Em
ciência, boas idéias não bastam; é preciso confirmá-las por meio
de observações precisas. A natureza nem sempre se comporta conforme
nosso intelecto deseja.
Ao propor uma nova teoria, o cientista tem de estar preparado para o
ceticismo de seus colegas. É justamente esse ceticismo e o processo de
averiguação de novas idéias que legitima a ciência e suas conquistas.
Poucos cientistas foram tão ousados intelectualmente quanto
Einstein.
No inicio do século 20, ele escreveu vários artigos que
revolucionaram nossa concepção do espaço, do tempo e da gravidade -- na
teoria da relatividade (TR) --, da luz e suas propriedades e do
comportamento da mataria ao nível atômico.
Curiosamente, seu Prêmio Nobel de 1921 foi dado por suas idéias
sobre as propriedades da luz e ano sobre a TR.
Certas idéias demoram para ser aceitas.
A TR tem duas partes, as chamadas teorias especial e geral. A teoria
da relatividade especial (TRE), proposta em 1905, discute como
observadores em movimento relativo com velocidade constante podem
comparar os resultados de suas medidas físicas.
A restrição a movimentos com velocidade constante incomodava
Einstein. Afinal, a maioria dos movimentos na natureza são acelerados.
Em 1907, ele teve uma inspiração que abriu as portas para sua nova
teoria; é possível imitar os efeitos da gravitação com movimentos
acelerados.
Por exemplo, quando um elevador sobe -um movimento acelerado-, você
se sente mais "pesado". O mesmo efeito poderia ser obtido se fosse
possível aumentar a massa da Terra (ou diminuir seu raio), aumentando
seu campo gravitacional.
Até então, a teoria da gravitação aceita era aquela proposta em
1687
por Newton.
Em 1907, Einstein esboça suas idéias sobre uma teoria da
relatividade geral (TRG) e sua relação com a gravitação, mas ainda sem
muitos detalhes.
Ele propõe que a gravitação poderia desviar raios de luz de suas
trajetórias retilíneas, algo que já se especulava desde o inicio do
século 19.
Em 1911, ele retoma o projeto, mostrando como o desvio poderia
ocorrer mesmo na teoria de Newton, após certas modificações.
Como teste desse possível efeito, Einstein sugere medir a posição de
estrelas "atras" do Sol durante um eclipse total (para ofuscar sua luz)
e após o eclipse, quando o Sol ocupa outra posição.
Caso a gravidade afetasse a luz, as posições das estrelas seriam
deslocadas durante o eclipse, pois sua luz passaria perto do Sol.
A primeira tentativa de observação desse efeito deu-se em Minas
Gerais, em 1912, por astrônomos ingleses, franceses e brasileiros.
A equipe brasileira era chefiada por Henrique Morize, diretor do
Observatório Nacional. Infelizmente, as chuvas impediram a observação do
eclipse.
Outras tentativas em 1914 foram interrompidas pela 1ª Guerra
Mundial, inclusive com a prisão da equipe alemã, na Crimaia, pelo
exército russo.
Einstein refinou sua teoria, mostrando, em 1915, que a gravitação
pode ser interpretada como uma curvatura na geometria do espaço.
Essa teoria previa um desvio da luz pela gravidade duas vezes maior
que na teoria newtoniana. Toda a atenção é então dedicada ao eclipse
total de 29 de maio de 1919, no Brasil e parte do Atlântico Sul.
Esta coluna festeja o 80º aniversario dessa data.
Duas equipes mediram o desvio da luz durante o eclipse de 1919; uma
na ilha de Príncipe, no oeste da África, e outra em Sobral, no Ceará.
As medidas em Príncipe, dirigidas pelo astrofísico britânico Arthur
Eddington, sofreram com o mau tempo. Já as de Sobral, dirigidas pelo
astrônomo britânico Charles Davidson, foram um sucesso.
Após a analise dos resultados, ficou claro que as idéias de Einstein
estavam corretas. A luz é mesmo desviada pela gravidade do Sol por um
fator calculável por meio da TRG.
A consagração de Einstein, como um dos grandes cientistas de todos
os tempos, deve muito ao belo céu cearense.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em
Hanover (EUA), é autor do livro "A Dança do Universo". O artigo saiu na
Folha de SP deste domingo
Fonte : Folha de SP, 29maio99 , copiado do Boletim Eletrônico da SBQ, em 03/06/1999
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