space Home

Renato Sócrates Gomes Pinto
E-MailE-Mail
space

DIREITOS HUMANOS - UM DEBATE VITAL

Renato Sócrates Gomes Pinto

Procurador de Justiça do Distrito Federal. Pós-graduado em Direitos Humanos e Liberdades Civis pela Universidade de Leicester, Grã-Bretanha.

Observa-se, na atualidade, o florescimento do "Direito Internacional dos Direitos Humanos" , a que os anglo-saxões denominam International Human Rights Law.

Esse novo ramo do Direito caracteriza-se pelo interesse público internacional de que se reveste e que o legitima como o Direito do Terceiro Milênio.

Como base jurídica do que pode ser considerada a vertente humanista da globalização, o Direito Internacional dos Direitos Humanos irrompe no cenário mundial com novos paradigmas e rompe, também, com o conceito vigente de soberania irrestrita.

Sua estrutura normativa abrange as declarações, pactos e convenções internacionais de caráter global e regional. As declarações enunciam princípios e têm papel de Direito Consuetudinário Internacional, ao passo que os pactos e convenções têm natureza de tratados que vinculam juridicamente os Estados signatários.

Mas ainda se observa certa resistência e uma justificável desconfiança do mundo em desenvolvimento frente a essa nova ordem internacional, ao argumento de que por trás da apologia que os países centrais fazem à necessidade de respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente, há uma forma de disfarçado e refinado neocolonialismo

O fato é que o debate sobre direitos humanos sempre foi muito intenso, e continua sendo.

Já desde a proclamação dos Direitos do Homem e do Cidadão, na apoteose da Revolução Francesa, e da Declaração de Direitos Americana, houveram fortes objeções aos chamados Direitos do Homem, dos conservadores, dos liberais e dos marxistas.

Entre os liberais, Bentham foi ardoroso adversário dos "Direitos do Homem", chegando a dizer que se os direitos legais eram filhos do Direito Positivo, os direitos naturais eram tais como filhos que nunca tiveram um pai. Marx, em seu escrito Sobre a Questão Judaica, disse que os Direitos do Homem foram concebidos para o indivíduo egoísta e isolado da sociedade que o nutre.

Após esse debate inicial, a controvérsia sobre direitos humanos passou a girar entre os valores liberdade e igualdade.

Para o liberalismo-burgês, apegado ao paradigma do individualismo que concebe o indivíduo como ator autônomo, separado e autodeterminado, num contexto minimalista e não-intervencionista do Estado, direitos humanos seriam apenas os direitos civis e políticos, que requeiram apenas prestação negativa e sem custos por parte do Estado.

Essa noção de direitos humanos, associada à idéia de liberdade e à de democracia formal tem seu marco maior na Declaração Francesa do século XVIII , sendo retomada no Direito Humanitário gerado pelas atrocidades cometidas nas sucessivas guerras da primeira metade de nosso século.

Para o socialismo e a social-democracia, direitos humanos seriam também os direitos econômicos, sociais e culturais, cuja implementação requer, por parte do Estado, prestação positiva e com custos, traduzidas em efetivas reformas sociais e econômicas, para a promoção da justiça social e a redistribuição de riquezas. Essa concepção material de direitos humanos e democracia emergiu a partir da industrialização, com as demandas sociais das classes trabalhadoras, no século XIX.

Com a hegemonia do neoliberalismo e a configuração da globalização econômica, os países periféricos passaram a amargar as conseqüências de um visível arrefecimento do entusiasmo mundial em matéria de direitos humanos, inclusive com os próprios direitos civis e políticos.

Disto resulta que a nova versão do conflito ideológico no campo dos direitos humanos, que antes era entre os socialistas do leste e os capitalistas do oeste, passa a ser entre os ricos e os pobres , de modo que a controvérsia passou então, na geopolítica, a ocorrer entre os hemisférios norte e o sul.

Observa-se hoje uma rota de colisão entre o anseio dos povos dos países periféricos pelo reconhecimento dos direitos mínimos aos grandes contingentes de excluídos e vulnerabilizados e a pressão dos países ricos impondo a hegemonia do neoliberalismo e a globalização do mercado, impondo as reformas, consubstanciadas no Consenso de Washington, que preconizam:

1) disciplina fiscal para eliminação do déficit público; 2) mudanças das prioridades em relação às despesas públicas, com superação dos subsídios; 3) reforma tributária, mediante a universalização dos contribuintes e o aumento de impostos; 4) adoção de taxas de juros positivas; 5) determinação da taxa de câmbio pelo mercado; 6) liberação do comércio exterior; 7) extinção de restrições para os investimentos diretos; 8) privatização das empresas públicas; 9) desregulamentação das atividades produtivas; e 10) ampliação da segurança patrimonial, por meio do fortalecimento do direito de propriedade.

O impacto dessas reformas, consagrando o eficientismo inerente à lógica exclusivamente de mercado, embora traga a estabilidade monetária, certamente será contrário aos interesses dos povos dos países periféricos, pois representam o retorno ao capitalismo selvagem. Se não houver uma contrapartida pautada por políticas públicas voltadas para o social, tendo por escopo a efetiva concretização dos direitos humanos, principalmente dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), o resultado poderá ser o retorno à barbárie e ao "estado de natureza hobbesiana".

Já se observa, no Continente, indicadores desse prognóstico, com as tensões sociais retratadas nos movimentos populares (sem-terra, sem-teto etc) e pela explosão de litigiosidade que vem ocorrendo nos últimos anos.

Por essa razão é preciso perceber a função que têm os direitos humanos de dissolver tensões sociais e se sensibilizarem os governos aos termos do Compromisso de Viena, no sentido de que os Estados deverão cumprir suas obrigações de implementar todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, devendo ser dado a todos os direitos o mesmo peso.

É do próprio ROBERTO CAMPOS que se extrai a seguinte reflexão:

... mas acho que talvez devamos prestar mais atenção à rarefação da condição humana no meio da superfetação do que os economistas pedantemente chamam de bens e serviços...

Por isso é preciso atentarmos para os direitos humanos como uma luz no fim do túnel para a angústia de nosso tempo.

A história terá um curso saudável se forem reconhecidos aos povos dos países periféricos, em que está incluída toda a América Latina, os universais, inalienáveis e indivisíveis direitos humanos, pois num mundo globalizado e sem aduanas, felicidade só haverá com a efetiva proteção dos direitos humanos fundamentais dos povos.

Porisso é vital o debate sobre os direitos humanos.

* * *

 

 

 

Bibliografia Consultada:

1. FREEDEN, M. Concepts in Social Sciences, Open University Press, Oxford, 1991.

2. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, ed. Almedina, 4ª ed., 3ª reimpressão, Coimbra, 1989.

3. SIEGHART, Paul, The International Law of Human Rights, Clarendon Press, Oxford ,1930.

4. BOWRING, John, ed. The Works of Jeremy Bentham, (Edimburgh, 1843), vol. II.

5. WALDRON, Jeremy ed., Theories of Rights, Oxford Readings in Philosophy, Oxford University Press, 1992.

6. FARIA, José Eduardo. Democracia e Governabilidade: os Direitos Humanos à Luz da Globalização Econômica, in PINHEIRO, José Hernane e Outros. Ética, Justiça e Direito - Reflexões sobre a Reforma do Judiciário, Editora Vozes, 1996

7. Folha de São Paulo, edição de 30/3/97

1