Senhora Bethânia
Aos 60 anos, serena e elegante, Maria
Bethânia fala pela primeira vez dos políticos
do país – e os detona. Com a garra de
sempre, lança dois CDs e abre turnê
Os cabelos brancos e longos têm-lhe sido generosos: ao emoldurarem o seu rosto revelam menos o passar do tempo e reforçam mais, muito mais, a sua beleza. Realçam a sua serenidade e a sua elegância. Maria Bethânia está com 60 anos mas apresenta uma espetacular vitalidade marcada pelo lançamento de dois novos discos de músicas inéditas: Mar de Sophia e Pirata. Falando em vitalidade, senhora Bethânia inicia em São Paulo nesta sexta-feira 10, na casa de show Tom Brasil, a turnê Dentro do mar tem rio. É uma grande oportunidade para ver e ouvir uma das maiores cantoras brasileiras, que nesta entrevista quebrou uma de suas regras de vida: pela primeira vez, Maria Bethânia fala publicamente de política e de políticos.
ISTOÉ – Vamos falar um pouco de política?
Maria Bethânia – Olha, eu não consigo entender político. O sim e o não no ambiente político não têm duração, não têm firmeza, não têm caráter, não têm nada. Então, eu não acerto lidar com isso.
ISTOÉ – Mas você permitiu que usassem a sua voz em campanhas políticas.
Bethânia – Deixei que usassem a minha voz nas campanhas de Fernando Henrique Cardoso e de Lula, mas não sei o que possa dizer de interessante. Minha opinião política é zero. Perguntam em quem eu votei, qual o partido. Eu não sou amiga íntima de ninguém para ficar dizendo em quem vou votar.
ISTOÉ – Poderia quebrar essa rotina e dizer agora em quem votou?
Bethânia – Não, não digo. Acho que isso não é assunto. O que eu posso falar um pouco é de meus sentimentos em relação aos homens que mandam no mundo hoje. São os políticos que estão aí destruindo o planeta, acabando com os rios, esculhambando os mares.
ISTOÉ – Por que você chama Brasília de caserna?
Bethânia – Chamo de caserna porque para mim não mudou. Juscelino (ex-presidente Juscelino Kubitschek) fez um lugar para ser encantado, logo veio a ditadura e aí virou uma casernazinha. E os políticos continuam lá, protegidinhos.
Me pergunto: será que eles não aproveitam o Brasil de vez em quando? Deviam
sair de lá, dar umas voltinhas, passar perto de uma bala perdida, levar um susto
no trânsito. Ficam lá, ninguém pode jogar ovo, pedra. Só pétalas de rosas e, mesmo assim, de helicóptero.
ISTOÉ – Qual a sua expectativa quanto ao segundo mandato de Lula?
Bethânia – Acho que está difícil para o mundo inteiro, e um pouco mais para o Brasil. Não vejo nenhuma novidade, não há nenhuma idéia-grão. Estão dizendo: acabou o coronelismo no Nordeste. Sim, acabou um, e começou outro.
ISTOÉ – Algo preocupa você?
Bethânia – O que me preocupa, mais que tudo, é que não vi em nenhum momento a educação e a saúde no Brasil serem tratadas como convém. Acho que vai continuar esse desastre que a gente assiste todo dia. Política me assusta.
ISTOÉ – Você tem alguma lembrança curiosa de político?
Bethânia – Sim. Na época da campanha das Diretas-já, fui para um dos comícios em Minas Gerais. No aeroporto, tinha uma socióloga estrangeira que estava no grupo, loura, dois metros de altura, olhos verdes. Eu desembarquei, dr. Tancredo (Neves) era o governador, veio falar comigo. Aí chegou um político muito importante que eu prefiro não dizer o nome, e o dr. Tancredo falou: “Fulano, esta é a Maria Bethânia.” O político foi direto na louraça de olhos verdes, apertou a mão dela e falou: “Maria Bethânia, muito prazer!”
ISTOÉ – Como se mantém magra a vida inteira?
