"Devemos saber nos abrir para mudanças,
sem abrirmos mão de nossos valores"!


A Sexualidade Humana e Conjugal

A importante e emergente questão do Planejamento Familiar se insere provavelmente, muito mais na ampla dimensão da sexualidade humana e conjugal do que nas outras, a social, política, religiosa e médica. Dizendo isto, queremos recuperar o profundo sentido de nossa preocupação com o planejamento familiar: a dignidade do ser humano. Sua vida e sua dimensão transcendental. Fazer da questão da reprodução humana uma aritmética de números, para mais ou para menos, é reduzir o homem e a mulher a reprodutores ou ainda pior, a peças de uma englobante e esterelizadora máquina. Somos infinitamente mais que isto. Somos seres humanos projetados para o infinito a partir de uma trajetória de vida que precisa ser digna, envolvente, realizadora. Nesta perspectiva está, para nós, a sexualidade com toda a sua força e a sua importância.

A análise que faz Paul-Eugène Charbonneau, diante da realidade que vivemos, do misterioso silêncio esterelizante ao explosivo vulcão desumanizador, bem nos coloca uma reflexão inicial.
A humanidade saiu da idade biológica portadora de uma potência sexual ainda bruta, no mais rigoroso sentido da palavra. Como todo o seu aparelho somático, estava esta potência no homem ainda muito próxima da animalidade. Avançando na era da identidade genética (Noogenética), tornando-se cada vez ele mesmo, o fenômeno da consciência aprofundou a dimensão humana sexual impregnando-a de espírito, animando-a, conferindo-lhe então um valor psíquico que faria dela a expressão mais total do mundo psicossomático.
Tornando-se humana, a sexualidade progredia para formas de expressão que se distinguiam cada vez mais do instinto animal, o que dele não conservava senão a dinâmica fundamental. Conferia-se a ela uma dimensão tão superior na mesma proporção quanto o espírito em relação à bestialidade.
Tomando consciência desta força que assustava o homem, porque sentia-se levado por ela a ponto de ser projetado para fora de si, a consciência tornou-se véu, censura crítica, silêncio intransponível. O anthropos, o homem com seus laços animais, preferia ignorar eros, o homem frente ao relacionar-se.
Foi assim que a cultura, e a civilização que dela nasceu, preparou esse silêncio absoluto que culminou com o fim da era vitoriana. Quando terminou o século XIX, reinava sobre o assunto uma noite que parecia não poder permitir jamais a volta da aurora.
O homem, de alguma forma, parecia mergulhado numa sexualidade ignorada ou desconhecida e que parecia não ter razão de ser senão a multiplicação da espécie, a mais elementar salvaguarda da humanidade.
O caráter amoroso e pessoal desta força, que teimava em impulsionar o homem na direção da mulher, não só não havia sido jamais mencionado; estava completamente esquecido.

Uma censura confusa, implacável, e sempre alerta, saqueava a sexualidade humana que não deveria ser senão expressão da alegria de ser, de amar, de expressar, para além da carne e por ela, essa admirável ternura que faz o casal.
É preciso, dizer, neste ponto, que as eras da humanidade estão presentes no homem concreto de agora, numa convivência extravagante.

Foi preciso o gênio audacioso de Freud para romper esse silêncio, tão espesso que parecia resistir a qualquer assalto da racionalidade. O fato merecia até os excessos de interpretação.
Freud rompeu as amarras, levantou o véu da vergonha, interrompeu um silêncio que se tornava cada vez mais fechado e cada vez mais insuportável, com o passar dos séculos. Dele podemos dizer que foi, na essência da sua visão, o clarão que colocou a sexualidade em plena luz da racionalidade.
O silêncio sobre a vida sexual da infância à velhice, do nascimento à morte, era, de agora em diante, graças a ele, impossível de ser mantido. O muro da ignorância embrutecida ou cultivada estava ferido; ele desmoronaria rapidamente.
Em lugar do silêncio e em oposição a ele nascia então, com Freud e seguidores o discurso sobre a sexualidade.

