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Marcelo José Araújo
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* Marcelo José Araújo

A DEFESA PRÉVIA E OS RECURSOS ADMINISTRATIVOS NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

 

Uma das características do Código de Trânsito Brasileiro que tem recebido maior destaque nos comentários é em relação ao rigor das penalidades, não só pelo valor pecuniário das multas, mas também por outras consequências, como a pontuação, que podem implicar na suspensão do direito de dirigir. O rigor dessa Lei é uma faca de dois gumes, pois se de um lado coíbe a ocorrência de infrações, de outro pode servir de estímulo à corrupção por agentes que se utilizam dessa rigorosidade para persuadir o usuário a "resolver" o problema. Na mesma proporção que há rigorosidade deve haver garantias de defesa ao cidadão, entendida essa em seu sentido mais amplo, e a Defesa Prévia é um instrumento de fundamental importância nesse sistema.

A Defesa Prévia foi criada na vigência do Código anterior, pela Resolução 568/80 do Contran, que em seu texto original dava o prazo de cinco dias para sua interposição, o qual foi dilatado para trinta dias pela Resolução 744/89 do Contran.. Essa modalidade de defesa consiste em contestar-se, seja por irregularidades formais, seja no mérito, a procedência da autuação antes da aplicação da penalidade. O agente da autoridade (Polícia Militar, p.ex.) autua, mas quem aplica a penalidade é a própria autoridade (Diretor do Detran, p.ex.). A Defesa Prévia situa-se após a autuação e antes da aplicação da penalidade. Nessa fase o usuário contesta a autuação que foi feita, e não a penalidade, que ainda não ocorreu. A Defesa Prévia é dirigida à autoridade de trânsito, que é o dirigente do órgão executivo com circunscrição sobre a via, que é quem aplica a penalidade (ex. Diretor do Detran ou do D.E.R.)

Em alguns Estados da entende-se que a Defesa Prévia teria desaparecido, por não estar expressa no texto legal (Código de Trânsito), mas basta olhar com atenção e se perceberá sua existência, e por dois motivos. O primeiro é que a Resolução 568/80 do Contran não conflita com o Código, portanto permanece conforme o Art. 314, parágrafo único do Código de Trânsito.. O segundo é que o Art.281 do Código de Trânsito estabelece que a Autoridade de Trânsito"julgará" a consistência do Auto de Infração. A Defesa Prévia está na alma do verbo "julgará".

Para alguém "julgar" é fundamental que seja oportunizado o contraditório às partes envolvidas. Se o agente autuou, é sintomático que o usuário possa contestar essa autuação para que o "julgamento" sobre a consistência do Auto de Infração seja plena, cabendo logicamente a contestação tanto técnica quanto de mérito. Somente após "julgar" é que poderá haver a aplicação da penalidade, cabendo então "Recurso" à JARI e ao CETRAN. No Paraná esse entendimento é o que prevalece.

Como exemplos de irregularidades formais temos o do veículo que não coincide com a placa (e deve ser arquivado de ofício pela autoridade), autuação de estacionamento sem a indicação exata do local (número do imóvel), autuação em cruzamento sinalizado (sinal vermelho) sem a indicação do cruzamento (deve-se colocar primeiramente a via que o condutor estava e posteriormente a que ele cruzou. ex.: R. João Negrão X R. André de Barros), resultado do bafômetro sem a unidade ( ex. 0,6...metros?quilos?), entre outras...várias.

No mérito além daquelas do tipo "minha avó estava grávida e precisei parar na calçada", com atestado médico e tudo, pode-se também alegar que no local era proibido apenas o "estacionamento" (período superior ao embarque e desembarque) e o de fato houve apenas uma "parada" (embarque e desembarque).

O prazo para interposição da Defesa Prévia, como dissemos, havia sido dilatado de cinco para trinta dias a partir do recebimento do Auto de Infração, na vigência do Código anterior. Se a pessoa recebesse a autuação em flagrante, assinando o Auto de Infração, era daí a contagem, e se fosse autuado à revelia o prazo seria do recebimento da notificação postal da autuação. Essa notificação informava, portanto, que ocorrera uma autuação.

Entendemos que no Código atual deva ser aplicado o mesmo parâmetro (trinta dias), também por dois motivos. Primeiro pelo não conflito da Resolução 568/80 do Contran, como já dissemos. Segundo porque a Lei 9602/98, que modificou alguns dispositivos do Código, acrescentou um § 4º ao Art. 282, determinando que na notificação deve constar a data para apresentação de "recurso", o qual nunca será inferior a trinta dias. O "recurso" a que se refere o Art. 282 é o da JARI (posterior), mas é um parâmetro para Defesa Prévia, já que ela não deixa de ser uma modalidade de recurso (recorre-se contra a decisão do agente de autuar).

Pode-se alegar que o prazo seria de quinze dias, já que é o prazo para apresentação do condutor (Art. 257, §7º do CTB), quando a infração é típica de condutor (ex. sinal vermelho). Nesse caso a Defesa Prévia estaria sendo vista como uma espécie de "contestação". Particularmente entendo que o parâmetro mais justo seja o de trinta dias (e o legislador deveria ter feito o mesmo para apresentação do condutor, como já existia no Código anterior (Art. 103 do CNT combinado com o Art. 5º, § 2º da Resolução 568/80 do Contran). Esperamos que o Contran reestabeleça de forma clara essa modalidade de defesa, reeditando a resolução nos mesmos moldes da existente, e com o prazo de trinta dias para sua apresentação (da defesa), já que a apresentação do condutor em quinze dias integra o texto legal.

