Entrevista
Hoje faz exatamente 40 anos que Maria Bethânia desembarcou no Rio. Aos 17 anos veio substituir Nara Leão no já histórico musical “Opinião”. No dia seguinte ao 13 de fevereiro de 1965, ela foi ao Teatro Opinião (hoje o Arena, em Copacabana) ensaiar e, além do pessoal da peça — Zé Keti, João do Vale, Augusto Boal, Ferreira Gullar etc. — a primeira figura que conhece é Vinicius de Moraes, que praticamente a adota. O acaso, já que o disco está pronto há mais de um ano, faz com que “A falta que você me faz” (Biscoito Fino), dedicado à obra de Vinicius, saia junto com a festa de 40 anos de carreira, que a cantora celebra no show “Tempo, tempo, tempo, tempo”, que estréia dia 24 no Canecão.
Gravado há mais de um ano, o acaso fez com que o CD dedicado a Vinicius venha no 40 aniversário de sua chegada ao Rio. Como interpreta esse acaso?
MARIA BETHÂNIA: Eu sempre quis fazer alguma coisa com a obra de Vinicius. Ele foi a primeira personalidade, o primeiro intelectual, o primeiro artista que eu conheci no Rio, quando cheguei no Opinião. Dez minutos depois de chegar ao teatro, ele entrou. E Tereza Aragão me apresentou a ele. Nunca quis forçar nada, mas um dia faria algo com a obra do Vina. Dois anos atrás me veio uma vontade, eu me via cantando canções dele, vontade de visitar a praia onde ele tinha casa na Bahia... Saudade dele. O nome do disco é este, “A falta que você me faz”, porque não há outra coisa a dizer.
Que falta é essa?
BETHÂNIA: Da inteligência, da maneira de conduzir a vida, do pensamento, da orientação da vida dele. A mim ele ensinou muito. O que é que ele privilegiava, o que ele botava em primeiro lugar. Eu sinto muita falta disso no mundo. E perto de mim também. Acho que na nossa música falta um poeta como ele. Na amizade falta um homem com a maturidade de Vinicius e a criancice dele, iluminada. A predileção pelo amor.
O disco começa angustiado em “Modinha”, dizendo que “não pode mais meu coração viver assim dilacerado”. E acaba celebrando o amor, na versão de Caetano para “Nature boy”, “Nada é maior do que dar amor/E receber de volta amor”. É essa sua visão de Vinicius?
BETHÂNIA: Essa música, “Nature boy”, o Vinicius cantava toda noite durante uma temporada de shows que fizemos numa praia argentina, Vinicius, Toquinho, Chico e eu. Antes de dormir, ele cantava como se fosse uma oração. E cantava lindo. Procurei então a gravação de Vinicius porque é a chave dele. Comentei com Susaninha (de Moraes, filha de Vinicius) , que me disse ser a música com que ele a ninava. É uma música de sempre para ele. Começa com “Modinha”, que é um drama, mas é o poeta Vinicius que, com toda a alegria, com toda animação, com toda a negritude dele, com toda a esculhambação, era um poeta, um sentidor , e também muito amargurado, como toda pessoa sensível. Tudo isso dói, a vida dói.
Isso tem a ver com sua angústia quanto à ausência dele?
BETHÂNIA: Não só a ausência, tem a ver com qualquer criador. Quem sou eu para me comparar ao criador que é Vinicius de Moraes. Mas de algum modo trabalho com criação, com sensibilidade, sentimento. E é nisso que eu tenho sentido muita falta de pessoas como Vinicius, e dele particularmente.
Caetano costuma falar de certa reação negativa à sua chegada por parte da inteligência carioca. Vinicius era a quintessência dessa inteligência. Não houve conflitos?
