser alienados (doação, permuta, etc) com expressa autorização legal. Nos valendo mais uma vez das lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (ob.cit., p.322), podemos afirmar com ela que "o poder público, ao instituir fundação, seja qual for o regime jurídico, dificilmente pratica simples ato de liberalidade para destacar bens de seu patrimônio e destiná-los a fins alheios que não sejam de interesse do próprio Estado... Por essa razão, a fundação governamental não adquire, em geral, vida inteiramente própria, como se fosse inteiramente instituída por particular. É o interesse público que determina a sua criação; sendo variável o interesse público, o destino da fundação também pode ser mudado pelo ente que a instituiu, quer para alterar a lei que autorizou a sua criação, quer para revogá-la." § 27. - Quanto ao patrimônio da Fundação, cabe uma última observação. Ainda que a iniciativa privada participe do fundo patrimonial para a constituição de Fundação Pública lato sensu, o único instituidor é o Poder Público, salvo expressa disposição legal em contrário, permitindo que além do Estado possa constar particulares como fundadores. Nesse caso, se a fundação foi criada por duas ou mais pessoas, não há bilateralidade das declarações de vontade. Há declarações unilaterais convergentes, dando ensejo ao ato jurídico coletivo, criativo (Pontes de Miranda, ob.cit., p. 458). Não havendo norma autorizativa da participação da iniciativa privada como co-fundadora, poderá ela participar doando bens para a dotação do patrimônio suficiente à criação da Fundação Pública. A doação poderá ser formalizada em negócio jurídico autônomo, ou conjuntamente com o ato constitutivo. Nesse caso, "o negócio jurídico fundacional pode estar contido em negócio jurídico bilateral, inclusive contrato, porém, mesmo assim, não perde a sua natureza de negócio jurídico unilateral e não-receptício" (Pontes de Miranda, ob.cit., p.457). Os bens, assim doados, passam a ser de propriedade da Fundação e, com sua extinção, passam ao patrimônio do Poder Público. § 28. - No que respeita ao último elemento definidor das Fundações, podemos dizer que elas não podem se afastar ou se desviar da finalidade que lhes foi atribuída por lei. Vigora, por conseguinte, o princípio da especialidade, pelo qual a fundação instituída pelo Poder Público não poderá se desviar do fim para o qual ela foi criada, que deverá ser sempre perseguido. Como explica José Cretella Jr. (ob.cit., p.251). "Em razão do princípio da especialidade, por exemplo, é que as fundações de direito público não podem aceitar liberalidades, doações ou legados, que as obrigassem à prática de atividades estranhas às suas próprias atribuições, como é, entre outros, o caso do hospital, criado sob a forma de fundação pública, que aceitasse legado, em troca de providenciar o funcionamento ou a manutenção de estabelecimento de ensino jurídico, por exemplo...". Para que outra finalidade pudesse ser perseguida, necessário que a lei criadora, ou a lei criadora e personificante, ou a lei autorizativa, fossem alteradas, prevendo o novo desiderato. Quando afirmamos anteriormente, que a lei autorizativa deixava espaço para o administrador desenhar a compostura interna das Fundações, podendo omitir alguns itens do conceito de fundação, não nos preocupamos em gizar, e agora o fazemos, que a finalidade da fundação há de ser desde logo definida no ato legal. § 29. - O fim especificado na lei é pressuposto material, necessário, da fundação (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, tomo I, p. 455). Sendo o interesse público indisponível, seria absurda a hipótese de uma lei autorizando a criação de uma fundação, sem ab ovo fixar-lhe a finalidade. "Fica autorizado o Poder Executivo a criar uma Fundação Pública"(!). Para quê? Haveria evidente desvio de finalidade em tal norma, que estaria delegando poderes ao Executivo, de maneira ilegal e sem contornos precisos. Como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 4ª ed., Malheiros, p. 23), "A indisponibilidade dos interesses públicos significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade -- internos ao setor público -- não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis... Na administração os bens e interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos. É a ordem legal que dispõe sobre ela" (grifei). II- A Legislação Federal Aplicável. § 30. - O Decreto-Lei nº 200/67, em sua redação original, deixava de fora, do rol das entidades que compunham a Administração