Faça ou não faça a Defesa Prévia o autuado deveria receber outra notificação da imposição da penalidade. Se fizer a defesa, significa que foi indeferida. Se não fizer significa que a autoridade entendeu consistente a autuação e aplicou a penalidade. Há, então, duas notificações. A primeira foi da autuação (que pode ter sido em flagrante ou via postal se foi à revelia), e a segunda a da aplicação da penalidade. Muitos Estados têm o péssimo hábito de concentrar ambas numa só, aliás, já remetendo a guia de recolhimento da multa.

Superada a fase da Defesa Prévia, e aplicada a penalidade, cabe o "Recurso" à J.A.R.I. ( Junta Administrativa de Recursos de Infrações). Junto a cada órgão executivo ou executivo rodoviário deve funcionar uma J.A.R.I.. Há , portanto, a do Detran, do D.E.R., nos Municípios cujos órgãos executivos tenham sido criados, etc.

O recurso para a JARI pode ser com ou sem o pagamento do valor da multa. No Código anterior era somente mediante o recolhimento do valor da multa. Pelo Código atual, o interessado pode, desde que dentro do prazo de trinta dias, recorrer sem o pagamento ou com o pagamento, e nesse caso será de oitenta por cento do valor total da multa. Se recorrer pagando e o recurso for deferido, recebe-se os oitenta por cento corrigidos, se não for deferido a multa deverá ser paga no valor integral.

Em última instância administrativa cabe ainda recurso ao CETRAN, Conselho Estadual de Trânsito. Para recorrer ao CETRAN deve necessariamente haver o recolhimento da multa. O CETRAN é a última instância de recurso administrativo (Art. 14, parágrafo único do CTB), mas somente estão subordinados às decisões dos CETRAN´s os órgãos Estaduais e Municipais.

Os órgãos da União (ex.: Polícia Rodoviária Federal, que também deve ter JARI) não se recorre ao CETRAN, e sim ao CONTRAN, Conselho Nacional de Trânsito, se for caso de suspensão da habilitação por mais que seis meses ou sua cassação e ainda infrações de natureza gravíssima. Se as penalidades previstas não forem essas, o recurso do órgão da União seria por um colegiado formado por um coordenador geral da JARI, um presidente da junta que apreciou o recurso e por outro presidente de junta. Havendo apenas uma JARI, por seus próprios membros. Traduzindo, para Rodoviária Federal e DNER foi feita uma verdadeira salada para ninguém entender mesmo. Recurso para seus próprios membros não é recurso, é revisão. JARI daqui, JARI dali para formar outra comissão é falácia. Era melhor ter remetido todas ao CONTRAN .

Voltando aos órgãos Estaduais e Municipais, sua última instância é o CETRAN. No Código anterior, mesmo nos orgãos estaduais, (os municipais não eram previstos), quando era caso de suspensão da habilitação por mais que seis meses ou cassação, o recurso era de competência do CONTRAN antes mesmo da JARI.

Quando falamos em penalidades do Código de Trânsito não devemos esquecer a tal da pontuação. Primeiro que ela só começou a valer a para as autuações feitas a partir de 22/05/98, pois antes da Resolução 54/98 do CONTRAN não havia prado de somatória definido no texto legal (doze meses).

Em nosso entender a pontuação somente pode ocorrer depois de esgotadas as instâncias recursais previstas. Depois dessa definitividade decorrente do esgotamento dos recursos, deveria ser aberto outro processo administrativo, sumário, apenas para análise da pontuação, pois o Art. 265 do CTB estabelece que todo ato que implique na suspensão do direito de dirigir ou cassação deve ser precedido de processo administrativo, assegurada a ampla defesa.

Há a imposição das penalidades em cada infração (ex.: alcoolemia - multa e suspensão de dirigir), respeitado o processo de defesa, e depois outro processo apenas pela pontuação, que nesse caso foi de sete pontos. A suspensão do direito de dirigir decorrente da infração é diverso daquele decorrente da pontuação. Uma pessoa pode ter atingido os vinte pontos somente em infrações de estacionamento em desacordo com regulamentação, e não ter exercido a defesa pela penalidade pecuniária, mas deve ter o direito garantido pela pontuação, que implicaria em outra penalidade. Aquele que cumpriu a suspensão da habilitação decorrente da infração tem o mesmo direito, haja vista que será outra suspensão, não mais por aquela infração, mas pela somatória dela com outras.

O tema é por demais apaixonante, e merece ser estudado com carinho, pois da mesma forma que há rigorosidade na aplicação da penalidade, deve haver respeito aos dispositivos que garantam ao cidadão (nesse caso até sem a presença de advogado, por ser a esfera administrativa), coibir os abusos de agentes e autoridades arbitrárias. Se deu-se asas às cobras, vamos limitar a altura de seus vôos.

 

 

MARCELO JOSÉ ARAÚJO

Advogado Graduado pela Universidade Federal do Paraná

Assessor Jurídico do Conselho Estadual de Trânsito do Paraná

Especializado em Trânsito pela PUC/PR

Instrutor da Polícia Rodoviária Federal - 7ª Superintendência

Instrutor da Escola de Polícia Civil do Paraná

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