Maria Bethânia leva 80 mil ao Ibirapuera



São Paulo - O fim de tarde ensolarado ajudou a doce bárbara Maria Bethânia a atrair um público de quase 80 mil pessoas à Praça da Paz, no Parque do Ibirapuera, zona sul de São Paulo. Esse foi o quarto show da série Pão Music 2002, que este ano trouxe os outros doces bárbaros Gilberto Gil, Caetano Veloso e Gal Costa.

Um grande espetáculo, que reunirá os quatro músicos, está programado para o dia 7 de dezembro, também no Parque do Ibirapuera. Maria Bethânia subiu ao palco às 17h15 e encantou o público com Emoções. O repertório incluiu também sucessos como O Quereres, Todo o Amor que Houver nessa Vida, Negue e Fera Ferida. A apresentação terminou às 19h10.

"Ela é uma cantora espetacular e o show está lindo. O dia também ajudou. Voltarei ao parque para ver os quatro juntos", disse a aposentada Célia Rodrigues, que já viu os espetáculos de Gil e Gal no mesmo lugar. No show, nada de dramaturgia. Bethânia deixou de lado os textos de escritores famosos, que costuma proclamar durante suas apresentações, e preferiu trazer para o público dois convidados de peso, os cantores e compositores Lenine e Angela Ro Ro.

Surpresa - Por volta das 18 horas, o público foi surpreendido pela presença, no palco, de Angela Ro Ro, que tem pelo menos duas composições gravadas por Bethânia. Lenine ainda era esperado no palco. Dele, Bethânia gravou Nem Sol, nem Lua, nem Eu no álbum Maricotinha de 2001.

Em meio ao público estava o senador Eduardo Suplicy (PT), que tinha ido ao parque para correr. No fim do show, Bethânia disse que se sente orgulhosa do Brasil "pelas últimas demonstrações de coragem e força" - uma clara referência às eleições.

A comerciante Rose Padilha passeava de bicicleta com o filho, Vitor, de 10 anos, e resolveu parar para assistir ao show. "É uma boa atração para um fim de tarde." Ela não concorda, no entanto, com a realização de shows no Ibirapuera. "Aqui já é um lugar de lazer por si só. A Prefeitura deveria criar novos espaços para shows."

Adriana Carranca
O Estadão - 09/11/2002

Com chuva ou sem chuva, a arte de Bethânia

Só muita chuva pode impedir que a presença de Maria Bethânia no projeto Pão Music (às 19h30m de hoje na Praia de Copacabana, em frente à Rua Paulo Freitas, no Rio) seja um grande sucesso.

— Aqui em Ipanema já enfrentei temporal. Na verdade, eu chovo muito. Tenho uma amiga do Ceará que vive me pedindo para cantar lá. Quem sabe não acabo com a seca? De qualquer forma, acho uma coisa preciosa cantar em praça pública, de graça, para muita gente.

“Maricotinha”, o excelente disco do ano passado, será a base do show, com a inserção de algumas canções de maior apelo no repertório de Bethânia. Ela tem dois convidados especiais para esta sua penúltima participação no Pão Music (a última será a reunião dos Doces Bárbaros em dezembro, o mesmo espetáculo que farão no réveillon de Salvador). Os convidados são Lenine e Angela Ro Ro. Cada qual se apresentará sozinho: Lenine em “Nem o sol, nem a lua, nem eu” e “Saudade do Recife”, e Angela Ro Ro em “Amor, meu grande amor” e “Fogueira”.

— Depois das festas do fim do ano, pretendo viajar, descansar um pouco, sair do Brasil — adianta Bethânia. — É sempre bom andar pelo mundo descobrindo vozes que me enriqueçam como intérprete, como aconteceu com o grupo Ladysmith Black Mambazo.

Antes que o ano chegue ao fim, Bethania lançará o DVD “Maricotinha ao vivo”, no qual entrarão as duas músicas de Roberto e Erasmo Carlos cortadas por engano do CD.

— Já estava tudo pronto, mixagem, corte, tudo, quando a editora de Roberto não deu a necessária autorização para que “Fera ferida” e “Não quero ver você tão triste” entrassem no CD. É claro que estranhei. Mas respeitei. As duas canções foram apagadas da fita matriz. Uma pena. Mas Roberto e logo em seguida Erasmo me telefonaram para dizer que tinha havido um engano. A negativa de autorização não era para todo mundo. Mas era tarde. As duas canções, agora, só no DVD.

A viagem em busca de vozes é apenas um dos projetos de Bethânia para 2003. Em maio, com um atraso de um ano em relação à idéia inicial, sairá pela Biscoito Fino o CD “Nossa Senhora”, que Bethânia considera um projeto especial e não um disco de carreira. Este, o segundo para a gravadora (primeiro depois de “Maricotinha ao vivo”), já está sendo trabalhado no coração da cantora que vê em Vinicius de Moraes o “pai estético” de toda a sua geração.

— Sim, um disco todo dedicado a ele. — confirma. — Penso num trabalho que fosse uma conversa com Vinicius. Era sempre prazeiroso conversar com ele, um homem cheio de humor, que me fazia rir o tempo todo. Quero matar a saudade dele, namorar ele, dizer às pessoas o quanto ele faz falta, cantando suas músicas.

Quais? Bethânia não tem idéia. Pediu ajuda a Suzana de Moraes, filha do poeta, e esta lhe sugeriu nada menos de 86 canções, considerando apenas “as que não podem faltar”. Bethania sabe que a escolha das que de fato entrarão no disco será difícil, mas uma dificuldade vivida com prazer.

O CD dedicado a Vinicius, como o antológico com músicas de Roberto e Erasmo Carlos, será mais um modo de Bethânia fazer o que gosta: passear distante do óbvio.

Antes que ela chegasse para o ensaio no Estúdio Floresta, Lenine e Angela Ro Ro jogavam sinuca. Um duelo interrompido sem que se soubesse quem estava ganhando, um e outro cantando vitória.

— Sou completamente edipiano — disse Lenine logo após descansar o taco.

— Você também é de piano — provocou Ro Ro?

— Não, sou apaixonado por minha mãe, o que explica o meu lado feminino.

Angela se afastou, deixando Lenine com o entrevistador.

— Compor para mim é coisa natural e orgânica — explica Lenine. — É a conseqüência do exercício da composição. Comecei como intérprete e, quando dei por mim, estava todo mundo gravando minhas músicas.

Ao ver Lenine se enganar sobre o local do show em São Paulo, Angela Ro Ro interveio com uma gozação:

— No Morumbi eu não canto, só canto no Ibirapuera.

Lenine não gostou, deu a entrevista por encerrada, levantou-se e foi embora. Angela, tranqüila, sentou-se em seu lugar. Começou por confirmar o bom momento que atravessa, principalmente por ter voltado a compor:

— Sempre fui uma compositora preguiçosa — admite. — O oposto de Ivan Lins, que não pára de escrever, gravar, fazer shows. Sou o anti-Ivan Lins. Temos uma parceria combinada há tempos, mas, por minha culpa, a música não sai.

Mais magra, achando que isso tem pouco a ver com a boa fase (“Minha preguiça sempre foi magra”), não consegue ser racional enquanto compõe: tudo nela é intuição.

— Não sei se é fase — diz. — Deixei de fumar, de beber, de me envolver com drogas. Abandonei a vida desregrada e a sedentária também. Até de bicicleta tenho andado. Já saí de qualquer boca de lobo.

Com tal fase, a zanga de Lenine certamente terá passado quando os dois subirem ao palco, para o aguardado grand finale com Bethânia.

João Maximo
O Globo On line - 09/11/2002

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