BETHÂNIA: Na minha chegada fui recebida de braços abertos. O Rio me recebeu lindamente, os intelectuais, os autores do “Opinião”, os cantores etc. O que aconteceu, e isso eu soube recentemente refazendo os Doces Bárbaros, é uma conversa mais entre Caetano e Gil, de autores, de compositores, de intelectuais, de homens. Gal e eu éramos as meninas que cantavam. E eu ainda não pensava nisso. Era muito menina mesmo, não só na idade, mas também na liberdade, era muito solta, livre. E não achava que nada disso era sério, achava que era por alguns dias, que eu iria me divertir muito e que voltaria às gargalhadas para a Bahia. No encontro com Vinicius, quando fomos apresentados, demos uma gargalhada um pro outro. Ele ria das coisas que eu dizia, acompanhava minhas entrevistas. Era o paizão, o irmão mais velho, o amigo, o namorado...
O namorado?
BETHÂNIA: Sim. Vinicius nunca na vida fez um gesto que não fosse para enfeitiçar, para seduzir. Mas era rigoroso comigo. O que eu queria era aprender a fazer o show. E aí percebi que era fazer aquilo para o resto da vida o que eu queria. Tive das pessoas mais lindas da minha vida, Tereza Aragão, Ferreira Gullar, Vianinha, João do Vale, Zé Keti, nem braços abertos, mas um botar no colo, um ninar, um acarinhar. E Vinicius extremado, querendo saber a hora em que eu cheguei, o que eu comia. Controle de pai. E isso sem compromisso nenhum, ele era só um fã do “Opinião”. E quando me conheceu, gostou muito da minha voz, do meu jeito. Ele sempre me dizia: “Você tem uma voz de sarjeta. Sua voz não é bem-comportada, não é de salãozinho. Sua voz arrebenta, treme o mundo”. Falava coisas assim, da estranheza, da minha qualidade vocal e da minha maneira de expressar. E ele sempre ria muito. O que sempre adorei no Vinicius é que, por mais que ele me levasse a sério, e levasse tudo a sério, ria muito.
A sua maneira de cantar não era o padrão da época. Na turma de Vinicius muita gente não gostou...
BETHÂNIA: Pois é. Nara ter me escolhido também é estranho. Nara era uma menina urbana, classe média alta, da Zona Sul. Eu era do interior, voz grave, sotaque, um comportamento cênico caindo para o dramático, fora da bossa nova. Eu sempre queria coisas com elementos de teatralidade, o que era contra a bossa nova. Bossa nova era exatamente o contrário, o mínimo, do mínimo, do mínimo, aquela sofisticação lindíssima, de que eu sempre fui apaixonada, mas nunca me arvorei em ser aquilo. Mas Nara quando me ouviu ainda na fita, durante uma turnê que fazia pelo Nordeste, perguntou quem era. Disse que era eu. E ela me ensinou, na Bahia, sem saber de nada, o “Acender as velas” e o “Opinião”. Por que Nara, com Gal cantando ao meu lado espetacular, bossa-novíssima, escolheu-me? Acho que Nara sempre sentiu que o show “Opinião” era mais para uma intérprete do que para uma cantora. E ela quando me viu, muito sensível, percebeu. E mais: a coisa do nordeste, mais áspera, apesar do chique que ela representava, entendeu que poderia ter uma ligação muito forte, que era uma voz para o “Opinião”.
O que veio pensando no avião?
BETHÂNIA: Eu vim de costas para voltar logo, como disse para o Caetano na hora. Era um avião Viscount, e as primeiras cadeiras eram uma de frente para outra. Juro a você, pensava só que iria me divertir. Todo mundo trêmulo, nervoso, e Tereza Aragão chamou Caetano e disse: “Mas ela está muito calma, como vai ser?”.
Mas você não tinha nenhuma consciência do momento?
BETHÂNIA: Tinha consciência demais. Sabia do espetáculo. A minha educação, em casa e artística, combinava com o pensamento, a proposta do “Opinião”. Eu não vim de bobinha, não. Mas eu não pensava em carreira, em sucesso. Quem me dera ser daquele jeito livre para sempre.