Esse discurso ultrapassou as medidas - o que era facilmente previsível desde o início da ruptura tornou-se a ocasião de uma loucura verbal notória. Ele se abastardou, como tantos outros assuntos, e em lugar de dedicar-se a concentrar-se na questão sexual, em lugar de conferir-lhe uma importância que o transformaria em elemento de nobreza para um homem à procura de si mesmo, ele escolheu o caminho da regressão e da decadência. Foi assim que fomos inundados por uma sexologia que, deixando de ser um autêntico discurso dentro da sexualidade humana, tornou-se triste e alucinante sexomania.
Podia-se esperar que o homem tomaria consciência de sua dinâmica sexual, descobriria os seus recursos e lhe conferiria essa dimensão superior que é própria do espírito. Mas houve engano. A sexologia, tal como a conhecemos hoje, é muito mais uma escola de desumanização, de desvio, de patologia, que se torna mais monstruosa, que qualquer outra coisa.

Confunde-se a sexualidade humana e a sexualidade animal e se reduz uma à outra, como se o ser humano não fosse senão um animal a mais; um mamífero qualquer. Continuou-se a confundir, assemelhando genitalidade e sexualidade, em afirmações caóticas que apenas fazem intensificar o conflito entre o instintivo e o cerebral. Mutila- -se o fenômeno sexual, recusando-lhe quaalquer ligação com o amor, para reduzi-lo a uma aventura desastrosa em busca do prazer, nada mais.
Chega-se assim a uma confusão tal que as pessoas se tornam incapazes de discernir o normal do patológico, a sexualidade sadia daquela que existe entre o coito e a relação amorosa, entre o desejo de encontro profundo de um homem com uma mulher que se amam e o desejo puramente egocêntrico que se enterra num egoísmo, que é a própria negação da alegria sexual.

A linguagem da sexologia tornou-se completamente incoerente; a sexologia se perdeu.
Em lugar de ser o canal da dinâmica psicossomática mais profunda, a sexualidade tornou-se uma evasão pelos caminhos mais inumanos, mais irracionais, mais mórbidos; aqueles que Freud já qualificava de aberrações e que enumerava muito objetivamente nos seus "três ensaios sobre a sexualidade". O nosso mundo tornou-se assim o mundo da psicopatologia celebrada, desejada, proclamada, reconhecida.

Sob a aparência de uma pseudo hipersexualidade, revela-se uma desastrosa hiposexualidade; aqui o excesso se torna escassez e a potência humana se esvazia numa impotência provocada pela fixação maníaca, pela obsessão constante, pela exasperação da nefasta vontade de gozar.
Em nosso mundo hipersexuado, enfrentamos um novo perigo, cuidadosamente mascarado e escandalosamente ignorado: uma impotência profunda, crônica e generalizada. A impotência do exercício da sexualidade humana integral.

Seria necessário que para vencer o pernicioso silêncio se caísse no perigoso vulcão das explosões adormecidas, arriscando perder toda a vida que justamente se buscava?
O que temos a dizer aos jovens e aos casais como responsáveis por uma comunidade ou pelo exercício do poder em vista o bem comum, quando manifestam o desejo de superar os bloqueios, os preconceitos, os tabus, os mistérios e querem se lançar na exuberante experiência da vida com sentido?

Assim, nós estamos diante de um dever urgente: o de contribuir para que a sexologia retome o seu sentido, a sexualidade encontre a sua beleza e a sua grandeza, permitindo ao homem desenvolver-se na plenitude do seu ser.
Especialmente os jovens têm direito a uma linguagem coerente, que lhes permita saber, compreender, amadurecer, preparar-se para a felicidade, encaminhar-se na direção do triunfo, tão raro, mas tão necessário, do amor imperecível.

Este é o sentido completo da famosa educação sexual da qual se fala tanto entre nós e que se pratica tão mal. Porque, para que os jovens sejam educados, é preciso, evidentemente, que os pais o sejam.
Eles devem redefinir a sua linguagem para que os filhos possam viver a sua sexualidade em conformidade com a grandeza do homem.
À sua imagem e semelhança, Deus criou o homem e a mulher. À sua imagem e semelhança - masculino e feminino em plenitude - criou-nos igualmente dignos, responsáveis e capazes de assumir "o ser gente".