indireta, as Fundações Públicas, equiparando-as às empresas públicas (art. 4º, parágrafo único), essas sim consideradas como indiretas. § 31. - O Decreto-Lei nº 900/69 trouxe limitações à criação de Fundações Públicas, admitindo sua instituição dês que (a) possuíssem dotação específica de patrimônio gerido pelos órgãos de direção segundo os objetivos estabelecidos na respectiva lei de criação; (b) tivessem a participação de recursos privados no patrimônio e nas despesas correntes, equivalentes, no mínimo, a um terço do total; (c) objetivos não lucrativos; (d) atendessem aos demais requisitos do art. 24 e segts. do CCB (art. 2º). Embora continuasse a não incluir as Fundações entre as entidades da Administração Indireta, o Decreto-Lei nº 900/69 as submeteu à supervisão ministerial (art. 3º). § 32. - A Lei Federal nº 7.596, de 10.04.1987, modificou novamente a redação do Decreto-Lei nº 200/67. Com a nova redação, que hoje vigora, houve substancial alteração, a qual passaremos a analisar, sem mais fazer menção à Lei, mas apenas ao Decreto-Lei nº 200/67, já com as modificações introduzidas. § 33. - As Fundações Públicas passaram a ser legalmente consideradas como integrantes da Administração Indireta, dotadas de personalidade própria (art.4º, inciso II, alínea "d"). Como entidades compreendidas na administração indireta, vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiverem enquadradas suas principais atividades (art.4º, § único). Desse modo, as Fundações Públicas passaram a ter reconhecido seu vínculo onfálico com a administração direta, numa relação de fiscalização (supervisão ministerial). § 34. O Decreto-Lei nº 200/67 passou a conceituar o signo Fundação Pública, dispondo-a como "a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes". Já o § 3º desse mesmo artigo preceituou que as Fundações Públicas adquirem personalidade jurídica com a inscrição da escritura pública de sua constituição no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, não se lhes aplicando as demais disposições do Código Civil pertinentes às Fundações. § 35. - O conceito de Fundação Pública, construído estipulativamente pelo Decreto-Lei nº 200/67, deve ser interpretado com cautela. Como ensina Eros Grau (Direito, Conceitos e Normas Jurídicas, RT, p.66), "os conceitos jurídicos têm por finalidade ensejar a aplicação de normas jurídicas. Expressados, são signos de signos (significações) cuja finalidade é a de possibilitar aquela aplicação... são usados para permitir e viabilizar a aplicação de normas jurídicas". Havendo indeterminação do conceito, o legislador pode optar por fixar suas notas essenciais, imprimindo-as na norma jurídica como delimitadoras de sua aplicação. Conceito estipulativo corresponde a uma definição, que a norma jurídica contempla visando superar a ambigüidade ou imprecisão do termo do conceito (Eros Roberto Grau, ob.cit., p.71). Pode ocorrer, entrementes, que regras jurídicas diferentes conceituem um mesmo termo de modo diverso. Havendo tal fato, deve o conceito estipulativo ser aplicado apenas em seu contexto normativo. § 36. O Decreto-Lei nº 200/67, com sua nova redação, tem eficácia legal limitada às Fundações já existentes quando de sua entrada em vigor. De fato, se uma nova Lei criar uma Fundação Pública, dando-lhe tratamento diverso, derrogada quanto a ela ficou o Decreto-Lei, pois lex posteriori derrogat priori (vide Celso Antônio Bandeira de Mello, Prestação de Serviços Público e Administração Indireta, p.158-9, nota 36). Doutra banda, a definição legal também não alcança as Fundações Públicas de direito público, tanto porque elas se equiparam às autarquias, como também porque não foram elas constituídas por escritura pública, mas apenas por lei. Daí porque podemos afirmar que a Fundação Pública de direito público existe independentemente da definição legal, que apenas se preocupou com a forma mais controvertida de fundação pública, que era a de personalidade de direito privado. Se esta foi encartada entre as entidades da administração direta, a fortiori o será a de direito público, equiparada às autarquias (art. 39, caput, da CF/88). § 37. - Inovação curiosa trouxe-nos o § 3º do art. 5º do Diploma glosado. Por ele, as Fundações passaram a ser regidas pelo Código Civil, se privadas fossem, apenas para efeito do registro de seu ato constitutivo, não mais sendo de se lhes aplicar as demais disposições. Dessarte, o Ministério Público não mais é o seu fiscal, porque o próprio Poder Público deve exercer o controle sobre suas entidades. Tal mudança equiparou, de certo modo, as Fundações Públicas às empresas públicas, sendo certo que aquela, como de regra atua como beneficente, possui favores tributários que essa não possui, pelo fato de atuar no setor econômico. § 38. - Consoante doutrina Maria Sylvia Zanella Di Pietro (ob.cit., 326-7), às Fundações de Direito Privado, instituídas pelo Poder Público, se aplicam as seguintes normas:
