Bethânia por Hermínio Bello de Carvalho



"Bethania tem o porte magro e agreste, chuvoso....
....Sua visão despreconceituosa da música popular chega a ser desconcertante e (porque não dizer?) incômoda. Porque nos desacostumamos com certas verdades (a vida, essa queimação) que ela vai beber, e que nos canta com insolência. Ela, que era mais interprete do que cantora (me entenderam, eu sei), agora esta movendo-se no grande continente do som, num estado de procura que cheira à febre. E assim: atenta, mergulhada até o desmaio. Esse disco nos revela isso. Maria nos faz percorrer um mundo de canções que deixou s vestirem das roupagens às vezes as mais insólitas. Mas ela é um ser que não percorre nunca um mesmo caminho: ao voltar, sempre procura outra estrada para não ambientar-se a umas tantas sombras e pedras. Neste disco, ela despediu-se das rendas para enfeitar-se aos bentos e guias de suas vertigens místicas mais recentes. Mas em seu entendimento da vida e do amor (e as malhas e tranças dessas tramas) continua lúcida. E se alteia e verga e se deixa açoitar pelas palavras que profere em seu canto cheio de existencialidade. Guerreira, ela medita o que foi caminhado e o que está pela frente. Reconhece que se abriram fendas: os terços revelaram-se inúteis, e é preciso acender velas. Em meio de saravás, ela risca o chão com pés descalços, arma seus búzios na necessidade de decifrar a sorte que lhe caberá. "Se o caminho é este, vamos andá-lo até a exaustão” – parece dizer. Maria alumiou, há um sol que, embora pálido, vem promover sua anunciação. E ela vem e vai por aí, vagueando estonteada com suas mãos fortes, cônscia de suas dúvidas e tombada num sofrimento enorme, e onde berra sentidamente a solidão irreparável que a consome, e o percebemos."

Hermínio Bello de Carvalho
Poeta e Compositor
Contracapa do disco Maria Bethania de 1969




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