PREMIO NOBEL

Otto  Gottlieb, pioneiro dos produtos naturais pode ganhar o Nobel de Química

   O químico Otto Gottlieb, de 78 anos, é um dos mais importantes cientistas brasileiros e pode se tornar o primeiro a ganhar um Nobel.
   Ele foi indicado para o prêmio de Química de 99 por seu trabalho pioneiro no estudo da composição das plantas, realizado ao longo dos últimos 40 anos.
   Seu trabalho foi fundamental para revelar a enorme Biodiversidade da flora brasileira, a mais rica do mundo.
   O homem que se apaixonou pela Amazônia muito antes de meio ambiente virar moda desenvolveu uma obra pioneira, criou uma nova área da ciência que integra química e biologia e descobriu produtos naturais vegetais com grande importância para a medicina e a industria.
  Gottlieb nasceu em Brno, na Republica Tcheca, em 1920, mas veio para o Brasil com a família ainda muito jovem e se naturalizou brasileiro. Fez toda sua carreira no país e descobriu muito cedo o amor pela flora nativa, quando trabalhava na fabrica de óleos para perfumaria do pai.
   Ao longo dos últimos 40 anos, ele criou cursos e grupos de pesquisa em algumas das Universidades e centros científicos mais importantes do Brasil, apresentando a seus alunos e colaboradores os métodos que desenvolveu para explicar a vida na Terra através da química. Nos últimos anos transferiu-se para a Fiocruz.
   O currículo, que inclui 630 trabalhos científicos, cinco livros, 1.100 comunicações cientificas e 580 conferencias em 26 países, é impressionante e exibe ainda o mais cobiçado prêmio da especialidade, o Pergamon de Fitoquímica, em 1992.
   Mas o professor Gottlieb acredita que tem muito o que fazer pela frente. Ele não gosta de falar da indicação para o Nobel. Limita-se a dizer que só o fato de ter sido lembrado é importante. A indicação, porem, já ganhou o apoio da Faperj. O diretor-superintendente do órgão, Fernando Peregrino, diz que apoia a visita de uma comissão do comitê julgador do Nobel ao Brasil para ver de perto a obra do pesquisador que pode trazer para o pais o prêmio mais importante da ciência.
A seguir, os principais pontos da entrevista.

CIÊNCIA E ARTE:
   "A ciência é como arte. Reflete o bem e o mal, mas não pode ser tolhida. Sinto falta de liberdade e de maior apoio à pesquisa básica, que não pode ser dirigida por interesses econômicos imediatistas. Aqui cientista é confundido com tecnologista. Procura-se sempre uma aplicação imediata. Mas é preciso ter liberdade para conceber novas idéias. O
cientista não pensa no presente. Pensa no futuro. O Brasil só terá futuro se tiver uma ciência que pense nele. Fazer ciência é essencial ao futuro de qualquer país."

MODELO PARA O MUNDO:
   "Trabalho em varias coisas. Mas, no momento, tenho interesse em entender como o desequilíbrio ambiental pode provocar a ocorrência de novas doenças e trazer de volta outras consideradas erradicadas, como a malária. Na verdade, isso faz parte de um projeto maior ligado á compreensão da Biodiversidade brasileira. Junto com as pesquisadoras Maria
Renata Borin e Dorothea Zocher, procuro quantificar a Biodiversidade. Criar modelos numéricos que permitam prever interações ambientais. O Brasil constitui um modelo ambiental para o mundo. Temos dez tipos diferentes de cobertura vegetal. Se descobrirmos os mecanismos usados pela natureza para criar tanta riqueza, poderemos exportar esse conhecimento. Queremos descobrir, por exemplo, de onde vem a enorme diversidade da Mata Atlântica."

TESOUROS DO CERRADO:
   "A riqueza genética do Cerrado é maior do que a da Amazônia. Acredito que sofreríamos mais sem o Cerrado do que sem a Amazônia. O Cerrado é muito vulnerável e funciona como um elo entre os ecossistemas do Brasil."

O QUE FALTA DESCOBRIR:
   "É uma tarefa absolutamente fantástica. Não sabemos nada sobre a composição química de 99% da flora brasileira. E o Brasil é o país mais rico do mundo em plantas superiores, tem 55 mil espécies e pode ter ainda muitas outras ainda desconhecidas."

GRANDES ALEGRIAS:
   "Minha maior satisfação foi ter ajudado a despertar esse país para as maravilhas que possui. Espero ter forças para continuar a transmitir o que aprendi. Tive a oportunidade de mostrar a enorme riqueza química das plantas brasileiras e de chamar a atenção para o estudo da química integrada à biologia, que possibilitou a descoberta de produtos naturais
importantes, como as neolignanas, que representam uma nova classe de antiinflamatórios. Um pesquisador da Fiocruz descobriu que elas tem ação antidiurética."

DECEPÇÕES:
   "Fico triste de ver que até hoje o Brasil, o país mais rico do mundo em plantas, ainda não dá a devida importância ao assunto. Ainda não há nenhuma iniciativa significativa a esse respeito. É preciso mudar a forma de financiamento de pesquisas."

BIOPIRATARIA:
   "Fala-se o tempo todo em biopirataria. Mas não se faz nada. O financiamento para pesquisas nessa área é ridículo. Sou completamente contra a biopirataria, mas é difícil imaginar que a comunidade internacional vai ficar sentada esperando que um dia o Brasil decida finalmente explorar seus próprios recursos. Durante muito anos, fez-se enorme pouco caso do assunto."

BIODIVERSIDADE E HOLISMO:
   "É comum ter uma visão reducionista da Biodiversidade, tentando entende-la por um só angulo. Mas a natureza é dinâmica e precisa ser encarada de forma ampla, holistica."

INSPIRAÇÃO:
   "Devemos estudar aquilo que temos. No Brasil, é só olhar em volta para encontrar inspiração para o trabalho. Desenvolvi toda a minha carreira aqui."

(O Globo, 2/5), recebido do Boletim Eletrônico da SBQ.

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