§ 39. - Evitaremos descer à analise de cada um desses tópicos, apenas chamamos a atenção para o terceiro deles, a merecer um pequeno corretivo. Como mostramos anteriormente, há três formas possíveis pelas quais o Ordenamento Jurídico pode legislar sobre as fundações públicas, quando da sua criação: apenas cria; cria e personifica; ou só autoriza ao Poder Executivo proceder a criação. Nos dois primeiros casos, a extinção apenas por lei poderia ser feita; agora, mesmo que criada por ato do Executivo -- ainda que autorizado por lei -- apenas por lei poderá ser extinta. Essa é a correta dicção legal. Mas a tais sutilezas, parte da doutrina ainda não chegou. III- Negócio Jurídico Fundacional e Patrimônio. § 40. - Quem destina um patrimônio para uma dada finalidade, personificando-o, não doa; antes, institui uma fundação. Como já o dissemos anteriormente, o negócio jurídico fundacional é unilateral, não-receptício. É tão negócio jurídico quanto a doação, ambos autônomos. Quem constitui a fundação destina, por negócio jurídico unilateral (testamento ou não), seu patrimônio à perseguição de uma finalidade previamente determinada, com o intuito personificante. Pode ocorrer que se faça doação para a Fundação já personificada, o que de modo nenhum altera o ato constitutivo ou sua finalidade, ainda mais se se trata de Fundação Pública (cf. José Cretella Jr., ob.cit., p.251) Outra questão é a doação admitida pelo art. 2º do Decreto-Lei nº 200/67, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 900/69, a ser feita pela iniciativa privada para compor no mínimo um terço (1/3) do patrimônio da Fundação. Achamos esse ponto merecedor de atenção, porque poderia suscitar o dislate de se imaginar que, mercê desses dispositivos legais, os particulares passariam a co-fundadores. § 41. - A doação é um contrato gratuito, unilateral, real e formal, embora possa ser consensual (art. 1.172 do CCB). No comum dos casos, a lei que institui a Fundação admite a participação de recursos privados na dotação patrimonial da fundação, sem descer a detalhes quanto aos meios para a concretização do permissivo. Se alguém doa seus bens, livremente, com redução patrimonial, sem comutatividade, há oferta de doação; com a aceitação pelo beneficiário, perfaz-se o contrato de doação (art. 1.165 do CCB). Assim, se alguém da iniciativa privada manifesta sua vontade, no sentido de participar, com seus bens, da dotação patrimonial de uma Fundação in fieri, fez oferta de doação (negócio jurídico unilateral receptício). O busílis da questão está em se saber se a Fundação in fieri, portanto ainda não-personificada, pode aceitar a doação, visto não ser ainda sujeito de direito. A questão é cavilosa, e, no caso das Fundações Públicas, não pode ser tratada aprioristicamente, porque pode ocorrer que a lei a crie sem personalidade; ou já com personalidade; ou apenas se limite a autorizar sua criação. § 42. - A Fundação não-personificada é semelhante ao nascituro, porquanto ambos são potencialmente pessoas -- uma física; a outra, jurídica -- em processo de formação. "Nascituro é o concebido ao tempo em que se apura se alguém é titular de direito ou de pretensão, ação, ou exceção, dependendo a existência de que nasça com vida" (Pontes de Miranda, ob.cit., p.166). E a lei, não desconhecendo da possibilidade do nascimento de uma pessoa -- no sentido civil da expressão --, põe a salvo desde a concepção os seus direitos (art. 4º do CCB). Naturalmente que a proteção dispensada por lei ao nascituro, que não possui (ainda) personalidade jurídica, fez suscitar a opinião da existência de direitos sem sujeito, portanto assubjetivados. A idéia foi repelida pela doutrina, dada o absurdo lógico de uma relação jurídica sem um de seus pólos. Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil ,vol. I, edição universitária, Forense, p.159), opondo-se a tal pensamento -- que chegou a ser defendido por Clóvis Beviláqua --, ensinou: "O nascituro não é ainda uma pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. Se nasce e adquire personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação jurídica; mas, se frusta, o direito não chega a constituir-se... Se o feto não vem a termo, ou se não nasce vivo, a relação de direito se não chega a formar..." (grifei). O que Caio Mário da Silva Pereira não explicou é o que seria um direito em estado potencial. Ou há direito, e o direito é; ou não o há, e pouco importa se ele pode ou não se formar, porque ele não é. § 43. - É preciso se entender que o conceito jurídico de nascituro tem relevo jurídico quando a concepção biológica do feto se deu no tempo em que se apurava quem era o titular do direito. Portanto, o direito subjetivo já existe, mas com a perda de seu titular, busca-se saber quem lho sucedeu. Ora, em se tratando de relação intra-jurídica ou eficacial, a lei tem ampla liberdade de dispor do modo que lhe aprouver; não assim quando se tratar de relações jurídicas básicas, pois sempre que houver sucessão de termo ou pólo, necessariamente se há de entender que se constituiu outra relação jurídica que fixou sem átomo de tempo (Pontes de Miranda, ob.cit., p.121). Resta saber quem compõe o pólo da nova relação. O herdeiro não entra nas relações jurídicas do decujo: entra nos direitos e deveres, porque esses são o que está do lado da relação jurídica, ativo ou passivo. Nas relações não se dá substituição de termos sem que se origine outra relação. Vale dizer, cria-se nova relação jurídica básica com o herdeiro, dela constando a relação jurídica eficacial do decujo, com seus direitos, deveres, pretensão, obrigação, ação e exceção. Quanto à eficácia intra-jurídica, a liberdade de concepção do direito é completa (Pontes de Miranda, ob.cit., p.125) § 44. - Ora, com o passamento do decujo, transmite-se a herança a seus herdeiros legítimos (art.1.574, 1ª parte, do CCB). Há mudança no termo das relações jurídicas básicas em que o decujo era pólo; de conseguinte, nova relação jurídica se constitui, com os efeitos das anteriores, de acordo com a lei (ou testamento). Mas se houver nascituro? Como ele não é pessoa, não ingressa como sujeito de relação jurídica básica. Portanto, houve transmissão do direito, mas ainda não surte efeitos quanto ao sujeito, porque ainda não se sabe quem é, -- se o nascituro; se outrem. Pode bem ser que haja dois ou mais nascituros, só um dos quais possa vir a ser reconhecido como titular. A ignorância é nossa, por desconhecermos fatos presentes (se o nascituro nascerá com vida). Mas para o direito, do ponto de vista lógico, inexiste indeterminação (Pontes de Miranda, ob.cit., p.169). Inexiste, pois, direito em potência. Há o direito, posto que haja indeterminação momentânea do seu titular. Como ensina o sempre insuficientemente citado Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado, tomo I, p.178), "O nascituro, esse, já concebido, ainda não nasceu, porém o fato de já estar em formação, de já se ter de esperar, obriga a técnica legislativa a inclui-lo em suportes fácticos de fatos jurídicos de que irradiam direito, pretensões, ações, exceções. Como? Entra eles nesses suportes fácticos como elementos de alternação [nasciturus ou A] ou, se há dois nascituros, ou mais, que devam ser contemplados, ou preferente mente um deles, [nasciturus + nasciturus ou A], ou [nasciturus, ou A]. O direito -- ou, melhor, a relação jurídica - não é sem o primeiro termo; o que se dá é que o primeiro termo é alternativo" (grifei). Portanto, "no intervalo entre a concepção e o nascimento, os direitos, que se constituíram, tem sujeito, apenas não se sabe qual seja" (ob.cit, p.179). § 45. - A Fundação não-personificada resultou do negócio jurídico unilateral, ou da lei, mas sem obter ainda sua personificação. Portanto, há patrimônio e há destinação dele a um fim. Mas não há capacidade de direito, o que não aparta o patrimônio de seu titular, posto que se ponha em relevo sua finalidade, a separá-lo, de certo modo, dos outros bens do instituidor. Havendo, como há, ato constitutivo -- ainda não registrado --, já se indicou o nome, a sede, o fim, a administração e apresentação, a reformabilidade do estatuto, a maneira de sua extinção, o destino do patrimônio, etc. Quid juris se alguém doa seus bens, ou parte deles, para a fundação in fieri? Em primeiro lugar, de logo fique assentado que a falta de capacidade de adquirir da fundação não-personificada, em seu próprio nome, é absoluta. Sem embargo, além do art 24 do CCB, que permite a destinação de bens para se criar uma fundação (que não é doação, como já o dissemos), há normas que podem induzir a aquisição por parte dos entes não-personificados (art. 1.669 ou 1.664 