O SER HUMANO: SUJEITO OU OBJETO

"Eu sou mais eu".
Você já ouviu esta expressão em algum comercial.
Algum pai, alguma mãe já a "engoliu" como desaforo de adolescente.
Para este, é o supremo argumento da liberdade.
Ser sujeito dos próprios atos; decidir o destino da própria vida.
Esta é a grande conquista da modernidade.

 

O homem contemporâneo de fato conquistou a sua autonomia ou apenas criou formas mais sofisticadas de dominação? O homem é sujeito ou objeto de sua existência? O homem não nasce pronto, precisa tornar-se.
É de todos conhecida a frase do filósofo Heidegger: "O homem é um ser-no-mundo". O termo mundo é empregado em múltiplos sentidos, mas sempre designa uma totalidade, um conjunto. Assim, falaremos de três mundos: o objetivo, o subjetivo e o simbólico. O mundo objetivo é o que habitualmente chamamos de mundo, o conjunto de seres que compõem a natureza, o universo, o cosmos. O mundo subjetivo é a totalidade de nossas capacidades interiores, como a inteligência, os sentimentos, a vontade. É o que queremos indicar quando falamos "lá dentro", "lá no fundo". O mundo simbólico é o conjunto de signos, símbolos, mitos, expressões que compõem a linguagem humana.
O primeiro mundo que se descobre é o objetivo. O recém-nascido não terá mais a temperatura constante: será frio e quente. O aconchego do ventre materno é trocado por um amontoado de panos e até fraldas por trocar. Não adianta chorar, é necessário passar por este conflito com a realidade objetiva.
Pelos três anos a criança começa a dar-se conta de si, do seu eu, a consciência. Descobre o mundo interior. Muitas vezes diz: "será que tem outro eu igual a eu". É possível pensar; dizer isto é meu; ter segredos. Mas tudo passa. "Será que eu também vou ter um fim?" É o pesadelo da morte. É a dura descoberta do mundo subjetivo.

O domínio dos símbolos

O problema que queremos refletir é como o ser humano liga estes dois mundos. O objetivo e o subjetivo passam pela mediação do mundo simbólico. Com o choro a criança manifesta que está com fome, que quer atenção. Ela compreende e controla o seu mundo pela linguagem. Com uma fórmula matemática posso representar o movimento do carro. Com uma música posso manifestar o quanto gosto de uma pessoa. Todo agir humano passa pela linguagem. Os símbolos são criações abstratas com as quais representamos e relacionamos o mundo que nos cerca.
A linguagem não é criação isolada de uma pessoa, envolve uma comunicação lingüística. Com a linguagem aprendemos o mundo humano. Dentro deste mundo construímos nossa existência. Em 1920, na Índia, foram encontradas duas meninas, que viviam com lobos. Amala com um ano e meio, morreu um ano depois e Kamala, com oito anos, morreu em 1929. Kamala comunicava-se com gestos, usava em torno de 50 palavras, cumpria apenas ordens simples. Teve uma humanização muito lenta. A americana Helen Keller nasceu cega, surda e muda. Até os sete anos esteve completamente afastada do mundo humano, quando a professora Anne explorou seus outros sentidos e tornou possível a aprendizagem do mundo simbólico humano. Estes exemplos mostram que o acesso ao sujeito passa necessariamente pelo mundo da linguagem. Aí construímos pensamentos, sonhos, ídolos, ideais, mitos, sentimentos, ciência e o sentido para a própria existência. Depois da era da ciência, estamos retornando à linguagem mítica. O mito não é tanto uma explicação da realidade, mas tem a força de mover as atitudes das pessoas.
O mito é uma construção do mundo da linguagem ainda sem crítica sobre a realidade como sobre o sujeito. No campo religioso as pessoas buscam cada vez mais o milagre que arrasta milhares de pessoas. No campo econômico é conhecida a afirmação: a propaganda é a alma do negócio. Na realidade o mito é a alma do negócio e a propaganda uma fábrica de mitos. Nos anos 50 era necessário fumar para ser homem. Hoje, fumar é sentir-se herói. Pensando bem, ser macho, ser herói, o que isso tem a ver com tabaco, alcatrão, nicotina.
A forma de escravizar as pessoas nos dias de hoje é dominar seu mundo simbólico. Talvez dê para entender por que na América Latina as ditaduras militares foram substituídas por grandes redes de televisão. Ser sujeito ou ser objeto depende de nossa capacidade de discernir e dispor sobre o nosso mundo simbólico.

Bruno Odélio Birck


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