Rosa dos Ventos

A cantora Maria Bethânia planeja remontar o antológico show de 1971, embalada pelo sucesso da retomada da parceria com o diretor teatral Fauzi Arap em "Âmbar"

Enquanto Gal Costa se reúne à pós-moderna MTV para um show "Acústico", Maria Bethânia, 51, prefere olhar para o passado. Em seu rol de projetos, inclui o de reconstituir, ponto a ponto, "Rosa de Ventos", o show-síntese de sua relação teatral com o palco.

"Rosa dos Ventos" veio ao mundo em 1971, pouco antes da estréia de "Fatal", show de Gal Costa hoje alçado à condição de mito. "Não é bacana que tenham acontecido ao mesmo tempo?", pergunta Bethânia.

"Era lindo. A gente fazia sessões às 19h e intercalava sessões às 21h nos domingos, para uma assistir à outra. As pessoas iam de biquíni, saídas direto da praia", lembra.

Se Waly Salomão foi o homem por trás de Gal em "Fatal", "Rosa dos Ventos" contou com o ator e diretor teatral Fauzi Arap, 59, que já vinha de parceria anterior com Bethânia no show "Comigo Me Desavim", de 1967.

"Eu tenho uma impressão ambígua, dúplice em relação à remontagem", diz Arap, que em 1996 voltou a trabalhar com Bethânia, no show do disco "Âmbar".

"Adoraria recriar 'Rosa dos Ventos' plenamente. Mas a força do show vinha do contexto histórico em que foi criado, fico um pouco paralisado. E depende mais dela que de mim."

Mas Arap atesta o interesse da cantora: "Em 'Âmbar', eu tinha a tentação de ir mais fundo com o material de 'Rosa', mas ela dizia: 'Não, eu quero remontar'".

Bethânia não nega a vontade. "A Philips lançou o show em disco, mas todo cortado e editado. Queria ter o disco inteiro, sem cortes."

Ela diz que pensa em refazer o show para ser apresentado em espaços públicos, de graça ou por preços ínfimos. "Não tem sentido fazer para a burguesia", diz.

As palavras da Bethânia de hoje ecoam nas da Bethânia da época. "É a minha vida agora, eu adoro fazer o espetáculo. Pena que um dia vai acabar, se fosse por mim não acabava", declarou ela à imprensa em 1972. 1971

O exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil, desde 1969, funcionou como uma das forças motrizes de "Rosa dos Ventos". "Cantávamos a volta dos dois, sem ser explícitos, e isso acabou por acontecer. Após uma longa negociação, Caetano veio ver o show", conta Arap.

Em "Rosa dos Ventos" se estabeleceu o modelo de show teatral - já esboçado em "Comigo Me Desavim" - que caracterizaria Bethânia anos 70 afora, repetido em "Drama" (72/73), "A Cena Muda" (74), "Pássaro da Manhã" (77). Com subtítulo de "Show Encantado", o espetáculo se fazia de cinco atos, denominados "ar", "terra", "fogo", "água" e "eu".

A canção "O Tempo e o Rio" (Edu Lobo-Capinam) e poemas de Fernando Pessoa e Clarice Lispector marcavam a transição de um momento para outro. No meio, Bethânia interpunha versões curtas de canções de Dorival Caymmi ("Morena do Mar"), Batatinha ("Imitação", "Hora da Razão"), Chico Buarque (a faixa-título), Caetano ("Avarandado", "Janelas Abertas Nº 2") e cantigas de roda.

Com acompanhamento do grupo Terra Trio, Bethânia se aconchegava em cenografia, figurinos e projeções em slide do cenógrafo Flávio Império (1935-1985).

Ele concebeu também o estandarte que ornamentava a fachada do teatro da Praia, no Rio, fundindo num só os rostos de Bethânia e Caetano. Arap explica a gênese do "show encantado": "O Terra Trio havia concluído uma pesquisa em torno da obra da compositora Suely Costa para a peça 'Alice no País Divino Maravilhoso'. Fui buscar parte do repertório nesse espetáculo meio psicodélico, que não havia feito muito sucesso".

Bethânia entrava cantando "Assombrações" ("as sombras são assombrações"), de Suely e Tite Lemos, recolhida de "Alice". De "Rosa dos Ventos" como era de fato, resta por ora registro pouco fiel.

O show foi transformado em disco ao vivo homônimo, lançado ainda em 1971 pela PolyGram (então Phonogram).

Além de embaralhar a disposição das músicas no show, o álbum distorce os créditos das canções gravadas - há canções creditadas, mas não incluídas, e outras cantadas por Bethânia, mas não registradas na lista de conteúdo. Relançado em CD há alguns anos, hoje está fora de catálogo _como grande parte da obra da artista no período.

A reconstituição por Bethânia e Arap deve configurar, além de inédita recuperação histórica, a única possibilidade de trazer "Rosa dos Ventos" ao conhecimento dos 90

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
Folha de São Paulo - 03/07/97


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