Como ouviu falar de Vinicius?
BETHÂNIA: Em audições na Bahia, na casa de Carlos Coqueijo (compositor). Eu adorava ouvir as letras do Vinicius, com o disco “Canção do amor demais”, de Elizeth (Cardoso) , quase morri. E eu já tinha lido a poesia de Vinicius. Quando eu o conheci, fiquei tocada por ser alguém que já parecia conhecer desde sempre.
Ele te formou?
BETHÂNIA: Eu distingui, depois de muitos anos, tão nitidamente quem me deu uma maneira de viver, de estar no mundo, de aprender através da natureza, e quem me ensinou através da arte. Um foi José Eugênio, um rapaz de Santo Amaro muito bonito e muito livre, de uma liberdade que achatava. Ele me adorava e resolveu, como Vinicius, guiar-me sem dizer nada. O outro lado, de conhecer o amor e a vida com a leitura, a audição, a arte foi o diretor de teatro João Augusto que me despertou. E, aqui no Rio, o Vinicius foi uma mistura dessas duas coisas: muito requintado, sofisticado e que tinha um tempo livre para mim.
Por que um disco de Roberto Carlos veio antes de um de Vinicius?
BETHÂNIA: Roberto foi um pedido da minha gravadora na época, a PolyGram. Eu me lembro que falei, quase que deselegante já que adoro Roberto, mas me deu uma dorzinha: “Por que eles não querem o Chico, ou o Vinicius?”. São mais a minha praia. Mas isso não tira a minha imensa admiração pelo Roberto e meu prazer naquele trabalho, dando minha assinatura na obra de dois meninos que penetram no coração do Brasil. Tenho algo parecido com eles, apesar de uma certa postura, uma coisa que pega no popular.
Vinicius é o contrário, o cúmulo da sofisticação...
BETHÂNIA: A contribuição do Vinicius para a música brasileira é algo sem tamanho, sem nome. A qualidade da poesia dele, da letra dele na nossa música, deu uma guiada na nossa geração toda.
Como trabalhou obra tão vasta?
BETHÂNIA: É de morrer de rir. Ligava para Susana e dizia: estamos em 250 músicas e preciso chegar a 14. O que tem mais aí são as minhas escolhas da obra de Vinicius. Por exemplo, o “Astronauta”, música que nunca fez muito sucesso. Mas tem todo o jeitinho dele de falar das coisas. “E a estrela Vênus, sabe ao menos por que brilha mais bonita”. Eu adoro alguém que fique aqui pensando essas coisas. E vem o Baden e musica. Aí fica demais. E a simplicidade? Na verdade, ele devia estar paquerando alguém. Veja o verso “Sim, você é linda porque é”. É um cínico (risos) , tudo é sedução. Algumas coisas não poderiam ficar de fora. “Modinha”, por exemplo, “Vai triste canção/Sai do meu peito e semeia a emoção”, é lindo, é a poesia, sabedoria.
Hugo Sukman
entrevista publicada no jornal O Globo em 13/02/2005
Bethânia dá entrevista via chat para lançar CD e chama computador de carroça
Leandro Colling - A cantora Maria Bethânia concedeu, na tarde desta segunda-feira, uma entrevista coletiva através de um chat pela internet para 71 jornalistas. Ela está lançando o novo CD Que falta você me faz, com 15 músicas de Vinícius de Moraes. Este ano, Bethânia vai comemorar 40 anos de carreira com o novo show Tempo, Tempo, Tempo, Tempo.
No bate-papo, ela contou detalhes da produção do novo trabalho e revelou que estará no Teatro Castro Alves nos dias 19 e 20 de março. "Mas não quero que pensem que esqueci a minha querida Concha Acústica, eu voltarei à Bahia para ir à Concha, um dia desses", prometeu.
