Caminho das Estrelas: Maria Bethânia
'Quando deixar de me arrepiar é porque está na hora de sair'




Aos 62 anos, aquela que é uma das vozes maiores do Brasil está de regresso a Portugal para dois espectáculos – dias 27 e 28, no Coliseu de Lisboa. O pretexto para falar com aquela a quem Caetano Veloso chama ‘sacerdotisa’.


Que tipo de espectáculo vai trazer a Portugal?


Como estou a comemorar 44 anos de carreira, este será um espectáculo que mistura muitas das coisas que eu fiz ao longo do tempo, como ‘Olhos nos Olhos’, ‘Teresinha’ ou ‘Querer’. Vou ainda interpretar dois inéditos, ‘Santa Bárbara’ e ‘Feita na Bahia’ e cantar dois poemas de Fernando Pessoa.


O que espera do público português?


O mesmo de sempre: carinho e atenção. O público português sempre entendeu a minha forma de me expressar. Penso que existe uma admiração mútua entre mim e Portugal.


Que memórias guarda das suas passagens por cá?


As melhores. O primeiro espectáculo que dei em Portugal, em 1982, curiosamente no Coliseu dos Recreios, marcou a minha carreira. Portugal está dentro de mim, pela literatura, pela geografia e pela comida (risos). Nunca comi tão bem como em Portugal (risos).


Tem muitos amigos por cá?


Sempre fiz grandes amigos. A Amália foi talvez a maior de todas. Foi ela quem me uniu a vocês.


O que se lembra dela?


Amália era tão grande como uma Maria Callas ou uma Billie Holiday. Conheci-a no Brasil e ficámos amigas. Em 1972 fizemos uma digressão pela Europa. Na altura, ela era uma grande estrela e eu uma garotinha. A amizade julgo que ainda hoje perdura, apesar de ela já não estar entre nós. Sempre que toquei em Portugal ela assistiu a todos os meus espectáculos.


Já escreveram que, quando canta, a Maria Bethânia representa o Brasil e as emoções de um país. É assim que se sente, a voz de um povo?


Não. Isso é uma grande responsabilidade. Sou uma cantora popular brasileira voltada para os sentimentos do meu povo – mas sei muito bem o meu tamanho.


Não aceita, portanto, o título de “abelha-rainha da MPB”, como já alguém escreveu?


Não (risos). Não sou rainha nenhuma. Nunca tive trono.


No Brasil, há aquele eterno debate: Elis Regina, Bethânia ou Gal Costa, quem é a maior cantora. Alguma vez chegou a uma conclusão?


Nunca pensei nisso. Sou mais intérprete do que cantora. Já Elis e Gal são mais cantoras do que intérpretes.


Isso quer dizer o quê?


Quer dizer que eu estou fora dessa competição de quem é a melhor cantora. Acima de tudo, sou uma mulher de palco.


Ao final de tantos anos ainda se emociona a cantar?


Claro que sim! Quanto mais velha, mais trémula estou. Mas eu gosto de ficar nervosa. Gosto de sentir a adrenalina. Antes de entrar em palco, rezo muito no camarim com a ajuda da minha irmã, que me acompanha sempre.


A Maria Bethânia tem atravessado gerações. Consegue perceber quem é hoje o seu público?


Tenho famílias inteiras a assistir ao meu concerto. Tenho, por exemplo, um público adolescente que me é muito fiel.


Até quando pensa que irá cantar?


Não sou eu quem manda. É Deus!


O que pensa que a fará abandonar então os palcos?


Quando deixar de me arrepiar eu saio. Sou uma mulher ajuizada e quando tudo arrefecer para mim saberei que está na hora de afastar-me.


Em Setembro recebeu o Prémio Shell, só entregue a compositores. O que significou isso para si?


Foi mesmo um reconhecimento inesperado. Recebi esse prémio porque fui considerada uma verdadeira autora pela forma de expressar-me.


Mora no Rio desde os 17 mas toda a gente a conhece como baiana. Que relação mantém com a sua terra?


É uma relação muito forte. Quando estou no Rio falo com a minha mãe todos os dias ao telefone.


Quando se encontram em família, a Maria e o seu irmão, Caetano Veloso, falam muito de trabalho?


Não, nunca (risos). Tudo o que fazemos quando nos encontramos é dar risada.


Riem de quê?


Rimos de nós (risos).


Ele já lhe chamou “sacerdotisa”. E ele para si, é o quê?


Para mim ele é um poeta, um iluminado, o meu guia e o meu mestre. É o meu camarada e um dos maiores poetas do Mundo.


Todos a conhecem assim, com os seus longos cabelos. É uma imagem de marca?


Não. Sempre gostei de usar o cabelo comprido, desde miúda. Só que com a idade virei uma velha índia.


Tem-lhe custado envelhecer?


Não. Envelhecer é um privilégio. Claro que sinto falta de alguma energia mas, para mim, está óptimo.


Nunca fez nenhuma ‘plástica’?


Há uns 10 anos coloquei os peitos no sítio (risos), que é uma coisa importante para quem tem de subir a um palco e mostrar a sua imagem.


E o nariz, nunca pensou mexer nele?


Não. Este nariz herdei-o do meu pai – e tenho muito orgulho nele.


PERFIL


Maria Bethânia Viana Teles Veloso nasceu na Bahia a 18 de Junho de 1946. é, depois de Xuxa, a cantora brasileira com mais discos vendidos até ao momento: 26 milhões de cópias.



Miguel Azevedo
Correio da Manhã - Portugal - 21/02/2009


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