Doces egos bárbaros

Os palcos ao ar livre do parque Ibirapuera (SP) e da praia de Copacabana (Rio) estarão pesados neste final de semana. Dois shows gratuitos colocarão em cima deles, tudo ao mesmo tempo, as músicas, a história, a estatura artística e os egos dos baianos Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia. Trata-se da volta, 26 anos mais tarde, do quarteto Doces Bárbaros, formado em 1976 por idéia e inspiração de Bethânia (justamente a única dos quatro que nunca se filiou ao tropicalismo).

Em várias e rápidas ocasiões eles estiveram e cantaram juntos depois, mas pela primeira vez se reagruparão no palco quase o tempo todo, num show conjunto. Suas gravadoras já se assanham. A Universal (de Caetano) e a independente Biscoito Fino (de Bethânia) entraram em acordo: o show virará, em 2003, CD da Universal e DVD da Biscoito.

Segundo o gerente artístico da Universal, Ricardo Moreira, o acordo está selado, sem objeções das gravadoras que ficaram de fora, Warner (de Gil) e MZA/Abril (de Gal). "Só não digo que é certeza que os produtos saiam porque só quem pode decidir e dizer sim ou não são os artistas", diz.

Devido à complexidade de gravar um show na praia e/ou na praça e considerado o dado de apenas sete ensaios ao longo desta semana reunirem os quatro artistas até o show final, pode-se até duvidar da concretização do projeto gravado. Mas Caetano, 60, recém-chegado de turnê internacional, trata de dissipar a dúvida, brincalhão:

"O grupo que teve coragem de lançar aquele primeiro show gravado ao vivo, em 76, não deve temer lançar este de agora". Gal, 57, intercepta o colega, concordando: "É, o som daquele disco não é bom, não".

Se a versão 1 aconteceu espontaneamente, os quatro admitem agora a profissionalização de suas vontades. "Nos reunimos por convite do Grupo Pão de Açúcar", simplifica Gil, 60.

"Da primeira vez sugeri porque sentia saudade de nosso começo, quando fazíamos juntos na Bahia o show "Nós, por Exemplo". Aqui, foi um convite de fora, que inclui a alegria do reencontro. É muita emoção. Todo mundo está mais velho, mas o tempo não passa só para o mal", descreve Bethânia, 56 anos. A apoteose dos Doces Bárbaros encerra o projeto 2002 da empresa, que ao longo do segundo semestre levou aos megapalcos do Rio e de São Paulo shows individuais dos quatro baianos. Os artistas aceitaram o convite e assinaram o contrato, somente.

Eles admitem que encontros grupais são raríssimos para eles. "É mais comum nos encontrarmos de três a três, mas coincidirem os quatro é raro", diz Gil, ao que Gal atalha, rindo: "Sempre foi três a três".

O roteiro não deve incluir surpresas. "Um dos conceitos da reunião foi que iríamos recuperar o repertório histórico da gente, não só dos Doces Bárbaros, mas principalmente deles", diz Gil.

Diretor musical do reencontro (como em 1976), ele fornece a única canção inédita prometida, "Outros Bárbaros". O núcleo da banda de apoio vem de Gil também, com acréscimo de dois músicos de Bethânia. A de Caetano, que acompanhava Caetano em sua turnê mundial até outro dia, estará ausente. "Eu preferia que houvesse mais inéditas, mas saí do show com Jorge Mautner para o avião e do avião para o ensaio dos Doces Bárbaros", lamenta Caetano.

Política, festa, ego

Se em 76 os Doces Bárbaros foram recebidos com críticas pelo tom escapista que adotavam, na contracorrente da resistência da MPB ao regime militar, hoje eles se reencontram no clima de festa política popular da chegada de Lula à Presidência.

"Vou fazer tudo para que o Brasil dê certo. Nós, cantores, temos chance de fortalecer isso, é o que pode nos salvar", diz Bethânia, que em seu show individual no projeto Pão Music incluiu, em tom de prece, a canção "Sonho Impossível", usada pela campanha de Lula sob sua autorização. "Com Lula no poder, o povo se sente no poder", concorda Gal.

