Bethânia e Hanna Schygulla dividem o palco em SP
Admiradoras recíprocas, a cantora brasileira e a atriz polonesa fazem o show acústico da entrega do prêmio Abit Fashion Brasil aos melhores da moda brasileira
São Paulo - Uma é cantora intérprete e a outra, cantora atriz - Maria Bethânia e a polonesa Hanna Schygulla admiram-se desde 1994. Naquele ano, quando estava no Rio, Hanna encantou-se com a voz poderosa da brasileira e assistiu ao seu show duas vezes, além de conhecê-la pessoalmente. Dois anos depois, Bethânia estava em Paris e, mesmo fortemente gripada, foi a Genebra especialmente para acompanhar a estréia da amiga atriz como cantora: até então, Hanna era mundialmente conhecida pelas atuações no cinema, especialmente nos filmes do alemão Rainer Werner Fassbinder. Desde então, planejavam uma apresentação conjunta, o que vai ocorrer na noite de hoje, na Sala São Paulo.
O show acústico começa às 20 horas e terá uma audiência exclusiva: apenas os 1.200 convidados que vão acompanhar a entrega do terceiro prêmio Abit Fashion Brasil aos destaques da moda brasileira, incluindo toda a cadeia têxtil e de confecção do País. Há premiações técnicas como inovação tecnológica, tecelagem, fiação e malharia, e também sociais como responsabilidade social e consciência ecológica.
Para uma platéia formada por profissionais do setor, empresários, artistas e autoridades, Bethânia e Hanna Schygulla vão se apresentar acompanhadas de piano, violão e violoncelo. "Não preparamos nada, pois vamos seguir nossas intuições", comentou Hanna, em entrevista ao Estado, de Munique, antes de embarcar para o Brasil. "Esperamos há tanto tempo por esse momento que queremos aproveitá-lo ao máximo." Ela vai se apresentar ainda, no domingo, no Teatro Cultura Artística, com o espetáculo Brecht... aqui e agora, sucesso na Europa desde sua estréia, em março de 2000, em Paris.
Na primeira vez que ouviu a voz de Bethânia, Hanna Schygulla estava em Cuba, onde rodava um filme e gravava um seriado para a televisão. Curiosa com o disco da cantora brasileira que lhe foi presenteado, decidiu escutá-lo. A identificação foi imediata: "Fiquei fascinada pelo timbre de sua voz e pela emoção com que interpreta as canções", conta. "Não consegui mais parar de ouvir." A admiração deverá se estender pela família de Bethânia, pois a cantora polonesa não escondeu o prazer com que assistiu ao show de Caetano Veloso, Noites do Norte, no fim de semana.
Estímulo - A expectativa da apresentação conjunta com as duas divas, portanto, é estimulante. "Bethânia é um furacão, Hanna é delicada: será um encontro marcado por muita emoção", comenta Bia Lessa, responsável pela direção do show e uma das principais incentivadoras do encontro - há oito anos, a atriz polonesa encantou-se com a encenação de Orlando, dirigido por Bia, em Munique. Do contato, surgiu o convite para vir ao Brasil, o que ocorreu naquele mesmo ano, 1994, quando Hanna participou da peça Um Homem sem Qualidades, clássico de Robert Musil, dirigida por Bia Lessa. A oportunidade serviu também para aproximar as duas artistas.
O encontro poderia ter acontecido antes, quando as duas se apresentariam acompanhadas de Egberto Gismonti, mas a produção brasileira do show não vingou. Para a apresentação de hoje, Bethânia vai cantar seis canções e Hanna, quatro. Em duas, porém, elas vão interpretar juntas. Uma delas será Emoções, um dos sucessos de Roberto Carlos. "Conheço a versão em espanhol da letra e será emocionante dividi-la com Maria", conta Hanna.
Ela pretendia definir no fim de semana as outras canções que vai apresentar hoje. Sentia-se motivada a cantar Lili Marlene, tema do filme do mesmo nome, dirigido por Fassbinder em 1980. "Foi minha primeira apresentação como cantora, por isso guardo essa canção com muito carinho", comenta. "Acho que minha afinação melhorou um pouquinho, portanto, não vou desapontar."
Outras canções poderão ser escolhidas do repertório do espetáculo que vai apresentar domingo, no Cultura Artística. Essencialmente teatral, Brecht... aqui e agora foi idealizado pela própria cantora, também autora dos textos que unem as canções, textos inspirados nas canções que Brecht desenvolveu com Kurt Weil e Hanns Eisler. Assim, o público poderá ser brindado com clássicos como Surabaya Johnny, Mahagonny e Mackie Messer.
A palavra é um instrumento poderoso na arte de Hanna Schygulla. Além de sua carismática passagem pelo cinema, em que trabalhou com diversos diretores como Jean-Luc Godard (Passion), Ettore Scola (Casanova e a Revolução), Marco Ferreri (A História de Piera, que lhe rendeu prêmio de melhor atriz em Cannes), Wim Wenders (Movimento em Falso), Andrzej Wajda (Um Amor na Alemanha) e Carlos Saura (Antonieta) e da festejada parceria com Fassbinder (O Casamento de Maria Braun tornou-os internacionalmente conhecidos), ela iniciou a carreira como cantora baseando-se em sua experiência no palco.
"Nunca estudei música, portanto, não sei ler uma partitura", confessa Hanna que, graças ao ouvido apurado, identifica as notas certas pela intuição e, claro, depois de uma boa dose de ensaios. "Muitas vezes, a letra da canção é tão poderosa que é melhor declamá-la." Sua voz teatral, rouca, sensual, garantiu-lhe comparações com Marlene Dietrich, atriz que também enveredou pelo mundo musical depois de consagrada com uma madura carreira como atriz.
A iluminação do espetáculo de hoje é de Paulo Pederneiras, do Grupo Corpo, que trabalhou com Bia Lessa em outras produções. O responsável pela concepção do cenário é Gringo Cardia. Além do show acústico com Bethânia e Hanna Schygulla, diversas performances referentes à cultura brasileira serão apresentadas, desde a entrada dos convidados até o fim da premiação, na Sala São Paulo.
O espetáculo e a cerimônia de entrega dos prêmios foram criados seguindo um único pensamento: posicionar o trabalho do artista brasileiro em relação ao estrangeiro. "Uma das questões que mais interessam são as relações com os outros", explica Bia. "Isso explica a realização do encontro entre Hanna e Bethânia, que é um momento inusitado, mas de intenso prazer."
Ubiratan Brasil
Jornal O Estado de São Paulo - 13/05/2002