Quando questionada sobre a sua relação com o computador, Bethânia disse: "Acho esse negócio de computador uma carroça, e também não gosto desta coisa solitária que o computador deixa nas pessoas. Nem a voz mais ouvem, eu fico aflita, mas tem um lado utilíssimo, maravilhoso".
Débora Vicentini (Editor - Executivo - Nassau Editora - ES ): O disco com as músicas do Vinícius já está pronto há algum tempo. Você estava esperando esse momento para lançá-lo comemorando seus 40 anos de carreira?
Maria Bethânia: Foi uma coincidência. Eu não estava nem me lembrando que eu faria 40 anos. Mas foi um sonho da filha dele. Ele dizia para ela que queria comemorar o disco no verão de 2005. Então a Kati e eu resolvemos esperar para fazer, coincidiu que é junto.
Jaime Gonçalves Filho ( Diretor - Paralelos - RJ ): Bethânia, João Cabral dizia, meio brincando meio sério, que Vinícius só sabia usar uma víscera na hora de produzir seus poemas: o coração. Você concorda com isso? ‘Que falta você me faz’ foi produzido sobre, também, sobre o comando do coração?
Maria Bethânia: Tudo o que eu faço é comandado pelo meu coração. Acho o João Cabral, como sempre iluminado e brincalhão, e acho que é uma brincadeira dele com o Vinicius. Eu não concordo plenamente. Eu acho que o Vinicius sempre usou o coração, mas a responsabilidade, a inteligência também sempre acompanharam a criação dele.
Milton Luiz Silva do Carmo ( Redator - O Tempo - MG - Contagem ): Bethânia, como foi a seleção do repertório? Foi difícil escolher as músicas? Alguém da família do Vinicius ajudou?
Maria Bethânia: Foi complicadíssimo, como se pode imaginar. Uma obra tão vasta e tão linda. Eu cheguei a ter 250 canções consideradas imprescindíveis. Mas conversei muito com Suzana, a filha mais velha de Vinicius, e a solução foi pensar, eu só posso 14. E aí fui chegando, descobrindo, sob meu ponto de vista, os vários Vinicius que eu conheci. O garoto namorador, o poeta extraordinário com sua dor, o homem preocupado com o seu povo, achando beleza onde não se esperava que alguém visse, o homem generoso, pedindo a benção, se dizendo de maneira extraordinária o branco mais preto do Brasil e também as parcerias, mais significativas, mais contantes na obra de Vinicus, Baden e Tom. Lógico que todos são geniais, mas esses dois acho que trabalharam mais com Vinicius, tem um peso maior.
Julio Cavani ( Repórter - Diário de Pernambuco - PE ): Você identifica um estilo específico para interpretar Vinícius ou cada música pede um interpretação com perfil totalmente diferente?
Maria Bethânia: Acho que cada música exige uma colocação, um entendimento melódico e harmônico diferente. Eu sou intérprete, mais do que cantora. E a obra de Vinícius é um prato cheio para interpretar. Ele é muito rico, muito variado.
Leonardo Lichote ( Repórter - Globo Online - RJ ): Como é para você, intérprete de voz poderosa e expressividade explosiva, se lançar no universo de lirismo diminutivo de Vinícius? Foi (é) um exercício de contenção? Fale um pouco desse meio caminho onde sua explosão se encontra com a delicadeza minimalista do poeta.
Maria Bethânia: Eu escolhi um repertório que tivesse alguma coisa de dramaturgia. Exatamente porque sou mais intérprete do que cantora. A obra de Vinícius, 80% ou mais, foi para a Bossa Nova, um movimento deslumbrante, enriquecedor, mas que sempre exigiu cantores com vozes de extrema afinação, sem nenhuma interpretação. A Bossa Nova era anti-drama, ou seja, anti-maria bethânia. Mas Vinícius, como poeta, e com seus parceiros, ele não fez necessariamente canções só pra esse tipo de comportamento, e a minha escolha foi exatamente Vinícius escrevendo pra teatro, Orfeu, Vinícius escrevendo dramaticamente, Modinha. Fui me guiando pela minha natureza de cantora, eu não me modifiquei para cantar Vinícius, não faria sentido. Pois afinal foi esta cantora que sou que ele abraçou no primeiro dia em que me viu cantar. Na explosão, na maneira de intepretar explosiva, também existe imensa doçura, dependendo da sensibilidade de quem ouve.