"Os Doces Bárbaros eram muito festa e celebração, no tom, nas roupas, nas músicas. A gente já se considerava bastante medalhão na época, agora somos mais ainda", afirma Caetano, que teve episódio de conflito com o comando petista quando apareceu cantando "Amanhã" na campanha, sem tê-la autorizado. "Fiz questão de dizer que estava neutro nessa eleição. Minha voz foi usada sem autorização, mas depois José Dirceu me ligou, se desculpou e explicou que foi uma confusão", contemporiza.

Os figurinos hippies de 76 não serão repetidos, eles prometem. "Isso vai ser livre. Gal até brincou, perguntou se ia ter farda", ri Bethânia. "Os figurinos eram fantasiosos, eu tinha uma roupa amarela linda. Algumas eram bonitas, outras eu achava feias já na época", diz Caetano. "Eu usava um collant branco", evoca Gil, levando os quatro às gargalhadas.

Reagem instantaneamente à pergunta sobre se discussões há de pintar por aí, já que são quatro egos avantajados reunidos no mesmo espaço.

"Não, não, não. Estamos harmônicos", sentencia Gal. "Quando um não quer, quatro não brigam", dita Gil. "Este grupo de pessoas não é muito de briga, não", exagera Caetano.

Citada a palavra ego, Caetano se inflama, eleva o tom de voz e interpreta o solo exasperado de toda entrevista: "Esse negócio de ego é uma coisa muito cafona. Pensam que porque o cara é artista tem ego enorme, quer derrubar o outro. Não, isso é burrice, ignorância, cafonice intelectual".

Gil tenta discordar: "O ego é um pouco um elemento, um Red Bull [bebida energética] do "star system'". Caetano captura: "Ego é só para vender disco e jornal. Não serve para nada".

O palco dirá, no fim de semana.

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
Folha de São Paulo - 04/12/2002

O reencontro dos "Doces Bárbaros" em São Paulo

Histórico! Essa é a definição do megashow Pão Music para os “Doces Bárbaros” realizado no sábado (7 de dezembro) pelo Grupo Pão de Açúcar na Praça da Paz no Parque do Ibirapuera, em São Paulo.

O evento ancorou também a campanha do "Natal Sem Fome". Uma ação da Prefeitura de São Paulo, que incentivou a doação de 1 quilo de alimento não perecível por pessoa. Três caminhões ficaram a disposição do público para a coleta das doações. Antes do final do espetáculo duas toneladas já haviam sido arrecadadas.

Aproximadamente 110 mil pessoas assistiram gratuitamente o reencontro dos “Doces Bárbaros”, Gil, Caetano, Gal e Bethânia. O Megashow mereceu um palco especial importado da Alemanha, com cobertura de alumínio, um video wall no fundo do palco, dois telões de 8m x 6m nas laterais e mais 14 toneladas de equipamentos estruturais e material de som.

A área VIP contou com prestígio de ilustres convidados entre eles a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, os empresários Abílio Diniz e Ana Maria Diniz, as atrizes Paula Lavigne e Fernanda Torres, os apresentadores Serginho Groisman e Astrid Fontenelle, Rogério Gallo diretor da Tv Bandeirantes, entre outros.

A batucada e o ritmo do grupo Meninos do Morumbi abriram o Pão Music "Doces Bárbaros". A música “Fé Cega, Faca amolada” foi a primeira cantada pelos quatro Doces Bárbaros, que agitaram o público que logo reconheceu na música a transferência de carinho e felicidade.

A estudante de 19 anos, Rita de Cássia Amaral Rodrigues, funcionária do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo) se surpreendeu. “Um encontro de quatro personalidades, a união do público foi transferida pelos artistas que estavam no palco. Adorei! Acho que a união deles é um exemplo e a população acompanhou mesmo com a chegada da chuva!”

