Janelas
... A casa onde nasci era grande. Em cada quarto havia uma janela.
A gente sabia que as janelas serviam para olhar a lua, o sol, as estrelas,
a chuva e os raios caindo.
Das janelas lá de casa a gente via tudo sem medo.
Raios e coriscos eram coisas bonitas que Mãe Mina nos mostrava.
A casa da gente era grande e tinha quintal.
No quintal sempre limpo, a mangueira que viu a gente crescer.
Éramos quantos? Oito irmãos...casa cheia.
Minha Ju, minhas primas...casa cheia.
A mangueira nos dava sombra e frutos. Sombra e frutos...
Na escola eu cantava um hino que dizia assim. Eu lembrava do meu quintal e
da mangueira da gente.
Embaixo da sua sombra a vida foi sempre tranquila.
Os nossos brinquedos cresciam em seus galhos e as folhas secas e as mangas
pecas serviam de dinheiro e carneiros.
Embaixo da mangueira, a terra era sempre úmida e a sombra calma e fresca.
Em volta, cheiro de terra molhada e folha verde.
Pela vida a fora procurei sempre mangueiras mas cortaram do meu caminho
muitas sombras e levaram os frutos doces para longe.
Nós brincávamos de drama no quintal. Se chovia o palco passava a ser a
escada do corredor.
Rodrigo tinha as cenas. Mãe Canô dava lençóis para a cortina, meu Pai
ajeitava o arame. O cenário era o araçazeiro ou os degraus, dependia do
tempo.
Cantos, danças, monólogos, diálogos...de tudo apresentávamos um pouco.
Bob falava alto e era sucesso representando o Doutor. Sônia Muricy fazia a
Senhorita:
"- Dá licença Senhorita?
- Pode entrar Senhor Doutor.
- Hoje a tarde está bonita...
- Seu chapéu, faça o favor..."
Caetano tocava com os copos com água. Uns mais cheios que outros e o som
controlado por ele nos encantava.
Bethânia tocava bongô, outras vezes cantava "Feiticeira como a rosa, tão
formosa..."
Cada um no seu papel, todos artistas principais aos olhos da platéia formada
pelos maiores "tietes" que eram: meu Pai, mãe Canô, minha Ju, Daia, Dete,
Inha, Thereza...
Mabel Velloso
Trecho do livro de Mabel Velloso: Janelas - 1998
Maria Bethânia e Belô Velloso
Concha Acústica - Salvador, BA