Ser gente capaz de descobrir-se e descobrir o outro; capaz de descobrindo, encontrar o amor, manifestação do Deus criador; capaz de diálogo; capaz de trazer à vida o fruto e a expressão do amor que é o filho, e de trazer vida à toda a obra criada.
Homem e mulher são, pois, iguais, nem maior nem menor, nem mais nem menos, mas igualmente responsáveis diante de si mesmos, diante do outro, diante da comunidade e diante de Deus.

Onde há dominação e submissão há, na verdade, "um falso mais ser". O dominador que se ilude é um "verdadeiro menos ser". O submisso que se anula, é um "comum nada ser", dominador e submisso que se enterram.
Como homem e mulher, masculino e feminino, nos manifestamos, nos expressamos, nos comunicamos.
Como homem, eu me comunico no todo do meu ser; como mulher eu me manifesto trazendo a presença do feminino, com seu valor e sua força.

A esta comunicação chamamos sexualidade.
Ela pode fazer-se presente de diversas maneiras: pelo afeto, pelo diálogo, pela acolhida, pela compreensão, pela partilha, também pelo que somos fisicamente, também pelo sexo.
Assim, alguém pode viver intensa e profunda sexualidade na medida que profunda e intensamente se manifesta, se comunica, traz vida e sentido ao relacionamento, sem que, necessariamente, aconteça um ato sexual.
Castrado na sexualidade seria alguém que perdeu a capacidade de comunicar- se como homem ou como mulher, intensa e originalmente. Esta incapacidade leva à ruptura interior, ao isolamento, à solidão. Numa palavra, à morte, oposto do amor.
Conforme melhor ou pior nos comunicamos, de acordo com o que somos, como homem ou como mulher, compreendemos que há uma melhor ou pior sexualidade humana, talvez, mais ou menos perfeita.

Na vida do casal, entre muitas maneiras de fazer presente a sexualidade, está a relação sexual. Não como ato isolado, ato sexual, que se resumisse num ato instintivo de encontro entre um macho e uma fêmea, entre um reprodutor e uma matriz, mas como uma intensa vivência da sexualidade de um homem e de uma mulher que, em comum, colocam tudo o que são e numa intensa afetividade, buscam um verdadeiro encontro vital.
Esta intensa comunicação que está presente na relação conjugal é, repetimos, vital. Dela depende a vida, o crescimento e a purificação do amor conjugal.
Lutar pelo amor conjugal é lutar pela sobrevivência do esposo e da esposa como tais, é lutar pela sobrevivência da união conjugal, é lutar pelo sentido desta união, é lutar pelos filhos que serão gerados, é lutar pelos filhos que, uma vez gerados, devem receber condições de viver, crescer, personalizar-se, humanizar-se, ser gente, para salvar-se.

Não pode existir relação sexual em tal dimensão onde não há o encontro de duas sexualidades livres, em processo de amadurecimento, dispostas à experiência fiel do matrimônio libertador.
As expressões "paternidade e maternidade responsáveis" têm uma conotação muito na linha da procriação, e podem reforçar a visão antiga da missão do casamento no seu aspecto de relacionamento sexual: "a relação sexual entre esposo e esposa é para gerar filhos".
A expressão "conjugalidade responsável" é abrangente e inclui a paternidade- maternidade responsáveis, no tempo da fecundidade biológica do casal. O tempo da fecundidade conjugal acompanha toda a vida e significa a fecundidade no amor conjugal indispensável à família, à comunidade e à sociedade.

Conjugalidade responsável implica responsabilidade da vivência do afeto, do diálogo, da partilha, da acolhida, do sexo.
É o amor que faz o casamento e não o ter filhos.
O filho deve ser fruto expressão do amor conjugal e, mais que um prêmio, é um desafio.
Neste sentido, estar aberto à procriação é muito mais do que estar aberto à nova geração biológica. Quando o casal, conscientemente, se decidiu por uma limitação dos filhos, significa estar aberto à fecundidade no amor capaz de gerar vida, sentido, realização à família e à comunidade.

A conjugalidade responsável alimenta o amor conjugal e, em defesa dele, o casal para manter-se num relacionamento sexual santificador, pode recorrer a um método que evite novos filhos e cuja escolha se fará livre e conscientemente tendo presentes os valores éticos e religiosos e o auxílio de uma medicina consciente.


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Essa página foi desenvolvida por Sonia Figueiredo em 07-1999.

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