Odor de natureza
Unicamp começa a produzir
aromas naturais de alimentos para substituir os sintéticos
Um fungo banal, desenvolvido naturalmente no beiju da mandioca maranhense, viajou
mais de 3 mil quilômetros até chegar ao Laboratório de Bioaromas da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), o primeiro centro brasileiro de estudos do gênero. Para
surpresa dos pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos, descobriu-se que o
microorganismo Neurospora sp é capaz de produzir aroma de frutas ao proliferar em um meio
de cultura como o extrato de malte. O cheiro lembra uma mistura de espécies com
predominância de maçã, morango e pêssego. Ainda novidade no Brasil, a técnica
representa na Europa uma forma inteligente de substituição dos aromas artificiais usados
em balas, biscoitos, molhos e sobremesas. Em vez de utilizar odores autênticos, que
encarecem os produtos, ou apelar para elementos sintéticos, rejeitados por parte da
clientela, as indústrias buscam fontes naturais dos cheiros desejados, como fungos,
bactérias e leveduras.
À medida que os bioaromas vão ficando prontos, a equipe da Unicamp acerta os ponteiros
com empresas interessadas em adotar o processo. O primeiro aroma a migrar do campus para a
indústria será o de queijo roquefort, testado em salgadinhos, molhos e arroz. Isso
mesmo. Vem aí o arroz com aroma de queijo. O responsável pela proeza chama-se
Aspergillus sp, fungo encontrado no solo e fermentado na gordura de coco.
A mágica tem explicação. Todo cheiro é determinado por uma combinação química
específica. Para descobrir a composição de certo perfume, basta colocar o alimento no
cromatógrafo, equipamento que faz a varredura dos componentes. Com a lista de
substâncias em mãos, há duas opções. A mais barata é misturar os ingredientes
químicos em laboratório e produzir os aromas artificiais. Mas o pulo-do-gato está em
encontrar substâncias que, combinadas naturalmente, produzam o mesmo efeito. Trabalhoso e
demorado, o processo torna-se 40% mais caro, mas o valor agregado aos produtos sem
aditivos sintéticos anima a indústria européia. De olho nesse movimento, a Unicamp
firmou um convênio com a Universidade de Hannover, na Alemanha, para melhorar as
técnicas de extração. "Hoje conseguimos recuperar 85% do bioaroma formado após a
fermentação, mas queremos chegar pelo menos a 95%", diz a coordenadora Glaucia
Pastore. O consumidor, sensível a novidades, pode ir preparando o olfato.
Cristiane Segatto |