O primeiro artigo escrito por um psicanalista e publicado em um periódico psicanalítico, que descreve a conduta fetichista infantil, data de 1930, e é de autoria de Lorand, tendo por título Fetichism in statu nascendi. De acordo com a compreensão de Freud do fetiche como representando o pênis ilusório da mãe, Lorand descreveu o comportamento compulsivo da criança, que tinha um apego fetichista por sapatos.
É interessante a descrição dos pais exibicionistas e demasiadamente permissivos em seus contatos com a criança, evidenciando um funcionamento familiar perverso.
Em 1946, uma comunicação importante sobre o fetichismo infantil é feita por Wulff, que, além de caracterizar clinicamente a conduta desviante, formula uma hipótese genético-dinãmica sobre as origens do fetiche. Segundo Wulff, o fetiche pode representar um substituto do corpo da mãe, de uma parte (conforme com a hipótese freudiana), ou de sua totalidade. Wulff propõe uma espécie de genealogia do fetiche, interpretando seus diferentes significados e formas de expressão nas distintas fases do desenvolvimento. Na sua origem o fetiche se relacionaria a ansiedades da fase oral, ligadas à amamentação e ao desmame. Durante a fase anal o fetiche serviria aos propósitos de retenção e posse do objeto, insuficientemente estabelecido na sua totalidade. Na fase fálica, as angústias mais primitivas encontrariam um suporte no penis, com o incremento dos temores de castração e busca de reajustamento através do fetiche equiparado na fantasia ao falo. A descrição, porém, que faz Wulff dos "objetos-fetiche" em seus estágios iniciais parece aproximá-los dos objetos transicionais encontrados no desenvolvimento normal.
Quando Winnicott, em 1951, publica seu artigo sobre os objetos transicionais e fenômenos transicionais, questiona a conotação patológica atribuída por Wulff ao apego da criança pequena a alguns objetos inanimados dos quais se tornará adicta. Esclarece Winnicott: "o objeto transicional de um bebê normalmente se torna gradativamente descatexizado, especialmente na medida em que se desenvolvem os interesses culturais (...) A adicção pode ser expressa em termos de uma regressão ao estágio primitivo no qual os fenômenos transicionais são incontestados (...) O fetichismo pode ser descrito em termos de uma persistência de um objeto ou tipo de objeto específico, que data da experiência infantil no campo transicional, ligado a um delírio de um falo materno". O fetiche, para Winnicott, portanto, se constituiria mais bem numa patologia do objeto transicional, caracterizado pela sua persistência ao longo do tempo e pela distorção de sua finalidade.
Em 1960 Winnicott descreveu o caso de um menino que apresentava uma obsessão por cordões, que com muita freqüência costumava amarrar os móveis uns aos outros dentro de casa, e cujas fantasias se associavam a maior parte do tempo a cordões ou similares. Investigando a história do menino, Winnicott descobriu que ele havia passado por várias situações de separação traumática de sua mãe, desde os três anos, por repetidas hospitalizações desta. Além das importantes alterações de seu estado de humor, e do uso do cordão, este menino apegava-se desesperadamente a ursinhos de pelúcia, que tratava como pessoas, e retinha as fezes. Através de entrevistas com a família, em que os esclareceu sobre a relação entre estes sintomas, as separações e as angústias que estas haviam produzido, Winnicott conseguiu intervir de forma a propiciar que mãe e filho abordassem, em conversa, as situações de ruptura, e dessa forma o menino evoluiu favoravelmente. Entendeu Winnicott que a patologia do objeto transicional, o uso do cordão, relacionava-se à necessidade de negar a separação e que esse desvio poderia conduzir ao desenvolvimento de uma perversão.
Em 1963, Sperling criticou duramente a formulação de Winnicott sobre a transicionalidade e, concordando com Wulff, escreveu: "É minha opinião que Winnicott criou muita confusão ao chamar a estes fenômenos e objetos de transicionais. Segundo acredito, são manifesta-
ções patológicas de uma perturbação específica da relação de objeto". Conforme Sperling, os conceitos de Winnicott são equívocos e perigc505, e avaliam erroneamente o significado e a função das manifestações infantis do fetichismo.