O roteiro do show foi subdivido em apresentações solo, duplas e dos quatro juntos que relembraram músicas do álbum “Doces Bárbaros” de 1976 e outras mais atuais. Caetano cantou “Drão”, Gal e Bethânia “Esotérico”, Caetano e Gil juntos “Chuckberry fields forever” e seguiram viajando com "Os mais Doces Bárbaros", "O seu amor", "Gênesis", "Pé quente, cabeça fria" entre outras. A novidade ficou para a inédita "Outros Bárbaros", especialmente composta por Gil para o show. A música “Gente” cantada pelos quatro bárbaros baianos finalizou o espetáculo.

O histórico reencontro dos Doces Bárbaros no Pão Music será imortalizado em DVD e em CD e estarão nas lojas no próximo ano.

Jeane Angélica Pinheiro Meira é pedagoga, ela acompanhou todos os cinco shows do Pão Music apresentados em São Paulo. “Assisti a todos os shows do Pão Music, essa atitude do Pão de Açúcar deve ser seguida por todas as empresas, dividir cultura é uma forma de enriquecer o povo! Parabéns! “

Para a jornalista Cláudia Freitas funcionária da Fundação Getúlio Vargas, o show foi inédito. “Eu gostei muito, inédito os quatro juntos, a chuva não atrapalhou, foi na verdade uma bênção!”

O projeto Pão Music Doces Bárbaros prevê duas apresentações, uma em São Paulo e outra Rio de Janeiro. A banda que acompanha o grupo é formada por Gustavo de Dalva e Leonardo Reis (percussões), Claudinho Andrade (teclados), Jorge Gomes (bateria), Arthur Maia (contrabaixo), Sérgio Chiavazzoli (guitarra) e Carlos Malta (sopro). Dois músicos da banda de Maria Bethânia também participam: o violonista Jaime Alem e o pianista João Carlos Coutinho. A percussionista Mônica Millet é a única que fez parte da primeira formação do grupo em 1976.

www.paomusic.com.br

Doces Bárbaros no Rio de Janeiro

Cerca de cem mil pessoas, segundo os cálculos da PM, compareceram ontem à noite à Praia de Copacabana, em frente ao Lido, para assistir ao show dos Doces Bárbaros, no encerramento do projeto Pão Music, que, na versão 2002, homenageou Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa. Na platéia, um encontro de gerações entre antigos fãs e quem nem era nascido quando o espetáculo foi realizado pela primeira vez, há 26 anos.

— Meus amigos vieram mais por causa dos últimos sucessos do Gil e do Caetano, mas eu sou fã mesmo das músicas antigas — disse Bianca Esteves, de 19 anos, que foi ao show com a mãe, Teresa Cristina, de 56 anos.

Para o evento, foram deslocados 350 policiais do 19 BPM (Copacabana) e 40 homens da Guarda Municipal. De acordo com a Guarda, o público foi chegando aos poucos. Nas primeiras músicas, apenas metade dos cem mil espectadores havia chegado.

“Fé cega, faca amolada” abre o show

O quarteto subiu ao palco às 20h e abriu o show com uma animada interpretação de “Fé cega, faca amolada”, exatamente como no espetáculo original. Depois, eles se alternaram em dupla ou solo. Sozinho, Gil mostrou a inédita “Outros bárbaros”, que ele compôs especialmente para a ocasião. Na letra da canção, ele anuncia que “Outros bárbaros tão doces tão cruéis / Seguem vindo”.

Com Bethânia, Gil lembrou “Asa branca”, de Luiz Gonzaga, e com Caetano, “Chuckberry fields forever”. O roteiro teve ainda “Drão”, “O seu amor”, “Esotérico” e “Os mais doces bárbaros”, entre outras.

Com “Um índio”, Bethânia incendiou a platéia, que empolgou-se também com “Lanterna dos afogados”, na voz de Gal. Mas o ponto alto da noite foi “A luz de Tieta”, com Gal e Caetano. Já no bis, o quarteto improvisou “Exaltação à Mangueira”. Há a possibilidade de os Doces Bárbaros reunirem-se novamente. A produção está sendo negociado um show com o quarteto no fim de ano na Bahia.

Elisa Torres e Tom Leão
O Globo on line - 09/12/2002
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