Gravidez, Aborto e Realidade


Os integrantes das famílias teresinenses, de modo geral, dividem-se em quatro blocos distintos: moças jovens, criadas para um casamento "promissor" com rapazes "de futuro" e de "boa família"; rapazes criados com ampla liberdade, melhor seria dizer-se "libertinagem", (des)orientados para serem os donos do mundo, para agirem de forma irresponsável sem serem repreendidos; em sua "guarda", pais, na maior parte das vezes ausentes, quase sempre alcóolicos e de vida sexual extraconjugal promíscua; e mães, hipócritas, cegas para sua própria realidade, capazes de apontar e comentar os erros de todas as outras mulheres, mas inaptas a se admitirem infelizes por terem construído uma vida inteira sobre as bases da aparência.

Educadas para serem castas e assexuadas, embora sejam seres humanos com todos os instintos próprios à espécie, as moças têm de ser duplamente sagazes para lidarem com seus desejos, seus afetos, seus interesses materiais(instruídas pelas mães); e defenderem-se das pesadas críticas sociais - sobretudo as provenientes de seus namorados e amigas - e das pressões vindas de todos os lados, sobretudo as sexuais. Para a mulher, o sexo não é fonte de prazer mas de tormento. A ela é dada lição contraditória: "ser casta e ser fêmea"...

Educados para serem "garanhões", para "devorarem as menininhas", vendo sempre a quantidade e não a qualidade, vendo sempre o que é melhor para mostrarem aos outros, vão seguindo os rapazes, (des) orientados para galgar os mesmos passos dos pais: serem vazios e não se importarem com o sentimento alheio. O interesse econômico é o único realmente importante. Essencial é ter aparência atraente, um carro do ano, um bom dinheiro; do contrário, não atrairão as moças. O lado afetivo resta inexistente e inexplorado, enquanto as clínicas psiquiátricas restam superlotadas de transtornos afetivos perfeitamente evitáveis...

Do encontro dessas duas criaturas de sexos e instruções opostas, pode surgir uma "bomba"; o nunca desejável por todas as famílias "de bem". Se o rapaz se apaixona, tudo é compreensível, até que ele se humilhe por amor. Se a moça ama está condenada ao infortúnio de sofrer e de ser incompreendida por todos, para ser alvo de comentários e falatórios típicos de uma cidade provinciana e como tal, preconceituosa. Tem de ser forte para, se seu afeto não contrar com a recíproca, reerguer sua cabeça e enfrentar o mundo. Tem de ser forte para se calar ainda que seu coração grite de dor. Não raro, submete-se ao que seu amado quer. Esquece-se de si. Anula-se. Afinal, o papel feminino é "ter um homem ao lado", não importando ter ele caráter ou não.

Destes trágicos encontros, muitas saem sozinhas, ainda que em destroços. Outras saem acompanhadas. O infortúnio e o peso das gravidezes inesperadas recai sobre os seus ombros como o castigo por todos os seus "pecados". Peso que elas, queiram ou não, terão de suportar. Suas famílias, na maioria hipócritas, recriminam duramente sua conduta permissiva e imoral. Pais revelam sua face machista e moralista. Mães incorpora a conduta do "companheiro", acostumadas que estão a não usarem de sua própria personalidade, atrofiada pelo convívio pessoal e social.

Os rapazes, "cúmplices em tal infortúnio", são instruídos a "abandonarem o barco". Comumente orientados pelas próprias mães. A fuga é quase sempre a saída encontrada: viajar, impossibilitar contato, esconder-se. Mais uma força enorme contribui para a falta de caráter do mancebo: o apoio familiar para a "saída do problema".

Nestas horas, as máscaras caem. A hipocrisia das famílias, geralmente católicas fervorosas, mostra-se nua! A saída para as moças é o desespero e o aborto. Ou...enfrentar a tudo e a todos para educarem - sozinhas - um filho. Uma pessoa não se pode esquecer!...Não raro sofrem agressões morais violentas por parte das famílias dos seus namorados. Pior: a agressão parte, muitas vezes, de outras mulheres...as mães de seus cúmplices no ato impensado e inconsequente!

Ante a sociedade, as "famílias de bem" usam a máscara antiabortista, tão hipócrita quanto a maioria de suas condutas. Em ermos lugares, nos becos mais escuros, clínicas clandestinas praticam aborto: mulheres e crianças morrem à míngua - não raras vezes; vítimas da sociedade cega e moralista. Cheia de princípios morais de porcelana, que encobrem a pobreza de espírito da maioria...

No código penal pátrio, há pena imposta para quem se rende ao desespero e pratica o crime de aborto. O crime de abandono, praticado pelo "co-autor" do filho, pela sociedade e pelas famílias, não é punido. "Existem anticoncepcionais. Por que a moça não se preveniu?!" - como se esta atitude coubesse apenas a ela... As reais vítimas, na quase totalidade das vezes, tornam-se algozes de pequeninas vítimas que, sem chance de se defenderem, sem oportunidade para lutarem pelo direito de existirem, padecem pelo uso de medicamentos clandestinos perigosos (quando não há a possibilidade de um procedimento cirúrgico), cujos efeitos podem também atingir mortalmente a mãe.

Penso nas moças que passaram e passam por esta situação sem terem apoio algum. Tanto nas que recorrem ao desespero tanto nas que suportam caladas o "seu destino". Penso naquelas cuja idade, despreparo e imaturidade sequer lhes permite trabalhar, neste mercado a cada dia tão mais competitivo. Algumas têm como defenderem-se e reestruturarem-se. Outras não. "Marias Madalenas" às portas do novo milênio...Apedrejadas por aqueles que pecam bem mais que elas...

À "sociedade teresinense", deixo a pergunta: não é hora de repensarmos nossa conduta e nossos (pré)conceitos; realizando - de fato - aquilo que comumente só "pregamos"?



Iracema Rocha da Costa e Silva
iracemarocha@hotmail.com

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