BRASIL, 500 ANOS?
A indagação básica com relação às comemorações dos 500 anos do Brasil é: o que comemorar e o que comemorar? Será que existe alguma coisa para comemorar? Será que é 500 anos? Será que um índio diria que o Brasil tem 500 anos? A própria data 500 anos já é uma data que consagra uma certa visão da história. É como se a história aqui no Brasil começasse com a chegada do elemento europeu, dos portugueses, quando não é assim.
Fizemos uma pesquisa em 17 estados brasileiros, contendo a seguinte pergunta: o que é o Brasil para você? E a gente perguntou isto para pessoas anônimas, pessoas na rua, jovens, crianças, velhos, homens, mulheres, de todas as classes sociais e a gente obteve cerca de 170 respostas e o que a gente notou é que as respostas eram as mais disparatadas: não há um conceito sobre o que é o Brasil. A verdade é esta. O Brasil é um país, a terra prometida, onde não tem desastre natural para alguns. Para outros, o Brasil é um inferno, nunca vai ter jeito... e para outros ainda, o Brasil é uma terra boa, mas há problemas por culpa do governo, porque todos os políticos são corruptos etc. O que se notou é que na grande maioria das vezes ninguém respondia "nós somos o Brasil e o Brasil vai ser aquilo que nós queremos que ele seja".
Não existe a consciência de que nós temos o dever de construir este país e fazer deste país aquilo que a gente quer. Por que as pessoas não têm consciência disto? Porque esta questão está tão mal trabalhada pelas pessoas no dia a dia? O fato é que existe uma distância muito grande entre o Brasil oficial, o Brasil da retórica, este país imaginário, mítico, mitológico e o Brasil real. Por isso as pessoas perderam de vista o que é o Brasil. Ninguém mais sabe.
Imagem do Brasil
A grande maioria dos livros didáticos tende a reforçar estas mentiras, porque na verdade o que você tem antes dos cinco séculos, antes da chegada dos portugueses? São várias narrativas do que é o Brasil. Pelos portugueses que aqui aportaram, a narrativa era de que o Brasil era o paraíso. Portugal não vinha com planos de estabelecer uma colônia fixa, um império aqui no Brasil, mas vinha com planos de explorar, extrair todo o ouro e esmeralda para enriquecer a Metrópole e ir embora. Este era o projeto português. Então, na dimensão mitológica e imaginária dos portugueses, isso aqui era um eldorado, com riquezas inesgotáveis.
Aí veio o Brasil Império que se auto imaginou como um grande país, que teria um futuro brilhante pela frente. Era o Brasil dos símbolos nacionais, do hino, o ufanismo do Brasil que repousaria sua grandeza na natureza, um gigante adormecido.
Só que na verdade se cria uma primeira contradição grave na nossa história: como que isto aqui vai ser um grande império, se quem proclamou a independência foi um membro da corte portuguesa? É um problema isso. Quem proclamou a independência não foi a nação brasileira. Nunca houve de fato uma ruptura: o Brasil como uma nação independente e a matriz colonial. Isso fez com que a distância que havia num primeiro momento entre a mitologia do Brasil eldorado e o Brasil real que não era nenhum eldorado, se acentuou com o Brasil Império, porque você tem a ilusão agora de ser uma nação independente, quando na realidade esta independência tem que ser colocada entre aspas. Você já tem um discurso mitológico cada vez mais distante da realidade prática.
A busca de um símbolo nacional
Agora vem um problema: se nós não podemos construir uma nação com base no movimento que nós realizamos contra Portugal, qual vai ser o nosso elemento mítico de identificação nacional? Os românticos deram uma resposta: era o nativismo, os índios. Também José de Alencar imagina o índio Pery como um herói, um semi-deus... É muito curioso se você comparar as características do índio Pery às características de um herói da cavalaria medieval: são as mesmas. Os românticos atribuíram ao índio características que eram de um mito medieval. E por que eles fizeram isto? Porque a formação do José de Alencar, do Gonçalves Dias é uma formação européia. Eles aplicaram os mesmos conceitos no Brasil. Como no Brasil não teve Idade Média, eles inventaram uma Idade Média para o Brasil, que foi corporificada no índio. Então o Brasil mitológico virou Brasil indígena. Tanto que nesta época muitos portugueses mudaram o nome: ao invés de nomes cristãos, eles adotaram nomes indígenas, em muitas famílias portuguesas. Só que isto acentuou o mito, porque, na verdade, como é que você pode dizer que o Brasil é indígena, se quando os portugueses chegaram havia cinco milhões de índios no Brasil e hoje tem 300 mil? Os índios foram trucidados.