do CCB, v.g.). Mas há de se entender, que se beneficiou o instituidor, se outra coisa não se dispôs no ato concessivo da vantagem. É bem verdade que, nesse caso, os bens hão de se ajuntar aos separados pelo próprio fundador, ganhando a mesma finalidade que o ato constitutivo lhe conferiu (mais ou menos nesse sentido, Pontes de Miranda, ob.cit., p. 337). § 46. - A fundação não-personificada, à semelhança do nascituro, não pode ser, antes de sua personificação, sujeito de direito. Por isso, havendo a oferta de doação (negócio jurídico unilateral receptício), indaga-se da possibilidade de a fundação in fieri aceitar os bens doados. O art. 1.169 do CCB dispõe ser válida a doação feita ao nascituro, dês que aceita pelos pais. Naturalmente que, em casos que tais, o termo da relação jurídica básica é alternativo, pois se o nascituro nascer morto, doação não houve. Do mesmo modo, entendemos que pode ser feita oferta de doação à fundação in fieri. Entrementes, a aceitação não surtirá efeito se for feita pelo instituidor. Necessário personificá-la para que possa ser exercido o direito formativo gerador de aceitação. § 47. Ora, se nós chegamos à conclusão da impossibilidade jurídica de doação de bens à fundação não-personificada, como interpretar a lei que admite a participação de recursos privados na constituição da Fundação? Cabe-nos lembrar que o particular poderia doar seus bens com encargo (doação modal), ou seja, exigir que o donatário utilize o produto da doação em algo bem definido: a personificação da fundação. Ou por outro giro, bem poderia doar ao instituidor, subordinando seus efeitos à personificação da fundação (cf. Arnaldo Marmitt, Doação, Aide, p.28 e 38). Todavia, há inúmeros casos em que a solução é mais bem elaborada, tornando sem muita importância a questão da falta de personificação jurídica da donatária: quando a oferta de doação e sua aceitação são feitas por escritura pública, em negócio jurídico bilateral -- quanto a origem apenas, porque quanto aos efeitos, a doação é unilateral, tendo, como termos da relação jurídica básica, a Administração instituidora (donatária) e o particular (doador). Doação esta modal, porquanto o produto da liberalidade é para a participação na constituição do Fundo Patrimonial da Fundação, consoante se vê a cotio nas escrituras públicas de instituição de fundação. Assim, o ato fundacional pode vir encartado no negócio jurídico bilateral de doação. Como ensina Pontes de Miranda (ob.cit., tomo I. p.457), "O negócio jurídico fundacional pode estar contido em negócio jurídico bilateral, inclusive contrato, porém, mesmo assim, não perde a sua natureza de negócio jurídico unilateral e não receptício". Vale dizer, que a Administração aceita receber a doação dos bens da iniciativa privada, admitindo, obrigatoriamente, a dotação de 1/3 (um terço) do patrimônio da novel fundação com capital privado.
IV - As Fundações Públicas e a Lei Federal nº 7.569/87.
§ 48. - Se a Lei Federal nº 7.569/87 já havia imiscuído as Fundações Públicas (de direito público ou de direito privado) entre as entidades que formam a Administração Indireta, a Constituição Federal de 1988 confirmou esse propósito, vincando uma série de normas relacionadas com as fundações. Em primeiro lugar, dedicou-lhe, juntamente com toda a Administração Pública, o art.37, preceituando que a Administração Fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade (art. 37, caput da CF/88). Mas além desses princípios, as Fundações deverão obedecer ao seguinte: a) a investidura em cargo ou emprego depende de aprovação prévia em concurso público (inc.II); b) limite máximo de remuneração fixado em lei (inc.XI); c) vedada a percepção de acréscimo pecuniários sob o mesmo titulo ou idêntico fundamento (inc.XIV); d) vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, a de dois cargos de professor ou a de um cargo de professor com outro técnico ou científico (inc.XVI e XVII); e) somente por lei poderão ser criadas fundações públicas (inc.XIX); f) depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiária das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada (inc.XX); g) seus contratos devem ser precedidos de licitação (inc.XXI). § 49. - O art. 39, caput, da CF/88 determina que as fundações públicas possuam regime jurídico único e planos de carreira, instituídos pela autonomia que as criou. Tal artigo constitucional poderia induzir a interpretar que a Constituição Federal apenas admitisse a existência de Fundações Públicas com personalidade de direito