Poder, violência, terror
O poder corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir em uníssono, em comum acordo. O poder jamais é propriedade de um indivíduo; pertence ele a um grupo e existe apenas enquanto o grupo se mantiver unido. Quando dizemos que alguém está "no poder", estamos na realidade nos referindo ao fato de encontrar-se essa pessoa investida de poder por um certo número de pessoas, para atuar em seu nome. No momento em que o grupo de onde originara-se o poder desaparece, "o seu poder" também desaparece. (...)
Governo algum, exclusivamente baseado nos instrumentos de violência, existiu jamais. Mesmo o governante totalitário, cujo principal instrumento de dominação é a tortura, precisa de uma base de poder a polícia secreta e a sua rede de informantes. (...) Homens isolados sem outros que os apoiem nunca têm poder suficiente para fazer uso da violência de maneira bem-sucedida.
Assim, nas questões internas, a violência funciona como o último recurso do poder contra os criminosos ou rebeldes, isto é, contra indivíduos isolados que, pode-se dizer, recusam-se a ser dominados pelo consenso da maioria.
O terror não é a mesma coisa que a violência; é antes a forma de governo que nasce quando a violência, após destruir todo o poder, não abdica, mas, ao contrário, permanece mantendo todo o controle. Pode-se observar que a eficácia do terror depende quase que inteiramente do grau de atomização social. Todos os tipos de oposição organizada deverão desaparecer para que seja liberada a força total do terror. (...) A distinção decisiva entre o domínio totalitário, baseado no terror, e as tiranias e ditaduras, impostas pela violência, é que o primeiro volta-se não apenas contra os seus inimigos mas também contra os amigos e correligionários, pois teme todo o poder, até mesmo o poder dos amigos. O clímax do terror é alcançado quando o Estado policial começa a devorar os seus próprios filhos, quando o carrasco de ontem torna-se a vítima de hoje.
ARENDT, Hannah. Da Violência, Col. Pensamentos Políticos.
Brasília, Ed. Da Universidade de Brasília, 1985.
p.24,27 e 30.