Brasileirinho - Maria Bethânia






É com as seguintes palavras que Maria Bethânia define Quitanda, o selo que lança em parceria com Kati Almeida Braga: “Um selo completamente diferente, onde se oferece música, teatro, literatura (prosa e poesia)”.

Brasileirinho, na voz da própria Bethânia, é o primeiro disco saído da Quitanda - juntamente com o álbum da cantadora de Santo Amaro da Purificação, Dona Edith do Prato. Na concepção de Bethânia, trata-se de um “disco-release”, idealizado como um panorama da direção artística que se pretende imprimir nesta nova empreitada fonográfica. O nome Quitanda surgiu de uma entrevista que Bethânia leu da arquiteta Lina Bo Bardi (criadora do MASP), na qual ela dizia que todo mundo deve ter a sua quitanda. “Resolvi fazer a minha”, diz a cantora.

Na convergência de suas diferenças e seus credos, o Brasil vê-se grandiosamente refletido sob o mais musical dos diminutivos. Produzido por Maria Bethânia, com direção musical de Jaime Alem, Brasileirinho inicia mesclando uma canção dos baianos Gerônimo e Ildásio Tavares, Salve as Folhas, com intervenções - poética - do maranhense Ferreira Gullar, recitando O Descobrimento, do paulista Mario Andrade e - musical - dos mineiros do grupo Uakti.

Yayá Massemba, dos baianos Roberto Mendes e Capinam, traça a viagem de um samba “parido no ventre escuro de um porão” de navio negreiro, metáfora da África-Brasil, sua herança e seus desdobramentos. Herança retratada ainda em Capitão do Mato (do pernambucano Vicente Barreto e do carioca Paulo César Pinheiro), na Cabocla Jurema e no Ponto de Janaína, esta com a participação de Miúcha.

A paranaense Denise Stoklos interpreta O Poeta Come Amendoim, também de Mario Andrade, abrindo o caminho para Santo Antônio, de Jota Velloso, louvando em sincretismo musical o santo italiano que no Brasil recebeu fama de casamenteiro (“amor que se perde nasce outro no ninho”). O grupo de choro Tira Poeira, que reúne Rio, Santa Catarina e Rio Grande do Sul em sua formação, acompanha o Padroeiro do Brasil: “vamos cantar com alegria e prazer porque São Jorge é o padroeiro do Brasil”, nos versos da canção de Ary Monteiro e Irany de Oliveira, saudando o 23 de abril de Jorge, mas também de Ogum e Oxossi: “Quem é devoto é só fazer uma oração / que o guerreiro sempre atende dando a sua proteção”.

São João Xangô Menino é uma composição de Caetano Veloso e Gilberto Gil feita para o grupo Doces Bárbaros (que reuniu Bethânia e Gal, além dos autores da canção), na década de 70. No sincretismo afro-romano-brasileiro, Xangô, o orixá do fogo, liga-se às festas de São João, devido a associação do santo católico às fogueiras típicas do mês de junho. Bethânia cita o “São João do Carneirinho”, de Luiz Gonzaga, antecipando o ponto de macumba de louvor a Xangô e João.

Do sertão do Pernambuco de Luiz Gonzaga, vem o Boiadeiro, de Armando Cavalcanti e Klecius Caldas, sucesso do Rei do Baião. Cigarro de Palha acende as Minas de Guimarães Rosa, recitado por Bethânia – “Felicidade se acha é em horinhas de descuido”. Também do criador de Diadorim, o texto “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”, serve de prelúdio para ao dueto de Bethânia e Nana Caymmi em Sussuarana.

Feito um Sebastião índio, o guerreiro de O senhor da Floresta some no Rio Chuí “crivado de flechas de longe atiradas por outro tupi”, para reaparecer aos pés de Tupã. Entre os habitantes ancestrais das terras brasileiras e a ordem da bandeira nacional, estão “os riscos que corre essa gente morena” diante do “horror de um progresso vazio”, conforme a cadência poética de Purificar o Subaê, samba de Caetano Veloso, oração pela diversidade ecológica e religiosa do Recôncavo da Bahia. Pátria Minha, de Vinicius de Moraes, é também a pátria lírica de todos os brasileiros, ressonante em Villa-Lobos, na Melodia Sentimental do Brasileirinho de Bethânia.




Biscoito Fino
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