Bethânia – Tive um período mais gorda, na época da menopausa. Fiz cirurgia plástica nos seios, botei o peitinho no lugar. Não faço dieta, como de tudo. Mas sou vaidosíssima. Adoro cremes e perfumes. Sou eu que corto meu cabelo e faço minhas unhas.
ISTOÉ – Aos 60 anos, você já é considerada uma senhora idosa?
Bethânia – Eu? Por mim, não! Mas outro dia, estava no carro com meu motorista e ouvimos no rádio o locutor dizer que a lei determinava que ônibus e vans interestaduais, acho, teriam de reservar lugares para a terceira idade a partir dos 60 anos. Falei: opa! Já estou com meu lugar garantido, vou nessa. Vou andar de graça de ônibus e de van.
ISTOÉ – Há um momento de glória para a MPB: Bethânia, Chico Buarque e
Caetano Veloso estão lançando discos inéditos.
Bethânia – Nossa, quem sou eu para estar no meio deles? Deixa eu falar algo importante: Chico ter voltado depois de quase dez anos para a música, fazer um disco (Carioca) com inéditas e querer subir no palco, isso é um presente que o
Brasil merece por tanto sofrimento que passa. É um brinde de Deus. O disco
de Caetano (Cê) é autoral, quente, com uma energia de garoto de 18 anos, de poeta começando sua vida.
ISTOÉ – E você?
Bethânia – Estou no meio dos dois maiores compositores da minha geração,
os mais importantes, os que mantêm meu repertório. Eu vivo das canções de
Chico e Caetano. Colocar-me no meio deles, eu fico meio assim, porque sou
só uma intérprete.
ISTOÉ – Seus dois discos são interligados pela palavra água. Por quê?
Bethânia – Eu estudo a poesia de dona Sophia de Mello Breyner (poeta portuguesa já falecida) há muitos anos. A obra dela é, em grande parte, dedicada ao mar, que me atrai muito. Tenho certa fobia se não tiver água. Fico mal. Não posso passar sequer uma semana num lugar que não tenha água, um rio, um lago, mar. Meus sonhos têm água, sou atraída por água.
ISTOÉ – O seu show é o avesso da sua vida, não é? Show é exposição extrema e você vive praticamente reclusa.
Bethânia – Eu gosto de estar no palco. Me sinto muito bem. Sou corajosa ali, é onde posso expressar completamente meu sentimento, pensamento, minhas escolhas. É uma tribuna muito nobre e muito divertida. Cantar, para mim, tem relação com brincar. Eu me lembro que uma de minhas primeiras brincadeiras foi a de cantar. Ficava em cima de uma árvore, cantando, cantando.
ISTOÉ – Por que é tão difícil falar com você quando não está lançando disco
ou fazendo show?
Bethânia – Acho que a minha vida pessoal não interessa. O que eu acho interessante em mim, o que pode servir para a humanidade, está no palco. E, além disso, sou interiorana, tenho essa coisa mesmo caipirinha. Gosto de ficar quieta. Lógico que na minha juventude eu pintei e bordei no Rio, onde cheguei muito jovem. Hoje, eu gosto de ficar quieta, gosto de moda de viola, de cozinha, de amigos.
Por Eliane Lobato
Revista ISTOÉ - Novembro de 2006
Bethânia, 60 anos, novo CD e todos os discos relançados
É a primeira vez na história do mercado discográfico brasileiro que um artista tem todos os seus discos reeditados simultaneamente em projeto conjunto de três gravadoras: Universal, EMI, Sony-BMG
SÃO PAULO - Maria Bethânia completa em 18/06/2006, 60 anos. Isso não muda muita coisa em sua vitoriosa trajetória marcada por liberdade, coragem e independência. Mas acaba sendo uma oportunidade a mais para refletir sobre seu papel na música brasileira. Os traços fortes da personalidade artística, para a saúde de sua carreira e prazer dos eternos fãs, mantêm-se intactos, o que faz com que continue gerando expectativa a cada novo trabalho.