público. Porém, o § 1º do art. 173 da CF/88 põe fim às dúvidas, eis que admite, juntamente com as economia mista e empresas públicas, a existência de outras entidades que explorem atividade econômica. E como é ressabido, tanto a educação, como a saúde, podem ser formas de atividade econômica, exploradas pela iniciativa privada (arts. 199 e 209 da CF/88); ou pelo Poder Público, através de suas paraestatais. § 50. - Como as economias mistas e as empresas públicas, as Fundações Públicas com personalidade de direito privado não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado (art. 173, § 2º. da CF/88). Sem embargo, quer com personalidade de direito privado, quer de direito público, incidem sobre as Fundações Públicas o art. 71, inc.II e III; art. 163, inc.II; 165, § 5º; e 169, todos da CF/88. § 51. Convém dizer, com Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo, p.324 e segts), que as fundações públicas, embora definidas como pessoas de direito privado, passaram a ter, na esfera federal, a partir da Lei nº 7.596/87, a natureza jurídica predominantemente pública. A elas não se aplicam as normas civilistas sobre o destino dos bens doados pelo instituidor quando insuficientes para constituir a fundação; sobre o controle e fiscalização exercidos pelo Ministério Público; sobre a elaboração e alteração dos estatutos; e sobre a extinção da entidade. Com a personalidade de direito privado, embora não sendo regida pelo Código Civil, a Fundação Pública tem os bens penhoráveis, não se lhe aplicando o processo de execução contra a Fazenda Pública; não têm juízo privativo; o regime de seus empregados é o da CLT. Como afirma corretamente Maria Sylvia Zanella Di Pietro, "quando a Administração Pública cria fundação de direito privado, ela se submete ao direito comum em tudo aquilo que não for expressamente derrogado por normas de direito público, podendo essas ordinárias e complementares federais e da própria lei singular, que instituiu a entidade. Na esfera estadual [e também municipal, dizemos], somente são cabíveis as derrogações que tenham fundamento na Constituição e nas leis federais, já que os Estados [e municípios, acrescentamos], não podendo legislar sobre direito civil, não podem estabelecer normas que o derroguem" (grifei). V - À Guisa de Conclusão. § 52. - Espero humildemente possam essa reflexões, ainda que superficiais, colaborar com os estudiosos para um tratamento jurídico mais consentâneo dedicado às Fundações Públicas, as quais andam carentes de um estudo mais rotundo sobre sua natureza jurídica e implicações concretas trazidas pela novel Carta Constitucional. Os que têm versado sobre a matéria, em grande escala, o fazem com vista a problemas concretos, tópicos, quando da emissão de algum parecer jurídico. Embora tais manifestações tenham sido importantes para o estudo, no Brasil, das Fundações Públicas, a verdade é que a visão específica e unilateral que expõem por vezes mais empanam do que auxiliam na meditação do atualíssimo tema. É necessário, portanto, que a comunidade jurídica passe a repensar o já pensado, desbravando as imensas possibilidades abertas pela Constituição de 1988. BIBLIOGRAFIA. 1. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio - Curso de Direito Administrativo, 4ª ed., Malheiros, São Paulo. 2. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio - Personalidade de Direito Público, Revista de Direito Público, nº 01, RT, São Paulo. 3. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio - Prestação de Serviços Públicos e Administração Indireta, 2ª ed., RT, São Paulo. 4. CRETELLA JR, José - Administração Indireta Brasileira, 2ª ed., Forense, Rio. 5. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella - Direito Administrativo, 4ª ed., Atlas, S.P. 6. FERREIRA, Sérgio de Andréa - Aspectos Básicos do Moderno Direito das Fundações de Previdência Suplementar, Revista de Direito Administrativo - Vol.172, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. 7. FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira - Fundações e Empresas Públicas, RT, São Paulo, 1972. 8. GOMES, Orlando - Introdução ao Direito Civil, 5ª ed., Forense, Rio. 9. GRAU, Eros Roberto - Direito, Conceitos e Normas Jurídicas, RT, SP. 10. MARMITT, Arnaldo - Doação, Aide, São Paulo. 11. MEIRELLES, Hely Lopes - Direito Administrativo Brasileiro, 15ª ed., RT. 12. PEREIRA, Caio Mário da Silva - Instituições de Direito Civil, vol. I, Forense. 13. PONTES DE MIRANDA, Francisco C. - Tratado de Direito Privado, tomos I e XXIV, RT e Borsói. |