Carmélio Dias Moura ( Editor - Assistente - Jornal do Brasil ): Bethânia, a cidade do Rio tem especial importância na obra de Vinícius (e na sua carreira também). É bom começar `Tempo Tempo Tempo Tempo` pelo Rio?
Maria Bethânia: É ótimo, eu moro aqui desde os 17 anos e aprendi com Vinícius, com a própria cidade, com Tereza Aragão, com o carioca, a ter o Rio de Janeiro como minha segunda casa, minha outra casa. Eu amo o Rio, sou completamente fascinada pelas suas belezas, gosto do jeito do carioca, e certamente Vinícius foi o carioca mais comovente que eu conheci. Eu digo um texto no show, escrito por ele para a cidade do Rio de Janeiro, que chama Cartão Postal. Não posso falar em Vinícius sem falar no Rio.
Julio Cavani ( Repórter - Diário de Pernambuco - PE ): Os dois projetos (Tempo Tempo e Que falta) estão mesmo interligados? Quanto deste disco vai estar no show comemorativo?
Maria Bethânia: Estão sim. Não pensei nisso, mas aconteceu. Não tem no show, obrigatoriamente, algumas canções do disco. Mas tenho outras canções de Vinícius que não estão no disco.
Ceci Alves ( Repórter - A Tarde - BA ): Como será o show de `Que Falta Você me Faz`? Quem dirige, produz... Conte-nos mais detalhes. E, também, quando vem à Bahia e onde tocará por aqui.
Maria Bethânia: O nome do show não é o nome do disco. O show se chama Tempo, Tempo, Tempo, Tempo. Bia Lessa dirige, Quitanda produz. Vou para a Bahia nos dias 19 e 20 de março, no Teatro Castro Alves. Mas não quero que pensem que esqueci a minha querida Concha Acústica, eu voltarei à Bahia para ir à Concha, um dia desses.
Thiago Soares ( Editor - Folha de Pernambuco - PE ): Você vai recitar também Vinicius no show `Tempo Tempo Tempo Tempo`? Já escolheu os poetas que você vai recitar? Quem dirige o show?
Maria Bethânia: Vou falar sim. Vou dizer alguns trechos de Vinícius, alguma coisa de prosa. E tem uma homenagem ao meu grande mestre Fauzi Arap, eu digo um pequeno texto dele, um pequeno momento de um show que fizemos juntos.
Hagamenon Brito ( Editor - Correio da Bahia - BA ): Primeiro, foi Roberto (e Erasmo) Carlos. Agora, Vinicius. Qual outro compositor te comove ao ponto de merecer um álbum inteiro com as suas canções?
Maria Bethânia: Ah, inúmeros, o Brasil, graças a Deus, é riquíssimo musicalmente. Mas eu posso dizer Chico Buarque e Caetano, certamente seriam os mais próximos, porque são os compositores mais importantes da minha geração. E o nosso pajé Dorival Caymmi. De qualquer maneira, eu não pretendo... o próximo trabalho que fizer eu não quero estar presa à obra de um único compositor, se Deus quiser.
Antonio Mariano ( Colunista / Comentarista / Crítico - Folha de Londrina - PR - Londrina ): O nome do show faz alguma alusão àquela canção do Caetano em que saúda o orixá Tempo, ou foi mera coincidência? Outra pergunta: será um show intimista?
