Chuva não impediu que fãs lotassem a estréia do show de Maria Bethânia no Canecão
RIO - O temporal que desabou no Rio na última sexta-feira não impediu que fãs, alguns VIPs e poucos famosos, lotassem o Canecão para ver a estréia do show de comemoração dos 40 anos de carreira da "Abelha Rainha", Maria Bethânia. Com o mesmo nome que leva o DVD, "Tempo Tempo Tempo Tempo", empolgou a platéia, apesar de alguns problemas técnicos.
A irmã de Caetano entrou descalça (sua marca registrada) e com um vestido branco transparente, que dava pra ver que os quase 60 anos da cantora são imperceptíveis. Bethânia cantou "Oração ao Tempo", canção que nomeia o show, de autoria de Caetano, dando início a um passeio por todos os compositores que marcaram sua carreira como Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Chico Buarque e Carlos Lyra. Entre uma música e outra ela recitou diversos poemas.
Vinícius foi homenageado em seu último disco, "Que Falta Você me Faz", e foi um dos principais incentivadores da carreira da jovem e ainda desconhecida Maria Bethânia, recém chegada da Bahia ao Rio, para participar dos shows do Teatro Opinião, em 1965. O poeta logo percebeu na jovem cantora a força e expressão que as décadas seguintes confirmariam. Ele dizia que a cantora tinha voz de árvore. No show estão parcerias do "poetinha" com Tom Jobim ("Olha Maria", "Modinha", "A felicidade", "Lamento no morro", "Monólogo de Orfeu", "Soneto de separação", "Mulher sempre mulher"), Baden Powell ("O astronauta", "Formosa", "Samba da bênção"), Carlos Lyra ("Você e eu" e "Minha namorada") e a parceria bissexta de Vinicius com Adoniran Barbosa, em "Bom dia tristeza".
Nem tudo são flores, ao cantar "Minha Namorada", a baiana parou o show e sem nenhuma cerimônia leu a letra da música de Carlinhos Lyra e Vinícius, e levou a platéia ao delírio. O som em dois momentos falhou, mas com todo o profissionalismo Bethânia parava tudo e esperava calmamente os técnicos resolverem os problemas.
Bethânia também cantou o rock "Vem quente que eu estou fervendo" (Carlos Imperial e Eduardo Araújo), uma versão em ritmo de mambo de "Volta por cima" (Paulo Vanzolini) e relembrou o início da carreira com "Carcará" (João do Vale e José Cândido).
A baiana estava muito feliz em cantar no Rio. "Adoro cantar nessa cidade, que me acolheu em 1965, quando vim trabalhar substituindo Nara Leão, no Opinião", comentou.
No camarim a cantora recebeu amigos e fãs como o pesquisador Ricardo Cravo Albin, as atrizes Zezé Mota e Vanessa Lóes, a cantora Ana Carolina e o ator baiano Fredy Ribeiro, que interpreta o Delegado no "Sítio do Pica-Pau Amarelo", amigo de infância da abelha. "Bethânia foi aluna da minha mãe, que era professora primária lá na Bahia", disse.
O show fica em cartaz até o dia 11 de dezembro. No palco, Bethânia é acompanhada por Jaime Alem (arranjos, regência, violão), João Castilho (violão, guitarra), João Carlos Coutinho (piano), Rômulo Gomes (baixo), Marcio Mallard (violoncelo), Marcelo Costa e Reginaldo Vargas (percussão). A cenografia é de Daniela Thomas e Marcia Moon, iluminação de Maneco Quinderé e a direção do show fica a cargo de Bia Lessa.
Daniela Cálcia
O Dia Online - 05/12/2005
MARIA BETHÂNIA EM UM TEMPO QUE NÃO PASSA
Quando se fala da obra de Vinicius de Moraes, tantas vezes gravada e reverenciada por diversos nomes da música brasileira, pode-se ter a ilusão de que não há mais como se surpreender. Afinal, vozes masculinas e femininas, das mais diversas tendências musicais, já tiveram a honra de cantar o Poetinha. No entanto, como um dom divino, Maria Bethânia surpreende e encanta ao desfilar sua poesia no palco do Directv Music Hall (São Paulo).