Neste aspecto os fãs têm muito o que comemorar. Ela já começou a gravar no Rio seu 40.º álbum, que terá a água como tema com lançamento previsto para o segundo semestre, quando também chega o DVD o mediano documentário Maria Bethânia: Música É Perfume, do suíço Georges Gachot.
A melhor notícia em torno de sua nova idade é que outros 34 álbuns, desde Maria Bethânia (1965) até Maricotinha (2001), serão relançados até o fim de julho. É a primeira vez na história do mercado discográfico brasileiro que um artista tem todos os seus discos reeditados simultaneamente em projeto conjunto de três gravadoras: Universal, EMI, Sony-BMG. A iniciativa, claro, não partiu delas, mas de um pesquisador minucioso, o jornalista carioca Rodrigo Faour.
Para comemorar os 60 anos, Bethânia recolheu-se no colo de Santo Amaro da Purificação, ao lado da mãe Dona Canô, uma entidade baiana. A filha mais nova herdou dela essa vocação. Bethânia encerra em si um mundo à parte dentro da categoria artística que escolheu. Surgida entre dois pólos de ebulição cultural nos anos 60 - o engajamento do teatro e da música de protesto e o tropicalismo -, cultivou o próprio plantio.
Era também o auge da era dos festivais, mas ela figurou em apenas um, cantando Beira-Mar, de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Tomou a decisão de não mais participar quando soube que a música, lindíssima, tinha sido desclassificada por motivo banal. O júri, carioca, não teria concordado com um verso que dizia não haver mar mais bonito que o da Bahia.
Como revelou Caetano, muitas das realizações do movimento tropicalista partiram de sugestões de Bethânia. Ela já misturava o kitsch, como o bolero Lama, ao repertório chique, antes deles. Essa foi uma das muitas atitudes corajosas de Bethânia, que em 1983 partiu para sua primeira iniciativa de independência, fora do esquema das grandes gravadoras, ao produzir por conta própria o álbum Ciclo.
A Bethânia de hoje mantém a soberania a partir desse impulso. Antes de qualquer pretensão, prevalece a consistência. Por isso é irresistível ir ao seu encontro das águas.
CDs remasterizados virão com encartes originais
A maior parte da generosa discografia de Maria Bethânia estava fora de catálogo havia mais de dez anos e teve edições desleixadas em CD. Agora, foram todos remasterizados e virão com encartes recheados de textos informativos e históricos, curiosidades, ficha técnica completa.
Os do acervo da Universal, que tem Edu & Bethânia, de 1967, e todos do período de 1971 a 1984, trarão também as letras de todas as canções. Os da EMI serão reeditados em formato digipack. Todos serão vendidos separadamente, mas é bom os fãs prepararem o bolso. "Quem tem alguns desses CDs pode esquecer e comprar de novo", avisa o jornalista Rodrigo Faour. "Aquele som abafado que os discos tinham melhorou muito com a remasterização."
Isto não é tudo. Detalhes de ilustração das capas e encartes originais dos LPs também foram agora reproduzidos. Faour supervisionou todos os encartes e escreveu os textos sobre cada título, inclusive tirando dúvidas com a própria Bethânia. Quer saber por que não ela, mas Caetano Veloso canta sozinho Pássaro Proibido no fim do álbum homônimo de 1976? A história está lá.
Como esta, a letra de Gema, dele também, do belo Talismã (1980), originou-se de um sonho dela. Além dos álbuns oficiais, Faour preparou uma compilação de compactos que a cantora gravou na RCA no início da carreira. Vai se chamar Maria Bethânia Canta Noel Rosa e Outras Raridades, incluindo não só as gravações originais dos clássicos de Noel, mas as versões rearranjadas por José Briamonte, mais Tempo de Guerra, Viramundo e Feiticeira, do primeiro LP, com arranjo orquestral.
Lauro Lisboa Garcia
O Estadão - 17/06/2006
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