Mariia Bethânia: É lógico que tem a ver com a canção do Caetano, é a canção que escolhi para nortear o roteiro do show. Eu não sei o que você chama de intimista. Para mim, intimista não pode estar no palco... no palco não pega bem.
Milton Luiz Silva do Carmo ( Redator - O Tempo - MG - Contagem ): Desde `Maricotinha` você não lança um disco de inéditas. Sei inclusive que você já ganhou uma música da Zélia Duncan. Quando pretende voltar a gravar inéditas?
Maria Bethânia: Logo que eu possa. Ganhei uma linda música da Zélia, mas eu preciso que ela me ensine a cantar a música. Mas no meu show comemorativo eu tenho inúmeras canções inéditas, especialmente feitas para mim.
Marcus Preto ( Freelancer ): Tem alguma canção feita especialmente para este espetáculo?
Maria Bethânia: Tenho. Uma canção do Totonho Villeroy, que fez um lindo samba para homenagear a obra de Vinícius. Mas como disse anteriormente, há várias canções inéditas.
José Eduardo Magossi ( Editor - Agência Estado - SP ): Bethânia, por que você escolheu `Nature Boy` para encerrar o disco?
Maria Bethânia: Porque era a música que Vinícius cantava, sempre antes de dormir. Quando ele ia embora, quando encerrava um trabalho, uma reunião, e a filha dele, Suzana, me disse que ela era ninada por ele com essa canção. Essa canção tem um elo muito forte. Essa música é americana, e é uma versão do Caetano, que ele fez há muitos anos para o Ney Matogrosso. Ela sintetiza os sentimentos, a onda de Vinícius: nada é maior que dar amor e receber de volta amor. Eu acho que escolhi essa música porque é como eu acho que ele sentia.
Henrique Nunes ( Redator - Diário do Nordeste - CE ): Desde sua ida para a Biscoito Fino, você tem mantido uma freqüência de shows e lançamentos muito grande, além do trabalho do Quitanda. Mesmo sendo um projeto antigo, o seu ritmo de produção parece estar mais acelerado. Nesse momento você já está pensando no próximo trabalho? Este ritmo tende a continuar tão intenso? Você está mais empolgada?
Maria Bethânia: Estou mais empolgada. É natural que esteja. Aqui na Biscoito Fino tudo que eu penso, tudo o que escolho, pretendo, não só eu, todos os artistas, imediatamente a resposta é positiva e emocionada. E isso estimula, faz a gente querer trabalhar. Eu quero entrar no estúdio no intervalo do show, mas para fazer uma coisa para Quitanda, um outro projeto meu.
Júlio Capparelli Bittencourt ( Colunista / Comentarista / Crítico - Fórum - SP ): Por favor, gostaria de um comentário sobre a sua postura com relação ao mercado. Tendo em vista a excelência dos seus últimos discos, bem como outros que têm sido feitos pelos selos Biscoito Fino e Quitanda, a produção independente e os selos menores seriam a saída para a nossa música?
Maria Bethânia: Não entendo nada de mercado, nunca entendi, nem pretendo entender. Eu sou cantora.
Mariana Serrano ( Estudante - ): Bethânia, como foi essa experiência de reunir no estúdio os filhos de Baden Powell, Marcel e Philippe, e o neto de Tom Jobim, Daniel?
Maria Bethânia: Foi a melhor coisa, além de serem grandes músicos, são meninos muito lindos, bem educados, carinhosos, e aprenderam com avô e pai a amar Vinícius, a grandeza de Vinícius, eles têm noção da grandeza da obra de Vinícius, do grande amigo que ele foi, do Tom e do Baden. Eles vieram amorosamente, fiquei muito honrada de te-los no disco, porque como já falei, o Tom e Baden foram os compositores mais presentes, eu queria que o sangue deles estivesse ali. Foi emocionante. Foi muito bom.
Marcênia Izabel Santos dos Santos ( Editor - TV Globo - PI - TV Clube ): Você gosta de cantar compositores novos e veteranos. Dos novos, que nomes você destaca, quando o assunto é cantar o que lhe comove?