Nosso diamante verdadeiro, com sua sensibilidade ímpar e a teatralidade notória, faz cintilar cada frase musical de Vinicius em Tempo, Tempo, Tempo, Tempo. Mesclando o repertório do disco Que Falta Você me Faz com sucessos de outros grandes compositores da música brasileira, Maria Bethânia brilha mais uma vez. Na sexta-feira, 8 de abril de 2005, quem teve o prazer de assistir a mais esta apresentação da rainha, voltou para casa com uma certeza: quem não rasga o coração não vai ter perdão!
Interpretando Vinicius e Roberto Carlos, passando por Caetano Veloso e Chico Buarque, a deusa mais humana cantou o amor. E, num sopro do Criador, também homenageou Roberto Mendes, Raul Seixas, Dona Ivone Lara, Francis Hime, Lupicínio Rodrigues, Almir Sater, Flavio Venturini, Jards Macalé, Sueli Costa, Paulo Vanzolini, Gonzaguinha e outros.
Em cada gesto, cada suave movimento com que deslizava no palco, Bethânia era um pássaro e dava asas à alegria e à esperança do público. Essa emoção era visível nos olhos da platéia. Com a elegância de sempre, os pés descalços, um cenário expressivo em sua sutileza e sob a direção de Bia Lessa, Bethânia flutuou entre belas canções. Destaque para a iluminação de Maneco Quinderé, que deu cores especiais às nuances do espetáculo.
Bethânia apresentou-se acompanhada de grandes músicos: Jaime Além - arranjos, regência, violão; João Castilho - violão, guitarra; João Carlos Coutinho - piano; Rômulo Gomes - baixo; Marcio Mallard - violoncelo; Marcelo Costa - bateria e Reginaldo Vargas - piano, que fizeram o público sonhar ao som de "Berimbau" e "Canto de Ossanha" (ambas de Baden Powell e Vinicius) quando a musa ausentou-se para uma breve troca de roupas. Do começo ao fim do show, havia no ar uma alquimia, um néctar que envolvia cada espectador. A reação da platéia não poderia ser outra: declarações de admiração, euforia, felicidade, sintonia. Homens e mulheres que, entre uma canção e outra, soltavam a voz para enaltecer a diva.
Bethânia tem o dom de dar ao público a nítida e real sensação de viver ou ter vivido cada detalhe das letras. Cada canção, toda palavra, é uma passagem de sua vida e resume ou define suas emoções, sua evolução espiritual e seu amadurecimento profissional. Ela parece cantar, tão e somente, a sua existência. É tão perceptível, palpável, como se ela mesma fosse autora e personagem de tudo.
Mergulhar em um texto, em uma canção exige sensibilidade, talento e doação. Maria Bethânia empresta seu corpo, sua voz e sua alma a tudo o que interpreta. Ela é toda, em cada parte. Amanhecendo, entardecendo, anoitecendo, enaltecendo o cantar!
Ao declamar (sobretudo, em uma passagem de Orfeu), Bethânia alcança o ápice da expressividade. Sua voz, cristalina e dona de uma força única, chega a cortar o coração da gente. Um misto de dor e prazer que alimenta a alma e acalenta o coração. Assim como as canções que escolheu para comemorar os 40 anos de carreira, Bethânia é atemporal. Ela sobrevive aos modelos e padrões criados pela indústria fonográfica e pela mídia em geral.
Sem dúvida, os deuses despertaram para vê-la e ouvi-la. Maravilharam-se com a limpidez de sua voz, inundaram o céu com as lágrimas de sua emoção. Aplaudiram e convocaram-se, mutuamente, para esse espetáculo inesquecível. E, como eu, devem estar loucos de prazer.
Vera Barbosa
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