Greenacre, que ocupou-se com as origens do fetichismo em vários artigos, abordou as relações entre fetiche e objeto transicional em dois trabalhos (1969, 1970). Salienta Greenacre que ambos os fenômenos mostram marcadas diferenças. Segundo entende, o aparecimento do fetiche associa-se à imagem de uma mãe não suficientemente boa e incontinente com seus sentimentos agressivos, suas angústias e frustrações, o que pode dificultar o desenvolvimento da criança ocasionando uma erotização sadomasoquista prematura, algumas vezes associada com uma genitallzaçáo precoce. Para Greenacre, a intensificação da atividade auto-erótica encontra sua função defensiva no controle da tensão e assume padrões mais ou menos automatizados. Mesmo quando um objeto externo ao corpo tenha sido escolhido, sua forma e seu uso são mais concretizados e podem adquirir a característica de um fetiche infantil".
A erotização, pois, parece ser uma distinção importante entre o uso de objetos inanimados com objetivos transicionais e fetichistas. Encontramos também em Greenacre uma referência à época do apego ao objeto como um elemento diferencial. Ela escreve: "O fetiche conduzindo à perversão torna-se manifesto somente no período em que o objeto transicional está perdendo a sua importância funcional". A partir de sua experiência clinica, Greenacre diz ter constatado que nos desenvolvimentos perversos ocorre freqüentemente uma exposição demasiada do corpo nu da mãe ou de seus genitais à criança, o que seria uma influência perturbadora precoce e produziria um impasse no desenvolvimento psicossexual. Esta observação confirma as anteriormente referidas sobre a natureza eroticamente estimulante, porém hostil, da atitude parental e a ambivalência intensa presente nestas reações.
Greenacre afirma que a criança fetichista possui uma distorção importante na organização da imagem corporal, decorrente dos padrões relacionais que descrevemos, e que o fetiche por sua solidez e durabilidade serve para "consolidar a ilusão de uma suplementação materna para o próprio corpo em crianças pequenas cuja relação precoce com a mãe não foi suficientemente boa". O objeto transicional permite uma gradual aproximação da realidade externa, uma ampliação do interesse da criança pelo ambiente, com um conseqüente afastamento do corpo da mãe; diferentemente do fetiche que, expressando dramaticamente a angústia da criança numa dessimbiotização vivida como desgarramento, em sua utilização compulsiva busca permanentemente reparar uma ilusão de defeito egóico e corporal.
Parece-me importante a revisão da literatura, com vistas a uma maior precisão conceitual, que faz Bak, em seu artigo "Distortions of the Concept of Fetishism" de 1974. Bak critica o que chama de "superextensão" do conceito de fetichismo, e principalmente a tendência de outros autores a interpretarem o apego da criança a objetos inanimados, nas etapas iniciais do desenvolvimento, como fetichismo. Bak insiste em que o fetiche possui uma função essencial e uma fase específica: a defesa contra a ansiedade de castração intensa que se manifesta na fase fálica. Discorda, portanto, de autores como Gillespie (1940) e Weissman (1957) (citados por Bak), que ressaltam a predominância de fatores orais e relacionam o fetiche a tentativas de identificação do ego com um "seio bom".
Bak busca deixar claro que as manifestações que se costumam descrever como fetichistas e que aparecem aos 4 ou 5 anos, acompanhadas de uma excitação sexual difusa, não necessariamente conduzem ao fetichismo adulto. Salienta que, embora essas manifestações possam conter os mesmos significados simbólicos e geneto-dinâmicos, a quantidade de investimento e as necessidades defensivas podem reduzi-las a meras tendências. Não se poderia falar num fetichismo verdadeiro. Para Bak a condição sine qua non do fetichismo é a ansiedade de castração durante a fase edípica. O que precede a fase fálica não é específico do fetichismo, os chamados fetiches pregenitais defendem contra a separação, a perda objetal, a privação, a perda da integridade corporal, contrariamente ao que pensa Bak quando diz que somente se poderá falar em fetiche infantil se o objeto servir à estimulação genital.