Maria Bethânia: Eu gosto de cantar música boa, não interessa se é veterana, nova, antiga. Música boa, que me comova, e que eu acho que sou capaz de interpretar. O Brasil, felizmente, se renova sempre. Nós temos compositores ótimos. Linha feminina de primeira linha, Adriana, Zelia, Ana carolina, que é bacana, tem muita gente na Bahia, no Piauí, no mundo, no Brasil inteiro, fazendo lindas canções. Eu não fico perguntando se é nova, velha, para mim é bonita, me comove, pronto.
Veronilda Lima ( Repórter - Folha de Rondônia - RO - Ji-Paraná - Sucursal RO ): Bethânia, e para a região Norte, especialmente Rondônia, você tem previsão para shows, afinal há um público cativo por essas paragens carente de um espetáculo como o seu?
Maria Bethânia: Quem me dera poder fazer Norte, Sul, Centro, tudo. Os meus espetáculos têm um certo problema para viajar, porque eles dependem de teatro, espaços para cenografia, para iluminação, e eu não tenho prazer para levar um show que no Rio e SP eu apresento com todos os elementos, viajar para o Norte capenga, sem cenário, luz. Eu quero mostrar direito, tenho imensa vontade de ir a Rondônia, então se tiverem um teatro, me convidem.
José Eduardo Magossi ( Editor - Agência Estado - SP ): Bethânia, depois do olhar amoroso sobre o Brasil que vimos em seu belíssimo trabalho `Brasileirinho`, disco e show, os títulos `Que Falta Você Me Faz`, o disco, e `Tempo Tempo Tempo Tempo`, o show, remetem a uma continuidade deste caminho, mas agora direcionando este olhar sobre a sua carreira. Este pensamento é correto?
Maria Bethânia: Pode ser correto sim.
Marcus Preto ( Freelancer ): Como esta coletiva esta sendo feita pela internet, gostaria de saber a sua relação com este tipo de comunicação, voce é uma mulher informatizada?
Maria Bethânia: Xiiii... pegou mal... Não sei nada, moço. Tem alguém aqui, aliás, uma equipe imensa, trabalhando. Mas é engraçado poder falar com estados tão longe, que jamais poderiam vir, é bacana, eu sou a favor. Tem uma história engraçada. Quando eu lancei ALTEZA, pela Polygram, o disco, eles lançaram via Embratel, eu fui para um teatro e fiquei recebendo as perguntas, como estou fazendo aqui. Agora melhorou muito. Apesar de achar esse negócio de computador uma carroça, e também não gosto desta coisa solitária que o computador deixa nas pessoas. Nem a voz mais ouvem, eu fico aflita, mas tem um lado utilíssimo, maravilhoso.
Sávio Stoco ( Repórter - Diário do Amazonas - AM ): Você lamenta não poder escursionar por todos os cantos do país (pelos menos pelas capitais)? Ainda sente falta de acessibilidade às composições das regiões mais afastadas, ou já não é mais assim?
Maria Bethânia: É asssim um pouco ainda. Eu fico triste de não poder ir para os lugares. Eu queria ir, Amazonas então, é minha paixão. Tem um teatro extraordinário, mas é pequeno, e para viajar é complicado. Quanto as composições, todo mundo agora pode gravar um disco, isso simplificou muito, eu recebo composições do Brasil inteiro, isso avançou bastante.
José Eduardo Gallindo Novo ( Âncora / Apresentador TV / Apresentador Rádio - TVE Regional - MS ): Você foi a primeira a gravar `Tocando em Frente` de Almir Sater e Renato Teixeira. Quando pretende gravar novamente o rítmo ternário de Mato Grosso do Sul?