Harmonia de raças
Aí veio o movimento abolicionista e surgiram os ideólogos do Brasil com a miscigenação de raças. Só que há um outro problema: como é que você vai dizer que o Brasil é um país democrático, onde as raças se misturam na prática, se na verdade os negros foram trazidos para cá contra a sua vontade; se foram submetidos a uma escravidão brutal e se eles nunca tiveram a chance de se integrar à vida nacional. Como é que você pode dizer que os negros são integrados à nação brasileira. Não são. Eles nunca foram plenamente integrados à nação brasileira. Os relatórios de organizações de direitos humanos mostram que no Brasil, de cada quatro pessoas que a polícia mata, três são negras e uma é branca. O negro nunca foi totalmente integrado. Este é um país de segregação racial.
Então o Brasil não é o eldorado; o Brasil não é o Brasil indígena, nativista, esplendoroso; o Brasil não é o negro, mas o Brasil é o Brasil de todas as raças que dá oportunidade a todo mundo, aos imigrantes, através do processo econômico; o Brasil é um país que vai resolver os seus problemas através da indústria, da produção econômica, que é um mito de Getúlio Vargas. A Companhia Siderúrgica Nacional, que aposta no desenvolvimento da indústria nacional, aposta na produção como uma receita para gerar riquezas, distribuir estas riquezas e, assim, construir uma nação. Só que isto também é uma mentira, porque todo mundo sabe que o Brasil se industrializou, mas também isto implicou uma concentração brutal de riquezas. Hoje o Brasil tem a pior distribuição de renda do mundo, só perdendo para Serra Leoa, na África. É o país onde os ricos estão cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres. Portanto nunca houve esta integração racial. Todos os discursos que foram feitos a respeito do Brasil, estão absolutamente divorciados daquilo que o Brasil é na sua prática cotidiana. Isto é que gera perplexidade.
Um símbolo da mentira
Brasília é o símbolo de um país de mentira. Os construtores de Brasília, Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, eram inspirados numa corrente de arquitetura internacional, liderada por um belga, que acreditava que um projeto seria capaz de mudar a sociedade. Um exemplo disto era a máscara que tanto o Oscar quanto o Lúcio propunham ao Brasil: um país que tenha Brasília como capital nunca vai ser uma ditadura. Isto se falava em 1960, na inauguração de Brasília. Em 64 veio a ditadura. O que é isso? E de novo a elite achando que pode reinventar o país de acordo com o projeto da elite. É como se através do discurso você pudesse inventar, mudar uma realidade. Você não muda realidade nenhuma através de discurso. A coisa não é tão simples assim. O próprio Juscelino Kubitschek, quando organizou a missa de inauguração de Brasília, comparou essa missa com a missa de 1500, como se fosse a reinauguração do estado brasileiro, como se fosse um ato que permitisse você apagar a História e começar tudo de novo, numa nação moderna, da qual Brasília seria símbolo. De novo você tem aí a mitologia, a mistificação da realidade.
O Brasil que queremos
O que concluímos é que o Brasil nunca foi descoberto. Na verdade ele foi inventado permanentemente pelas elites, através deste processo de produção de mitos. O Brasil vai ser aquilo que nós brasileiros quisermos que ele seja. Esta discussão tem que ser feita. Não tem jeito. Temos que discutir nosso próprio passado, saber quem nós somos se a gente quiser fazer alguma coisa para o futuro.
Para esta discussão ser feita nós temos que destruir os mitos e falsificações a respeito de nossa própria ideologia e de nossa própria história. Quer dizer, nós temos que dizer claramente: o Brasil hoje é um dos países mais violentos do mundo, racista, de desigualdade social, em que os jovens não têm perspectiva. Temos que dizer isto, discutir isto e a partir daí gerar a possibilidade de construir alguma coisa nova. Agora, nós não podemos esperar que um governante vá fazer isto, que um Messias vá fazer isto, que vai vir um golpe de sorte do acaso que vá mudar este país. E a educação é fundamental neste sentido. Se a escola não começar a discutir isto, nunca vai mudar nada. E nós achamos, eu e a Maria Helena, que é co-autora do livro, que este é um momento importante para isto acontecer, porque o próprio MEC, através da LDB, que estimula novos parâmetros, aprova e encoraja esta discussão. Diz claramente que a escola deve investir na formação da cidadania e na defesa dos direitos humanos, éticos, e assim por diante.Este é o momento propício para a discussão ser feita e nós acreditamos na capacidade de mudar o país a partir de nós mesmos.
José Arbex Jr.
Home - Contos
Mitológicos
- Filosofando - Brasil,
mostra sua cara
- Para Refletir - Horóscopo
Egípcio
-
Teste
seu conhecimento
- Poesias - Signos - Frases e
Pensamentos
- Piadas - Papéis de Parede - Frases
Infames