Festa de arromba’ em versão 2002
É difícil imaginar como seria a “Festa de arromba” da Jovem Guarda se, na lista dos convidados, estivessem os nomes de Maria Bethânia e Zélia Duncan. Mas quem esteve no Canecão, anteontem, pode fazer uma idéia. Com a participação das duas cantoras e também de Wanderléa, Erasmo Carlos abriu o projeto Concertos MPBr deste ano, numa noite em que até a baianidade de Bethânia e a voz grave de Zélia colocaram-se a serviço do ingênuo romantismo dos anos 60. Nessas condições, Wanderléa não precisou de muito esforço para que a platéia a consagrasse a estrela da noite — muita gente sabia de cor a coreografia de “Pare o casamento”.
Público foi ao delírio com a apresentação de Wanderléa!
Poucos dias antes do show, Erasmo disse que não queria transformá-lo numa celebração à Jovem Guarda. Quando Bethânia — madrinha da série — abriu a noite sozinha, cantando “Emoções”, e, logo depois, em dueto com Erasmo, “As canções que você fez para mim”, parecia que o espetáculo ia mesmo em outra linha. O cantor ainda transformou o Canecão num grande coral em sucessos como “Mulher (sexo frágil)” e “Sentado à beira do caminho”, mas a platéia mostrou o que queria realmente quando ele anunciou a “irmãzinha” Wanderléa, recebida com aplausos efusivos.
De calça boca-de-sino e blusa justa, Wanderléa mostrou que mudou pouco desde os tempos de Ternurinha — inclusive como cantora. Seu estilo de interpretar, com o gestual e a ingenuidade de uma menina de 17 anos, chega a parecer inadequado para, vá lá, uma senhora. Mas revival é isso aí e o público adorou. Principalmente quando, saltitante, lembrou “Prova de fogo”, “Devolva-me” e “Pare o casamento” — esta com direito a arremesso de buquê no final. Parecia o auditório do programa “Jovem Guarda”. Modernizado, é claro, com direito a efeitos de luz que geraram divertidos comentários na platéia.
— Parece Pink Floyd — exagerou alguém, cometendo uma injustiça com o grupo de rock progressivo, já que a luz do show merecia um tratamento mais cuidadoso.
Motivada por gritos de “maravilhosa”, “poderosa” e até um inusitado “necessária”, Wanderléa chegou a ensaiar uma coreografia “popozuda”, agachada com as mãos nos joelhos. Mas não foi adiante.
Chamada por Wanderléa, Bethânia embarcou na festa de arromba valorizando a açucarada “Eu já nem sei”. As participações da baiana, aliás, pontuaram com genialidade a noite. Com Zélia Duncan, ela foi responsável pelo melhor momento do show, cantando em dueto “Baila comigo”, de Rita Lee. Zélia, por sinal, ao introduzir Bethânia, falou da emoção desse encontro:
— Por causa dela, tornei-me cantora. A primeira vez que a ouvi foi no disco “Chico e Bethânia”, conheço cada respiração daquele disco. Também fiquei com um trauma, queria ter sotaque baiano e não tenho. Claro que estou falando da diva do Brasil, a abelha-rainha, Maria Bethânia.
Com Erasmo, Zélia mostrou-se totalmente integrada ao espírito anos 60, em excelentes interpretações para “Você me acende” e “Eu sou terrível”. E, sozinha no palco com sua banda, não deixou o pique cair, com sucessos como “Alma” e “Enquanto durmo”.
A noite, porém, era mesmo da Jovem Guarda e, quando assumiu o palco de novo, o Tremendão não fugiu disso. Ao lado de sua competente banda fez um pot-pourri com sucessos como “Fama de mau”, “Pode vir quente que estou fervendo”, “Splish splash”, “É proibido fumar” e, é claro, “Festa de arromba”.
No bis, Erasmo e suas convidadas cantaram “É preciso saber viver”, numa cena que deve estar no DVD que será lançado ao fim dos Concertos MPBr, com os melhores momentos da série de shows.
Leonardo Lichote
Globo on Line - 08/08/2002