Outras Palavras
"Sou difícil. Tenho trabalhado muito para exercitar, principalmente minha paciência. Lógico que o tempo ajuda e depois dos 35 anos a vida melhora muito. Oh, meu Deus! É igual quando passa o inferno zodiacal. Mês de maio para mim é o cão, mas quando chega 19 de junho é um mundo, uma maravilha. Tenho um lado tão infantil, tão criança ainda. É ciúme, eu sou possessiva, gosto de atenção. Trabalho isso muito para melhorar, não sou mais o bicho do mato que era anos atrás, mas ainda restam alguns traços. Agora são pouquinhas coisas. Se entenderem esse jeitinho vai legal, sem problema, não vai bater de frente, não vai ter atrito. Eu sei que sou um pouco chata e obsessiva quando fico martelando na mesma tecla " olha, isso aqui não pode, vê se não vai fazer assim ou assado, exatamente para evitar aborrecimentos. Porque, se vier eu bato de frente."
"No show (Doces Bárbaros) que fizemos na Mangueira foi muito comovente, muito bonito. Em Londres foi muito mais profissional, tinha contrato, cachê. E foi modificado. No encerramento, no quarto bis, resolveram fazer o "Esotérico", que era minha música só com a Gal, a de abertura. Era um palco gigantesco e começamos a cantar, a Gal foi para o microfone, o Caetano se chegou, o Gil também, ficamos os quatro num microfone só, foi uma coisa bonita, forte. Até me contaram que Caetano falou que eu estava "desamparada", "desprotegida" no palco quando eles vieram para perto de mim. Mas eu desamparada ou desprotegida no palco? É uma coisa muito difícil. Depois chamei todos no camarim para comemorar. É um momento que se guarda na memória. Mas também acabou aí. Cada um para o seu lado. Aliás também não vi o show da Gal. Estreamos na mesma época. Vejo muito pouco todos eles. Raramente vejo Caetano. Ele trabalha muito, eu também e ele tem lá a vida dele: os filhos, a mulher, a ex-mulher. Eu o encontro mais na Bahia, nas
férias."
"Comecei a levantar com Fauzi Arap umas coisas de Clarice Lispector. Eu a conheci em 71, durante "Rosa dos Ventos", e ela escreveu um texto para o meu show. Ficava no meu camarim, conversávamos sobre maquiagem, sobre coisas simples assim.
Tenho vontade de ver na obra dela esse lado, que é menos a mostra. Queria escolher textos e gravar, talvez por um selo pequeno."
"Adoro Edith Piaf, Jacques Brel. Não gosto de cantar em outras línguas, mas há umas canções que me apaixonam. O projeto de um disco de canções francesas não será um disco de carreira. Não sei quando, tenho que estudar."
"Rosa dos Ventos certamente esse é o meu show que, naquele período, fez um bem imenso à humanidade. Isso ficou muito na cabeça das pessoas, pai passa para filho...Virou uma história grande. Como voltei fazendo "Âmbar", que tem a luminosidade e a doçura de "Rosa dos Ventos", as pessoas perguntam muito.
O disco original de "Rosa dos Ventos" é péssimo, foi cortado, editado pela gravadora, mal gravado, um golpe. Não ouço aquilo. Intercalaram musicas lentas e alegres, tiraram o espírito do espetáculo. Briguei, fiquei louca, chorei, não adiantou. Então tenho vontade de refazer, rever aos 51 anos e fazer como era, Ter o disco inteiro, sem cortes. Isso não vai ficar assim, não. Mas para mexer com "Rosa dos Ventos" é preciso ser muito delicado.
Só farei se conseguir uma coisa rara na MPB, que é patrocínio. Tem que comprar e pagar o espetáculo. Queria fazer em lugares públicos, de graça ou por preços populares. Senão, não interessa, não tem sentido fazer "Rosa dos Ventos" para a burguesia. Acho difícil acontecer, mas se eu me zangar, pego e monto com meu rico dinheirinho, que é ganho para isso."
"Fauzi Arap era ator, eu era louca por ele. Ia todo dia vê-lo em "Dois Perdidos em uma Noite Suja". Chamei ele para dirigir "Comigo me desavim", em 1967. Era um show muito pobre, todo em preto e branco, luz e sombra. Lia um texto enorme de Clarice Lispector, de dez páginas, aos gritos."
"Quando estreamos "Rosa dos Ventos", alguns atores do Arena nos criticaram por termos feito um espetáculo doce, tão fora da guerrilha. Flávio Império criou um estandarte para a porta do Teatro da Praia, Caetano e eu, o Sol e a Lua. Era gigantesco, feito de chita, um manifesto político.
Lembro que no ensaio geral de "Rosa dos ventos" foram nove censores, todos sentados na primeira fila. Iam ver se liberavam para 18 anos. Quando acabou, um deles me disse assim. "Dona Maria Bethania, muito bem. Vim aqui liberar a senhora para as crianças." Ele chorava quando terminou o ensaio.
Um dos meus figurinos de "Rosa dos Ventos" foi roubado em São Paulo, por um fã. Depois a mãe dele me escreveu uma carta explicando que ele gostava muito de mim, que tinha o vestido guardado em casa. Foi um ataque de amor."
”Estou muito bem, mas ainda vou cantar muito. Não tenho a voz gasta, nunca cometi excessos. Nunca fui cantora de fazer três shows todos os fins de semana. Costumo dar seis meses de descanso à minha voz. Preciso de ficar fora da vitrina. Não há dinheiro que me faça emendar e fazer vários espetáculos seguidos.”