Sem necessariamente posicionar-me com relação à época exata em que se pode passar a falar em fetichismo infantil, acredito serem importantes as manifestações pré-genitais que Bak descreve como precursoras do fetichismo infantil propriamente dito. Ele sugere que a relação mãe-filho que favorece o surgimento do fetiche se caracteriza pela presença de "objetos protéticos". Estes objetos são antes objetos dados ou sugeridos pela mãe do que objetos criados pela criança, como seria um objeto transicional. É interessante a relação que faz entre os cuidados maternos primários e o aparecimento das sensações genitais na criança. Diz Bak que "é provavelmente mais do que uma metáfora que neste estágio a sexualidade da criança (ou a esquematização genital) está na mão das mães. A vulnerabilidade específica desta fase pode ser contingente com a emergência da representação do objeto predominantemente separado". Por isso o trauma do abandono se relaciona ao incremento da angústia de castração, pois a masturbação compulsiva ou a atividade fetichista buscam reinstalar a presença e a estimulação sensual que o objeto assegurava, de forma autoplástica.
Numa publicação relativamente recente, Stoller (1989) relata um caso de fetichismo infantil que questiona algumas das hipóteses anteriormente expostas, sobretudo por se tratar de um menino que manifestou a conduta fetichista com a idade de dois anos e meio.
Stoller pretende demonstrar que Mac era efetivamente perverso, e não apenas apresentava precursores pre-edípicos da perversão, neste estágio precoce do desenvolvimento. Segundo Stoller, "Em virtude de sua relação com a mãe, induzida precocemente, impregnada de erotismo, mutuamente necessária, carregada de ambivalência, uma relação que o levou a desenvolver um fetichismo erótico, ele merecia ser considerado um perverso". Concorda o autor, porém, que seu fetichismo não pode ser igualado ao fetichismo do adulto.
Os sintomas de Mac aparecem na época em que infelizmente coincidem, em sua vida, o nascimento de um irmão com o seu ingresso numa escola maternal. A angústia gerada por esta situação desencadeia em Mac o comportamento perverso, que consistia num intenso interesse nas meias e nas pernas de sua mãe, cujo contato direto o deixava muito excitado, chegando à masturbação.
Nas situações enumeradas por Stoller como potencialmente traumáticas no desenvolvimento inicial de Mac, aparecem: adoção, circuncisão, mudança de residência, situação em que perdeu-se da mãe, d~ pressão puerperal, simbiose ambivalente e intensa angústia de separação.
A mãe do menino (analisada por Stoller) é descrita
como uma mulher triste e atemorizada, que havia tido uma infância
infeliz e que buscava na relação com o filho a cura para
sua depressão; tratava-o como um fetiche, uma parte dela ou um objeto
ideal, externo a ela, mas que estava sendo permanentemente aspirado para
o seu interior. Essa descrição concorda com as de Khan (1979)
e Chasseguet-Smirgel (1984) sobre as características da relação
estabelecida entre o futuro perverso e sua mãe. Mac é descrito
pela mãe como "deslumbrante", "fisicamente lindo", com "pele maravilhosa",
mas ao mesmo tempo em que serve de objeto à projeção
de uma idealização narcísica é também
hostilizado como uma parte injuriada do self da mãe.
Neste caso, entende o autor que a ameaça de castração
provinha da mãe. Com uma frase, sintetiza as peculiaridades dessa
relação: "Ela o ama do modo como sente que sua mãe
não podia amá-la e o odeia do modo como odeia a si própria".
Mac esteve em tratamento durante um ano e meio com um colaborador de Stoller,
tendo uma evolução razoável, mas sem alteração
do comportamento fetichista.