Doces Bárbaros em DVD

Registro antológico da reunião dos quatro cavaleiros do após- calipso Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia e Caetano Veloso em 1976, o filme Os Doces Bárbaros (lançado originalmente em 1978) ganha finalmente lançamento em DVD, três anos após ter chegado de forma remasterizada e sem cortes da ditadura aos cinemas.

“Em Salvador o filme foi muito bem, ficou 19 semanas em cartaz em um cinema de arte daí“, comenta o diretor Jom Tob Azulay, diretamente de sua casa no Rio de Janeiro.

Uma série de coincidências, aliadas ao talento dos envolvidos, levou o registro a ter a importância que tem nos dias atuais.

“Fui visitar o Roberto Menescal, que é meu amigo. Ele era presidente da Phonogram, gravadora que organizou o projeto dos Doces Bárbaros. O convite partiu da gravadora para comemorar os dez anos das carreiras dos quatro. Ele falou do show e me convidou para fazer um registro desse encontro“, diz Azulay, que ainda não tinha idéia que aquilo viraria um documentário.

PRISÃO DE GIL – Após as gravações de ensaios, coletiva de imprensa e o show de estréia em São Paulo, Azulay retornou ao Rio para revelar o material registrado. Foi quando, na passagem do grupo por Florianópolis, aconteceu a prisão de Gilberto Gil e do baterista Chiquinho Azevedo.

A partir daí, tudo mudou e o que era apenas um musical começou a ganhar tons dramáticos e até policiais. “Conseguir o registro desse momento deve-se muito ao Gilberto Gil, pois mesmo na adversidade de sua prisão ele teve a grandeza de perceber que era importante a filmagem desse proceso“, diz Azulay.

Chegando em Florianopólis, o diretor gravou entrevistas até com alguns dos envolvidos na prisão de Gil e Chiquinho, o que atualmente serve como registro in loco da atuação da polícia nos anos 70. “Gravei com o Gil mesmo tendo um guarda armado do meu lado“, comenta Azulay.

Nesse momento, o filme sai um pouco do foco musical e até entra no dia-a-dia familiar de Gil, registrando o aniversário de Maria, filha do ex-ministro que completava um ano.

“Queria mostrar que ele não era um monstro, um criminoso, mas uma pessoa que tinha uma vida normal como as outras“. O retorno aconteceu no Rio de Janeiro, onde o diretor encaixou um trecho organizado com Caetano Veloso, em que o músico dizia que a apresentação de Gil era até uma ajuda no tratamento recomendado pelo médico, já que Gil chegou a ser internado devido ao envolvimento com a ”erva maldita“ – forma como o juiz se referia à maconha durante o julgamento.

A partir de então a mágica da reunião dos quatro no palco volta a ser o centro das atenções das câmeras comandadas por Azulay, em um filme que dialoga com outros documentários importantes da cultura pop da época, como Gimme Shelter e Woodstock, tornando-se um marco no gênero para o cinema brasileiro.

LIVRO – As histórias que Azulay registrou do grupo são tantas que a sua idéia agora é lançar um livro sobre os Doces Bárbaros, juntamente com o crítico e escritor José Miguel Wisnik e o músico Jorge Mautner.

“Nos encontramos na época do relançamento do filme nos cinemas para um debate sobre os Doces Bárbaros. Foi fenomenal o encontro. Percebemos que o grupo era algo que transcendia uma temporalidade”, afirma o diretor.

Tudo agora depende de encontrarem uma editora disposta a organizar esse material, que, além dos relatos do trio, vai contar com matérias publicadas no período e as histórias presenciadas (algumas delas registradas em vídeo) pelo trio.

Uma delas, material inédito segundo Azulay, foi antecipada nesta entrevista, que o diretor diz ser “uma homenagem para a Bahia, já que tudo nasceu aí”.

E se refere exatamente ao surgimento dos Doces Bárbaros, que foi concebido durante um encontro de Mautner e Caetano na praia, quando divagavam sobre uma possível invasão “dos mais doces bárbaros” em Nova Iorque (veja o depoimento completo de Caetano ao lado).

EXTRAS – Além do filme completo, sem os cortes da época da ditadura, o DVD traz mais quatro músicas (Tarasca Guidon, Pé Quente, Cabeça Fria, Eu e Ela Estávamos Ali Encostados na Parede e Nós, Por Exemplo) que acabaram não entrando no corte final do filme para que o tempo não fosse tão longo, e pela escolha do material de edição. Além disso, também estão incluídas cenas de bastidores em que a câmera aparece como mera voyeur da movimentação dos músicos, amigos e fãs no camarim do grupo após as apresentações.

Completa o material duas entrevistas feitas com Jom Tob Azulay: uma, na ocasião do lançamento do documentário, e outra, especialmente feita para o DVD, que comenta detalhadamente o processo de captação do áudio do filme na época. O salto de qualidade para esta versão final levou o diretor a afirmar que “na verdade, levou 30 anos para fazer esse filme”.


A Tarde on line - 13/12/2008


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