”Sou a mesma cantora de protesto que começou a cantar aos 17 anos. Quando procuro pessoas novas no panorama da música popular brasileira, é uma maneira de protestar contra certa acomodação. Gosto das canções épicas, acho-as fortes, poderosas. Acho que a canção "Vida, vida", do Chico Buarque, é uma música de protesto das mais exuberantes que temos. Em 1964, só soava como protesto se falássemos da pobreza, da miséria e do exército. Sempre achei que cantar "Andaluzia" naquele momento era o maior protesto que podia fazer. Quando gravo Roberto Carlos ou Gonzaguinha é puro protesto contra o preconceito. Cantar o amor é a coisa mais forte que conheço.”
”Gosto das coisas boas da vida. Mas sou muito simples e muito esquisita ao mesmo tempo. Tenho uma sofisticação muito grande com o paladar. Cresci a comer pratos muito simples, mas apuradíssimos. É uma ofensa moral quando me dizem para comer um sanduíche rápido. Que ninguém pense que fui criada a comer caviar, lagostas ou ostras. Nada disso. Aprendi a cozinhar com minha mãe. Assim como ela, sou exigente. Faço a minha própria comida. Tenho pessoas em casa que me ajudam, mas sob as minhas ordens. Não gosto de ir a restaurantes. Gosto muito de um bom champanhe e um bom vinho.”
“O Caetano é Leão, eu sou Gêmeos. O Caetano gosta de discussões. O prazer dele é provocar discussões. O assunto pode ser um qualquer. Às vezes, ele diz que as pessoas gostam de discutir porque ele tem bons argumentos. E tem mesmo, na maioria das vezes. Acho ótimo, ele é muito capaz. Eu não, não tenho paciência. Agora que estou mais velha não gosto que me chateiem. Façam o que quiserem, mas não me chateiem.”
”Eu e Caetano temos carreiras importantes e isoladas. Mas a nossa infância acompanha-nos. Respeitamo-nos como artistas e temos as desavenças e as confraternizações próprias de irmãos. Hoje, não nos vemos com a mesma frequência. Não casei, não tenho filhos, mas tenho a minha história, a minha casa e as minhas responsabilidades. No entanto, estamos juntos nos momentos importantes das nossas vidas. É uma relação fraterna.”
”Quanto tinha 19, 20 anos, estava insatisfeita com a minha vida. Gostava tão pouco de mim que queria Ter um filho para amar. Felizmente, fui sábia e Deus ainda mais. Hoje vejo a minha história assim: sempre só. Serei mãe noutra encarnação.”
”Não tenho problemas de solidão. É impossível sentir-me sozinha. A vida tem sido muito generosa comigo. Tenho amigos, tenho amores, a minha família e a minha história. Tenho tudo o que quero.”
”O sexo passou a ser usado como guardanapo, que nem é de linho, é de papel. A promiscuidade diminui o homem e o encanto das relações. O sexo é um luxo imprescindível e a promiscuidade tem que ser banida do mapa. É a mesma coisa que comer fruta sem lavar. Faz mal, fica-se doente.”
”Acredito em qualquer forma de amor. Desamor é negar Deus, é negar a vida. Eu vivi muitas histórias. Para mim, o amor é tão importante quanto o trabalho. Não sei viver sem estar apaixonada.”
"Eu tenho que ficar sem nada para fazer e sem prestar muita atenção. Se eu me organizar e programar para em tal horário ouvir tantas canções, não faço nada. Se assim numa conversa, alguém me fala uma palavra e penso em tal música aí eu vou procurar. É muito assim. Foi como eu aprendi a fazer tudo na minha vida. No colégio eu era muito divertida, mas era péssima aluna porque não suportava ter aquele rigor de estar aprendendo. Quando chamam atenção para uma coisa, aquilo fica chato para mim. Um pouco que eu sei de cena, eu aprendi de tarde na escola de teatro, sem ser aluna, e conversando com amigos passando por uma porta e por outra vendo alguém fazendo uma aula. Aprendi a cozinhar com a minha mãe ensinado as minhas irmãs, não a mim. Então eu tenho esse jeito e tudo o que faço tenho que achar que não estou fazendo."
"É a minha emoção. Se não bateu pode até ser uma parceria de Chico e Caetano que eu simplesmente digo que não sei cantar. Eu gosto de acrescentar alguma coisa à canção. Trazer uma respiração diferente, um olhar diferente."
"Eu acho que existem compositores extraordinários. Eu não fico comparando para saber quem é o Chico, Caetano ou o Milton de hoje. Não é assim. São outras conversas e formas de se expressar. Acho maravilhosos os compositores Chico César, Arnaldo Antunes, Marisa Monte, Carlinhos Brown, Adriana Calcanhoto, Cássia Eller... o Guinga é uma coisa rara no mundo, um espanto. Para cantar suas músicas, é preciso estudar muito igual ao que eu estudei para as provas de matemática (risos). Eu sou muito do lado da interpretação, a minha linha é diferente daquela coisa melódica e esmiuçada da Gal e da Nana. Eu sou o teatro, a ópera, o drama grego. Quando eu cito alguns compositores é porque me sinto próxima e, como já disse, posso acrescentar com a minha criação alguma coisa."