Maria Bethânia: Tive a sorte de lançar essa música, o Almir me entregou, e o Renato. É uma das músicas mais bonitas que conheço. No meu novo show, que estréia agora, eu tive de novo a sorte do Almir me entregar outra canção, tão ou mais bonita, chamada Planícies de Prata. Eu sou louca pela música do Mato Grosso.
Milton Luiz Silva do Carmo ( Redator - O Tempo - MG - Contagem ): Num país como o Brasil, é difícil completar 40 anos de carreira com tanto prestígio e sucesso, como você. A que você atribui essa longevidade artística sua e de seus contemporâneos? Num possível balanço, há lgo que se pudesse, Maria Bethânia mudaria hoje na sua trajetória?
Maria Bethânia: É dificílimo mesmo. Acho a minha geração privilegiada, compositores, cantores, foi uma época em que o Brasil cintilou nas artes. E eu atribuo, além do talento e da confiança de Deus em cada um de nós, no meu caso especificamente, eu atribuo à verdade. Eu não minto quando canto. Não (no caso de mudar na trajetória), rien de rien.
Elexsandra Morone ( Editor - Gazeta de Alagoas - AL ): Por que você acha que Vinícius dizia que sua voz fazia o mundo tremer?
Maria Bethânia: Sei não, tinha que perguntar a ele (risos).
Viviane Miranda Moreno ( Repórter - Hoje em Dia - MG ): Bethânia, você já sabe quando virá a Minas Gerais com a nova turnê? Qual a sua relação com o público mineiro?
Maria Bethânia: Eu irei dentro da turnê, em abril. Eu adoro o público mineiro, sofisticado, mas também só podia ser... Minas tem uma escola de música, para o povo brasileiro de um modo geral. Milton Nascimento, Toninho Horta, Flávio Venturini, Beto Guedes e tantos outros... Eu sempre que posso canto mineiro. Bato cabeça para a música aí. Por conseguinte, é um público muito exigente, o que é muito bom para o artista.
Tacilda Aquino de Araújo ( Repórter - O Popular - GO ): Suas performances no palco sempre destacaram a intensa teatralidade. Você acha que Monólogo de Orfeu, composta pelo poeta com Tom Jobim, em 1956, para a trilha da peça Orfeu da Conceição vai dar um toque especial ao show de do disco?
Maria Bethânia: Monólogo de Orfeu, escrito por Vinícius. Essa obra é dos dois: Tom e Vinícius. Então tinha uma trilha sonora atrás, que na verdade é Se todos fossem iguais a você. No disco, eu não usei a trilha e não sei qual solução a Bia encontrará no espetáculo.
Renato Mendonça ( Editor - Assistente - Zero Hora - RS ): Vinícius sempre foi um arrebatado, sempre avaliou as pessoas fundamentalemnte pela intuição. Descreve como foi o primeiro encontro de vocês? Que impressão ficou em ti? Que impressão teria ficado nele?
Maria Bethânia: Nos encontramos e foi a primeira pessoa, grande figura, intelectual, grande figura da arte no Brasil, que eu conheci no Rio. Tereza Aragão nos apresentou. Nos olhamos, caímos na gargalhada e como se a gente se conhecesse a vida toda. Eu me surpreendi. Porque sempre fui louca por tudo o que ele escreveu, aprendi toda a revolução que ele fez na música popular brasileira, a qualidade, quanto cresceu, brilhou a qualidade da letra na música popular brasileira. E quando o vi, era como se fosse meu irmão mais velho, meu mestre. Me apaixonei por ele imediatamente. Não sei, mas pelo que vivi com ele enquanto estava neste ciclo, acho que ele gostou de mim, cuidou de mim a vida toda. Meu velho amigo.
Maria Bethânia FALA COM TODOS: Muito obrigada a todos. Estou me despedindo, neste fim de tarde, vou para o ensaio. Espero realizar um trabalho que mereça dos senhores o aplauso. Um beijo para cada um, obrigada.
Agência Baiana de Notícias – 14/02/2005